Enquanto fumaça de verdade cobria boa parte do Brasil, inclusive aquela ilha de fantasia chamada “Brasília”, a Advocacia Geral da União anunciava a primeira grande ação por dano climático.
Boa notícia? A conferir. A experiência do efetivo ingresso da sanção pecuniária ao Erário é frustrante. Testemunhei que as multas simbólicas aplicadas aos infratores ambientais no Estado de São Paulo, quando condenados pela Câmara Reservada ao Meio Ambiente, nunca eram recebidas. A burocracia perpetra a façanha de deixar prescrever, pois não consegue executar em cinco anos a cobrança judicial.
Não adianta discurso no sentido de que os crimes ambientais devem ser tratados com a gravidade que possuem. A Justiça brasileira é leniente. Ainda está com a consciência atrelada à falácia de que o crime tradicional é que merece escarmento. Não se compenetrou de que o delito ambiental é muito mais grave, porque afeta, simultaneamente, uma coletividade difusa de vítimas. E que as multas são ridículas, insignificantes, pois nunca se aproximam do real prejuízo causado à saúde, ao ambiente, à biodiversidade, à qualidade de vida e ao futuro.
O fogo ateado às matas nativas é intencional e criminoso. Mas as investigações são amadorísticas. É muito frustrante verificar, por exemplo, que embora todo o território brasileiro ardesse em chamas, não se teve notícia de uma só prisão. Filmes circularam pelas redes sociais com indivíduos e seus veículos pondo fogo em vários lugares, principalmente aqui em São Paulo. Fazendeiros que não desprezam a crise climática, mas dão exemplo na regeneração da floresta, lamentaram que o fogo proposital queimou plantações de cana, mas também as áreas preservadas que eram o orgulho de uma família ambientalmente correta.
Não se tem notícia de qualquer prisão. E não se vê uma atitude mais consequente e corajosa, para que as multas sejam de fato cobradas. O bolso do infrator é o órgão mais sensível. As condenações convencionais são uma piada, tantas as possibilidades de reapreciação do decisum e os benefícios que colocam em liberdade criminosos que deveriam permanecer mais tempo reclusos, pois nefastos à sociedade e à convivência civilizada.
A Justiça nem sempre colabora com o combate ao maior perigo que ronda a humanidade: as emergências climáticas. Vê-se, com tristeza, que concessionária de energia elétrica resistente a cumprir com exação o seu contrato, obtém suspensão das multas aplicadas pela ineficiência do serviço. Também é decepcionante verificar que maquinário apreendido em crimes de devastação ambiental junto à área dos mananciais seja entregue ao próprio condutor, na condição de depositário, sabendo-se que, de imediato, o equipamento será utilizado para a continuidade de um delito que afeta o futuro da população. Pois se a megalópole ficar sem água, o que não é possibilidade remota, metade da população terá de procurar outras plagas. Pois não haverá água para beber, para cozinhar, para se higienizar. Para nada. Entretanto, burocracia, magnanimidade incompreensível, falhas formais, permitem que a criminalidade continue desenvolta, a exterminar o futuro da população inerte.
Seria interessante que o jornalismo investigativo fizesse um levantamento para verificar quantas as multas ambientais efetivamente recebidas pelo Erário, nos três níveis da Federação. E que acompanhasse o andamento dessa ação protocolada na Justiça Federal pela Advocacia Geral da União, para constatar se os seiscentos e trinta e cinco milhões cobrados de cinco fazendeiros no Pará, terra de contrastes, segundo o livro “Arrabalde”, de João Moreira Salles, de fato entrarão nos cofres do Estado brasileiro, como parte de ressarcimento pela desgraça dolosamente praticada por esses maus patrícios.
Enquanto a sociedade não acordar e exigir compostura de todos os níveis governamentais, ação efetiva das instituições sustentadas pelo povo e que existem preordenadas a protege-lo, o “faz de conta” continuará a vigorar nesta Terra de Santa Cruz. Anúncios, programas, projetos, são a “cortina de fumaça” com que se iludem os ufanistas, enquanto a cortina de fumaça mostra as cinzas da floresta, metáfora para a ética de terra arrasada de um Brasil que promete e não faz.