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Opinião|Corrupção: métricas, controvérsias, causas e efeito


Por Humberto Falcão Martins e Ettore Oriol

Recentemente divulgou-se o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional onde o Brasil aparece em 104ª posição entre 180 países, marcando 36 pontos em uma escala até 100 pontos, e caindo 35 posições e sete pontos em relação à 2014. Outro índice bastante tradicional é o Índice de Controle da Corrupção (ICC), parte dos Indicadores de Governança Global (Worldwide Governance Indicators – GWI) do Banco Mundial. Nele, o Brasil obteve a sua melhor posição no ano de 2011, chegando a 79º entre 213 países. No ano de 2013, a posição do Brasil era a 96º, e no ano de 2022, último ano de divulgação até o momento, a posição era de 145º.

Por outro lado, o Índice de Previsão de Corrupção (originalmente corruption risk forecast - CRF) criado pelo European Research Center for Anticorruption and State-building (ERCAS), financiado pela União Europeia, coloca o Brasil numa posição “estacionária”, com uma nota de 7,34 (variando entre 0 e 10) e em 31º lugar (entre 120 países) e 3º na AL.

Aparentemente, os dois primeiros índices apresentam um mesmo cenário e o terceiro um cenário diferente. Contudo essa aparente contradição é facilmente explicada quando olhamos para a metodologia empregada em cada um dos índices.

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O Índice de Percepção da Corrupção agrega dados oriundos de diferentes fontes que trazem as percepções de empresários e especialistas (não é a percepção de cidadãos) acerca do nível de corrupção no setor público (suborno, desvios de recursos públicos, uso do cargo público para ganhos privados, nepotismo, burocracia excessiva, combate à corrupção, captura de interesses, transparência das finanças de autoridades, proteção a denunciantes e acesso a informação de atos e fatos governamentais). O IPC é calculado usando 13 fontes de dados diferentes, oriundas de 12 instituições distintas. O gráfico abaixo mostra sua variação entre 2012 e 2023, revelando uma trajetória decrescente – ou percepção de corrupção ascendente.

Variação entre 2012 e 2023 Foto: Reprodução

Na mesma linha do anterior, o Índice de Controle da Corrupção (ICC) também procura capturar a percepção do nível de corrupção por meio de 22 indicadores diferentes que no total formam um conjunto de 52 questões diferentes sobre corrupção em suas diversas vertentes, níveis de governo e instituições da sociedade. Nesse indicador, a percepção coletada inclui a do cidadão, de empresas, provedores de informações comerciais, especialistas, agentes governamentais e organizações da sociedade civil. O ICC procura ter uma visão bem ampla, incluindo toda a sociedade e reduzindo a possibilidade de viés de assimetria de informações ou de percepções sobre corrupção de segmentos específicos da sociedade. A figura abaixo apresenta a evolução do ICC de 2013 a 2022 – onde também pode-se ver uma trajetória decrescente ou percepção de corrupção ascendente.

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Evolução do ICC de 2013 a 2022 Foto: Reprodução

Partindo de uma metodologia diferente, o Índice de Previsão de Corrupção (CRF) é composto por 6 componentes: transparência administrativa, serviços online, transparência orçamentária, independência judiciária, cidadania digital e liberdade de imprensa. Estes componentes são medidos por meio de dados objetivos e “estabilizados” estatisticamente para atenuar oscilações abruptas (em razão de crises ou rupturas) e revelar variações positivas em função de melhorias institucionais ao longo do tempo. A figura abaixo revela a evolução dos scores de componentes do índice de previsão de corrupção de 2013 e 2023.

Evolução dos scores de componentes do índice de previsão de corrupção de 2013 e 2023 Foto: Reprodução
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Os dados mostram que dois componentes tiveram uma involução (independência judiciaria e liberdade de imprensa). Em sentido contrário, três componentes tiveram uma evolução (Budget Transparency, E-Citizenship e Online Services). Em média simples, a evolução foi de 6,2 para 6,8. Apesar dos dados mostrarem uma evolução, os dois componentes mais importantes apresentam uma redução. Dois pontos são importantes serem apresentados nessa discussão.

Primeiro, a posição bastante avançada do Brasil em seu processo de digitalização do setor público. Em índice gerado pela Fundação Dom Cabral – FDC sobre a capacidade institucional dos países – ICI-Países, em seu componente sobre o Governo Aberto (Governo Eletrônico) o Brasil apresenta um indicador de 0,863, ficando na posição 21 entre 145 países. Essa posição mostra como o país está evoluído nesse quesito, obtendo score acima da média dos países da OCDE (0,811) e países de alta renda (0,800). Esse bom desempenho acaba afetando positivamente os componentes E- Citizenship e Online Services, e pode ser uma das explicações para esse bom desempenho observado.

O Segundo ponto é a Lei de acesso a informação, que institucionalizou os caminhos para que a sociedade brasileira tivesse acesso às informações, influenciando positivamente questões como as capturadas pelo componente Budget Transparency. Contudo, essa melhora institucional pode ser algo inócuo no combate à corrupção, pois na maioria das vezes, as informações fornecidas não são facilmente entendidas, dependendo de uma tradução de especialistas, o que impede o cidadão e boa parte do setor produtivo de acessá-las. Ademais, institutos tais como o chamado orçamento secreto representam uma deterioração deste quesito de transparência orçamentária, que não é capturado pelo indicador.

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Estes três indicadores levantam várias questões. Primeiro, a multidimensionalidade do fenômeno da corrupção e consequentemente a dificuldade em mensurá-lo. Segundo, e por conta disto, o fato de algumas melhorias apontadas não serem suficientes para que o Brasil saia de uma situação estacionária, com scores medíocres, para outra condizente com o status de democracia consolidada. Terceiro, traz discussões metodológicas sobre possibilidades e limites de validade analítica de métricas de dimensões subjetivas da corrupção, como sua percepção pelas partes negativamente afetadas. Quarto, sugere que estes indicadores podem ser vistos como elementos de um mecanismo explicativo abrangente no qual o Índice de Previsão de Corrupção (CRF) figura como sinalizador de fatores causais e os demais, o Índice de Percepção de Corrupção e o Índice de Controle da Corrupção, figuram como elementos consequenciais. Nesse sentido, os dados sugerem uma inercia institucional entre melhorias em regras e instrumentos de controle da corrupção e seu efeito conforme percebido pelas partes negativamente afetadas. Vistos assim, os indicadores não são excludentes entre si, mas complementares, apontando para questões diferentes de um mesmo cenário – cenário este extremamente triste e desafiador, que clama por ações ainda mais contundentes de melhoria institucional.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Recentemente divulgou-se o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional onde o Brasil aparece em 104ª posição entre 180 países, marcando 36 pontos em uma escala até 100 pontos, e caindo 35 posições e sete pontos em relação à 2014. Outro índice bastante tradicional é o Índice de Controle da Corrupção (ICC), parte dos Indicadores de Governança Global (Worldwide Governance Indicators – GWI) do Banco Mundial. Nele, o Brasil obteve a sua melhor posição no ano de 2011, chegando a 79º entre 213 países. No ano de 2013, a posição do Brasil era a 96º, e no ano de 2022, último ano de divulgação até o momento, a posição era de 145º.

Por outro lado, o Índice de Previsão de Corrupção (originalmente corruption risk forecast - CRF) criado pelo European Research Center for Anticorruption and State-building (ERCAS), financiado pela União Europeia, coloca o Brasil numa posição “estacionária”, com uma nota de 7,34 (variando entre 0 e 10) e em 31º lugar (entre 120 países) e 3º na AL.

Aparentemente, os dois primeiros índices apresentam um mesmo cenário e o terceiro um cenário diferente. Contudo essa aparente contradição é facilmente explicada quando olhamos para a metodologia empregada em cada um dos índices.

O Índice de Percepção da Corrupção agrega dados oriundos de diferentes fontes que trazem as percepções de empresários e especialistas (não é a percepção de cidadãos) acerca do nível de corrupção no setor público (suborno, desvios de recursos públicos, uso do cargo público para ganhos privados, nepotismo, burocracia excessiva, combate à corrupção, captura de interesses, transparência das finanças de autoridades, proteção a denunciantes e acesso a informação de atos e fatos governamentais). O IPC é calculado usando 13 fontes de dados diferentes, oriundas de 12 instituições distintas. O gráfico abaixo mostra sua variação entre 2012 e 2023, revelando uma trajetória decrescente – ou percepção de corrupção ascendente.

Variação entre 2012 e 2023 Foto: Reprodução

Na mesma linha do anterior, o Índice de Controle da Corrupção (ICC) também procura capturar a percepção do nível de corrupção por meio de 22 indicadores diferentes que no total formam um conjunto de 52 questões diferentes sobre corrupção em suas diversas vertentes, níveis de governo e instituições da sociedade. Nesse indicador, a percepção coletada inclui a do cidadão, de empresas, provedores de informações comerciais, especialistas, agentes governamentais e organizações da sociedade civil. O ICC procura ter uma visão bem ampla, incluindo toda a sociedade e reduzindo a possibilidade de viés de assimetria de informações ou de percepções sobre corrupção de segmentos específicos da sociedade. A figura abaixo apresenta a evolução do ICC de 2013 a 2022 – onde também pode-se ver uma trajetória decrescente ou percepção de corrupção ascendente.

Evolução do ICC de 2013 a 2022 Foto: Reprodução

Partindo de uma metodologia diferente, o Índice de Previsão de Corrupção (CRF) é composto por 6 componentes: transparência administrativa, serviços online, transparência orçamentária, independência judiciária, cidadania digital e liberdade de imprensa. Estes componentes são medidos por meio de dados objetivos e “estabilizados” estatisticamente para atenuar oscilações abruptas (em razão de crises ou rupturas) e revelar variações positivas em função de melhorias institucionais ao longo do tempo. A figura abaixo revela a evolução dos scores de componentes do índice de previsão de corrupção de 2013 e 2023.

Evolução dos scores de componentes do índice de previsão de corrupção de 2013 e 2023 Foto: Reprodução

Os dados mostram que dois componentes tiveram uma involução (independência judiciaria e liberdade de imprensa). Em sentido contrário, três componentes tiveram uma evolução (Budget Transparency, E-Citizenship e Online Services). Em média simples, a evolução foi de 6,2 para 6,8. Apesar dos dados mostrarem uma evolução, os dois componentes mais importantes apresentam uma redução. Dois pontos são importantes serem apresentados nessa discussão.

Primeiro, a posição bastante avançada do Brasil em seu processo de digitalização do setor público. Em índice gerado pela Fundação Dom Cabral – FDC sobre a capacidade institucional dos países – ICI-Países, em seu componente sobre o Governo Aberto (Governo Eletrônico) o Brasil apresenta um indicador de 0,863, ficando na posição 21 entre 145 países. Essa posição mostra como o país está evoluído nesse quesito, obtendo score acima da média dos países da OCDE (0,811) e países de alta renda (0,800). Esse bom desempenho acaba afetando positivamente os componentes E- Citizenship e Online Services, e pode ser uma das explicações para esse bom desempenho observado.

O Segundo ponto é a Lei de acesso a informação, que institucionalizou os caminhos para que a sociedade brasileira tivesse acesso às informações, influenciando positivamente questões como as capturadas pelo componente Budget Transparency. Contudo, essa melhora institucional pode ser algo inócuo no combate à corrupção, pois na maioria das vezes, as informações fornecidas não são facilmente entendidas, dependendo de uma tradução de especialistas, o que impede o cidadão e boa parte do setor produtivo de acessá-las. Ademais, institutos tais como o chamado orçamento secreto representam uma deterioração deste quesito de transparência orçamentária, que não é capturado pelo indicador.

Estes três indicadores levantam várias questões. Primeiro, a multidimensionalidade do fenômeno da corrupção e consequentemente a dificuldade em mensurá-lo. Segundo, e por conta disto, o fato de algumas melhorias apontadas não serem suficientes para que o Brasil saia de uma situação estacionária, com scores medíocres, para outra condizente com o status de democracia consolidada. Terceiro, traz discussões metodológicas sobre possibilidades e limites de validade analítica de métricas de dimensões subjetivas da corrupção, como sua percepção pelas partes negativamente afetadas. Quarto, sugere que estes indicadores podem ser vistos como elementos de um mecanismo explicativo abrangente no qual o Índice de Previsão de Corrupção (CRF) figura como sinalizador de fatores causais e os demais, o Índice de Percepção de Corrupção e o Índice de Controle da Corrupção, figuram como elementos consequenciais. Nesse sentido, os dados sugerem uma inercia institucional entre melhorias em regras e instrumentos de controle da corrupção e seu efeito conforme percebido pelas partes negativamente afetadas. Vistos assim, os indicadores não são excludentes entre si, mas complementares, apontando para questões diferentes de um mesmo cenário – cenário este extremamente triste e desafiador, que clama por ações ainda mais contundentes de melhoria institucional.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Recentemente divulgou-se o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional onde o Brasil aparece em 104ª posição entre 180 países, marcando 36 pontos em uma escala até 100 pontos, e caindo 35 posições e sete pontos em relação à 2014. Outro índice bastante tradicional é o Índice de Controle da Corrupção (ICC), parte dos Indicadores de Governança Global (Worldwide Governance Indicators – GWI) do Banco Mundial. Nele, o Brasil obteve a sua melhor posição no ano de 2011, chegando a 79º entre 213 países. No ano de 2013, a posição do Brasil era a 96º, e no ano de 2022, último ano de divulgação até o momento, a posição era de 145º.

Por outro lado, o Índice de Previsão de Corrupção (originalmente corruption risk forecast - CRF) criado pelo European Research Center for Anticorruption and State-building (ERCAS), financiado pela União Europeia, coloca o Brasil numa posição “estacionária”, com uma nota de 7,34 (variando entre 0 e 10) e em 31º lugar (entre 120 países) e 3º na AL.

Aparentemente, os dois primeiros índices apresentam um mesmo cenário e o terceiro um cenário diferente. Contudo essa aparente contradição é facilmente explicada quando olhamos para a metodologia empregada em cada um dos índices.

O Índice de Percepção da Corrupção agrega dados oriundos de diferentes fontes que trazem as percepções de empresários e especialistas (não é a percepção de cidadãos) acerca do nível de corrupção no setor público (suborno, desvios de recursos públicos, uso do cargo público para ganhos privados, nepotismo, burocracia excessiva, combate à corrupção, captura de interesses, transparência das finanças de autoridades, proteção a denunciantes e acesso a informação de atos e fatos governamentais). O IPC é calculado usando 13 fontes de dados diferentes, oriundas de 12 instituições distintas. O gráfico abaixo mostra sua variação entre 2012 e 2023, revelando uma trajetória decrescente – ou percepção de corrupção ascendente.

Variação entre 2012 e 2023 Foto: Reprodução

Na mesma linha do anterior, o Índice de Controle da Corrupção (ICC) também procura capturar a percepção do nível de corrupção por meio de 22 indicadores diferentes que no total formam um conjunto de 52 questões diferentes sobre corrupção em suas diversas vertentes, níveis de governo e instituições da sociedade. Nesse indicador, a percepção coletada inclui a do cidadão, de empresas, provedores de informações comerciais, especialistas, agentes governamentais e organizações da sociedade civil. O ICC procura ter uma visão bem ampla, incluindo toda a sociedade e reduzindo a possibilidade de viés de assimetria de informações ou de percepções sobre corrupção de segmentos específicos da sociedade. A figura abaixo apresenta a evolução do ICC de 2013 a 2022 – onde também pode-se ver uma trajetória decrescente ou percepção de corrupção ascendente.

Evolução do ICC de 2013 a 2022 Foto: Reprodução

Partindo de uma metodologia diferente, o Índice de Previsão de Corrupção (CRF) é composto por 6 componentes: transparência administrativa, serviços online, transparência orçamentária, independência judiciária, cidadania digital e liberdade de imprensa. Estes componentes são medidos por meio de dados objetivos e “estabilizados” estatisticamente para atenuar oscilações abruptas (em razão de crises ou rupturas) e revelar variações positivas em função de melhorias institucionais ao longo do tempo. A figura abaixo revela a evolução dos scores de componentes do índice de previsão de corrupção de 2013 e 2023.

Evolução dos scores de componentes do índice de previsão de corrupção de 2013 e 2023 Foto: Reprodução

Os dados mostram que dois componentes tiveram uma involução (independência judiciaria e liberdade de imprensa). Em sentido contrário, três componentes tiveram uma evolução (Budget Transparency, E-Citizenship e Online Services). Em média simples, a evolução foi de 6,2 para 6,8. Apesar dos dados mostrarem uma evolução, os dois componentes mais importantes apresentam uma redução. Dois pontos são importantes serem apresentados nessa discussão.

Primeiro, a posição bastante avançada do Brasil em seu processo de digitalização do setor público. Em índice gerado pela Fundação Dom Cabral – FDC sobre a capacidade institucional dos países – ICI-Países, em seu componente sobre o Governo Aberto (Governo Eletrônico) o Brasil apresenta um indicador de 0,863, ficando na posição 21 entre 145 países. Essa posição mostra como o país está evoluído nesse quesito, obtendo score acima da média dos países da OCDE (0,811) e países de alta renda (0,800). Esse bom desempenho acaba afetando positivamente os componentes E- Citizenship e Online Services, e pode ser uma das explicações para esse bom desempenho observado.

O Segundo ponto é a Lei de acesso a informação, que institucionalizou os caminhos para que a sociedade brasileira tivesse acesso às informações, influenciando positivamente questões como as capturadas pelo componente Budget Transparency. Contudo, essa melhora institucional pode ser algo inócuo no combate à corrupção, pois na maioria das vezes, as informações fornecidas não são facilmente entendidas, dependendo de uma tradução de especialistas, o que impede o cidadão e boa parte do setor produtivo de acessá-las. Ademais, institutos tais como o chamado orçamento secreto representam uma deterioração deste quesito de transparência orçamentária, que não é capturado pelo indicador.

Estes três indicadores levantam várias questões. Primeiro, a multidimensionalidade do fenômeno da corrupção e consequentemente a dificuldade em mensurá-lo. Segundo, e por conta disto, o fato de algumas melhorias apontadas não serem suficientes para que o Brasil saia de uma situação estacionária, com scores medíocres, para outra condizente com o status de democracia consolidada. Terceiro, traz discussões metodológicas sobre possibilidades e limites de validade analítica de métricas de dimensões subjetivas da corrupção, como sua percepção pelas partes negativamente afetadas. Quarto, sugere que estes indicadores podem ser vistos como elementos de um mecanismo explicativo abrangente no qual o Índice de Previsão de Corrupção (CRF) figura como sinalizador de fatores causais e os demais, o Índice de Percepção de Corrupção e o Índice de Controle da Corrupção, figuram como elementos consequenciais. Nesse sentido, os dados sugerem uma inercia institucional entre melhorias em regras e instrumentos de controle da corrupção e seu efeito conforme percebido pelas partes negativamente afetadas. Vistos assim, os indicadores não são excludentes entre si, mas complementares, apontando para questões diferentes de um mesmo cenário – cenário este extremamente triste e desafiador, que clama por ações ainda mais contundentes de melhoria institucional.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Recentemente divulgou-se o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional onde o Brasil aparece em 104ª posição entre 180 países, marcando 36 pontos em uma escala até 100 pontos, e caindo 35 posições e sete pontos em relação à 2014. Outro índice bastante tradicional é o Índice de Controle da Corrupção (ICC), parte dos Indicadores de Governança Global (Worldwide Governance Indicators – GWI) do Banco Mundial. Nele, o Brasil obteve a sua melhor posição no ano de 2011, chegando a 79º entre 213 países. No ano de 2013, a posição do Brasil era a 96º, e no ano de 2022, último ano de divulgação até o momento, a posição era de 145º.

Por outro lado, o Índice de Previsão de Corrupção (originalmente corruption risk forecast - CRF) criado pelo European Research Center for Anticorruption and State-building (ERCAS), financiado pela União Europeia, coloca o Brasil numa posição “estacionária”, com uma nota de 7,34 (variando entre 0 e 10) e em 31º lugar (entre 120 países) e 3º na AL.

Aparentemente, os dois primeiros índices apresentam um mesmo cenário e o terceiro um cenário diferente. Contudo essa aparente contradição é facilmente explicada quando olhamos para a metodologia empregada em cada um dos índices.

O Índice de Percepção da Corrupção agrega dados oriundos de diferentes fontes que trazem as percepções de empresários e especialistas (não é a percepção de cidadãos) acerca do nível de corrupção no setor público (suborno, desvios de recursos públicos, uso do cargo público para ganhos privados, nepotismo, burocracia excessiva, combate à corrupção, captura de interesses, transparência das finanças de autoridades, proteção a denunciantes e acesso a informação de atos e fatos governamentais). O IPC é calculado usando 13 fontes de dados diferentes, oriundas de 12 instituições distintas. O gráfico abaixo mostra sua variação entre 2012 e 2023, revelando uma trajetória decrescente – ou percepção de corrupção ascendente.

Variação entre 2012 e 2023 Foto: Reprodução

Na mesma linha do anterior, o Índice de Controle da Corrupção (ICC) também procura capturar a percepção do nível de corrupção por meio de 22 indicadores diferentes que no total formam um conjunto de 52 questões diferentes sobre corrupção em suas diversas vertentes, níveis de governo e instituições da sociedade. Nesse indicador, a percepção coletada inclui a do cidadão, de empresas, provedores de informações comerciais, especialistas, agentes governamentais e organizações da sociedade civil. O ICC procura ter uma visão bem ampla, incluindo toda a sociedade e reduzindo a possibilidade de viés de assimetria de informações ou de percepções sobre corrupção de segmentos específicos da sociedade. A figura abaixo apresenta a evolução do ICC de 2013 a 2022 – onde também pode-se ver uma trajetória decrescente ou percepção de corrupção ascendente.

Evolução do ICC de 2013 a 2022 Foto: Reprodução

Partindo de uma metodologia diferente, o Índice de Previsão de Corrupção (CRF) é composto por 6 componentes: transparência administrativa, serviços online, transparência orçamentária, independência judiciária, cidadania digital e liberdade de imprensa. Estes componentes são medidos por meio de dados objetivos e “estabilizados” estatisticamente para atenuar oscilações abruptas (em razão de crises ou rupturas) e revelar variações positivas em função de melhorias institucionais ao longo do tempo. A figura abaixo revela a evolução dos scores de componentes do índice de previsão de corrupção de 2013 e 2023.

Evolução dos scores de componentes do índice de previsão de corrupção de 2013 e 2023 Foto: Reprodução

Os dados mostram que dois componentes tiveram uma involução (independência judiciaria e liberdade de imprensa). Em sentido contrário, três componentes tiveram uma evolução (Budget Transparency, E-Citizenship e Online Services). Em média simples, a evolução foi de 6,2 para 6,8. Apesar dos dados mostrarem uma evolução, os dois componentes mais importantes apresentam uma redução. Dois pontos são importantes serem apresentados nessa discussão.

Primeiro, a posição bastante avançada do Brasil em seu processo de digitalização do setor público. Em índice gerado pela Fundação Dom Cabral – FDC sobre a capacidade institucional dos países – ICI-Países, em seu componente sobre o Governo Aberto (Governo Eletrônico) o Brasil apresenta um indicador de 0,863, ficando na posição 21 entre 145 países. Essa posição mostra como o país está evoluído nesse quesito, obtendo score acima da média dos países da OCDE (0,811) e países de alta renda (0,800). Esse bom desempenho acaba afetando positivamente os componentes E- Citizenship e Online Services, e pode ser uma das explicações para esse bom desempenho observado.

O Segundo ponto é a Lei de acesso a informação, que institucionalizou os caminhos para que a sociedade brasileira tivesse acesso às informações, influenciando positivamente questões como as capturadas pelo componente Budget Transparency. Contudo, essa melhora institucional pode ser algo inócuo no combate à corrupção, pois na maioria das vezes, as informações fornecidas não são facilmente entendidas, dependendo de uma tradução de especialistas, o que impede o cidadão e boa parte do setor produtivo de acessá-las. Ademais, institutos tais como o chamado orçamento secreto representam uma deterioração deste quesito de transparência orçamentária, que não é capturado pelo indicador.

Estes três indicadores levantam várias questões. Primeiro, a multidimensionalidade do fenômeno da corrupção e consequentemente a dificuldade em mensurá-lo. Segundo, e por conta disto, o fato de algumas melhorias apontadas não serem suficientes para que o Brasil saia de uma situação estacionária, com scores medíocres, para outra condizente com o status de democracia consolidada. Terceiro, traz discussões metodológicas sobre possibilidades e limites de validade analítica de métricas de dimensões subjetivas da corrupção, como sua percepção pelas partes negativamente afetadas. Quarto, sugere que estes indicadores podem ser vistos como elementos de um mecanismo explicativo abrangente no qual o Índice de Previsão de Corrupção (CRF) figura como sinalizador de fatores causais e os demais, o Índice de Percepção de Corrupção e o Índice de Controle da Corrupção, figuram como elementos consequenciais. Nesse sentido, os dados sugerem uma inercia institucional entre melhorias em regras e instrumentos de controle da corrupção e seu efeito conforme percebido pelas partes negativamente afetadas. Vistos assim, os indicadores não são excludentes entre si, mas complementares, apontando para questões diferentes de um mesmo cenário – cenário este extremamente triste e desafiador, que clama por ações ainda mais contundentes de melhoria institucional.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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