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‘Creio que uma pessoa inspirou’, diz subprocurador sobre tentativa de golpe do 8 de janeiro


Em entrevista ao Estadão, Carlos Frederico Santos, responsável por investigações e denúncias contra golpistas na PGR, não cita o nome de quem suspeita ter estimulado a multidão, mas adianta que ‘não vai desperdiçar’ delação de Mauro Cid

Por Daniel Haidar
Atualização:

BRASÍLIA — Responsável na Procuradoria-Geral da República (PGR) pelas investigações e denúncias contra os envolvidos nos atos de 8 de janeiro em Brasília, o subprocurador Carlos Frederico Santos afirmou em entrevista exclusiva ao Estadão nesta sexta-feira, 15, que acredita que “uma pessoa inspirou” essa tentativa de golpe de Estado. Na quinta-feira, 14, foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) as primeiras três pessoas julgadas pelos ataques.

Santos evitou responder se trata o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como a pessoa que “inspirou” apoiadores e militares nessa tentativa de ruptura do Estado Democrático de Direito. O subprocurador coordena um grupo de procuradores na PGR, que continuará à frente dessas investigações pelo menos até o dia 26 de setembro, quando termina o mandato do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, que criou esse grupo de trabalho.

Aras era cotado para permanecer à frente da PGR e o próprio Santos também já foi citado como seu possível sucessor, mas auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratam Paulo Gonet Branco e Antônio Bigonha como finalistas da disputa pelo cargo. Interlocutores avaliam que Aras também perdeu força por manifestar divergência sobre a legalidade do acordo de delação premiada fechado pela Polícia Federal com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-faz-tudo de Bolsonaro. Aras se aferrou a uma posição teórica de alguns procuradores, de que só o Ministério Público poderia fechar acordos de delação com investigados ou réus. Apesar da postura do chefe, no entanto, Santos diz que não vai desperdiçar provas, como a delação de Cid, na investigação dos ataques golpistas.

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Confira os principais trechos da entrevista ao Estadão:

ESTADÃO: As investigações identificaram na tentativa de golpe que houve uma liderança ou uma cadeia de comando para os ataques?

CARLOS FREDERICO SANTOS: Eu creio que não tenha havido uma cadeia de comando. Mas eu creio que tenha havido uma pessoa que inspirou essa situação toda. Ou seja, uma pessoa que acabou envolvendo psicologicamente outras pessoas na prática desses atos, mas eu não posso te dizer que houve um comando determinando ordens para isso ou aquilo. É isso que a gente pretende desvendar. O que foi que houve e quem está por trás disso. Essa é a grande pergunta e pretendemos responder de maneira concreta, com provas robustas, para que eu possa chegar e dizer o seguinte: tal pessoa inspirou isso tudo, comprovo a partir desses atos, a partir dessas práticas, a partir dessas situações, a partir dessas provas.

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ESTADÃO: Tem alguma chance dessa pessoa não ser o ex-presidente Jair Bolsonaro?

SANTOS: Eu não posso falar em nomes. Porque aí, sim, seria leviano eu falar em nome sem ter provas e particularmente o meu trabalho é feito de forma diferente. Você viu no que redundou a Operação Lava Jato, onde muitas vezes se falava em nomes sem ter as provas devidas. Então eu investigo fatos. Não investigo pessoas. Investigando os fatos, as pessoas, os responsáveis, vão aparecer. Quando falo em uma pessoa (como inspiração), não quer dizer que seja uma pessoa física. Uma pessoa pode ser um grupo que pode ter fomentado isso tudo.

ESTADÃO: E como fica a situação dos financiadores e organizadores ou incitadores do 8 de janeiro?

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SANTOS: A escada está subindo, né? Primeiro foram julgados aqueles que estavam presos. A escada já subiu para a Polícia Militar. E logicamente as investigações vão se tornando mais complexas a partir do momento em que a gente sobe cada degrau da escada. Complexa por quê? Porque para mim interessa ter provas consistentes. Eu não denuncio ninguém se não tiver provas consistentes. Por isso se torna complexo, porque nós temos maior dificuldade de fecharmos o contexto probatório.

O subprocurador Carlos Frederico Santos, responsável pelas investigações dos golpistas envolvidos nos atos do dia 8 de janeiro em Brasília FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR

ESTADÃO: Isso explica nenhum militar do Exército ter sido processado ainda?

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SANTOS: Militares da Polícia Militar foram os primeiros denunciados por omissão imprópria. Se tiver militares das Forças Armadas que tenham praticado omissão imprópria, vão ser investigados e vão ser denunciados. Meu compromisso é com a democracia, com o Estado de Direito, com a Constituição Federal, então a partir do momento em que eu identifique prova suficiente e materialidade de autoria qualquer pessoa envolvida no dia 8 de janeiro vai ser denunciada. Eu não posso dizer que toda a PM conspirou em favor do golpe. Nós vimos aquela cabo, aquele sargento, que enfrentaram uma multidão em maior número que eles e vestiram a camisa da Segurança Pública. Em compensação, outros policiais que eram do comando fizeram o contrário e colocaram aqueles em risco. A mesma coisa diz respeito aos militares das Forças Armadas. Eu não posso chegar e dizer que as Forças Armadas conspiraram no dia 8 de janeiro. Se tivessem conspirado, teriam dado o golpe. A verdade é essa. Agora, alguns militares podem estar envolvidos nisso. Uma minoria pode estar envolvida nisso. É isso que a gente tem que identificar e ver materialidade e autoria para poder denunciar. Não que o Exército brasileiro, a Aeronáutica e a Marinha tenham conspirado para isso. Eu confio no Exército, confio nas Forças Armadas, confio na Polícia Militar, entendeu? Mas nós temos que depurar aquela minoria que pensou que um golpe de Estado seria procedente. É nisso que estamos trabalhando.

ESTADÃO: E como ficaram as investigações depois do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid?

SANTOS: Eu não conheço o processo do Mauro Cid. Não conheço a delação. Seria antiético e leviano falar sobre o tema, né? Então eu não tenho como te falar. Ele não está sendo investigado por mim, então eu desconheço as provas que têm no processo. Agora, logicamente que qualquer prova que possa ser aproveitada ou utilizada, será. Desde que esteja revestida de legalidade.

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ESTADÃO: Mas o senhor tem posição contra acordo de delação feito pela Polícia Federal? Usaria a delação do Cid nas investigações?

SANTOS: Não vou jogar prova fora de ninguém. O interesse institucional que se tem nisso é exatamente o de utilizar todas as provas para desvendar a situação criminosa, então ego de polícia e de Ministério Público tem que ficar à parte. Todo mundo se respeitando, sabendo dos seus limites e sabendo das suas funções.

ESTADÃO: Como o senhor resumiria as conclusões das investigações até hoje?

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SANTOS: Teve uma evolução muito boa e os resultados estão aí mostrando isso. Eu fiz questão de dizer no primeiro dia de sessão de julgamento (quarta-feira, 13), de explicar o que era crime multitudinário (praticado por multidão). Aquela situação de o Brasil não ser mais uma república das bananas, que ele está em outro patamar no plano internacional entre as nações democráticas e no finalzinho dizer: tudo que vai ser posto aqui, que vai ser julgado aqui, não quer dizer que as investigações foram concluídas. Ao contrário. Eu não posso dizer que serão concluídas de forma tão rápida porque vai se ampliando o universo das pessoas responsáveis pelos atos do dia 8 de janeiro. Mas o fato positivo que nós temos disso tudo é que em nove meses de investigação está além de satisfatório. Só podemos trabalhar por comparação, né? Podemos comparar com uma situação bastante semelhante, que ocorreu no Capitólio, nos Estados Unidos.

ESTADÃO: Como o senhor compara os ataques de Brasília à invasão do Capitólio?

SANTOS: O motivo foi o mesmo. A resposta dada aqui pelo Brasil está sendo uma resposta muito mais rápida em defesa da democracia do que a resposta americana e te digo mais. O respaldo probatório que nós estamos dando nas acusações estão muito mais fortes. A resposta aqui foi imediata. Nós procuramos imediatamente depurar a situação. Saber quem deveria realmente ficar preso e quem deveria ficar em liberdade com medidas restritivas. Trabalhamos dessa forma para que futuramente não sejamos acusados de arbitrariedades. As pessoas reclamam sem fundamentos. Tentam desvirtuar o conceito de crime multitudinário para dizer que imputamos responsabilidade objetiva. Essa propagação de fake news nesse sentido é que nós temos que desconstruir e que já tornou inconsistente qualquer defesa nesse sentido. Os advogados que foram apresentar as primeiras defesas tinham esse objetivo de desqualificar o crime multitudinário, ou seja, sem qualquer razão ou embasamento jurídico. As defesas deveriam ter arguido razões jurídicas. Não arguiram. Falaram muito de razões políticas e procuraram desqualificar de uma forma ou de outra os juízes e o trabalho do Ministério Público. Espero que as próximas defesas sejam mais técnicas.

ESTADÃO: Com base nas investigações até agora o senhor avalia que a Polícia Militar conseguiria sozinha prender os golpistas de Brasília?

SANTOS: A primeira pergunta que fiz quando entrei nesse grupo (para investigar os golpistas) foi a seguinte: por que que isso aconteceu? Por que esse pessoal chegou à Praça dos Três Poderes e foi permitido fazer o que fizeram? Se a PM tivesse agido da maneira que deveria ter agido, como agiu na posse do presidente Lula, isso não teria acontecido. E nós comprovamos isso na denúncia do comando da PM. Restou muito bem provado ali, de forma sólida, que eles, após o segundo turno da eleição, faziam comentários e conjecturas políticas e principalmente buscando um sentido totalitário, abandonando a ideia de democracia. Aquelas conversa aliadas aos atos deles de omissão imprópria comprovaram. Bastaria um planejamento apropriado. A Polícia Militar não cumpriu o plano de ação integrada. Sabiam o número de pessoas que tinha nos atos, sabiam a intenção daquelas pessoas, a inteligência da PM forneceu todos esses dados. Embora munidos de todas essas informações, eles resolveram se abster e facilitar. Foi isso que aconteceu.

ESTADÃO: A pena de 14 anos de prisão virou a punição mínima para a turba envolvida na depredação?

SANTOS: Pena não tem piso, porque aí seria responsabilidade objetiva. Hoje em dia eu acho que todo o Brasil já comprendeu o que é crime multitudinário (cometido por multidão). É aquele negócio: não precisa saber quem quebrou a janela, quem quebrou a porta, quem atacou obra de arte, porque a turba responde exatamente por aquele resultado que foi apresentado, né? Então esse ponto aí está bastante superado. Isso está na lei. Não é nem jurisprudência.

ESTADÃO: Mas para casos parecidos a condenação de 14 anos vai servir de parâmetro?

SANTOS: Situações semelhantes logicamente têm o mesmo padrão de responsabilidade para elas. Isso não quer dizer que seja uma responsabilidade objetiva. Ao contrário. Mas todos têm que ser tratado da mesma forma. Seria injusto, por exemplo, que as pessoas que tivessem praticado condutas semelhantes, com antecedentes semelhantes, culpabilidade semelhante, recebessem penas diversas. Aí seria injusto um ser beneficiado e outro ter a pena gravada. Foram duas condenações a 17 anos com situações muito parecidas e uma condenação de 14 anos, então ninguém está tratando objetivamente a situação. Essas pessoas estavam em contextos iguais e são situações pessoais muito semelhantes.

ESTADÃO: O senhor achou apropriada a pena de 17 anos que algumas pessoas consideram mais tempo de prisão do que condenações por assassinato?

SANTOS: Eu achei uma medida certa a pena. Observou critérios bastante razoáveis. São cinco crimes que somados teriam a pena máxima de 30 anos. Tem que ter em mente o seguinte. A pena inicia em regime fechado, mas isso não quer dizer que a pessoa vá cumprir toda a pena preso. Quem teve 15 anos e seis meses de reclusão e mais um ano e seis meses de detenção, vai ficar preso aproximadamente uns três anos e nove meses se for réu primário. Vai haver progressão de regime. A progressão visa exatamente a ressocialização e a reiniciação da pessoa no contexto social e essa é a questão ideal. Eu não estou dizendo que ocorra sempre ou que o sistema prisional obedece. Isso aí já não compete a mim.

ESTADÃO: Pode ser permitida a realização de vaquinhas entre bolsonaristas para pagar a multa de R$ 30 milhões, por exemplo, para alguns condenados?

SANTOS: O meu trabalho diz respeito a investigar os atos do dia 8 de janeiro. O que ficar após a condenação já não é mais comigo. É com o juízo da execução.

BRASÍLIA — Responsável na Procuradoria-Geral da República (PGR) pelas investigações e denúncias contra os envolvidos nos atos de 8 de janeiro em Brasília, o subprocurador Carlos Frederico Santos afirmou em entrevista exclusiva ao Estadão nesta sexta-feira, 15, que acredita que “uma pessoa inspirou” essa tentativa de golpe de Estado. Na quinta-feira, 14, foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) as primeiras três pessoas julgadas pelos ataques.

Santos evitou responder se trata o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como a pessoa que “inspirou” apoiadores e militares nessa tentativa de ruptura do Estado Democrático de Direito. O subprocurador coordena um grupo de procuradores na PGR, que continuará à frente dessas investigações pelo menos até o dia 26 de setembro, quando termina o mandato do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, que criou esse grupo de trabalho.

Aras era cotado para permanecer à frente da PGR e o próprio Santos também já foi citado como seu possível sucessor, mas auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratam Paulo Gonet Branco e Antônio Bigonha como finalistas da disputa pelo cargo. Interlocutores avaliam que Aras também perdeu força por manifestar divergência sobre a legalidade do acordo de delação premiada fechado pela Polícia Federal com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-faz-tudo de Bolsonaro. Aras se aferrou a uma posição teórica de alguns procuradores, de que só o Ministério Público poderia fechar acordos de delação com investigados ou réus. Apesar da postura do chefe, no entanto, Santos diz que não vai desperdiçar provas, como a delação de Cid, na investigação dos ataques golpistas.

Confira os principais trechos da entrevista ao Estadão:

ESTADÃO: As investigações identificaram na tentativa de golpe que houve uma liderança ou uma cadeia de comando para os ataques?

CARLOS FREDERICO SANTOS: Eu creio que não tenha havido uma cadeia de comando. Mas eu creio que tenha havido uma pessoa que inspirou essa situação toda. Ou seja, uma pessoa que acabou envolvendo psicologicamente outras pessoas na prática desses atos, mas eu não posso te dizer que houve um comando determinando ordens para isso ou aquilo. É isso que a gente pretende desvendar. O que foi que houve e quem está por trás disso. Essa é a grande pergunta e pretendemos responder de maneira concreta, com provas robustas, para que eu possa chegar e dizer o seguinte: tal pessoa inspirou isso tudo, comprovo a partir desses atos, a partir dessas práticas, a partir dessas situações, a partir dessas provas.

ESTADÃO: Tem alguma chance dessa pessoa não ser o ex-presidente Jair Bolsonaro?

SANTOS: Eu não posso falar em nomes. Porque aí, sim, seria leviano eu falar em nome sem ter provas e particularmente o meu trabalho é feito de forma diferente. Você viu no que redundou a Operação Lava Jato, onde muitas vezes se falava em nomes sem ter as provas devidas. Então eu investigo fatos. Não investigo pessoas. Investigando os fatos, as pessoas, os responsáveis, vão aparecer. Quando falo em uma pessoa (como inspiração), não quer dizer que seja uma pessoa física. Uma pessoa pode ser um grupo que pode ter fomentado isso tudo.

ESTADÃO: E como fica a situação dos financiadores e organizadores ou incitadores do 8 de janeiro?

SANTOS: A escada está subindo, né? Primeiro foram julgados aqueles que estavam presos. A escada já subiu para a Polícia Militar. E logicamente as investigações vão se tornando mais complexas a partir do momento em que a gente sobe cada degrau da escada. Complexa por quê? Porque para mim interessa ter provas consistentes. Eu não denuncio ninguém se não tiver provas consistentes. Por isso se torna complexo, porque nós temos maior dificuldade de fecharmos o contexto probatório.

O subprocurador Carlos Frederico Santos, responsável pelas investigações dos golpistas envolvidos nos atos do dia 8 de janeiro em Brasília FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR

ESTADÃO: Isso explica nenhum militar do Exército ter sido processado ainda?

SANTOS: Militares da Polícia Militar foram os primeiros denunciados por omissão imprópria. Se tiver militares das Forças Armadas que tenham praticado omissão imprópria, vão ser investigados e vão ser denunciados. Meu compromisso é com a democracia, com o Estado de Direito, com a Constituição Federal, então a partir do momento em que eu identifique prova suficiente e materialidade de autoria qualquer pessoa envolvida no dia 8 de janeiro vai ser denunciada. Eu não posso dizer que toda a PM conspirou em favor do golpe. Nós vimos aquela cabo, aquele sargento, que enfrentaram uma multidão em maior número que eles e vestiram a camisa da Segurança Pública. Em compensação, outros policiais que eram do comando fizeram o contrário e colocaram aqueles em risco. A mesma coisa diz respeito aos militares das Forças Armadas. Eu não posso chegar e dizer que as Forças Armadas conspiraram no dia 8 de janeiro. Se tivessem conspirado, teriam dado o golpe. A verdade é essa. Agora, alguns militares podem estar envolvidos nisso. Uma minoria pode estar envolvida nisso. É isso que a gente tem que identificar e ver materialidade e autoria para poder denunciar. Não que o Exército brasileiro, a Aeronáutica e a Marinha tenham conspirado para isso. Eu confio no Exército, confio nas Forças Armadas, confio na Polícia Militar, entendeu? Mas nós temos que depurar aquela minoria que pensou que um golpe de Estado seria procedente. É nisso que estamos trabalhando.

ESTADÃO: E como ficaram as investigações depois do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid?

SANTOS: Eu não conheço o processo do Mauro Cid. Não conheço a delação. Seria antiético e leviano falar sobre o tema, né? Então eu não tenho como te falar. Ele não está sendo investigado por mim, então eu desconheço as provas que têm no processo. Agora, logicamente que qualquer prova que possa ser aproveitada ou utilizada, será. Desde que esteja revestida de legalidade.

ESTADÃO: Mas o senhor tem posição contra acordo de delação feito pela Polícia Federal? Usaria a delação do Cid nas investigações?

SANTOS: Não vou jogar prova fora de ninguém. O interesse institucional que se tem nisso é exatamente o de utilizar todas as provas para desvendar a situação criminosa, então ego de polícia e de Ministério Público tem que ficar à parte. Todo mundo se respeitando, sabendo dos seus limites e sabendo das suas funções.

ESTADÃO: Como o senhor resumiria as conclusões das investigações até hoje?

SANTOS: Teve uma evolução muito boa e os resultados estão aí mostrando isso. Eu fiz questão de dizer no primeiro dia de sessão de julgamento (quarta-feira, 13), de explicar o que era crime multitudinário (praticado por multidão). Aquela situação de o Brasil não ser mais uma república das bananas, que ele está em outro patamar no plano internacional entre as nações democráticas e no finalzinho dizer: tudo que vai ser posto aqui, que vai ser julgado aqui, não quer dizer que as investigações foram concluídas. Ao contrário. Eu não posso dizer que serão concluídas de forma tão rápida porque vai se ampliando o universo das pessoas responsáveis pelos atos do dia 8 de janeiro. Mas o fato positivo que nós temos disso tudo é que em nove meses de investigação está além de satisfatório. Só podemos trabalhar por comparação, né? Podemos comparar com uma situação bastante semelhante, que ocorreu no Capitólio, nos Estados Unidos.

ESTADÃO: Como o senhor compara os ataques de Brasília à invasão do Capitólio?

SANTOS: O motivo foi o mesmo. A resposta dada aqui pelo Brasil está sendo uma resposta muito mais rápida em defesa da democracia do que a resposta americana e te digo mais. O respaldo probatório que nós estamos dando nas acusações estão muito mais fortes. A resposta aqui foi imediata. Nós procuramos imediatamente depurar a situação. Saber quem deveria realmente ficar preso e quem deveria ficar em liberdade com medidas restritivas. Trabalhamos dessa forma para que futuramente não sejamos acusados de arbitrariedades. As pessoas reclamam sem fundamentos. Tentam desvirtuar o conceito de crime multitudinário para dizer que imputamos responsabilidade objetiva. Essa propagação de fake news nesse sentido é que nós temos que desconstruir e que já tornou inconsistente qualquer defesa nesse sentido. Os advogados que foram apresentar as primeiras defesas tinham esse objetivo de desqualificar o crime multitudinário, ou seja, sem qualquer razão ou embasamento jurídico. As defesas deveriam ter arguido razões jurídicas. Não arguiram. Falaram muito de razões políticas e procuraram desqualificar de uma forma ou de outra os juízes e o trabalho do Ministério Público. Espero que as próximas defesas sejam mais técnicas.

ESTADÃO: Com base nas investigações até agora o senhor avalia que a Polícia Militar conseguiria sozinha prender os golpistas de Brasília?

SANTOS: A primeira pergunta que fiz quando entrei nesse grupo (para investigar os golpistas) foi a seguinte: por que que isso aconteceu? Por que esse pessoal chegou à Praça dos Três Poderes e foi permitido fazer o que fizeram? Se a PM tivesse agido da maneira que deveria ter agido, como agiu na posse do presidente Lula, isso não teria acontecido. E nós comprovamos isso na denúncia do comando da PM. Restou muito bem provado ali, de forma sólida, que eles, após o segundo turno da eleição, faziam comentários e conjecturas políticas e principalmente buscando um sentido totalitário, abandonando a ideia de democracia. Aquelas conversa aliadas aos atos deles de omissão imprópria comprovaram. Bastaria um planejamento apropriado. A Polícia Militar não cumpriu o plano de ação integrada. Sabiam o número de pessoas que tinha nos atos, sabiam a intenção daquelas pessoas, a inteligência da PM forneceu todos esses dados. Embora munidos de todas essas informações, eles resolveram se abster e facilitar. Foi isso que aconteceu.

ESTADÃO: A pena de 14 anos de prisão virou a punição mínima para a turba envolvida na depredação?

SANTOS: Pena não tem piso, porque aí seria responsabilidade objetiva. Hoje em dia eu acho que todo o Brasil já comprendeu o que é crime multitudinário (cometido por multidão). É aquele negócio: não precisa saber quem quebrou a janela, quem quebrou a porta, quem atacou obra de arte, porque a turba responde exatamente por aquele resultado que foi apresentado, né? Então esse ponto aí está bastante superado. Isso está na lei. Não é nem jurisprudência.

ESTADÃO: Mas para casos parecidos a condenação de 14 anos vai servir de parâmetro?

SANTOS: Situações semelhantes logicamente têm o mesmo padrão de responsabilidade para elas. Isso não quer dizer que seja uma responsabilidade objetiva. Ao contrário. Mas todos têm que ser tratado da mesma forma. Seria injusto, por exemplo, que as pessoas que tivessem praticado condutas semelhantes, com antecedentes semelhantes, culpabilidade semelhante, recebessem penas diversas. Aí seria injusto um ser beneficiado e outro ter a pena gravada. Foram duas condenações a 17 anos com situações muito parecidas e uma condenação de 14 anos, então ninguém está tratando objetivamente a situação. Essas pessoas estavam em contextos iguais e são situações pessoais muito semelhantes.

ESTADÃO: O senhor achou apropriada a pena de 17 anos que algumas pessoas consideram mais tempo de prisão do que condenações por assassinato?

SANTOS: Eu achei uma medida certa a pena. Observou critérios bastante razoáveis. São cinco crimes que somados teriam a pena máxima de 30 anos. Tem que ter em mente o seguinte. A pena inicia em regime fechado, mas isso não quer dizer que a pessoa vá cumprir toda a pena preso. Quem teve 15 anos e seis meses de reclusão e mais um ano e seis meses de detenção, vai ficar preso aproximadamente uns três anos e nove meses se for réu primário. Vai haver progressão de regime. A progressão visa exatamente a ressocialização e a reiniciação da pessoa no contexto social e essa é a questão ideal. Eu não estou dizendo que ocorra sempre ou que o sistema prisional obedece. Isso aí já não compete a mim.

ESTADÃO: Pode ser permitida a realização de vaquinhas entre bolsonaristas para pagar a multa de R$ 30 milhões, por exemplo, para alguns condenados?

SANTOS: O meu trabalho diz respeito a investigar os atos do dia 8 de janeiro. O que ficar após a condenação já não é mais comigo. É com o juízo da execução.

BRASÍLIA — Responsável na Procuradoria-Geral da República (PGR) pelas investigações e denúncias contra os envolvidos nos atos de 8 de janeiro em Brasília, o subprocurador Carlos Frederico Santos afirmou em entrevista exclusiva ao Estadão nesta sexta-feira, 15, que acredita que “uma pessoa inspirou” essa tentativa de golpe de Estado. Na quinta-feira, 14, foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) as primeiras três pessoas julgadas pelos ataques.

Santos evitou responder se trata o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como a pessoa que “inspirou” apoiadores e militares nessa tentativa de ruptura do Estado Democrático de Direito. O subprocurador coordena um grupo de procuradores na PGR, que continuará à frente dessas investigações pelo menos até o dia 26 de setembro, quando termina o mandato do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, que criou esse grupo de trabalho.

Aras era cotado para permanecer à frente da PGR e o próprio Santos também já foi citado como seu possível sucessor, mas auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratam Paulo Gonet Branco e Antônio Bigonha como finalistas da disputa pelo cargo. Interlocutores avaliam que Aras também perdeu força por manifestar divergência sobre a legalidade do acordo de delação premiada fechado pela Polícia Federal com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-faz-tudo de Bolsonaro. Aras se aferrou a uma posição teórica de alguns procuradores, de que só o Ministério Público poderia fechar acordos de delação com investigados ou réus. Apesar da postura do chefe, no entanto, Santos diz que não vai desperdiçar provas, como a delação de Cid, na investigação dos ataques golpistas.

Confira os principais trechos da entrevista ao Estadão:

ESTADÃO: As investigações identificaram na tentativa de golpe que houve uma liderança ou uma cadeia de comando para os ataques?

CARLOS FREDERICO SANTOS: Eu creio que não tenha havido uma cadeia de comando. Mas eu creio que tenha havido uma pessoa que inspirou essa situação toda. Ou seja, uma pessoa que acabou envolvendo psicologicamente outras pessoas na prática desses atos, mas eu não posso te dizer que houve um comando determinando ordens para isso ou aquilo. É isso que a gente pretende desvendar. O que foi que houve e quem está por trás disso. Essa é a grande pergunta e pretendemos responder de maneira concreta, com provas robustas, para que eu possa chegar e dizer o seguinte: tal pessoa inspirou isso tudo, comprovo a partir desses atos, a partir dessas práticas, a partir dessas situações, a partir dessas provas.

ESTADÃO: Tem alguma chance dessa pessoa não ser o ex-presidente Jair Bolsonaro?

SANTOS: Eu não posso falar em nomes. Porque aí, sim, seria leviano eu falar em nome sem ter provas e particularmente o meu trabalho é feito de forma diferente. Você viu no que redundou a Operação Lava Jato, onde muitas vezes se falava em nomes sem ter as provas devidas. Então eu investigo fatos. Não investigo pessoas. Investigando os fatos, as pessoas, os responsáveis, vão aparecer. Quando falo em uma pessoa (como inspiração), não quer dizer que seja uma pessoa física. Uma pessoa pode ser um grupo que pode ter fomentado isso tudo.

ESTADÃO: E como fica a situação dos financiadores e organizadores ou incitadores do 8 de janeiro?

SANTOS: A escada está subindo, né? Primeiro foram julgados aqueles que estavam presos. A escada já subiu para a Polícia Militar. E logicamente as investigações vão se tornando mais complexas a partir do momento em que a gente sobe cada degrau da escada. Complexa por quê? Porque para mim interessa ter provas consistentes. Eu não denuncio ninguém se não tiver provas consistentes. Por isso se torna complexo, porque nós temos maior dificuldade de fecharmos o contexto probatório.

O subprocurador Carlos Frederico Santos, responsável pelas investigações dos golpistas envolvidos nos atos do dia 8 de janeiro em Brasília FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR

ESTADÃO: Isso explica nenhum militar do Exército ter sido processado ainda?

SANTOS: Militares da Polícia Militar foram os primeiros denunciados por omissão imprópria. Se tiver militares das Forças Armadas que tenham praticado omissão imprópria, vão ser investigados e vão ser denunciados. Meu compromisso é com a democracia, com o Estado de Direito, com a Constituição Federal, então a partir do momento em que eu identifique prova suficiente e materialidade de autoria qualquer pessoa envolvida no dia 8 de janeiro vai ser denunciada. Eu não posso dizer que toda a PM conspirou em favor do golpe. Nós vimos aquela cabo, aquele sargento, que enfrentaram uma multidão em maior número que eles e vestiram a camisa da Segurança Pública. Em compensação, outros policiais que eram do comando fizeram o contrário e colocaram aqueles em risco. A mesma coisa diz respeito aos militares das Forças Armadas. Eu não posso chegar e dizer que as Forças Armadas conspiraram no dia 8 de janeiro. Se tivessem conspirado, teriam dado o golpe. A verdade é essa. Agora, alguns militares podem estar envolvidos nisso. Uma minoria pode estar envolvida nisso. É isso que a gente tem que identificar e ver materialidade e autoria para poder denunciar. Não que o Exército brasileiro, a Aeronáutica e a Marinha tenham conspirado para isso. Eu confio no Exército, confio nas Forças Armadas, confio na Polícia Militar, entendeu? Mas nós temos que depurar aquela minoria que pensou que um golpe de Estado seria procedente. É nisso que estamos trabalhando.

ESTADÃO: E como ficaram as investigações depois do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid?

SANTOS: Eu não conheço o processo do Mauro Cid. Não conheço a delação. Seria antiético e leviano falar sobre o tema, né? Então eu não tenho como te falar. Ele não está sendo investigado por mim, então eu desconheço as provas que têm no processo. Agora, logicamente que qualquer prova que possa ser aproveitada ou utilizada, será. Desde que esteja revestida de legalidade.

ESTADÃO: Mas o senhor tem posição contra acordo de delação feito pela Polícia Federal? Usaria a delação do Cid nas investigações?

SANTOS: Não vou jogar prova fora de ninguém. O interesse institucional que se tem nisso é exatamente o de utilizar todas as provas para desvendar a situação criminosa, então ego de polícia e de Ministério Público tem que ficar à parte. Todo mundo se respeitando, sabendo dos seus limites e sabendo das suas funções.

ESTADÃO: Como o senhor resumiria as conclusões das investigações até hoje?

SANTOS: Teve uma evolução muito boa e os resultados estão aí mostrando isso. Eu fiz questão de dizer no primeiro dia de sessão de julgamento (quarta-feira, 13), de explicar o que era crime multitudinário (praticado por multidão). Aquela situação de o Brasil não ser mais uma república das bananas, que ele está em outro patamar no plano internacional entre as nações democráticas e no finalzinho dizer: tudo que vai ser posto aqui, que vai ser julgado aqui, não quer dizer que as investigações foram concluídas. Ao contrário. Eu não posso dizer que serão concluídas de forma tão rápida porque vai se ampliando o universo das pessoas responsáveis pelos atos do dia 8 de janeiro. Mas o fato positivo que nós temos disso tudo é que em nove meses de investigação está além de satisfatório. Só podemos trabalhar por comparação, né? Podemos comparar com uma situação bastante semelhante, que ocorreu no Capitólio, nos Estados Unidos.

ESTADÃO: Como o senhor compara os ataques de Brasília à invasão do Capitólio?

SANTOS: O motivo foi o mesmo. A resposta dada aqui pelo Brasil está sendo uma resposta muito mais rápida em defesa da democracia do que a resposta americana e te digo mais. O respaldo probatório que nós estamos dando nas acusações estão muito mais fortes. A resposta aqui foi imediata. Nós procuramos imediatamente depurar a situação. Saber quem deveria realmente ficar preso e quem deveria ficar em liberdade com medidas restritivas. Trabalhamos dessa forma para que futuramente não sejamos acusados de arbitrariedades. As pessoas reclamam sem fundamentos. Tentam desvirtuar o conceito de crime multitudinário para dizer que imputamos responsabilidade objetiva. Essa propagação de fake news nesse sentido é que nós temos que desconstruir e que já tornou inconsistente qualquer defesa nesse sentido. Os advogados que foram apresentar as primeiras defesas tinham esse objetivo de desqualificar o crime multitudinário, ou seja, sem qualquer razão ou embasamento jurídico. As defesas deveriam ter arguido razões jurídicas. Não arguiram. Falaram muito de razões políticas e procuraram desqualificar de uma forma ou de outra os juízes e o trabalho do Ministério Público. Espero que as próximas defesas sejam mais técnicas.

ESTADÃO: Com base nas investigações até agora o senhor avalia que a Polícia Militar conseguiria sozinha prender os golpistas de Brasília?

SANTOS: A primeira pergunta que fiz quando entrei nesse grupo (para investigar os golpistas) foi a seguinte: por que que isso aconteceu? Por que esse pessoal chegou à Praça dos Três Poderes e foi permitido fazer o que fizeram? Se a PM tivesse agido da maneira que deveria ter agido, como agiu na posse do presidente Lula, isso não teria acontecido. E nós comprovamos isso na denúncia do comando da PM. Restou muito bem provado ali, de forma sólida, que eles, após o segundo turno da eleição, faziam comentários e conjecturas políticas e principalmente buscando um sentido totalitário, abandonando a ideia de democracia. Aquelas conversa aliadas aos atos deles de omissão imprópria comprovaram. Bastaria um planejamento apropriado. A Polícia Militar não cumpriu o plano de ação integrada. Sabiam o número de pessoas que tinha nos atos, sabiam a intenção daquelas pessoas, a inteligência da PM forneceu todos esses dados. Embora munidos de todas essas informações, eles resolveram se abster e facilitar. Foi isso que aconteceu.

ESTADÃO: A pena de 14 anos de prisão virou a punição mínima para a turba envolvida na depredação?

SANTOS: Pena não tem piso, porque aí seria responsabilidade objetiva. Hoje em dia eu acho que todo o Brasil já comprendeu o que é crime multitudinário (cometido por multidão). É aquele negócio: não precisa saber quem quebrou a janela, quem quebrou a porta, quem atacou obra de arte, porque a turba responde exatamente por aquele resultado que foi apresentado, né? Então esse ponto aí está bastante superado. Isso está na lei. Não é nem jurisprudência.

ESTADÃO: Mas para casos parecidos a condenação de 14 anos vai servir de parâmetro?

SANTOS: Situações semelhantes logicamente têm o mesmo padrão de responsabilidade para elas. Isso não quer dizer que seja uma responsabilidade objetiva. Ao contrário. Mas todos têm que ser tratado da mesma forma. Seria injusto, por exemplo, que as pessoas que tivessem praticado condutas semelhantes, com antecedentes semelhantes, culpabilidade semelhante, recebessem penas diversas. Aí seria injusto um ser beneficiado e outro ter a pena gravada. Foram duas condenações a 17 anos com situações muito parecidas e uma condenação de 14 anos, então ninguém está tratando objetivamente a situação. Essas pessoas estavam em contextos iguais e são situações pessoais muito semelhantes.

ESTADÃO: O senhor achou apropriada a pena de 17 anos que algumas pessoas consideram mais tempo de prisão do que condenações por assassinato?

SANTOS: Eu achei uma medida certa a pena. Observou critérios bastante razoáveis. São cinco crimes que somados teriam a pena máxima de 30 anos. Tem que ter em mente o seguinte. A pena inicia em regime fechado, mas isso não quer dizer que a pessoa vá cumprir toda a pena preso. Quem teve 15 anos e seis meses de reclusão e mais um ano e seis meses de detenção, vai ficar preso aproximadamente uns três anos e nove meses se for réu primário. Vai haver progressão de regime. A progressão visa exatamente a ressocialização e a reiniciação da pessoa no contexto social e essa é a questão ideal. Eu não estou dizendo que ocorra sempre ou que o sistema prisional obedece. Isso aí já não compete a mim.

ESTADÃO: Pode ser permitida a realização de vaquinhas entre bolsonaristas para pagar a multa de R$ 30 milhões, por exemplo, para alguns condenados?

SANTOS: O meu trabalho diz respeito a investigar os atos do dia 8 de janeiro. O que ficar após a condenação já não é mais comigo. É com o juízo da execução.

BRASÍLIA — Responsável na Procuradoria-Geral da República (PGR) pelas investigações e denúncias contra os envolvidos nos atos de 8 de janeiro em Brasília, o subprocurador Carlos Frederico Santos afirmou em entrevista exclusiva ao Estadão nesta sexta-feira, 15, que acredita que “uma pessoa inspirou” essa tentativa de golpe de Estado. Na quinta-feira, 14, foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) as primeiras três pessoas julgadas pelos ataques.

Santos evitou responder se trata o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como a pessoa que “inspirou” apoiadores e militares nessa tentativa de ruptura do Estado Democrático de Direito. O subprocurador coordena um grupo de procuradores na PGR, que continuará à frente dessas investigações pelo menos até o dia 26 de setembro, quando termina o mandato do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, que criou esse grupo de trabalho.

Aras era cotado para permanecer à frente da PGR e o próprio Santos também já foi citado como seu possível sucessor, mas auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratam Paulo Gonet Branco e Antônio Bigonha como finalistas da disputa pelo cargo. Interlocutores avaliam que Aras também perdeu força por manifestar divergência sobre a legalidade do acordo de delação premiada fechado pela Polícia Federal com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-faz-tudo de Bolsonaro. Aras se aferrou a uma posição teórica de alguns procuradores, de que só o Ministério Público poderia fechar acordos de delação com investigados ou réus. Apesar da postura do chefe, no entanto, Santos diz que não vai desperdiçar provas, como a delação de Cid, na investigação dos ataques golpistas.

Confira os principais trechos da entrevista ao Estadão:

ESTADÃO: As investigações identificaram na tentativa de golpe que houve uma liderança ou uma cadeia de comando para os ataques?

CARLOS FREDERICO SANTOS: Eu creio que não tenha havido uma cadeia de comando. Mas eu creio que tenha havido uma pessoa que inspirou essa situação toda. Ou seja, uma pessoa que acabou envolvendo psicologicamente outras pessoas na prática desses atos, mas eu não posso te dizer que houve um comando determinando ordens para isso ou aquilo. É isso que a gente pretende desvendar. O que foi que houve e quem está por trás disso. Essa é a grande pergunta e pretendemos responder de maneira concreta, com provas robustas, para que eu possa chegar e dizer o seguinte: tal pessoa inspirou isso tudo, comprovo a partir desses atos, a partir dessas práticas, a partir dessas situações, a partir dessas provas.

ESTADÃO: Tem alguma chance dessa pessoa não ser o ex-presidente Jair Bolsonaro?

SANTOS: Eu não posso falar em nomes. Porque aí, sim, seria leviano eu falar em nome sem ter provas e particularmente o meu trabalho é feito de forma diferente. Você viu no que redundou a Operação Lava Jato, onde muitas vezes se falava em nomes sem ter as provas devidas. Então eu investigo fatos. Não investigo pessoas. Investigando os fatos, as pessoas, os responsáveis, vão aparecer. Quando falo em uma pessoa (como inspiração), não quer dizer que seja uma pessoa física. Uma pessoa pode ser um grupo que pode ter fomentado isso tudo.

ESTADÃO: E como fica a situação dos financiadores e organizadores ou incitadores do 8 de janeiro?

SANTOS: A escada está subindo, né? Primeiro foram julgados aqueles que estavam presos. A escada já subiu para a Polícia Militar. E logicamente as investigações vão se tornando mais complexas a partir do momento em que a gente sobe cada degrau da escada. Complexa por quê? Porque para mim interessa ter provas consistentes. Eu não denuncio ninguém se não tiver provas consistentes. Por isso se torna complexo, porque nós temos maior dificuldade de fecharmos o contexto probatório.

O subprocurador Carlos Frederico Santos, responsável pelas investigações dos golpistas envolvidos nos atos do dia 8 de janeiro em Brasília FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR

ESTADÃO: Isso explica nenhum militar do Exército ter sido processado ainda?

SANTOS: Militares da Polícia Militar foram os primeiros denunciados por omissão imprópria. Se tiver militares das Forças Armadas que tenham praticado omissão imprópria, vão ser investigados e vão ser denunciados. Meu compromisso é com a democracia, com o Estado de Direito, com a Constituição Federal, então a partir do momento em que eu identifique prova suficiente e materialidade de autoria qualquer pessoa envolvida no dia 8 de janeiro vai ser denunciada. Eu não posso dizer que toda a PM conspirou em favor do golpe. Nós vimos aquela cabo, aquele sargento, que enfrentaram uma multidão em maior número que eles e vestiram a camisa da Segurança Pública. Em compensação, outros policiais que eram do comando fizeram o contrário e colocaram aqueles em risco. A mesma coisa diz respeito aos militares das Forças Armadas. Eu não posso chegar e dizer que as Forças Armadas conspiraram no dia 8 de janeiro. Se tivessem conspirado, teriam dado o golpe. A verdade é essa. Agora, alguns militares podem estar envolvidos nisso. Uma minoria pode estar envolvida nisso. É isso que a gente tem que identificar e ver materialidade e autoria para poder denunciar. Não que o Exército brasileiro, a Aeronáutica e a Marinha tenham conspirado para isso. Eu confio no Exército, confio nas Forças Armadas, confio na Polícia Militar, entendeu? Mas nós temos que depurar aquela minoria que pensou que um golpe de Estado seria procedente. É nisso que estamos trabalhando.

ESTADÃO: E como ficaram as investigações depois do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid?

SANTOS: Eu não conheço o processo do Mauro Cid. Não conheço a delação. Seria antiético e leviano falar sobre o tema, né? Então eu não tenho como te falar. Ele não está sendo investigado por mim, então eu desconheço as provas que têm no processo. Agora, logicamente que qualquer prova que possa ser aproveitada ou utilizada, será. Desde que esteja revestida de legalidade.

ESTADÃO: Mas o senhor tem posição contra acordo de delação feito pela Polícia Federal? Usaria a delação do Cid nas investigações?

SANTOS: Não vou jogar prova fora de ninguém. O interesse institucional que se tem nisso é exatamente o de utilizar todas as provas para desvendar a situação criminosa, então ego de polícia e de Ministério Público tem que ficar à parte. Todo mundo se respeitando, sabendo dos seus limites e sabendo das suas funções.

ESTADÃO: Como o senhor resumiria as conclusões das investigações até hoje?

SANTOS: Teve uma evolução muito boa e os resultados estão aí mostrando isso. Eu fiz questão de dizer no primeiro dia de sessão de julgamento (quarta-feira, 13), de explicar o que era crime multitudinário (praticado por multidão). Aquela situação de o Brasil não ser mais uma república das bananas, que ele está em outro patamar no plano internacional entre as nações democráticas e no finalzinho dizer: tudo que vai ser posto aqui, que vai ser julgado aqui, não quer dizer que as investigações foram concluídas. Ao contrário. Eu não posso dizer que serão concluídas de forma tão rápida porque vai se ampliando o universo das pessoas responsáveis pelos atos do dia 8 de janeiro. Mas o fato positivo que nós temos disso tudo é que em nove meses de investigação está além de satisfatório. Só podemos trabalhar por comparação, né? Podemos comparar com uma situação bastante semelhante, que ocorreu no Capitólio, nos Estados Unidos.

ESTADÃO: Como o senhor compara os ataques de Brasília à invasão do Capitólio?

SANTOS: O motivo foi o mesmo. A resposta dada aqui pelo Brasil está sendo uma resposta muito mais rápida em defesa da democracia do que a resposta americana e te digo mais. O respaldo probatório que nós estamos dando nas acusações estão muito mais fortes. A resposta aqui foi imediata. Nós procuramos imediatamente depurar a situação. Saber quem deveria realmente ficar preso e quem deveria ficar em liberdade com medidas restritivas. Trabalhamos dessa forma para que futuramente não sejamos acusados de arbitrariedades. As pessoas reclamam sem fundamentos. Tentam desvirtuar o conceito de crime multitudinário para dizer que imputamos responsabilidade objetiva. Essa propagação de fake news nesse sentido é que nós temos que desconstruir e que já tornou inconsistente qualquer defesa nesse sentido. Os advogados que foram apresentar as primeiras defesas tinham esse objetivo de desqualificar o crime multitudinário, ou seja, sem qualquer razão ou embasamento jurídico. As defesas deveriam ter arguido razões jurídicas. Não arguiram. Falaram muito de razões políticas e procuraram desqualificar de uma forma ou de outra os juízes e o trabalho do Ministério Público. Espero que as próximas defesas sejam mais técnicas.

ESTADÃO: Com base nas investigações até agora o senhor avalia que a Polícia Militar conseguiria sozinha prender os golpistas de Brasília?

SANTOS: A primeira pergunta que fiz quando entrei nesse grupo (para investigar os golpistas) foi a seguinte: por que que isso aconteceu? Por que esse pessoal chegou à Praça dos Três Poderes e foi permitido fazer o que fizeram? Se a PM tivesse agido da maneira que deveria ter agido, como agiu na posse do presidente Lula, isso não teria acontecido. E nós comprovamos isso na denúncia do comando da PM. Restou muito bem provado ali, de forma sólida, que eles, após o segundo turno da eleição, faziam comentários e conjecturas políticas e principalmente buscando um sentido totalitário, abandonando a ideia de democracia. Aquelas conversa aliadas aos atos deles de omissão imprópria comprovaram. Bastaria um planejamento apropriado. A Polícia Militar não cumpriu o plano de ação integrada. Sabiam o número de pessoas que tinha nos atos, sabiam a intenção daquelas pessoas, a inteligência da PM forneceu todos esses dados. Embora munidos de todas essas informações, eles resolveram se abster e facilitar. Foi isso que aconteceu.

ESTADÃO: A pena de 14 anos de prisão virou a punição mínima para a turba envolvida na depredação?

SANTOS: Pena não tem piso, porque aí seria responsabilidade objetiva. Hoje em dia eu acho que todo o Brasil já comprendeu o que é crime multitudinário (cometido por multidão). É aquele negócio: não precisa saber quem quebrou a janela, quem quebrou a porta, quem atacou obra de arte, porque a turba responde exatamente por aquele resultado que foi apresentado, né? Então esse ponto aí está bastante superado. Isso está na lei. Não é nem jurisprudência.

ESTADÃO: Mas para casos parecidos a condenação de 14 anos vai servir de parâmetro?

SANTOS: Situações semelhantes logicamente têm o mesmo padrão de responsabilidade para elas. Isso não quer dizer que seja uma responsabilidade objetiva. Ao contrário. Mas todos têm que ser tratado da mesma forma. Seria injusto, por exemplo, que as pessoas que tivessem praticado condutas semelhantes, com antecedentes semelhantes, culpabilidade semelhante, recebessem penas diversas. Aí seria injusto um ser beneficiado e outro ter a pena gravada. Foram duas condenações a 17 anos com situações muito parecidas e uma condenação de 14 anos, então ninguém está tratando objetivamente a situação. Essas pessoas estavam em contextos iguais e são situações pessoais muito semelhantes.

ESTADÃO: O senhor achou apropriada a pena de 17 anos que algumas pessoas consideram mais tempo de prisão do que condenações por assassinato?

SANTOS: Eu achei uma medida certa a pena. Observou critérios bastante razoáveis. São cinco crimes que somados teriam a pena máxima de 30 anos. Tem que ter em mente o seguinte. A pena inicia em regime fechado, mas isso não quer dizer que a pessoa vá cumprir toda a pena preso. Quem teve 15 anos e seis meses de reclusão e mais um ano e seis meses de detenção, vai ficar preso aproximadamente uns três anos e nove meses se for réu primário. Vai haver progressão de regime. A progressão visa exatamente a ressocialização e a reiniciação da pessoa no contexto social e essa é a questão ideal. Eu não estou dizendo que ocorra sempre ou que o sistema prisional obedece. Isso aí já não compete a mim.

ESTADÃO: Pode ser permitida a realização de vaquinhas entre bolsonaristas para pagar a multa de R$ 30 milhões, por exemplo, para alguns condenados?

SANTOS: O meu trabalho diz respeito a investigar os atos do dia 8 de janeiro. O que ficar após a condenação já não é mais comigo. É com o juízo da execução.

BRASÍLIA — Responsável na Procuradoria-Geral da República (PGR) pelas investigações e denúncias contra os envolvidos nos atos de 8 de janeiro em Brasília, o subprocurador Carlos Frederico Santos afirmou em entrevista exclusiva ao Estadão nesta sexta-feira, 15, que acredita que “uma pessoa inspirou” essa tentativa de golpe de Estado. Na quinta-feira, 14, foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) as primeiras três pessoas julgadas pelos ataques.

Santos evitou responder se trata o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como a pessoa que “inspirou” apoiadores e militares nessa tentativa de ruptura do Estado Democrático de Direito. O subprocurador coordena um grupo de procuradores na PGR, que continuará à frente dessas investigações pelo menos até o dia 26 de setembro, quando termina o mandato do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, que criou esse grupo de trabalho.

Aras era cotado para permanecer à frente da PGR e o próprio Santos também já foi citado como seu possível sucessor, mas auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratam Paulo Gonet Branco e Antônio Bigonha como finalistas da disputa pelo cargo. Interlocutores avaliam que Aras também perdeu força por manifestar divergência sobre a legalidade do acordo de delação premiada fechado pela Polícia Federal com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-faz-tudo de Bolsonaro. Aras se aferrou a uma posição teórica de alguns procuradores, de que só o Ministério Público poderia fechar acordos de delação com investigados ou réus. Apesar da postura do chefe, no entanto, Santos diz que não vai desperdiçar provas, como a delação de Cid, na investigação dos ataques golpistas.

Confira os principais trechos da entrevista ao Estadão:

ESTADÃO: As investigações identificaram na tentativa de golpe que houve uma liderança ou uma cadeia de comando para os ataques?

CARLOS FREDERICO SANTOS: Eu creio que não tenha havido uma cadeia de comando. Mas eu creio que tenha havido uma pessoa que inspirou essa situação toda. Ou seja, uma pessoa que acabou envolvendo psicologicamente outras pessoas na prática desses atos, mas eu não posso te dizer que houve um comando determinando ordens para isso ou aquilo. É isso que a gente pretende desvendar. O que foi que houve e quem está por trás disso. Essa é a grande pergunta e pretendemos responder de maneira concreta, com provas robustas, para que eu possa chegar e dizer o seguinte: tal pessoa inspirou isso tudo, comprovo a partir desses atos, a partir dessas práticas, a partir dessas situações, a partir dessas provas.

ESTADÃO: Tem alguma chance dessa pessoa não ser o ex-presidente Jair Bolsonaro?

SANTOS: Eu não posso falar em nomes. Porque aí, sim, seria leviano eu falar em nome sem ter provas e particularmente o meu trabalho é feito de forma diferente. Você viu no que redundou a Operação Lava Jato, onde muitas vezes se falava em nomes sem ter as provas devidas. Então eu investigo fatos. Não investigo pessoas. Investigando os fatos, as pessoas, os responsáveis, vão aparecer. Quando falo em uma pessoa (como inspiração), não quer dizer que seja uma pessoa física. Uma pessoa pode ser um grupo que pode ter fomentado isso tudo.

ESTADÃO: E como fica a situação dos financiadores e organizadores ou incitadores do 8 de janeiro?

SANTOS: A escada está subindo, né? Primeiro foram julgados aqueles que estavam presos. A escada já subiu para a Polícia Militar. E logicamente as investigações vão se tornando mais complexas a partir do momento em que a gente sobe cada degrau da escada. Complexa por quê? Porque para mim interessa ter provas consistentes. Eu não denuncio ninguém se não tiver provas consistentes. Por isso se torna complexo, porque nós temos maior dificuldade de fecharmos o contexto probatório.

O subprocurador Carlos Frederico Santos, responsável pelas investigações dos golpistas envolvidos nos atos do dia 8 de janeiro em Brasília FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR

ESTADÃO: Isso explica nenhum militar do Exército ter sido processado ainda?

SANTOS: Militares da Polícia Militar foram os primeiros denunciados por omissão imprópria. Se tiver militares das Forças Armadas que tenham praticado omissão imprópria, vão ser investigados e vão ser denunciados. Meu compromisso é com a democracia, com o Estado de Direito, com a Constituição Federal, então a partir do momento em que eu identifique prova suficiente e materialidade de autoria qualquer pessoa envolvida no dia 8 de janeiro vai ser denunciada. Eu não posso dizer que toda a PM conspirou em favor do golpe. Nós vimos aquela cabo, aquele sargento, que enfrentaram uma multidão em maior número que eles e vestiram a camisa da Segurança Pública. Em compensação, outros policiais que eram do comando fizeram o contrário e colocaram aqueles em risco. A mesma coisa diz respeito aos militares das Forças Armadas. Eu não posso chegar e dizer que as Forças Armadas conspiraram no dia 8 de janeiro. Se tivessem conspirado, teriam dado o golpe. A verdade é essa. Agora, alguns militares podem estar envolvidos nisso. Uma minoria pode estar envolvida nisso. É isso que a gente tem que identificar e ver materialidade e autoria para poder denunciar. Não que o Exército brasileiro, a Aeronáutica e a Marinha tenham conspirado para isso. Eu confio no Exército, confio nas Forças Armadas, confio na Polícia Militar, entendeu? Mas nós temos que depurar aquela minoria que pensou que um golpe de Estado seria procedente. É nisso que estamos trabalhando.

ESTADÃO: E como ficaram as investigações depois do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid?

SANTOS: Eu não conheço o processo do Mauro Cid. Não conheço a delação. Seria antiético e leviano falar sobre o tema, né? Então eu não tenho como te falar. Ele não está sendo investigado por mim, então eu desconheço as provas que têm no processo. Agora, logicamente que qualquer prova que possa ser aproveitada ou utilizada, será. Desde que esteja revestida de legalidade.

ESTADÃO: Mas o senhor tem posição contra acordo de delação feito pela Polícia Federal? Usaria a delação do Cid nas investigações?

SANTOS: Não vou jogar prova fora de ninguém. O interesse institucional que se tem nisso é exatamente o de utilizar todas as provas para desvendar a situação criminosa, então ego de polícia e de Ministério Público tem que ficar à parte. Todo mundo se respeitando, sabendo dos seus limites e sabendo das suas funções.

ESTADÃO: Como o senhor resumiria as conclusões das investigações até hoje?

SANTOS: Teve uma evolução muito boa e os resultados estão aí mostrando isso. Eu fiz questão de dizer no primeiro dia de sessão de julgamento (quarta-feira, 13), de explicar o que era crime multitudinário (praticado por multidão). Aquela situação de o Brasil não ser mais uma república das bananas, que ele está em outro patamar no plano internacional entre as nações democráticas e no finalzinho dizer: tudo que vai ser posto aqui, que vai ser julgado aqui, não quer dizer que as investigações foram concluídas. Ao contrário. Eu não posso dizer que serão concluídas de forma tão rápida porque vai se ampliando o universo das pessoas responsáveis pelos atos do dia 8 de janeiro. Mas o fato positivo que nós temos disso tudo é que em nove meses de investigação está além de satisfatório. Só podemos trabalhar por comparação, né? Podemos comparar com uma situação bastante semelhante, que ocorreu no Capitólio, nos Estados Unidos.

ESTADÃO: Como o senhor compara os ataques de Brasília à invasão do Capitólio?

SANTOS: O motivo foi o mesmo. A resposta dada aqui pelo Brasil está sendo uma resposta muito mais rápida em defesa da democracia do que a resposta americana e te digo mais. O respaldo probatório que nós estamos dando nas acusações estão muito mais fortes. A resposta aqui foi imediata. Nós procuramos imediatamente depurar a situação. Saber quem deveria realmente ficar preso e quem deveria ficar em liberdade com medidas restritivas. Trabalhamos dessa forma para que futuramente não sejamos acusados de arbitrariedades. As pessoas reclamam sem fundamentos. Tentam desvirtuar o conceito de crime multitudinário para dizer que imputamos responsabilidade objetiva. Essa propagação de fake news nesse sentido é que nós temos que desconstruir e que já tornou inconsistente qualquer defesa nesse sentido. Os advogados que foram apresentar as primeiras defesas tinham esse objetivo de desqualificar o crime multitudinário, ou seja, sem qualquer razão ou embasamento jurídico. As defesas deveriam ter arguido razões jurídicas. Não arguiram. Falaram muito de razões políticas e procuraram desqualificar de uma forma ou de outra os juízes e o trabalho do Ministério Público. Espero que as próximas defesas sejam mais técnicas.

ESTADÃO: Com base nas investigações até agora o senhor avalia que a Polícia Militar conseguiria sozinha prender os golpistas de Brasília?

SANTOS: A primeira pergunta que fiz quando entrei nesse grupo (para investigar os golpistas) foi a seguinte: por que que isso aconteceu? Por que esse pessoal chegou à Praça dos Três Poderes e foi permitido fazer o que fizeram? Se a PM tivesse agido da maneira que deveria ter agido, como agiu na posse do presidente Lula, isso não teria acontecido. E nós comprovamos isso na denúncia do comando da PM. Restou muito bem provado ali, de forma sólida, que eles, após o segundo turno da eleição, faziam comentários e conjecturas políticas e principalmente buscando um sentido totalitário, abandonando a ideia de democracia. Aquelas conversa aliadas aos atos deles de omissão imprópria comprovaram. Bastaria um planejamento apropriado. A Polícia Militar não cumpriu o plano de ação integrada. Sabiam o número de pessoas que tinha nos atos, sabiam a intenção daquelas pessoas, a inteligência da PM forneceu todos esses dados. Embora munidos de todas essas informações, eles resolveram se abster e facilitar. Foi isso que aconteceu.

ESTADÃO: A pena de 14 anos de prisão virou a punição mínima para a turba envolvida na depredação?

SANTOS: Pena não tem piso, porque aí seria responsabilidade objetiva. Hoje em dia eu acho que todo o Brasil já comprendeu o que é crime multitudinário (cometido por multidão). É aquele negócio: não precisa saber quem quebrou a janela, quem quebrou a porta, quem atacou obra de arte, porque a turba responde exatamente por aquele resultado que foi apresentado, né? Então esse ponto aí está bastante superado. Isso está na lei. Não é nem jurisprudência.

ESTADÃO: Mas para casos parecidos a condenação de 14 anos vai servir de parâmetro?

SANTOS: Situações semelhantes logicamente têm o mesmo padrão de responsabilidade para elas. Isso não quer dizer que seja uma responsabilidade objetiva. Ao contrário. Mas todos têm que ser tratado da mesma forma. Seria injusto, por exemplo, que as pessoas que tivessem praticado condutas semelhantes, com antecedentes semelhantes, culpabilidade semelhante, recebessem penas diversas. Aí seria injusto um ser beneficiado e outro ter a pena gravada. Foram duas condenações a 17 anos com situações muito parecidas e uma condenação de 14 anos, então ninguém está tratando objetivamente a situação. Essas pessoas estavam em contextos iguais e são situações pessoais muito semelhantes.

ESTADÃO: O senhor achou apropriada a pena de 17 anos que algumas pessoas consideram mais tempo de prisão do que condenações por assassinato?

SANTOS: Eu achei uma medida certa a pena. Observou critérios bastante razoáveis. São cinco crimes que somados teriam a pena máxima de 30 anos. Tem que ter em mente o seguinte. A pena inicia em regime fechado, mas isso não quer dizer que a pessoa vá cumprir toda a pena preso. Quem teve 15 anos e seis meses de reclusão e mais um ano e seis meses de detenção, vai ficar preso aproximadamente uns três anos e nove meses se for réu primário. Vai haver progressão de regime. A progressão visa exatamente a ressocialização e a reiniciação da pessoa no contexto social e essa é a questão ideal. Eu não estou dizendo que ocorra sempre ou que o sistema prisional obedece. Isso aí já não compete a mim.

ESTADÃO: Pode ser permitida a realização de vaquinhas entre bolsonaristas para pagar a multa de R$ 30 milhões, por exemplo, para alguns condenados?

SANTOS: O meu trabalho diz respeito a investigar os atos do dia 8 de janeiro. O que ficar após a condenação já não é mais comigo. É com o juízo da execução.

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