O Ministério Público Federal na ação penal conhecida como a do "triplex do Guarujá", apresentada contra o ex-presidente Lula, afirmou que no âmbito das investigações da assim denominada Operação Lavajato, as empresas fornecedoras da Petróleo Brasileiro S/A - Petrobrás pagariam, de forma sistemática, vantagem indevida a dirigentes da referida estatal e que o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva teria participado conscientemente do esquema criminoso, inclusive tendo ciência de que os Diretores da Petrobrás utilizavamseus cargos para recebimento de vantagem indevida em favor de agentes políticos e partidos políticos.
Nesse viés, o MPF estimou que o total pago em propinas pelo Grupo OAS decorrente das contratações pela Petrobrás, especificamente no Consórcio CONEST/RNEST em obras na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima - RNEST e no Consórcio CONPAR em obras na Refinaria Presidente Getúlio Vargas - REPAR, alcançaria R$ 87.624.971,26, correspondente a 3% sobre a parte correspondente da Construtora OAS nos empreendimentos referidos.
Sustentou, o MPF, que parte desses valores, cerca de 1%, teriam sido destinados especificamente a agentes políticos do Partido dos Trabalhadores e teriam integrado uma espécie de conta corrente geral de propinas entre o Grupo OAS e agentes do Partido dos Trabalhadores.
Dos referidos valores, R$ 3.738.738,00 teriam sido destinados especificamente ao ex-Presidente Lula.
No relatório da sentença, extrai-se que "os valores teriam sido corporificados na disponibilização ao ex-Presidente do apartamento 164-A, triplex, do Condomínio Solaris, de matrícula 104.801 do Registro de Imóveis do Guarujá/SP, sem que houvesse pagamento do preço correspondente. Para ser mais exato, o ex-Presidente, quando o empreendimento imobiliário estava com a BANCOOP - Cooperativa Habitacional dos Bancários, teria pago por um apartamento simples, nº 141-A, cerca de R$ 209.119,73, mas o Grupo OAS disponibilizou a ele, ainda em 2009, o apartamento 164-A, triplex, sem que fosse cobrada a diferença de preço. Posteriormente, em 2014, o apartamento teria sofrido reformas e benfeitorias a cargo do Grupo OAS para atender ao ex-Presidente, sem que houvesse igualmente pagamento de preço".
Na estimativa do MPF os valores da vantagem indevida de cerca de R$ 2.424.991,00, se comporia de R$ 1.147.770,00 correspondente à diferença entre o valor pago e o preço do apartamento entregue e R$ 1.277.221,00 em reformas e na aquisição de bens para o apartamento.
Na mesma linha, o relatório da sentença se referindo aos argumentos do MPF, assevera a alegação de que o Grupo OAS teria concedido ao ex-Presidente vantagem indevida consubstanciada no pagamento das despesas, de R$ 1.313.747,00, havidas no armazenamento entre 2011 e 2016 de bens de sua propriedade ou recebidos como presentes durante o mandato presidencial.
"Em ambos os casos, teriam sido adotados estratagemas subreptícios para ocultar as transações". O repasse do apartamento e as reformas, assim como o pagamento das despesas de armazenamento, representariam vantagem indevida em um acerto de corrupção e os estratagemas subreptícios utilizados para esse repasse e pagamento constituiriam crime de lavagem de dinheiro".
Por fim, em sede de alegações finais, sob o argumento de que a prova indiciária teria um papel relevante em relação à criminalidade complexa, o MPF pede a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Muitos escreveram a respeito da sentença prolatada pelo Senhor Juiz Sergio Moro contra o ex-presidente Lula, mas poucos efetivamente leram o calhamaço de 218 páginas.
Ora, há quem diga que, para condenar um ex-presidente da República, 218 páginas seria pouco. Penso que sem provas (em sentido técnico), nem um milhão de laudas serviriam para nada a não ser uma obrigatória absolvição, no mínimo por ausência de prova, de quem quer que seja.
O excesso de preocupação do sentenciante em justificar a sua não suspeição em dezenas de páginas da decisão, inclusive, ao tratar da controvertida condução coercitiva do ex-presidente e a não menos controvertida interceptação telefônica que se estendeu a advogados de defesa, tudo isso diante de decisões já transitadas em julgado no âmbito do TRF4, é por si sintomática e suspeita em si, pois quem se justifica além do razoável, algo deixa à mostra.
E o que ficou à mostra para o Brasil e o mundo? Uma condenação com base em indícios, ilações e deduções pessoais. Leiam a sentença.
A elevação da prova indiciária, que sequer prova é, ao desejado papel relevante em relação à "criminalidade complexa", como argumenta a acusação e é tão bem acolhida pela sentença, nos expõe um cenário preocupante, na medida que, ao contrário de tal assertiva, hoje, toda a gama das técnicas especiais de investigação, inclusive a delação premiada (quando seguida de prova) tornam quase absolutas as provas obtidas em casos complexos, que envolvem muito mais que um triplex.
Aliás, rigorosamente, uma sentença que adjetiva a argumentação da Defesa como "dramática", em episódio ainda mal esclarecido para advocacia brasileira e internacional, sobre interceptações telefônicas de escritório de advocacia da própria Defesa, assume, juris et de jure, sua indissociável suspeição.
Uma decisão judicial que implica em uma condenação deste jaez, sem prova mínima (prova mesmo e não disse me disse), muito menos robusta como teria que ser, pouco importa contra quem foi proferida, goste eu não do acusado, com gravidade e dosimetria questionáveis, do tamanho necessário e suficiente para o seu cumprimento em regime fechado, baseada em indícios e palavras unicamente de delatores, sem corroboração necessária, atinge a mim, a você que está lendo estas sucintas ponderações (que para que seja compreendida não necessita de centenas de páginas), seus familiares nascidos e nascituros, pois, não há salvação fora dos Tratados e Convenções Internacionais que tratam dos direitos e garantias individuais, da Constituição e das normas do processo penal brasileiro.
Se o ex-presidente Lula cometeu algum crime, assim como qualquer cidadão brasileiro ou mesmo um apátrida, que seja efetivamente investigado, processado e julgado, e somente seja condenado diante de provas irrefutáveis, caso contrário, ou se reconhece o equívoco em instância recursal própria, ou não se poderá deixar de dar razão técnica àqueles que sustentam que se está diante de um julgamento meramente político.
*Bruno Espiñeira Lemos é advogado criminalista