Delegados da Polícia Federal (PF) se manifestaram publicamente contra a PEC da Segurança Pública capitaneada pelo governo federal.
O manifesto foi redigido na quarta-feira 13, mesmo dia do atentado à bomba que colocou Brasília sob alerta máximo, e divulgado ontem em meio ao impacto do ato que a PF classificou de terrorismo.
A PEC é a proposta mais ambiciosa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para a Segurança Pública. Um dos objetivos é atualizar competências da PF.
Segundo os delegados, a proposta “não traz absolutamente nenhum incremento da capacidade de resposta da Polícia Federal no enfrentamento à criminalidade” e não atende às “reais necessidades dos órgãos de segurança pública”.
“Medidas paliativas e alterações legislativas desalinhadas com a realidade da segurança pública apenas agravam a situação, funcionando como uma cortina de fumaça que desestabiliza e prejudica o bom funcionamento das instituições responsáveis pela segurança no País, ensejando disputas desnecessárias e afastadas dos objetivos constitucionais”, afirmam os delegados.
As críticas constam em uma carta divulgada depois do 9º Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal, na Bahia, promovido pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).
A categoria também reclama de contingenciamentos no orçamento da Polícia Federal e afirma que eles podem afetar operações. Outra demanda é a abertura de concurso público para a recomposição do efetivo.
“O cenário atual dificulta a luta da PF contra o avanço das organizações e facções criminosas no Brasil e o enfrentamento aos crimes ambientais, exigindo o fortalecimento e a garantia de funcionamento pleno da Polícia Judiciária da União”, diz o texto.
O manifesto dos delegados não é um posicionamento da corporação sobre a PEC. Oficialmente, a PF não se contrapôs aos argumentos da carta da categoria.
O Estadão apurou que o texto pegou de surpresa membros da cúpula do Ministério da Justiça, que não tinham conhecimento de que a carta seria divulgada.
Para a delegada Tânia Prado, presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol), a proposta “propõe mudanças teratológicas”. “Não há como combater efetivamente as facções criminosas com esse tipo de medida”, afirma do Estadão.
O objetivo das mudanças, segundo o governo, é padronizar protocolos e integrar os sistemas das forças de segurança pública. Técnicos do Ministério da Justiça avaliam que falta integração entre os Estados e que o combate ao crime organizado será mais eficiente com diretrizes nacionais que impulsionem a cooperação.
Outro ponto em debate é a ampliação das atribuições da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que ficaria encarregada de policiar também ferrovias e hidrovias, além das rodovias, que já estão sob sua jurisdição. A ideia é tornar a PRF uma polícia ostensiva na esfera federal, algo como a Polícia Militar nos Estados.
“As mudanças ensejarão, ainda, insegurança jurídica no que diz respeito às funções de cada polícia. A PRF, instituição civil, passaria a ter simetria funcional com as Polícias Militares, o que não é compatível com o modelo da Constituição”, critica Tânia Prado.
A Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FENAPRF) e os sindicatos estaduais da categoria tiveram uma reação inicial simpática à PEC. Até o momento, não houve críticas públicas ao texto, embora não tenham recebido a versão final do projeto antes da apresentação oficial e televisionada feita pelo Ministério da Justiça.
Em comunicado divulgado após a apresentação, a FENAPRF afirmou que “toda mudança legislativa que tenha por finalidade dar segurança e respaldo jurídico aos colegas PRFs será bem-vinda”.
“Sabemos da capacidade e competência dos integrantes da PRF para cumprir tais novas missões e entendemos como primordial, neste momento de mudanças, que todos os servidores que pertencem ao quadro da PRF, ativos, aposentados e pensionistas, estejam incluídos em todas as modificações, para que tenham assegurados a garantia de direitos por parte do poder público, sendo todos tratados de forma isonômica neste novo cenário, com uma instituição reestruturada”, diz a manifestação.
Veja as principais mudanças previstas na PEC da Segurança Pública:
- Estabelecer a competência da União para definir diretrizes de Segurança Pública;
- Constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado em 2018 por lei ordinária;
- Constitucionalizar o Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária (unificado), proibindo o contingenciamento de verbas;
- Atualizar das competências da PF e da PRF.
Ao Estadão, o secretário Nacional de Segurança Pública, Mario Luiz Sarrubbo, afirma que o texto busca dar conta do desafio de lidar com o avanço das organizações criminosas, que deixaram de ter uma atuação localizada e hoje operam a nível transnacional.
“A PEC consagra um modelo de integração nas forças de Segurança Pública do Brasil que é absolutamente necessário no combate a uma criminalidade que já está integrada em nível transnacional. Permite ainda que se produza uma política de segurança olhando para o Brasil e não isoladamente em cada Estado, sem ferir o pacto federativo”, defende.
Leia toda a carta dos delegados da PF:
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), reunida no maior evento de delegados federais da sua história, manifesta sua preocupação e repúdio quanto ao descaso do governo federal com a Polícia Federal, haja vista a sequência de decisões políticas que representam o enfraquecimento do órgão.
A PF vem enfrentando sucessivos contingenciamentos em seu orçamento, inclusive com limitações impostas pelo governo federal no projeto de orçamento de 2025, em valores expressivamente menores que a necessidade do órgão, o que afetará mais ainda o andamento de operações, a modernização de equipamentos e tecnologias e a manutenção da estrutura necessária para o desempenho de suas atividades. Além disso, a falta de investimento contínuo e a não recomposição do efetivo, por meio de concurso público, tem enfraquecido a capacidade de resposta da instituição. O fim do sobreaviso remunerado trouxe dificuldades adicionais para os delegados, afetando diretamente a disponibilidade e a prontidão de nossos profissionais, trazendo a indagação: a quem interessa desmantelar a PF?
O cenário atual dificulta a luta da PF contra o avanço das organizações e facções criminosas no Brasil e o enfrentamento aos crimes ambientais, exigindo o fortalecimento e a garantia de funcionamento pleno da Polícia Judiciária da União.
A Proposta de Emenda à Constituição denominada PEC da Segurança, apresentada pelo Governo Federal sem qualquer diálogo e consulta prévia às forças de segurança traz preocupação e deixa em alerta toda a categoria. O texto proposto não traz absolutamente nenhum incremento da capacidade de resposta da Polícia Federal no enfrentamento à criminalidade e não atende às reais necessidades dos órgãos de segurança pública.
Para a ADPF, medidas paliativas e alterações legislativas desalinhadas com a realidade da segurança pública apenas agravam a situação, funcionando como uma cortina de fumaça que desestabiliza e prejudica o bom funcionamento das instituições responsáveis pela segurança no país, ensejando disputas desnecessárias e afastadas dos objetivos constitucionais.
Por fim, a ADPF reafirma o compromisso dos delegados federais com a busca incessante pela melhoria das condições de trabalho, pela defesa das prerrogativas da categoria e pelo fortalecimento da Polícia Federal enquanto instituição essencial para a proteção da ordem e da justiça no Brasil.
Trancoso (BA), 13 de novembro de 2024
9º Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal