Ex-diretor da Transparência Brasil, o cientista político Manoel Galdino considera que o principal problema da corrupção no Brasil atualmente é o que ele chama de corrupção “legalizada”, em referência a atos considerados ilegais do Legislativo e do Judiciário que são chancelados por eles mesmos.
Galdino participou, ao lado do jornalista Fernando Rodrigues e da advogada Daniela Veltri, da 8ª edição do seminário Caminhos Contra a Corrupção, realizado pelo Estadão em parceria com o Instituto Não Aceito Corrupção. A íntegra da mesa, mediada pelo repórter especial Marcelo Godoy e que abordou políticas públicas anticorrupção, pode ser assistida na TV Estadão.
O cientista político cita a anistia aprovada pelo Congresso aos partidos políticos em 2019 e a investida realizada ao longo deste ano para anistiar as multas eleitorais. “Você não pode repetidamente cometer ilegalidades, ficar se auto-anistiando e não pagar”, disse Galdino, que também é professor da USP. “No Judiciário, a mesma coisa: aprovam penduricalhos, formas de burlar o teto constitucional, eles próprios são os julgadores e decidem que aqueles benefícios são legais. Isso é uma legalização da corrupção”, continuou ele.
Na visão de Fernando Rodrigues, diretor do site Poder 360, o Brasil ainda é uma democracia jovem e é necessário tempo para que o combate à corrupção seja aperfeiçoado, seja pela consolidação de instrumentos já existentes, como a Lei de Acesso à Informação, atualmente usada majoritariamente pela imprensa, ou pela evolução política da sociedade.
“É um tema que embora seja popular, quando chega a hora de realmente combater a corrupção, quem chega ao governo tem muitas dificuldades como a gente viu tantas vezes com prefeitos, governadores e presidentes que não conseguiram colocar o discurso em prática”, disse ele.
Consultora jurídica e especialista em compliance, Daniela Veltri destaca que houve avanços importantes, como a aprovação da Lei Anticorrupção, legislação aprovada na última década e que possibilitou a delação premiada no país. Ela divide o combate à corrupção em três pilares: legislação, fiscalização e cultura. “A legislação a gente, a fiscalização também, embora podemos melhorar, mas a mudança cultural é uma estrada mais longa que o Brasil tem que enfrentar”, disse ela.
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Multa nos acordos de leniência
Um dos debates levantados pela advogada foi a forma de cálculo da multa em acordos de leniência nos quais empresas admitem ter praticado corrupção. Para Veltri, é preciso equilibrar o caráter punitivo da medida com a necessidade de não levar ao fechamento das companhias, o que acarretaria a eliminação de empregos e menos desenvolvimento econômico para o país. “Tem sim que penalizar de forma efetiva, mas sem destruir o valor econômico que mate a empresa”, declarou ela.
Fernando Rodrigues contou que jantou com um dos procuradores da Operação Lava Jato durante o auge da operação, anos atrás, e que fez uma ponderação parecida a ele: na visão do jornalista, os controladores deveriam ser punidos, mas as empresas, preservadas. “Quase fui agredido na mesa. ‘Onde é que você pensa que nós estamos. Meu dever é punir. não tenho nada a ver com as empresas’. São pessoas que foram tomadas de um sentimento messiânico que fez muito mal”, contou Rodrigues.
Ele também criticou a decisão do ministro Dias Toffoli, que anulou todas as provas obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht. Outras empreiteiras acionaram o STF em busca de uma decisão similar. “O exemplo que foi dado nesse episódio da Lava Jato é muito ruim”.
Manoel Galdino, por sua vez, ponderou que a multa às empresas é um cálculo difícil pois não se pode beneficiá-las em detrimento de empresas sérias que não cometeram corrupção e perderam contratos públicos, por exemplo. “Quantas empresas o Brasil perdeu ao longo do tempo porque promovemos empresas que não são eficientes, mas têm uma vantagem competitiva que é a corrupção sem punição? Isso também tem impacto econômico”, disse.