Toda grande mudança só é devidamente percebida a uma certa distância ou com o passar do tempo. É assim com os pais e as mães acompanhando o crescimento de seus filhos — apenas quem não está no dia a dia consegue notar a evolução. Quem viveu a época da Revolução Industrial não tinha condições de medir seu impacto no futuro da humanidade — as pessoas somente conseguiam vislumbrar nuances do que estava por vir.
É o mesmo caso de outro processo histórico que estamos presenciando neste exato momento: a transformação do mercado jurídico. Há alguns insights sobre os rumos que seguiremos nos próximos anos, mas também nos deparamos com diversos pontos em aberto, a serem definidos.
Recordo-me do início da minha trajetória profissional, no escritório em que atuo até hoje. Como tudo era físico, havia um enorme volume de processos. Publicadas no Diário Oficial, as notificações eram recortadas uma a uma e entregues por um serviço contratado especificamente para isso. Ou — pasmem! — estava aí a primeira “grande” tarefa de um estagiário: localizar as notificações publicadas em nome dos advogados da banca, recortá-las, colá-las em uma folha e passá-las para o responsável verificar as providências a serem realizadas e seu prazo.
Essas folhas ficavam guardadas em uma pasta preta (aquelas sanfonadas, tipo A-Z). Como sequer tínhamos computadores, tudo era anotado à mão, mas perfeitamente organizado. Era a tecnologia da época. Décadas depois, uma estrutura robusta de controladoria foi montada, com um sistema 100% alocado na nuvem e com informações em tempo real. Hoje, é quase inacreditável conceber que o modelo antigo dava certo.
Nos últimos anos, sobretudo a partir da pandemia, tivemos a aceleração da transformação digital. Um avanço civilizacional que, no universo da advocacia, representa mais agilidade, facilidade, transparência e economia de tempo para todas as partes. A inteligência artificial (IA), que ainda parecia algo distante, popularizou-se com o ChatGPT, passando a fazer parte da rotina de diversos profissionais. E os dados — e, principalmente, a leitura que fazemos deles — tornam-se cada vez mais decisivos.
O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) conta com uma ferramenta de Inteligência Artificial (IA) chamada VitórIA, que agrega um volume de cinco mil processos em dois minutos. O que era feito manualmente, agora é automatizado. Há exemplos ainda mais emblemáticos mundo afora, como a criação de um robô advogado nos Estados Unidos para defender réus.
Para além das discussões sobre ética, fica a pergunta: como estaremos daqui a cinco ou dez anos? A tecnologia, com todos os impulsos da inovação, ajudará a moldar o caminho, mexendo com muitas das nossas certezas. Mas nada deve tirar a centralidade do fator humano na advocacia, com tudo aquilo que é de sua essência: a capacidade de relacionamento, a sensibilidade diante de um grande desafio e a leitura estratégica. Como diria um grande mestre: “ler com olhos de quem quer ver”. Nem tudo vai mudar.