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Opinião|Controle do Judiciário pelos Tribunais de Contas


Entre a vedação ao poder ilimitado e a autonomia condicionante da imparcialidade

Por Laura Mendes Amando de Barros

O sistema de controle da ação pública desenhado no texto constitucional pressupõe a atuação coerente, coordenada e complementar das diversas instâncias – inclusive social -, tanto do ponto de vista passivo quanto ativo.

Todos os atores desse ecossistema investidos na posição de controladores são igualmente controlados, submetidos a escrutínio, como forma de concretização do sistema de freios e contrapesos.

Os valores estruturantes do Estado Democrático de Direito são incompatíveis com poderes absolutos, fazendo-se imprescindível, portanto, estratégias de contenção, revisão e accountability.

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Tal premissa é absolutamente clara no que tange ao Executivo, Legislativo, Tribunais de Contas, Ministério Público e à própria sociedade civil, cuja atuação é potencial e invariavelmente sujeita a controle judicial, nos termos do artigo 5º, XXV da CF.

Em se tratando do Judiciário, porém, a questão parece um pouco menos evidente – até em razão da sua competência para dar a palavra final em toda a sorte de conflitos e discussões.

Tal posição redunda em distorções interpretativas e resistências infundadas, mormente em termos de transparência – a que estão sujeitos todos aqueles que de alguma forma exercem função administrativa, ainda que no bojo de algum ‘poder’ da república.

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Nesse sentido, todos os atos relativos a pessoal, contratação, remuneração etc praticados por servidores do Judiciário estão sujeitos a tal princípio (e a todos os demais orientadores da ação administrativa).

Não obstante a clareza e inafastabilidade de tal premissa, constata-se alguma resistência nesse campo: ainda se cultiva considerável opacidade, em situações como gastos dos ministros do STF em viagens e sua utilização de aviões da Força Aérea Brasileira (conforme referendado pelo TCU, no acórdão 852/2024, e inclusive após a finalização da utilização).

Há, porém, melhorias dignas de registro: conforme constatado em maio do corrente pela Transparência Brasil em avaliação do Portal do CNJ[1], os Tribunais Superiores e militares atingiram o índice de 98% de transparência quanto aos contracheques – cenário dissonante da esfera estadual, em que sete Tribunais apresentam dados ausentes há quinze meses.

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Referidas entidades (TB e CNJ) firmaram acordo de cooperação justamente visando o incremento da transparência.

Para além da fiscalização pela sociedade civil, o Judiciário está igualmente sujeito ao controle dos atores institucionais, dos quais destacamos o Tribunal de Contas (artigos 71, 74 e 103-B).

Nesse sentido, digno de registro paradigmático acórdão 1475/2020 do TCU, em que levou a efeito auditoria voltada a avaliar se as atividades das unidades de auditoria interna do Judiciário federal (notadamente do STF, STJ, TRF1 e TRE/DF) encontram-se aderentes aos padrões internacionais estabelecidos pelo Institute of Internal Auditors (IIA) no International Professional Practices Frameword – IPPF, e se observam os princípios da independência e objetividade de auditores, adotam análises de risco, avaliam a qualidade dos trabalhos e a implantação de medidas para o desenvolvimento profissional da competência técnica dos seus auditores.

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Resultou, primeiro, em diagnóstico de essencial importância – impulsionador do potencial aperfeiçoamento do modelo de controle interno -, vez que constatado o não atendimento (total ou parcial) objetivo de alguns indicadores.

Demonstrou, ainda, os caminhos a serem percorridos com vistas a esse aperfeiçoamento, facilitando o seu percurso pelas unidades avaliadas.

Na mesma época em que realizada a auditoria, foram editadas pelo CNJ as Resoluções 308 e 309, que igualmente tratam do tema, em especial da organização da auditoria interna do Judiciário e da disciplina das respectivas diretrizes técnicas.

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Evidencia-se, assim, a importância de uma abordagem sistêmica do controle, com a retroalimentação e orquestração de atividades em prol do aperfeiçoamento da ação pública e, em última análise, da prestação de melhores serviços à população.

Não se trata simplesmente de apontar erros, punir irregularidades: busca-se mudança cultural, por meio do qual a colaboração institucional é utilizada como mecanismo de aprimoramento e evolução.

O Supremo já havia reconhecido a competência dos Tribunais de Contas para o julgamento das contas do Judiciário – sem a possibilidade de envolvimento do Legislativo -, no julgamento das ADINs 4.978/RR e 6981/SP.

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Tal posicionamento não traduz, em absoluto, qualquer novidade: o texto constitucional traz expressamente esse controle das Cortes de Contas sobre o Judiciário.

A extensão e importância de tal dinâmica, porém, nos parecem ainda um tanto subvalorizadas e subutilizadas, o que daria sensação de que tal poder estaria imune ao controle, como se fosse, diferentemente de todos os demais atuantes na esfera pública, dotado de um poder e autonomia irrestritos.

Esse cenário conduz ao agravamento da crise de confiança que – até muito em razão de campanhas forjadas de má fé e com base em fake news – vem marcando a atuação das Cortes nacionais.

Daí a constatação de fenômenos nada alvissareiros para a segurança jurídica e a própria democracia, que não raro redundam em descumprimento de decisões judiciais: conforme reportagem de publicada no Estado de São Paulo de 18 de janeiro de 2024[2], o maior plano de saúde do País viria apresentando altíssimos índices de descumprimento de liminares – os quais atingiram o insólito patamar entre sessenta e três e cem por cento de solene desconsideração das determinações judiciais.

Trata-se de cenário inadmissível, a ser a todo custo combatido, sob pena de comprometimento da legitimidade do próprio Estado.

E um caminho efetivo, eficaz e seguro é, ao nosso sentir, justamente a outorga de eficácia, efetividade e eficiência ao intricado sistema de freios de contrapesos traçado quando da estruturação do Estado brasileiro, em 1988, com o desenvolvimento – a conhecimento – da intrincada rede de freios e contrapesos em Judiciário.

[1] Disponível em https://www.transparencia.org.br/downloads/publicacoes/percentualdedivulgaoderemuneraesnopaineldocnjmai_2024.pdf

[2] https://www.estadao.com.br/saude/maior-plano-de-saude-do-pais-hapvida-notredame-e-investigada-por-se-negar-a-cumprir-liminares/

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

O sistema de controle da ação pública desenhado no texto constitucional pressupõe a atuação coerente, coordenada e complementar das diversas instâncias – inclusive social -, tanto do ponto de vista passivo quanto ativo.

Todos os atores desse ecossistema investidos na posição de controladores são igualmente controlados, submetidos a escrutínio, como forma de concretização do sistema de freios e contrapesos.

Os valores estruturantes do Estado Democrático de Direito são incompatíveis com poderes absolutos, fazendo-se imprescindível, portanto, estratégias de contenção, revisão e accountability.

Tal premissa é absolutamente clara no que tange ao Executivo, Legislativo, Tribunais de Contas, Ministério Público e à própria sociedade civil, cuja atuação é potencial e invariavelmente sujeita a controle judicial, nos termos do artigo 5º, XXV da CF.

Em se tratando do Judiciário, porém, a questão parece um pouco menos evidente – até em razão da sua competência para dar a palavra final em toda a sorte de conflitos e discussões.

Tal posição redunda em distorções interpretativas e resistências infundadas, mormente em termos de transparência – a que estão sujeitos todos aqueles que de alguma forma exercem função administrativa, ainda que no bojo de algum ‘poder’ da república.

Nesse sentido, todos os atos relativos a pessoal, contratação, remuneração etc praticados por servidores do Judiciário estão sujeitos a tal princípio (e a todos os demais orientadores da ação administrativa).

Não obstante a clareza e inafastabilidade de tal premissa, constata-se alguma resistência nesse campo: ainda se cultiva considerável opacidade, em situações como gastos dos ministros do STF em viagens e sua utilização de aviões da Força Aérea Brasileira (conforme referendado pelo TCU, no acórdão 852/2024, e inclusive após a finalização da utilização).

Há, porém, melhorias dignas de registro: conforme constatado em maio do corrente pela Transparência Brasil em avaliação do Portal do CNJ[1], os Tribunais Superiores e militares atingiram o índice de 98% de transparência quanto aos contracheques – cenário dissonante da esfera estadual, em que sete Tribunais apresentam dados ausentes há quinze meses.

Referidas entidades (TB e CNJ) firmaram acordo de cooperação justamente visando o incremento da transparência.

Para além da fiscalização pela sociedade civil, o Judiciário está igualmente sujeito ao controle dos atores institucionais, dos quais destacamos o Tribunal de Contas (artigos 71, 74 e 103-B).

Nesse sentido, digno de registro paradigmático acórdão 1475/2020 do TCU, em que levou a efeito auditoria voltada a avaliar se as atividades das unidades de auditoria interna do Judiciário federal (notadamente do STF, STJ, TRF1 e TRE/DF) encontram-se aderentes aos padrões internacionais estabelecidos pelo Institute of Internal Auditors (IIA) no International Professional Practices Frameword – IPPF, e se observam os princípios da independência e objetividade de auditores, adotam análises de risco, avaliam a qualidade dos trabalhos e a implantação de medidas para o desenvolvimento profissional da competência técnica dos seus auditores.

Resultou, primeiro, em diagnóstico de essencial importância – impulsionador do potencial aperfeiçoamento do modelo de controle interno -, vez que constatado o não atendimento (total ou parcial) objetivo de alguns indicadores.

Demonstrou, ainda, os caminhos a serem percorridos com vistas a esse aperfeiçoamento, facilitando o seu percurso pelas unidades avaliadas.

Na mesma época em que realizada a auditoria, foram editadas pelo CNJ as Resoluções 308 e 309, que igualmente tratam do tema, em especial da organização da auditoria interna do Judiciário e da disciplina das respectivas diretrizes técnicas.

Evidencia-se, assim, a importância de uma abordagem sistêmica do controle, com a retroalimentação e orquestração de atividades em prol do aperfeiçoamento da ação pública e, em última análise, da prestação de melhores serviços à população.

Não se trata simplesmente de apontar erros, punir irregularidades: busca-se mudança cultural, por meio do qual a colaboração institucional é utilizada como mecanismo de aprimoramento e evolução.

O Supremo já havia reconhecido a competência dos Tribunais de Contas para o julgamento das contas do Judiciário – sem a possibilidade de envolvimento do Legislativo -, no julgamento das ADINs 4.978/RR e 6981/SP.

Tal posicionamento não traduz, em absoluto, qualquer novidade: o texto constitucional traz expressamente esse controle das Cortes de Contas sobre o Judiciário.

A extensão e importância de tal dinâmica, porém, nos parecem ainda um tanto subvalorizadas e subutilizadas, o que daria sensação de que tal poder estaria imune ao controle, como se fosse, diferentemente de todos os demais atuantes na esfera pública, dotado de um poder e autonomia irrestritos.

Esse cenário conduz ao agravamento da crise de confiança que – até muito em razão de campanhas forjadas de má fé e com base em fake news – vem marcando a atuação das Cortes nacionais.

Daí a constatação de fenômenos nada alvissareiros para a segurança jurídica e a própria democracia, que não raro redundam em descumprimento de decisões judiciais: conforme reportagem de publicada no Estado de São Paulo de 18 de janeiro de 2024[2], o maior plano de saúde do País viria apresentando altíssimos índices de descumprimento de liminares – os quais atingiram o insólito patamar entre sessenta e três e cem por cento de solene desconsideração das determinações judiciais.

Trata-se de cenário inadmissível, a ser a todo custo combatido, sob pena de comprometimento da legitimidade do próprio Estado.

E um caminho efetivo, eficaz e seguro é, ao nosso sentir, justamente a outorga de eficácia, efetividade e eficiência ao intricado sistema de freios de contrapesos traçado quando da estruturação do Estado brasileiro, em 1988, com o desenvolvimento – a conhecimento – da intrincada rede de freios e contrapesos em Judiciário.

[1] Disponível em https://www.transparencia.org.br/downloads/publicacoes/percentualdedivulgaoderemuneraesnopaineldocnjmai_2024.pdf

[2] https://www.estadao.com.br/saude/maior-plano-de-saude-do-pais-hapvida-notredame-e-investigada-por-se-negar-a-cumprir-liminares/

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

O sistema de controle da ação pública desenhado no texto constitucional pressupõe a atuação coerente, coordenada e complementar das diversas instâncias – inclusive social -, tanto do ponto de vista passivo quanto ativo.

Todos os atores desse ecossistema investidos na posição de controladores são igualmente controlados, submetidos a escrutínio, como forma de concretização do sistema de freios e contrapesos.

Os valores estruturantes do Estado Democrático de Direito são incompatíveis com poderes absolutos, fazendo-se imprescindível, portanto, estratégias de contenção, revisão e accountability.

Tal premissa é absolutamente clara no que tange ao Executivo, Legislativo, Tribunais de Contas, Ministério Público e à própria sociedade civil, cuja atuação é potencial e invariavelmente sujeita a controle judicial, nos termos do artigo 5º, XXV da CF.

Em se tratando do Judiciário, porém, a questão parece um pouco menos evidente – até em razão da sua competência para dar a palavra final em toda a sorte de conflitos e discussões.

Tal posição redunda em distorções interpretativas e resistências infundadas, mormente em termos de transparência – a que estão sujeitos todos aqueles que de alguma forma exercem função administrativa, ainda que no bojo de algum ‘poder’ da república.

Nesse sentido, todos os atos relativos a pessoal, contratação, remuneração etc praticados por servidores do Judiciário estão sujeitos a tal princípio (e a todos os demais orientadores da ação administrativa).

Não obstante a clareza e inafastabilidade de tal premissa, constata-se alguma resistência nesse campo: ainda se cultiva considerável opacidade, em situações como gastos dos ministros do STF em viagens e sua utilização de aviões da Força Aérea Brasileira (conforme referendado pelo TCU, no acórdão 852/2024, e inclusive após a finalização da utilização).

Há, porém, melhorias dignas de registro: conforme constatado em maio do corrente pela Transparência Brasil em avaliação do Portal do CNJ[1], os Tribunais Superiores e militares atingiram o índice de 98% de transparência quanto aos contracheques – cenário dissonante da esfera estadual, em que sete Tribunais apresentam dados ausentes há quinze meses.

Referidas entidades (TB e CNJ) firmaram acordo de cooperação justamente visando o incremento da transparência.

Para além da fiscalização pela sociedade civil, o Judiciário está igualmente sujeito ao controle dos atores institucionais, dos quais destacamos o Tribunal de Contas (artigos 71, 74 e 103-B).

Nesse sentido, digno de registro paradigmático acórdão 1475/2020 do TCU, em que levou a efeito auditoria voltada a avaliar se as atividades das unidades de auditoria interna do Judiciário federal (notadamente do STF, STJ, TRF1 e TRE/DF) encontram-se aderentes aos padrões internacionais estabelecidos pelo Institute of Internal Auditors (IIA) no International Professional Practices Frameword – IPPF, e se observam os princípios da independência e objetividade de auditores, adotam análises de risco, avaliam a qualidade dos trabalhos e a implantação de medidas para o desenvolvimento profissional da competência técnica dos seus auditores.

Resultou, primeiro, em diagnóstico de essencial importância – impulsionador do potencial aperfeiçoamento do modelo de controle interno -, vez que constatado o não atendimento (total ou parcial) objetivo de alguns indicadores.

Demonstrou, ainda, os caminhos a serem percorridos com vistas a esse aperfeiçoamento, facilitando o seu percurso pelas unidades avaliadas.

Na mesma época em que realizada a auditoria, foram editadas pelo CNJ as Resoluções 308 e 309, que igualmente tratam do tema, em especial da organização da auditoria interna do Judiciário e da disciplina das respectivas diretrizes técnicas.

Evidencia-se, assim, a importância de uma abordagem sistêmica do controle, com a retroalimentação e orquestração de atividades em prol do aperfeiçoamento da ação pública e, em última análise, da prestação de melhores serviços à população.

Não se trata simplesmente de apontar erros, punir irregularidades: busca-se mudança cultural, por meio do qual a colaboração institucional é utilizada como mecanismo de aprimoramento e evolução.

O Supremo já havia reconhecido a competência dos Tribunais de Contas para o julgamento das contas do Judiciário – sem a possibilidade de envolvimento do Legislativo -, no julgamento das ADINs 4.978/RR e 6981/SP.

Tal posicionamento não traduz, em absoluto, qualquer novidade: o texto constitucional traz expressamente esse controle das Cortes de Contas sobre o Judiciário.

A extensão e importância de tal dinâmica, porém, nos parecem ainda um tanto subvalorizadas e subutilizadas, o que daria sensação de que tal poder estaria imune ao controle, como se fosse, diferentemente de todos os demais atuantes na esfera pública, dotado de um poder e autonomia irrestritos.

Esse cenário conduz ao agravamento da crise de confiança que – até muito em razão de campanhas forjadas de má fé e com base em fake news – vem marcando a atuação das Cortes nacionais.

Daí a constatação de fenômenos nada alvissareiros para a segurança jurídica e a própria democracia, que não raro redundam em descumprimento de decisões judiciais: conforme reportagem de publicada no Estado de São Paulo de 18 de janeiro de 2024[2], o maior plano de saúde do País viria apresentando altíssimos índices de descumprimento de liminares – os quais atingiram o insólito patamar entre sessenta e três e cem por cento de solene desconsideração das determinações judiciais.

Trata-se de cenário inadmissível, a ser a todo custo combatido, sob pena de comprometimento da legitimidade do próprio Estado.

E um caminho efetivo, eficaz e seguro é, ao nosso sentir, justamente a outorga de eficácia, efetividade e eficiência ao intricado sistema de freios de contrapesos traçado quando da estruturação do Estado brasileiro, em 1988, com o desenvolvimento – a conhecimento – da intrincada rede de freios e contrapesos em Judiciário.

[1] Disponível em https://www.transparencia.org.br/downloads/publicacoes/percentualdedivulgaoderemuneraesnopaineldocnjmai_2024.pdf

[2] https://www.estadao.com.br/saude/maior-plano-de-saude-do-pais-hapvida-notredame-e-investigada-por-se-negar-a-cumprir-liminares/

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

O sistema de controle da ação pública desenhado no texto constitucional pressupõe a atuação coerente, coordenada e complementar das diversas instâncias – inclusive social -, tanto do ponto de vista passivo quanto ativo.

Todos os atores desse ecossistema investidos na posição de controladores são igualmente controlados, submetidos a escrutínio, como forma de concretização do sistema de freios e contrapesos.

Os valores estruturantes do Estado Democrático de Direito são incompatíveis com poderes absolutos, fazendo-se imprescindível, portanto, estratégias de contenção, revisão e accountability.

Tal premissa é absolutamente clara no que tange ao Executivo, Legislativo, Tribunais de Contas, Ministério Público e à própria sociedade civil, cuja atuação é potencial e invariavelmente sujeita a controle judicial, nos termos do artigo 5º, XXV da CF.

Em se tratando do Judiciário, porém, a questão parece um pouco menos evidente – até em razão da sua competência para dar a palavra final em toda a sorte de conflitos e discussões.

Tal posição redunda em distorções interpretativas e resistências infundadas, mormente em termos de transparência – a que estão sujeitos todos aqueles que de alguma forma exercem função administrativa, ainda que no bojo de algum ‘poder’ da república.

Nesse sentido, todos os atos relativos a pessoal, contratação, remuneração etc praticados por servidores do Judiciário estão sujeitos a tal princípio (e a todos os demais orientadores da ação administrativa).

Não obstante a clareza e inafastabilidade de tal premissa, constata-se alguma resistência nesse campo: ainda se cultiva considerável opacidade, em situações como gastos dos ministros do STF em viagens e sua utilização de aviões da Força Aérea Brasileira (conforme referendado pelo TCU, no acórdão 852/2024, e inclusive após a finalização da utilização).

Há, porém, melhorias dignas de registro: conforme constatado em maio do corrente pela Transparência Brasil em avaliação do Portal do CNJ[1], os Tribunais Superiores e militares atingiram o índice de 98% de transparência quanto aos contracheques – cenário dissonante da esfera estadual, em que sete Tribunais apresentam dados ausentes há quinze meses.

Referidas entidades (TB e CNJ) firmaram acordo de cooperação justamente visando o incremento da transparência.

Para além da fiscalização pela sociedade civil, o Judiciário está igualmente sujeito ao controle dos atores institucionais, dos quais destacamos o Tribunal de Contas (artigos 71, 74 e 103-B).

Nesse sentido, digno de registro paradigmático acórdão 1475/2020 do TCU, em que levou a efeito auditoria voltada a avaliar se as atividades das unidades de auditoria interna do Judiciário federal (notadamente do STF, STJ, TRF1 e TRE/DF) encontram-se aderentes aos padrões internacionais estabelecidos pelo Institute of Internal Auditors (IIA) no International Professional Practices Frameword – IPPF, e se observam os princípios da independência e objetividade de auditores, adotam análises de risco, avaliam a qualidade dos trabalhos e a implantação de medidas para o desenvolvimento profissional da competência técnica dos seus auditores.

Resultou, primeiro, em diagnóstico de essencial importância – impulsionador do potencial aperfeiçoamento do modelo de controle interno -, vez que constatado o não atendimento (total ou parcial) objetivo de alguns indicadores.

Demonstrou, ainda, os caminhos a serem percorridos com vistas a esse aperfeiçoamento, facilitando o seu percurso pelas unidades avaliadas.

Na mesma época em que realizada a auditoria, foram editadas pelo CNJ as Resoluções 308 e 309, que igualmente tratam do tema, em especial da organização da auditoria interna do Judiciário e da disciplina das respectivas diretrizes técnicas.

Evidencia-se, assim, a importância de uma abordagem sistêmica do controle, com a retroalimentação e orquestração de atividades em prol do aperfeiçoamento da ação pública e, em última análise, da prestação de melhores serviços à população.

Não se trata simplesmente de apontar erros, punir irregularidades: busca-se mudança cultural, por meio do qual a colaboração institucional é utilizada como mecanismo de aprimoramento e evolução.

O Supremo já havia reconhecido a competência dos Tribunais de Contas para o julgamento das contas do Judiciário – sem a possibilidade de envolvimento do Legislativo -, no julgamento das ADINs 4.978/RR e 6981/SP.

Tal posicionamento não traduz, em absoluto, qualquer novidade: o texto constitucional traz expressamente esse controle das Cortes de Contas sobre o Judiciário.

A extensão e importância de tal dinâmica, porém, nos parecem ainda um tanto subvalorizadas e subutilizadas, o que daria sensação de que tal poder estaria imune ao controle, como se fosse, diferentemente de todos os demais atuantes na esfera pública, dotado de um poder e autonomia irrestritos.

Esse cenário conduz ao agravamento da crise de confiança que – até muito em razão de campanhas forjadas de má fé e com base em fake news – vem marcando a atuação das Cortes nacionais.

Daí a constatação de fenômenos nada alvissareiros para a segurança jurídica e a própria democracia, que não raro redundam em descumprimento de decisões judiciais: conforme reportagem de publicada no Estado de São Paulo de 18 de janeiro de 2024[2], o maior plano de saúde do País viria apresentando altíssimos índices de descumprimento de liminares – os quais atingiram o insólito patamar entre sessenta e três e cem por cento de solene desconsideração das determinações judiciais.

Trata-se de cenário inadmissível, a ser a todo custo combatido, sob pena de comprometimento da legitimidade do próprio Estado.

E um caminho efetivo, eficaz e seguro é, ao nosso sentir, justamente a outorga de eficácia, efetividade e eficiência ao intricado sistema de freios de contrapesos traçado quando da estruturação do Estado brasileiro, em 1988, com o desenvolvimento – a conhecimento – da intrincada rede de freios e contrapesos em Judiciário.

[1] Disponível em https://www.transparencia.org.br/downloads/publicacoes/percentualdedivulgaoderemuneraesnopaineldocnjmai_2024.pdf

[2] https://www.estadao.com.br/saude/maior-plano-de-saude-do-pais-hapvida-notredame-e-investigada-por-se-negar-a-cumprir-liminares/

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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