A proposta de Renda Brasil ou programa social semelhante para pagamentos mensais a pessoas de baixa renda corre o risco de gerar efeitos colaterais perversos à educação, à saúde e à cultura, assim como os projetos fatiados de reforma tributária do governo federal. Privatizações não saíram do papel, nem a reforma administrativa ou exigência de o funcionalismo público colaborar com os custos da pandemia. Mas para financiar programas sociais ou simplificar o sistema tributário, em vez de cortar o tamanho do paquidérmico Estado brasileiro que não cabe no bolso do cidadão, o Ministério da Economia ameaça a classe média (ou remediada) com a eliminação da dedutibilidade com gastos de educação e com saúde do imposto de renda e com sua oneração por novas contribuições sociais (CBS e CPMF). Livros e atividades culturais serão também encarecidos.
É preciso cuidar dos pobres sem penalizar ainda mais a classe média, que é a coluna mestra para dinamizar a retomada do crescimento econômico e social brasileiro pós-pandemia. A tabela do Imposto de Renda não é corrigida pela inflação há cinco anos e o Dieese calcula que há uma defasagem superior a 100% desde 1996. O Sindifisco avalia que mais de 10 milhões de contribuintes estão declarando imposto indevidamente, cerca de um terço do total.
As despesas de educação já são limitadas ao valor anual de R$ R$ 3.561,50 por dependente. Tais despesas são restritas ao ensino infantil, básico, médio, superior e profissional. Não incluem material escolar, uniformes, livros, jornais, computador, acesso à internet, escola de língua estrangeira ou de informática. Ou seja, muito do que é necessário para formar mão de obra qualificada para agregação de valor aos bens e serviços produzidos no País. Sem dedutibilidade de despesas de educação no IR e com o aumento da mensalidade escolar pela CBS e CPMF, a classe média terá de recorrer ainda mais às escolas públicas. Isto concorrerá para o fechamento de escolas particulares e prejudicará as entidades privadas e as filantrópicas de ensino superior. Os pobres serão sacrificados ao disputarem com a classe média o acesso ao ensino público. E dificultados para levar seus filhos a escolas privadas se melhorarem de situação econômica.
As despesas de saúde, o que inclui planos privados, não têm, em geral, limitação de dedutibilidade no IR. Apesar disso, com a crise econômica e o desemprego, nos últimos anos, milhões de brasileiros deixaram de pagar planos de saúde. Apenas durante a pandemia, quando se faz mais importante existirem mecanismos de proteção à saúde além do SUS, 300 mil brasileiros desistiram de recorrer à saúde privada. Isto onera o sistema público de saúde e prejudica os pobres ainda mais, pois passam a disputar vagas e tratamento com a classe média, onde está presumivelmente a maior parte dos que deixaram de subvencionar os planos privados. Com o aumento de tributos, será obstaculizado ainda mais o acesso dos pobres aos serviços de saúde especializada de médicos e clínicas que são inexistentes ou comumente indisponíveis à população sujeita apenas ao SUS.
Os brasileiros precisam de acesso à educação e à saúde sem aumentar ainda mais o custo do Estado, com seus desperdícios, fraudes e corrupção, e sem aumento ou peso de novos tributos (com mais IR, CBS ou CPMF) sobre as famílias, os trabalhadores de classe média e os pobres. Há aqueles que defendem a estatização e que, assim, apenas o setor público deveria prestar tais serviços. No entanto, a Constituição de 1988, além de edificar a educação como direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205), diz que será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade e expressamente garante que será livre à iniciativa privada (art. 209). A saúde é também um direito fundamental (art. 196). Ademais, as ações e serviços de saúde são de relevância pública mesmo quando prestados pelo setor privado (art. 197). Há ainda especial proteção constitucional à família (art. 226), que será prejudicada se levada adiante a pretensão de se encarecer, pela não dedutibilidade do IR ou tributação pela CBS e CPMF, os custos de educação e saúde não estatais, violando um direito fundamental de crianças e adolescentes (art. 227). Isto ainda infringirá o direito de todos ao amplo acesso às fontes da cultura (art 215). Prejudicar as famílias, especialmente as de classe média e as mais pobres, igualmente afeta o direito constitucional da iniciativa privada, incluindo das entidades filantrópicas, de bem prestar serviços de educação, saúde e cultura tão essenciais ao País e ao futuro dos brasileiros.
*Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, doutor em Educação (USP), mestre em Direito (Harvard), visiting scholar (Columbia) e professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie