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Opinião|Delitos conexos e Súmula Vinculante 24/STF


Por Rogério Tadeu Romano

Tem-se o artigo 1º da Lei 8.137/90, que dispõe sobre crimes contra ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

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II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

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V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

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Estudando a problemática do lançamento tributário, Paulo de Barros Carvalho(Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, 1999, pág. 236) concluiu que a natureza da norma individual e concreta, veiculada pelo ato de lançamento tributário, ou pelo ato produzido pelo sujeito passivo para apurar seu débito, nos casos estabelecidos em lei, assumirá a feição significativa de providência constitutiva de direitos e deveres subjetivos. Por sua vez, Américo Lacombe(Obrigação tributária, 1977, pág. 71 a 74) defende a tese da natureza constitutiva, mas constitutiva da obligatio, adotando a teoria dualista da obrigação tributária.

Assim o ato de lançamento tributário tem por fim intrometer no ordenamento positivo uma norma individual e concreta, cientificando-se o sujeito passivo desse provimento, assim que estejam satisfeitos seus requisitos consequenciais e procedimentais.

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Vem a discussão com relação a natureza jurídica dos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90 e o lançamento como condição objetiva de punibilidade.

José Alves Paulino(Crimes contra a ordem tributária, 1999, pág. 30) concluía que os delitos de que trata a Lei 8.137/90 são crimes materiais e de resultado. Para tanto, traz lição de Damásio E. de Jesus(Del Rey Revista Jurídica, maio, 1977, n.26) no sentido de que os crimes contra a ordem tributária definidos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, salvo as hipóteses do art. 2º, I e III, " são materiais, de conduta e resultado, com exigência de sua produção. Normal, pois, que, havendo recuso, somente aos a decisão final no plano administrativo se apresente o resultado” da sonegação total(supressão) ou parcial(redução) de tributos”.

A Segunda Câmara de Coordenação e Revisão(matéria criminal e controle externo da atividade policial), do Ministério Público Federal, no Proc. 08100.005078/96-74, 16 de julho de 1996, Relator Conselheiro Wagner Batista, in DJU de 17 de julho de 1998, Seção I, vem assim a se pronunciar:

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“Sonegação fiscal. Art. 1º, I e art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Condição de procedibilidade. Processo administrativo. Tempo do lançamento do crédito tributário. A Lei nº 8.137/90 não estipula condições específicas de procedibilidade para a propositura da ação penal, no entanto, sendo o delito descrito no art. 1º da lei, delito de resultado, há que existir o " tributo devido”. O tributo devido é apurado pela Administração Pública, que, após o processo administrativo em que se discute a própria existência do crédito tributário, poderá manifestar-se acerca da subsistência do tributo. Parecer pela ratificação do pedido de arquivamento.”

No julgamento do Recurso de Habeas Corpus nº 5.805/SP, Relator Ministro Vicente Leal, DJU de 2 de dezembro de 1996, o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que consoante orientação pretoriana não constitui condição de procedibilidade da ação penal por infração de sonegação fiscal, a apuração do débito tributário na ância administrativa. Ainda no Recurso de Habeas Corpus nº 4.425 – 0/SP, Relator Ministro Anselmo Santiago, DJU de 27 de maio de 1996, entendeu-se que tratando-se de crime de sonegação fiscal, descabe o pedido de trancamento de ação penal, por alegada falta de justa causa, vez que a instauração da ação independe do procedimento de apuração dos débitos tributários, até porque diversos os seus fundamentos. Era um posicionamento que podia ser observado no RHC nº 2.399-9/RS, 6ª Turma, Relator Ministro Pedro Acioli, DJU de 2 de agosto de 1993.

Era o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, guardião da lei federal, do que se lê do RHC nº 1.895/RS, Relator Ministro José Dantas, DJ de 11 de maio de 1992, de que se negava o caráter de condição de procedibilidade da ação penal por sonegação fiscal a apuração do débito tributário, na instância administrativa.

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Permite-se trazer a colação decisão do Supremo Tribunal Federal, discutindo o crime de sonegação fiscal e o problema do esgotamento da instância administrativa:

“O Tribunal conheceu de embargos de declaração para, emprestando-lhes efeitos modificativos, negar provimento a recurso ordinário em habeas corpus, de forma a permitir o prosseguimento de inquérito policial instaurado contra a paciente, acusada pela suposta prática dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (sonegação fiscal) e no art. 203 do CP (”Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”) — v. Informativo 513. Na espécie, o acórdão embargado dera parcial provimento ao recurso ordinário para trancar o inquérito policial relativamente ao crime de sonegação fiscal, aplicando o entendimento firmado pela Corte no sentido de que o prévio exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade, não havendo se falar, antes dele, em consumação do crime material contra a Ordem Tributária, haja vista que, somente após a decisão final do procedimento administrativo fiscal é que será considerado lançado, definitivamente, o referido crédito. Asseverou-se que tal orientação jurisprudencial seria inerente ao tipo penal descrito no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, classificado como crime material, que se consuma quando as condutas nele descritas produzem como resultado a efetiva supressão ou redução do tributo. Observou-se que o crime de sonegação fiscal, por sua vez, é crime formal que independe da obtenção de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, isto é, não demanda a efetiva percepção material do ardil aplicado. Daí que, no caso, em razão de o procedimento investigatório ter por objetivo a apuração do possível crime do art. 2º, I, da Lei 8.137/90, a decisão definitiva no processo administrativo seria desnecessária para a configuração da justa causa imprescindível à persecução penal. RHC 90532 ED/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.9.2009. (RHC-90532)”

A Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Tem-se tal ilação a partir da leitura do HC 81.611(DJ de 13 de maio de 2005), onde o Ministro Sepúlveda Pertence, conclui:

“EMENTA:.Crime material contra a ordem tributária(L. 8.137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.1.Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal(ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.8.137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia(L.9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e as agruras de toda sorte do processo criminal(...)”

No julgamento do HC 100.333(DJe de 19 de outubro de 2011), Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, concluiu-se:

“Ementa: (...) É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal,instaurada para apurar infração aos incisos Ia IV do art. 1º da Lei 8.13790. Precedentes:HC 81.611, da Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence(Plenário); HC 84.423, da minha relatoria(Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacífica, deu origem à Súmula Vinculante 24(...)2. A denúncia ministerial pública foi ajuizada antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal a configurar ausência de justa causa para a ação penal. Vício processual que não é passível de convalidação. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal.”

Por este posicionamento a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade. Assim não se pode afirmar a existência, nem ainda fixar o montante da obrigação tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão administrativa.

A punibilidade estaria na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não encontradas na descrição típica do crime e exteriores à conduta. São as condições objetivas porque independem para serem consideradas como condições de punibilidade, de estarem cobertas pelo dolo do agente. Assim a condição objetiva de punibilidade é fato incerto e futuro não coberto pelo dolo do agente, exterior ao tipo e, em consequência, ao crime.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal voltou a enfrentar a matéria, examinando o HC 97.854 – RJ, Relator Ministro Roberto Barroso.

Ali se salientou que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo e que instaurada a persecução penal em momento anterior ao lançamento definitivo do débito tributário, deve ser reconhecida a falta de justa causa para a ação penal.

Tratava-se de um caso onde o paciente foi denunciado, em 22 de fevereiro de 1996, pelo crime de sonegação fiscal(artigo 1º, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90,combinado com o artigo 29 do Código Penal), uma vez que ele teria causado um débito tributário relativo a Imposto de Renda Pessoa Jurídica, PIS, FINSOCIAL, Impostos de Renda Retido na Fonte e Contribuição Social, tributos estes indevidamente reduzidos com a omissão dolosa dos denunciados.

Observe-se que, naquele caso narrado, a denúncia foi aceita após provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal, o que ocorreu em 1º de outubro de 1998. Na sequência, foi o paciente condenado a três anos de reclusão, em regime aberto, mais 20 dias-multa, em decisão proferida em 30 de março de 2001. Tal reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos. Em grau de apelação, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 2º Região, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 21 de outubro de 2004. Observe-se que, á época do ajuizamento da peça acusatória e ainda quando do julgamento, não havia posição cediça quanto a exigência do lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade para esses delitos.

A defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, mas o pedido de liminar foi indeferido.

Posteriormente, foi impetrado Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, cuja liminar foi concedida em 18 de fevereiro de 2009, para suspender a execução da pena aplicada ao paciente, uma vez que a denúncia foi recebida anteriormente à constituição definitiva do crédito tributário. Registre-se que o HC foi impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, atacando negativa do Superior Tribunal de Justiça, em que se dizia: " peça acusatória foi ajuizada e recebida antes do esgotamento da via administrativa, tendo o processo tramitado sem a constituição definitiva do crédito tributário – o que confere a todo o feito, desde sua inauguração, a pecha de nulo, na esteira de jurisprudência consolidada do STF e no STJ”.

O Relator do HC 97.854/RJ não viu como deixar de reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão. Disse o Relator que, “muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário, a jurisprudência majoritária de ambas as Turmas deste Supremo Tribunal Federal entende que se trata de vício processual que não é passível de convalidação.”

Cita, para tanto, o julgamento do HC 97.118, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, e o HC 105. 197, Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma.

Mas o próprio julgado noticiou que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 108. 037, Relator Ministro Marco Aurélio, deixou de reconhecer a ausência de justa causa de ação penal ajuizada em situação concreta semelhante ao do HC 97.854/RJ, especialmente porque observado o trânsito em julgado da condenação(Sessão de 29 de novembro de 2011), quando, naquela oportunidade,vencido o Ministro Dias Tóffoli, chegou-se a seguinte conclusão:

“Diante desse contexto a ausência de lei exigindo o processo administrativo para apuração do débito, não bastasse a existência do auto de infração, a ordem natural das coisas não está a direcionar à insuficiência de dados capaz de levar à necessidade de formalização do processo administrativo. Descabe potencializar a construção jurisprudencial a ponto de chegar-se, uma vez prolatada sentença condenatória, confirmada em âmbito recursal, transitada em julgado, ao alijamento respectivo, assentando a falta de justa causa. Ante o quadro, indefiro a ordem. É como voto...”

Entretanto, e apesar do entendimento divergente, que foi apresentado pela Primeira Turma, o Relator do HC 97.854/RJ já referenciado entendeu por aderir à corrente majoritária do Supremo Tribunal Federal, formada a partir do HC 81.611,Relator Ministro Sepúlveda Pertence, e do conteúdo da Súmula Vinculante 24 /STF, de forma que entendeu ser indispensável à instauração da persecução penal,nos casos de crimes materiais enunciados no art.1º, I a IV, da Lei 8.137/90, a constituição definitiva do crédito tributário, condição objetiva de punibilidade, anulando ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo de nova ação penal, desde que ainda hígida a pretensão punitiva estatal. Ao final, a Turma deferiu a ordem nos termos do voto do Relator, consoante julgamento realizado em 11 de março de 2014.

Leve-se em conta, diante de tudo isso, que o entendimento atinente a Súmula Vinculante 24 do STF, veio a se sedimentar apenas após o regular trâmite da ação penal, a qual se processou nos termos da orientação predominante à época, que resguardava de legalidade a propositura da ação antes do lançamento definitivo do crédito tributário. Como se falar em constrangimento ilegal à execução de sentença penal condenatória já transitada em julgado há quase 8(oito) anos? Certamente, não. Mesmo diante de uma decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 108.037, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, o entendimento trazido pelo Ministro Roberto Barroso, em 11 de março de 2014, fez surgir uma ausência de causa superveniente ao trânsito em julgado da condenação por mudança de orientação jurisprudencial, ao reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão, muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário.

A decisão aqui trazida a colação(HC 97.854/RJ) concedeu a ordem, para ratificar a liminar deferida, anular a ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo da propositura de nova ação penal, desde que hígida a pretensão punitiva estatal.

Ora, como se vai denunciar se a data de lançamento é 14 de junho de 1999, passados 12(doze) anos(prazo máximo da prescrição em abstrato) do lançamento definitivo? Em verdade, a decisão, no HC 97.854/RJ fulminou a pretensão punitiva do Parquet, que foi surpreendido pela mudança de orientação jurisprudencial quanto a processos findos.

Ocorre como bem avisaram Amir Mazloum e Walid Mazloum(Violações à Súmula Vinculante 24/STF que abundam investigações criminais por crimes outros, mas que têm como pano de fundo o delito fiscal, tudo para obviar a Súmula 24. Assim, instauram-se inquéritos e ações penais desprovidas de lançamento definitivo, empregando-se rótulos os mais exóticos, como estelionato contra entidade pública (art. 171, § 3º, CP), falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), transformando uma sociedade comercial em associação criminosa.

Crimes conexos são aqueles que mantêm algum tipo de relação com outro delito.

Assim entendeu o STF:

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.613 PERNAMBUCO

EMENTA AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. APLICABILIDADE DO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA A FATOS ANTERIORES A SUA VIGÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO COMO MARCO INICIAL DE CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo” (enunciado vinculante n. 24 da Súmula). 2. O Supremo admite a aplicação do enunciado vinculante n. 24 da Súmula a fatos anteriores a sua vigência. 3. Em crime material contra a ordem tributária, o marco inicial de contagem do prazo prescricional se dá com a constituição definitiva do crédito. 4. Agravo interno desprovido

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.760 PARANÁ

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INÍCIO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR DELITOS CONEXOS AO CRIME TRIBUTÁRIO ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO. VIOLAÇÃO AO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. De acordo com o enunciado vinculante n. 24 da Súmula, “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Embora tenha sido reconhecida a pendência do lançamento definitivo do crédito tributário, a investigação criminal impugnada se dá, segundo fez ver o Superior Tribunal de Justiça, em relação a delitos conexos ao crime tributário. 3. Não viola o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. 4. Agravo interno desprovido O Supremo Tribuna Federal entendeu não violar o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. Ilustram esse entendimento as seguintes ementas: 2. Na época do deferimento da interceptação telefônica, investigou-se o cometimento dos crimes de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, corrupção ativa, formação de quadrilha, além do crime contra a ordem tributária conexo. Por esse motivo, não há que se falar em violação da súmula vinculante nº 24, que exige a constituição definitiva do crédito tributário para a configuração do crime tributário material. (Rcl 17.641 AgR, ministro Roberto Barroso) – A jurisprudência desta Suprema Corte orienta-se no sentido de que a instauração de persecução penal para apuração de crime material contra a ordem tributária previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo, desde que guarde relação de conexidade com outros delitos, de natureza diversa, não transgride o enunciado constante da Súmula Vinculante nº 24/STF. (Rcl 32.656 AgR, ministro Celso de Mello).

Destaco trecho importante do julgamento da Reclamação 10644 – MT:

“10. Assim, diante de indícios de cometimento de crimes tributários diversos, estando entre eles os crimes tributários formais, não se pode tolher uma investigação, invocando-se a Súmula Vinculante nº 24, sob pena de, ampliando o seu campo de abrangência, conferir-lhe dimensão não desejada quando de sua formulação. 11. Em segundo lugar, porque, como informado pelo Juízo, o reclamante estaria sonegando informações da Receita Federal de modo a impedir o trâmite do procedimento administrativo fiscal e, consequentemente, a constituição definitiva do crédito tributário. Nesse contexto, a busca e apreensão dos documentos necessários à apuração de eventual sonegação fiscal por meio do procedimento administrativo em curso na Receita Federal não configura ato ilegal nem violador do enunciado da Súmula nº 24. 12. Tal circunstância, por si só, é hábil a justificar o início de uma investigação policial sem a constituição do crédito tributário, sob pena de premiar aqueles que dificultam, de algum modo, a atuação do órgão fazendário e do próprio Poder Judiciário. 13. Assim, porque as investigações visam a apuração de crimes tributários, os quais não se limitam aos tipos inscritos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, e porque o reclamante, investigado, estaria sonegando informações e documentos, impedindo a ação do Fisco, conclui-se que não houve desrespeito à Súmula Vinculante nº 24.”

Na matéria já entendeu o STJ:

RHC 151007 / PR

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º DA LEI N. 8.137/1990. TRANCAMENTO DE INQUÉRITOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SÚMULA VINCULANTE 24/STF. EXCEPCIONALIDADE.

INVESTIGAÇÃO DE CRIMES CONEXOS OU EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME-MEIO. PRECEDENTE.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal ou inquérito, por meio do habeas corpus, é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (Precedente).

2. Em relação ao descrito nos incisos I a IV do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, está consignado na Súmula Vinculante 24/STF que se tratam de crimes materiais, não tipificáveis antes do lançamento definitivo do tributo. Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passíveis de trancamento na via do habeas corpus (Precedente).

3. Há indicação de possível associação ou associações criminosas, crime independente e autônomo, a despeito de conexo, capaz de autorizar a flexibilização da Súmula Vinculante 24/STF e, por conseguinte, permitir a continuidade das investigações.

4. Flagrante ilegalidade. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o conflito aparente de normas, em razão da sucessão de condutas tipificáveis, resolve-se com a imputação do crime-fim, considerando-se a conduta meio - tipificável autonomamente - absorvida.

5. O contexto geral da imputação, de fato, diz respeito à prática de falsidades com o intuito de reduzir tributos, figuras descritas na Lei n. 8.137/1990.

6. Trata-se de tentativa de contornar o óbice da Súmula Vinculante n. 24/STF, visto que, a se permitir a persecução penal pelo delito-meio, corre-se o risco de permitir dupla imputação pelo mesmo fato, já que, na manifestação ministerial, há menção a posterior oferecimento da denúncia pelos crimes tributários ou persecução penal pelos crimes materiais da Lei n. 8.137/1990, sem que o resultado ainda tenha sido produzido.

7. Recurso em habeas corpus improvido. Ordem concedida de ofício, para trancar a ação penal, determinando que o Juízo de piso reanalise a denúncia em relação aos corréus.

Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passiveis de trancamento na via do habeas corpus (RHC n. 91.237/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 28/2/2018).

Excepcionalmente, admite-se a mitigação do rigor da Súmula Vinculante 24/STF quando há embaraço à fiscalização tributária ou há indícios da prática de outros crimes de natureza não tributária.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EMITIR OU UTILIZAR DOCUMENTO QUE SAIBA OU DEVA SABER FALSO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO. JUSTA CAUSA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO EM NOME DE EMPRESAS FANTASMAS. SÚMULA VINCULANTE N. 24/STF. MITIGAÇÃO. EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. CRIMES DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. WRIT DENEGADO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que se admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24/STF nos casos em que houver embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outras infrações de natureza não tributária. Precedentes. 3. Havendo a admissão pela Corte local da demonstração de que houve a constituição do crédito em nome de terceiros, ou seja, de empresas fantasmas, em razão da existência de embaraço à fiscalização tributária, bem como de que os pacientes respondem, além do delito tributário (art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.137/90), pelos crimes previstos nos arts. 1º, § 1º, c.c. o art. 2º, e 2º, § 1º, todos da Lei n° 12.850/2013, cuja natureza não é tributária, não se verifica manifesta ilegalidade por falta de justa causa da ação penal. 4. Agravo regimental improvido (AgRg no HC n. 551.422/PI, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/6/2020) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. JUSTA CAUSA. INVESTIGAÇÃO CONJUNTA DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E OUTROS. OFENSA À SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF NÃO CONFIGURADA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. 1. O trancamento prematuro de inquérito policial, e via habeas corpus, é medida excepcional, admissível somente quando emerge dos autos, sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade dos fatos ou causa extintiva de punibilidade. 2. Consoante a Súmula Vinculante n. 24, não se tipificam os crimes previstos no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990 antes do lançamento definitivo do tributo. Enquanto não sobrevier certeza da exigibilidade da obrigação e da liquidez do crédito, não há justa causa para a instauração do inquérito ou o ajuizamento de ação penal relacionada aos tipos em apreço. 3. O Supremo Tribunal Federal admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24 nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou ante indícios da prática de outras infrações de natureza não fiscal. 4. Ademais, é prescindível prévio exaurimento de processo fiscal para o desencadeamento da persecução penal relacionada ao crime do art. 1°, V, da Lei n. 8.137/1990, de natureza formal. Precedente. 5. No caso, o inquérito policial era juridicamente possível e razoável, sob pena de consagrar a impunidade, porquanto intentou desarticular crimes outros, além da sonegação de ICMS (associação criminosa, falsidades ideológica e documental e falta de fornecimento de documentos fiscais obrigatórios), que constituíam verdadeiro embaraço à fiscalização tributária e prescindiam de constituição definitiva do tributo para serem investigados. Caracterizada a justa causa para o procedimento, não há como reconhecer a ilegalidade das provas colhidas durante o seu curso, aptas a lastrear, juntamente com o posterior lançamento e inscrição em dívida ativa, a denúncia por incursão nos arts. 1°, I, II e V, da Lei n° 8.137/1990, 155, § 4°, II, e 288, ambos do CP. 6. Recurso ordinário não provido. (RHC n. 51.290/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 09/09/2019)

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 24. EXCEPCIONALIDADE. MULTA ISOLADA E DE REVALIDAÇÃO. LEGITIMIDADE. CARÁTER CONFISCATÓRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES. 1. Os crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia constituição definitiva do crédito na via administrativa para fins de tipificação da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula Vinculante 24, a qual dispõe: “Não probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo inicial dos crimes contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a regra contida na Súmula Vinculante 24 pode ser mitigada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo possível dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo, nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. 3. O Tribunal de origem, com apoio no acervo fático-probatório e na interpretação da legislação infraconstitucional aplicável à espécie, decidiu pela legitimidade da multa isolada e da multa de revalidação. Para firmar entendimento diverso do acórdão recorrido, seria indispensável o reexame da legislação infraconstitucional e do acervo probatório dos autos, providências vedadas em sede de recurso extraordinário. 4. Esta Corte já decidiu que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando dependentes de exame de legislação infraconstitucional, configurariam ofensa constitucional indireta. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 936.653 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 13-06-2016 PUBLIC 14-06-2016)

Tem-se então que o STF entende que a Súmula Vinculante 24 pode ser excepcionada diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. Tal é o caso dos delitos de falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) .

Em verdade, não se pode dar à Súmula Vinculante 24 uma elasticidade que ela não permite, pois ela somente alcança a crimes materiais presentes no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90.

Tem-se o artigo 1º da Lei 8.137/90, que dispõe sobre crimes contra ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Estudando a problemática do lançamento tributário, Paulo de Barros Carvalho(Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, 1999, pág. 236) concluiu que a natureza da norma individual e concreta, veiculada pelo ato de lançamento tributário, ou pelo ato produzido pelo sujeito passivo para apurar seu débito, nos casos estabelecidos em lei, assumirá a feição significativa de providência constitutiva de direitos e deveres subjetivos. Por sua vez, Américo Lacombe(Obrigação tributária, 1977, pág. 71 a 74) defende a tese da natureza constitutiva, mas constitutiva da obligatio, adotando a teoria dualista da obrigação tributária.

Assim o ato de lançamento tributário tem por fim intrometer no ordenamento positivo uma norma individual e concreta, cientificando-se o sujeito passivo desse provimento, assim que estejam satisfeitos seus requisitos consequenciais e procedimentais.

Vem a discussão com relação a natureza jurídica dos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90 e o lançamento como condição objetiva de punibilidade.

José Alves Paulino(Crimes contra a ordem tributária, 1999, pág. 30) concluía que os delitos de que trata a Lei 8.137/90 são crimes materiais e de resultado. Para tanto, traz lição de Damásio E. de Jesus(Del Rey Revista Jurídica, maio, 1977, n.26) no sentido de que os crimes contra a ordem tributária definidos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, salvo as hipóteses do art. 2º, I e III, " são materiais, de conduta e resultado, com exigência de sua produção. Normal, pois, que, havendo recuso, somente aos a decisão final no plano administrativo se apresente o resultado” da sonegação total(supressão) ou parcial(redução) de tributos”.

A Segunda Câmara de Coordenação e Revisão(matéria criminal e controle externo da atividade policial), do Ministério Público Federal, no Proc. 08100.005078/96-74, 16 de julho de 1996, Relator Conselheiro Wagner Batista, in DJU de 17 de julho de 1998, Seção I, vem assim a se pronunciar:

“Sonegação fiscal. Art. 1º, I e art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Condição de procedibilidade. Processo administrativo. Tempo do lançamento do crédito tributário. A Lei nº 8.137/90 não estipula condições específicas de procedibilidade para a propositura da ação penal, no entanto, sendo o delito descrito no art. 1º da lei, delito de resultado, há que existir o " tributo devido”. O tributo devido é apurado pela Administração Pública, que, após o processo administrativo em que se discute a própria existência do crédito tributário, poderá manifestar-se acerca da subsistência do tributo. Parecer pela ratificação do pedido de arquivamento.”

No julgamento do Recurso de Habeas Corpus nº 5.805/SP, Relator Ministro Vicente Leal, DJU de 2 de dezembro de 1996, o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que consoante orientação pretoriana não constitui condição de procedibilidade da ação penal por infração de sonegação fiscal, a apuração do débito tributário na ância administrativa. Ainda no Recurso de Habeas Corpus nº 4.425 – 0/SP, Relator Ministro Anselmo Santiago, DJU de 27 de maio de 1996, entendeu-se que tratando-se de crime de sonegação fiscal, descabe o pedido de trancamento de ação penal, por alegada falta de justa causa, vez que a instauração da ação independe do procedimento de apuração dos débitos tributários, até porque diversos os seus fundamentos. Era um posicionamento que podia ser observado no RHC nº 2.399-9/RS, 6ª Turma, Relator Ministro Pedro Acioli, DJU de 2 de agosto de 1993.

Era o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, guardião da lei federal, do que se lê do RHC nº 1.895/RS, Relator Ministro José Dantas, DJ de 11 de maio de 1992, de que se negava o caráter de condição de procedibilidade da ação penal por sonegação fiscal a apuração do débito tributário, na instância administrativa.

Permite-se trazer a colação decisão do Supremo Tribunal Federal, discutindo o crime de sonegação fiscal e o problema do esgotamento da instância administrativa:

“O Tribunal conheceu de embargos de declaração para, emprestando-lhes efeitos modificativos, negar provimento a recurso ordinário em habeas corpus, de forma a permitir o prosseguimento de inquérito policial instaurado contra a paciente, acusada pela suposta prática dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (sonegação fiscal) e no art. 203 do CP (”Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”) — v. Informativo 513. Na espécie, o acórdão embargado dera parcial provimento ao recurso ordinário para trancar o inquérito policial relativamente ao crime de sonegação fiscal, aplicando o entendimento firmado pela Corte no sentido de que o prévio exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade, não havendo se falar, antes dele, em consumação do crime material contra a Ordem Tributária, haja vista que, somente após a decisão final do procedimento administrativo fiscal é que será considerado lançado, definitivamente, o referido crédito. Asseverou-se que tal orientação jurisprudencial seria inerente ao tipo penal descrito no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, classificado como crime material, que se consuma quando as condutas nele descritas produzem como resultado a efetiva supressão ou redução do tributo. Observou-se que o crime de sonegação fiscal, por sua vez, é crime formal que independe da obtenção de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, isto é, não demanda a efetiva percepção material do ardil aplicado. Daí que, no caso, em razão de o procedimento investigatório ter por objetivo a apuração do possível crime do art. 2º, I, da Lei 8.137/90, a decisão definitiva no processo administrativo seria desnecessária para a configuração da justa causa imprescindível à persecução penal. RHC 90532 ED/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.9.2009. (RHC-90532)”

A Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Tem-se tal ilação a partir da leitura do HC 81.611(DJ de 13 de maio de 2005), onde o Ministro Sepúlveda Pertence, conclui:

“EMENTA:.Crime material contra a ordem tributária(L. 8.137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.1.Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal(ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.8.137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia(L.9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e as agruras de toda sorte do processo criminal(...)”

No julgamento do HC 100.333(DJe de 19 de outubro de 2011), Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, concluiu-se:

“Ementa: (...) É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal,instaurada para apurar infração aos incisos Ia IV do art. 1º da Lei 8.13790. Precedentes:HC 81.611, da Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence(Plenário); HC 84.423, da minha relatoria(Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacífica, deu origem à Súmula Vinculante 24(...)2. A denúncia ministerial pública foi ajuizada antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal a configurar ausência de justa causa para a ação penal. Vício processual que não é passível de convalidação. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal.”

Por este posicionamento a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade. Assim não se pode afirmar a existência, nem ainda fixar o montante da obrigação tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão administrativa.

A punibilidade estaria na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não encontradas na descrição típica do crime e exteriores à conduta. São as condições objetivas porque independem para serem consideradas como condições de punibilidade, de estarem cobertas pelo dolo do agente. Assim a condição objetiva de punibilidade é fato incerto e futuro não coberto pelo dolo do agente, exterior ao tipo e, em consequência, ao crime.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal voltou a enfrentar a matéria, examinando o HC 97.854 – RJ, Relator Ministro Roberto Barroso.

Ali se salientou que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo e que instaurada a persecução penal em momento anterior ao lançamento definitivo do débito tributário, deve ser reconhecida a falta de justa causa para a ação penal.

Tratava-se de um caso onde o paciente foi denunciado, em 22 de fevereiro de 1996, pelo crime de sonegação fiscal(artigo 1º, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90,combinado com o artigo 29 do Código Penal), uma vez que ele teria causado um débito tributário relativo a Imposto de Renda Pessoa Jurídica, PIS, FINSOCIAL, Impostos de Renda Retido na Fonte e Contribuição Social, tributos estes indevidamente reduzidos com a omissão dolosa dos denunciados.

Observe-se que, naquele caso narrado, a denúncia foi aceita após provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal, o que ocorreu em 1º de outubro de 1998. Na sequência, foi o paciente condenado a três anos de reclusão, em regime aberto, mais 20 dias-multa, em decisão proferida em 30 de março de 2001. Tal reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos. Em grau de apelação, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 2º Região, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 21 de outubro de 2004. Observe-se que, á época do ajuizamento da peça acusatória e ainda quando do julgamento, não havia posição cediça quanto a exigência do lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade para esses delitos.

A defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, mas o pedido de liminar foi indeferido.

Posteriormente, foi impetrado Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, cuja liminar foi concedida em 18 de fevereiro de 2009, para suspender a execução da pena aplicada ao paciente, uma vez que a denúncia foi recebida anteriormente à constituição definitiva do crédito tributário. Registre-se que o HC foi impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, atacando negativa do Superior Tribunal de Justiça, em que se dizia: " peça acusatória foi ajuizada e recebida antes do esgotamento da via administrativa, tendo o processo tramitado sem a constituição definitiva do crédito tributário – o que confere a todo o feito, desde sua inauguração, a pecha de nulo, na esteira de jurisprudência consolidada do STF e no STJ”.

O Relator do HC 97.854/RJ não viu como deixar de reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão. Disse o Relator que, “muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário, a jurisprudência majoritária de ambas as Turmas deste Supremo Tribunal Federal entende que se trata de vício processual que não é passível de convalidação.”

Cita, para tanto, o julgamento do HC 97.118, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, e o HC 105. 197, Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma.

Mas o próprio julgado noticiou que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 108. 037, Relator Ministro Marco Aurélio, deixou de reconhecer a ausência de justa causa de ação penal ajuizada em situação concreta semelhante ao do HC 97.854/RJ, especialmente porque observado o trânsito em julgado da condenação(Sessão de 29 de novembro de 2011), quando, naquela oportunidade,vencido o Ministro Dias Tóffoli, chegou-se a seguinte conclusão:

“Diante desse contexto a ausência de lei exigindo o processo administrativo para apuração do débito, não bastasse a existência do auto de infração, a ordem natural das coisas não está a direcionar à insuficiência de dados capaz de levar à necessidade de formalização do processo administrativo. Descabe potencializar a construção jurisprudencial a ponto de chegar-se, uma vez prolatada sentença condenatória, confirmada em âmbito recursal, transitada em julgado, ao alijamento respectivo, assentando a falta de justa causa. Ante o quadro, indefiro a ordem. É como voto...”

Entretanto, e apesar do entendimento divergente, que foi apresentado pela Primeira Turma, o Relator do HC 97.854/RJ já referenciado entendeu por aderir à corrente majoritária do Supremo Tribunal Federal, formada a partir do HC 81.611,Relator Ministro Sepúlveda Pertence, e do conteúdo da Súmula Vinculante 24 /STF, de forma que entendeu ser indispensável à instauração da persecução penal,nos casos de crimes materiais enunciados no art.1º, I a IV, da Lei 8.137/90, a constituição definitiva do crédito tributário, condição objetiva de punibilidade, anulando ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo de nova ação penal, desde que ainda hígida a pretensão punitiva estatal. Ao final, a Turma deferiu a ordem nos termos do voto do Relator, consoante julgamento realizado em 11 de março de 2014.

Leve-se em conta, diante de tudo isso, que o entendimento atinente a Súmula Vinculante 24 do STF, veio a se sedimentar apenas após o regular trâmite da ação penal, a qual se processou nos termos da orientação predominante à época, que resguardava de legalidade a propositura da ação antes do lançamento definitivo do crédito tributário. Como se falar em constrangimento ilegal à execução de sentença penal condenatória já transitada em julgado há quase 8(oito) anos? Certamente, não. Mesmo diante de uma decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 108.037, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, o entendimento trazido pelo Ministro Roberto Barroso, em 11 de março de 2014, fez surgir uma ausência de causa superveniente ao trânsito em julgado da condenação por mudança de orientação jurisprudencial, ao reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão, muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário.

A decisão aqui trazida a colação(HC 97.854/RJ) concedeu a ordem, para ratificar a liminar deferida, anular a ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo da propositura de nova ação penal, desde que hígida a pretensão punitiva estatal.

Ora, como se vai denunciar se a data de lançamento é 14 de junho de 1999, passados 12(doze) anos(prazo máximo da prescrição em abstrato) do lançamento definitivo? Em verdade, a decisão, no HC 97.854/RJ fulminou a pretensão punitiva do Parquet, que foi surpreendido pela mudança de orientação jurisprudencial quanto a processos findos.

Ocorre como bem avisaram Amir Mazloum e Walid Mazloum(Violações à Súmula Vinculante 24/STF que abundam investigações criminais por crimes outros, mas que têm como pano de fundo o delito fiscal, tudo para obviar a Súmula 24. Assim, instauram-se inquéritos e ações penais desprovidas de lançamento definitivo, empregando-se rótulos os mais exóticos, como estelionato contra entidade pública (art. 171, § 3º, CP), falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), transformando uma sociedade comercial em associação criminosa.

Crimes conexos são aqueles que mantêm algum tipo de relação com outro delito.

Assim entendeu o STF:

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.613 PERNAMBUCO

EMENTA AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. APLICABILIDADE DO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA A FATOS ANTERIORES A SUA VIGÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO COMO MARCO INICIAL DE CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo” (enunciado vinculante n. 24 da Súmula). 2. O Supremo admite a aplicação do enunciado vinculante n. 24 da Súmula a fatos anteriores a sua vigência. 3. Em crime material contra a ordem tributária, o marco inicial de contagem do prazo prescricional se dá com a constituição definitiva do crédito. 4. Agravo interno desprovido

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.760 PARANÁ

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INÍCIO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR DELITOS CONEXOS AO CRIME TRIBUTÁRIO ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO. VIOLAÇÃO AO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. De acordo com o enunciado vinculante n. 24 da Súmula, “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Embora tenha sido reconhecida a pendência do lançamento definitivo do crédito tributário, a investigação criminal impugnada se dá, segundo fez ver o Superior Tribunal de Justiça, em relação a delitos conexos ao crime tributário. 3. Não viola o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. 4. Agravo interno desprovido O Supremo Tribuna Federal entendeu não violar o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. Ilustram esse entendimento as seguintes ementas: 2. Na época do deferimento da interceptação telefônica, investigou-se o cometimento dos crimes de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, corrupção ativa, formação de quadrilha, além do crime contra a ordem tributária conexo. Por esse motivo, não há que se falar em violação da súmula vinculante nº 24, que exige a constituição definitiva do crédito tributário para a configuração do crime tributário material. (Rcl 17.641 AgR, ministro Roberto Barroso) – A jurisprudência desta Suprema Corte orienta-se no sentido de que a instauração de persecução penal para apuração de crime material contra a ordem tributária previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo, desde que guarde relação de conexidade com outros delitos, de natureza diversa, não transgride o enunciado constante da Súmula Vinculante nº 24/STF. (Rcl 32.656 AgR, ministro Celso de Mello).

Destaco trecho importante do julgamento da Reclamação 10644 – MT:

“10. Assim, diante de indícios de cometimento de crimes tributários diversos, estando entre eles os crimes tributários formais, não se pode tolher uma investigação, invocando-se a Súmula Vinculante nº 24, sob pena de, ampliando o seu campo de abrangência, conferir-lhe dimensão não desejada quando de sua formulação. 11. Em segundo lugar, porque, como informado pelo Juízo, o reclamante estaria sonegando informações da Receita Federal de modo a impedir o trâmite do procedimento administrativo fiscal e, consequentemente, a constituição definitiva do crédito tributário. Nesse contexto, a busca e apreensão dos documentos necessários à apuração de eventual sonegação fiscal por meio do procedimento administrativo em curso na Receita Federal não configura ato ilegal nem violador do enunciado da Súmula nº 24. 12. Tal circunstância, por si só, é hábil a justificar o início de uma investigação policial sem a constituição do crédito tributário, sob pena de premiar aqueles que dificultam, de algum modo, a atuação do órgão fazendário e do próprio Poder Judiciário. 13. Assim, porque as investigações visam a apuração de crimes tributários, os quais não se limitam aos tipos inscritos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, e porque o reclamante, investigado, estaria sonegando informações e documentos, impedindo a ação do Fisco, conclui-se que não houve desrespeito à Súmula Vinculante nº 24.”

Na matéria já entendeu o STJ:

RHC 151007 / PR

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º DA LEI N. 8.137/1990. TRANCAMENTO DE INQUÉRITOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SÚMULA VINCULANTE 24/STF. EXCEPCIONALIDADE.

INVESTIGAÇÃO DE CRIMES CONEXOS OU EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME-MEIO. PRECEDENTE.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal ou inquérito, por meio do habeas corpus, é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (Precedente).

2. Em relação ao descrito nos incisos I a IV do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, está consignado na Súmula Vinculante 24/STF que se tratam de crimes materiais, não tipificáveis antes do lançamento definitivo do tributo. Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passíveis de trancamento na via do habeas corpus (Precedente).

3. Há indicação de possível associação ou associações criminosas, crime independente e autônomo, a despeito de conexo, capaz de autorizar a flexibilização da Súmula Vinculante 24/STF e, por conseguinte, permitir a continuidade das investigações.

4. Flagrante ilegalidade. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o conflito aparente de normas, em razão da sucessão de condutas tipificáveis, resolve-se com a imputação do crime-fim, considerando-se a conduta meio - tipificável autonomamente - absorvida.

5. O contexto geral da imputação, de fato, diz respeito à prática de falsidades com o intuito de reduzir tributos, figuras descritas na Lei n. 8.137/1990.

6. Trata-se de tentativa de contornar o óbice da Súmula Vinculante n. 24/STF, visto que, a se permitir a persecução penal pelo delito-meio, corre-se o risco de permitir dupla imputação pelo mesmo fato, já que, na manifestação ministerial, há menção a posterior oferecimento da denúncia pelos crimes tributários ou persecução penal pelos crimes materiais da Lei n. 8.137/1990, sem que o resultado ainda tenha sido produzido.

7. Recurso em habeas corpus improvido. Ordem concedida de ofício, para trancar a ação penal, determinando que o Juízo de piso reanalise a denúncia em relação aos corréus.

Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passiveis de trancamento na via do habeas corpus (RHC n. 91.237/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 28/2/2018).

Excepcionalmente, admite-se a mitigação do rigor da Súmula Vinculante 24/STF quando há embaraço à fiscalização tributária ou há indícios da prática de outros crimes de natureza não tributária.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EMITIR OU UTILIZAR DOCUMENTO QUE SAIBA OU DEVA SABER FALSO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO. JUSTA CAUSA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO EM NOME DE EMPRESAS FANTASMAS. SÚMULA VINCULANTE N. 24/STF. MITIGAÇÃO. EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. CRIMES DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. WRIT DENEGADO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que se admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24/STF nos casos em que houver embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outras infrações de natureza não tributária. Precedentes. 3. Havendo a admissão pela Corte local da demonstração de que houve a constituição do crédito em nome de terceiros, ou seja, de empresas fantasmas, em razão da existência de embaraço à fiscalização tributária, bem como de que os pacientes respondem, além do delito tributário (art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.137/90), pelos crimes previstos nos arts. 1º, § 1º, c.c. o art. 2º, e 2º, § 1º, todos da Lei n° 12.850/2013, cuja natureza não é tributária, não se verifica manifesta ilegalidade por falta de justa causa da ação penal. 4. Agravo regimental improvido (AgRg no HC n. 551.422/PI, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/6/2020) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. JUSTA CAUSA. INVESTIGAÇÃO CONJUNTA DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E OUTROS. OFENSA À SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF NÃO CONFIGURADA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. 1. O trancamento prematuro de inquérito policial, e via habeas corpus, é medida excepcional, admissível somente quando emerge dos autos, sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade dos fatos ou causa extintiva de punibilidade. 2. Consoante a Súmula Vinculante n. 24, não se tipificam os crimes previstos no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990 antes do lançamento definitivo do tributo. Enquanto não sobrevier certeza da exigibilidade da obrigação e da liquidez do crédito, não há justa causa para a instauração do inquérito ou o ajuizamento de ação penal relacionada aos tipos em apreço. 3. O Supremo Tribunal Federal admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24 nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou ante indícios da prática de outras infrações de natureza não fiscal. 4. Ademais, é prescindível prévio exaurimento de processo fiscal para o desencadeamento da persecução penal relacionada ao crime do art. 1°, V, da Lei n. 8.137/1990, de natureza formal. Precedente. 5. No caso, o inquérito policial era juridicamente possível e razoável, sob pena de consagrar a impunidade, porquanto intentou desarticular crimes outros, além da sonegação de ICMS (associação criminosa, falsidades ideológica e documental e falta de fornecimento de documentos fiscais obrigatórios), que constituíam verdadeiro embaraço à fiscalização tributária e prescindiam de constituição definitiva do tributo para serem investigados. Caracterizada a justa causa para o procedimento, não há como reconhecer a ilegalidade das provas colhidas durante o seu curso, aptas a lastrear, juntamente com o posterior lançamento e inscrição em dívida ativa, a denúncia por incursão nos arts. 1°, I, II e V, da Lei n° 8.137/1990, 155, § 4°, II, e 288, ambos do CP. 6. Recurso ordinário não provido. (RHC n. 51.290/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 09/09/2019)

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 24. EXCEPCIONALIDADE. MULTA ISOLADA E DE REVALIDAÇÃO. LEGITIMIDADE. CARÁTER CONFISCATÓRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES. 1. Os crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia constituição definitiva do crédito na via administrativa para fins de tipificação da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula Vinculante 24, a qual dispõe: “Não probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo inicial dos crimes contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a regra contida na Súmula Vinculante 24 pode ser mitigada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo possível dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo, nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. 3. O Tribunal de origem, com apoio no acervo fático-probatório e na interpretação da legislação infraconstitucional aplicável à espécie, decidiu pela legitimidade da multa isolada e da multa de revalidação. Para firmar entendimento diverso do acórdão recorrido, seria indispensável o reexame da legislação infraconstitucional e do acervo probatório dos autos, providências vedadas em sede de recurso extraordinário. 4. Esta Corte já decidiu que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando dependentes de exame de legislação infraconstitucional, configurariam ofensa constitucional indireta. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 936.653 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 13-06-2016 PUBLIC 14-06-2016)

Tem-se então que o STF entende que a Súmula Vinculante 24 pode ser excepcionada diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. Tal é o caso dos delitos de falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) .

Em verdade, não se pode dar à Súmula Vinculante 24 uma elasticidade que ela não permite, pois ela somente alcança a crimes materiais presentes no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90.

Tem-se o artigo 1º da Lei 8.137/90, que dispõe sobre crimes contra ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Estudando a problemática do lançamento tributário, Paulo de Barros Carvalho(Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, 1999, pág. 236) concluiu que a natureza da norma individual e concreta, veiculada pelo ato de lançamento tributário, ou pelo ato produzido pelo sujeito passivo para apurar seu débito, nos casos estabelecidos em lei, assumirá a feição significativa de providência constitutiva de direitos e deveres subjetivos. Por sua vez, Américo Lacombe(Obrigação tributária, 1977, pág. 71 a 74) defende a tese da natureza constitutiva, mas constitutiva da obligatio, adotando a teoria dualista da obrigação tributária.

Assim o ato de lançamento tributário tem por fim intrometer no ordenamento positivo uma norma individual e concreta, cientificando-se o sujeito passivo desse provimento, assim que estejam satisfeitos seus requisitos consequenciais e procedimentais.

Vem a discussão com relação a natureza jurídica dos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90 e o lançamento como condição objetiva de punibilidade.

José Alves Paulino(Crimes contra a ordem tributária, 1999, pág. 30) concluía que os delitos de que trata a Lei 8.137/90 são crimes materiais e de resultado. Para tanto, traz lição de Damásio E. de Jesus(Del Rey Revista Jurídica, maio, 1977, n.26) no sentido de que os crimes contra a ordem tributária definidos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, salvo as hipóteses do art. 2º, I e III, " são materiais, de conduta e resultado, com exigência de sua produção. Normal, pois, que, havendo recuso, somente aos a decisão final no plano administrativo se apresente o resultado” da sonegação total(supressão) ou parcial(redução) de tributos”.

A Segunda Câmara de Coordenação e Revisão(matéria criminal e controle externo da atividade policial), do Ministério Público Federal, no Proc. 08100.005078/96-74, 16 de julho de 1996, Relator Conselheiro Wagner Batista, in DJU de 17 de julho de 1998, Seção I, vem assim a se pronunciar:

“Sonegação fiscal. Art. 1º, I e art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Condição de procedibilidade. Processo administrativo. Tempo do lançamento do crédito tributário. A Lei nº 8.137/90 não estipula condições específicas de procedibilidade para a propositura da ação penal, no entanto, sendo o delito descrito no art. 1º da lei, delito de resultado, há que existir o " tributo devido”. O tributo devido é apurado pela Administração Pública, que, após o processo administrativo em que se discute a própria existência do crédito tributário, poderá manifestar-se acerca da subsistência do tributo. Parecer pela ratificação do pedido de arquivamento.”

No julgamento do Recurso de Habeas Corpus nº 5.805/SP, Relator Ministro Vicente Leal, DJU de 2 de dezembro de 1996, o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que consoante orientação pretoriana não constitui condição de procedibilidade da ação penal por infração de sonegação fiscal, a apuração do débito tributário na ância administrativa. Ainda no Recurso de Habeas Corpus nº 4.425 – 0/SP, Relator Ministro Anselmo Santiago, DJU de 27 de maio de 1996, entendeu-se que tratando-se de crime de sonegação fiscal, descabe o pedido de trancamento de ação penal, por alegada falta de justa causa, vez que a instauração da ação independe do procedimento de apuração dos débitos tributários, até porque diversos os seus fundamentos. Era um posicionamento que podia ser observado no RHC nº 2.399-9/RS, 6ª Turma, Relator Ministro Pedro Acioli, DJU de 2 de agosto de 1993.

Era o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, guardião da lei federal, do que se lê do RHC nº 1.895/RS, Relator Ministro José Dantas, DJ de 11 de maio de 1992, de que se negava o caráter de condição de procedibilidade da ação penal por sonegação fiscal a apuração do débito tributário, na instância administrativa.

Permite-se trazer a colação decisão do Supremo Tribunal Federal, discutindo o crime de sonegação fiscal e o problema do esgotamento da instância administrativa:

“O Tribunal conheceu de embargos de declaração para, emprestando-lhes efeitos modificativos, negar provimento a recurso ordinário em habeas corpus, de forma a permitir o prosseguimento de inquérito policial instaurado contra a paciente, acusada pela suposta prática dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (sonegação fiscal) e no art. 203 do CP (”Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”) — v. Informativo 513. Na espécie, o acórdão embargado dera parcial provimento ao recurso ordinário para trancar o inquérito policial relativamente ao crime de sonegação fiscal, aplicando o entendimento firmado pela Corte no sentido de que o prévio exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade, não havendo se falar, antes dele, em consumação do crime material contra a Ordem Tributária, haja vista que, somente após a decisão final do procedimento administrativo fiscal é que será considerado lançado, definitivamente, o referido crédito. Asseverou-se que tal orientação jurisprudencial seria inerente ao tipo penal descrito no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, classificado como crime material, que se consuma quando as condutas nele descritas produzem como resultado a efetiva supressão ou redução do tributo. Observou-se que o crime de sonegação fiscal, por sua vez, é crime formal que independe da obtenção de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, isto é, não demanda a efetiva percepção material do ardil aplicado. Daí que, no caso, em razão de o procedimento investigatório ter por objetivo a apuração do possível crime do art. 2º, I, da Lei 8.137/90, a decisão definitiva no processo administrativo seria desnecessária para a configuração da justa causa imprescindível à persecução penal. RHC 90532 ED/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.9.2009. (RHC-90532)”

A Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Tem-se tal ilação a partir da leitura do HC 81.611(DJ de 13 de maio de 2005), onde o Ministro Sepúlveda Pertence, conclui:

“EMENTA:.Crime material contra a ordem tributária(L. 8.137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.1.Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal(ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.8.137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia(L.9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e as agruras de toda sorte do processo criminal(...)”

No julgamento do HC 100.333(DJe de 19 de outubro de 2011), Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, concluiu-se:

“Ementa: (...) É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal,instaurada para apurar infração aos incisos Ia IV do art. 1º da Lei 8.13790. Precedentes:HC 81.611, da Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence(Plenário); HC 84.423, da minha relatoria(Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacífica, deu origem à Súmula Vinculante 24(...)2. A denúncia ministerial pública foi ajuizada antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal a configurar ausência de justa causa para a ação penal. Vício processual que não é passível de convalidação. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal.”

Por este posicionamento a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade. Assim não se pode afirmar a existência, nem ainda fixar o montante da obrigação tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão administrativa.

A punibilidade estaria na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não encontradas na descrição típica do crime e exteriores à conduta. São as condições objetivas porque independem para serem consideradas como condições de punibilidade, de estarem cobertas pelo dolo do agente. Assim a condição objetiva de punibilidade é fato incerto e futuro não coberto pelo dolo do agente, exterior ao tipo e, em consequência, ao crime.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal voltou a enfrentar a matéria, examinando o HC 97.854 – RJ, Relator Ministro Roberto Barroso.

Ali se salientou que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo e que instaurada a persecução penal em momento anterior ao lançamento definitivo do débito tributário, deve ser reconhecida a falta de justa causa para a ação penal.

Tratava-se de um caso onde o paciente foi denunciado, em 22 de fevereiro de 1996, pelo crime de sonegação fiscal(artigo 1º, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90,combinado com o artigo 29 do Código Penal), uma vez que ele teria causado um débito tributário relativo a Imposto de Renda Pessoa Jurídica, PIS, FINSOCIAL, Impostos de Renda Retido na Fonte e Contribuição Social, tributos estes indevidamente reduzidos com a omissão dolosa dos denunciados.

Observe-se que, naquele caso narrado, a denúncia foi aceita após provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal, o que ocorreu em 1º de outubro de 1998. Na sequência, foi o paciente condenado a três anos de reclusão, em regime aberto, mais 20 dias-multa, em decisão proferida em 30 de março de 2001. Tal reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos. Em grau de apelação, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 2º Região, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 21 de outubro de 2004. Observe-se que, á época do ajuizamento da peça acusatória e ainda quando do julgamento, não havia posição cediça quanto a exigência do lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade para esses delitos.

A defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, mas o pedido de liminar foi indeferido.

Posteriormente, foi impetrado Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, cuja liminar foi concedida em 18 de fevereiro de 2009, para suspender a execução da pena aplicada ao paciente, uma vez que a denúncia foi recebida anteriormente à constituição definitiva do crédito tributário. Registre-se que o HC foi impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, atacando negativa do Superior Tribunal de Justiça, em que se dizia: " peça acusatória foi ajuizada e recebida antes do esgotamento da via administrativa, tendo o processo tramitado sem a constituição definitiva do crédito tributário – o que confere a todo o feito, desde sua inauguração, a pecha de nulo, na esteira de jurisprudência consolidada do STF e no STJ”.

O Relator do HC 97.854/RJ não viu como deixar de reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão. Disse o Relator que, “muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário, a jurisprudência majoritária de ambas as Turmas deste Supremo Tribunal Federal entende que se trata de vício processual que não é passível de convalidação.”

Cita, para tanto, o julgamento do HC 97.118, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, e o HC 105. 197, Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma.

Mas o próprio julgado noticiou que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 108. 037, Relator Ministro Marco Aurélio, deixou de reconhecer a ausência de justa causa de ação penal ajuizada em situação concreta semelhante ao do HC 97.854/RJ, especialmente porque observado o trânsito em julgado da condenação(Sessão de 29 de novembro de 2011), quando, naquela oportunidade,vencido o Ministro Dias Tóffoli, chegou-se a seguinte conclusão:

“Diante desse contexto a ausência de lei exigindo o processo administrativo para apuração do débito, não bastasse a existência do auto de infração, a ordem natural das coisas não está a direcionar à insuficiência de dados capaz de levar à necessidade de formalização do processo administrativo. Descabe potencializar a construção jurisprudencial a ponto de chegar-se, uma vez prolatada sentença condenatória, confirmada em âmbito recursal, transitada em julgado, ao alijamento respectivo, assentando a falta de justa causa. Ante o quadro, indefiro a ordem. É como voto...”

Entretanto, e apesar do entendimento divergente, que foi apresentado pela Primeira Turma, o Relator do HC 97.854/RJ já referenciado entendeu por aderir à corrente majoritária do Supremo Tribunal Federal, formada a partir do HC 81.611,Relator Ministro Sepúlveda Pertence, e do conteúdo da Súmula Vinculante 24 /STF, de forma que entendeu ser indispensável à instauração da persecução penal,nos casos de crimes materiais enunciados no art.1º, I a IV, da Lei 8.137/90, a constituição definitiva do crédito tributário, condição objetiva de punibilidade, anulando ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo de nova ação penal, desde que ainda hígida a pretensão punitiva estatal. Ao final, a Turma deferiu a ordem nos termos do voto do Relator, consoante julgamento realizado em 11 de março de 2014.

Leve-se em conta, diante de tudo isso, que o entendimento atinente a Súmula Vinculante 24 do STF, veio a se sedimentar apenas após o regular trâmite da ação penal, a qual se processou nos termos da orientação predominante à época, que resguardava de legalidade a propositura da ação antes do lançamento definitivo do crédito tributário. Como se falar em constrangimento ilegal à execução de sentença penal condenatória já transitada em julgado há quase 8(oito) anos? Certamente, não. Mesmo diante de uma decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 108.037, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, o entendimento trazido pelo Ministro Roberto Barroso, em 11 de março de 2014, fez surgir uma ausência de causa superveniente ao trânsito em julgado da condenação por mudança de orientação jurisprudencial, ao reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão, muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário.

A decisão aqui trazida a colação(HC 97.854/RJ) concedeu a ordem, para ratificar a liminar deferida, anular a ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo da propositura de nova ação penal, desde que hígida a pretensão punitiva estatal.

Ora, como se vai denunciar se a data de lançamento é 14 de junho de 1999, passados 12(doze) anos(prazo máximo da prescrição em abstrato) do lançamento definitivo? Em verdade, a decisão, no HC 97.854/RJ fulminou a pretensão punitiva do Parquet, que foi surpreendido pela mudança de orientação jurisprudencial quanto a processos findos.

Ocorre como bem avisaram Amir Mazloum e Walid Mazloum(Violações à Súmula Vinculante 24/STF que abundam investigações criminais por crimes outros, mas que têm como pano de fundo o delito fiscal, tudo para obviar a Súmula 24. Assim, instauram-se inquéritos e ações penais desprovidas de lançamento definitivo, empregando-se rótulos os mais exóticos, como estelionato contra entidade pública (art. 171, § 3º, CP), falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), transformando uma sociedade comercial em associação criminosa.

Crimes conexos são aqueles que mantêm algum tipo de relação com outro delito.

Assim entendeu o STF:

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.613 PERNAMBUCO

EMENTA AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. APLICABILIDADE DO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA A FATOS ANTERIORES A SUA VIGÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO COMO MARCO INICIAL DE CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo” (enunciado vinculante n. 24 da Súmula). 2. O Supremo admite a aplicação do enunciado vinculante n. 24 da Súmula a fatos anteriores a sua vigência. 3. Em crime material contra a ordem tributária, o marco inicial de contagem do prazo prescricional se dá com a constituição definitiva do crédito. 4. Agravo interno desprovido

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.760 PARANÁ

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INÍCIO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR DELITOS CONEXOS AO CRIME TRIBUTÁRIO ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO. VIOLAÇÃO AO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. De acordo com o enunciado vinculante n. 24 da Súmula, “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Embora tenha sido reconhecida a pendência do lançamento definitivo do crédito tributário, a investigação criminal impugnada se dá, segundo fez ver o Superior Tribunal de Justiça, em relação a delitos conexos ao crime tributário. 3. Não viola o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. 4. Agravo interno desprovido O Supremo Tribuna Federal entendeu não violar o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. Ilustram esse entendimento as seguintes ementas: 2. Na época do deferimento da interceptação telefônica, investigou-se o cometimento dos crimes de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, corrupção ativa, formação de quadrilha, além do crime contra a ordem tributária conexo. Por esse motivo, não há que se falar em violação da súmula vinculante nº 24, que exige a constituição definitiva do crédito tributário para a configuração do crime tributário material. (Rcl 17.641 AgR, ministro Roberto Barroso) – A jurisprudência desta Suprema Corte orienta-se no sentido de que a instauração de persecução penal para apuração de crime material contra a ordem tributária previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo, desde que guarde relação de conexidade com outros delitos, de natureza diversa, não transgride o enunciado constante da Súmula Vinculante nº 24/STF. (Rcl 32.656 AgR, ministro Celso de Mello).

Destaco trecho importante do julgamento da Reclamação 10644 – MT:

“10. Assim, diante de indícios de cometimento de crimes tributários diversos, estando entre eles os crimes tributários formais, não se pode tolher uma investigação, invocando-se a Súmula Vinculante nº 24, sob pena de, ampliando o seu campo de abrangência, conferir-lhe dimensão não desejada quando de sua formulação. 11. Em segundo lugar, porque, como informado pelo Juízo, o reclamante estaria sonegando informações da Receita Federal de modo a impedir o trâmite do procedimento administrativo fiscal e, consequentemente, a constituição definitiva do crédito tributário. Nesse contexto, a busca e apreensão dos documentos necessários à apuração de eventual sonegação fiscal por meio do procedimento administrativo em curso na Receita Federal não configura ato ilegal nem violador do enunciado da Súmula nº 24. 12. Tal circunstância, por si só, é hábil a justificar o início de uma investigação policial sem a constituição do crédito tributário, sob pena de premiar aqueles que dificultam, de algum modo, a atuação do órgão fazendário e do próprio Poder Judiciário. 13. Assim, porque as investigações visam a apuração de crimes tributários, os quais não se limitam aos tipos inscritos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, e porque o reclamante, investigado, estaria sonegando informações e documentos, impedindo a ação do Fisco, conclui-se que não houve desrespeito à Súmula Vinculante nº 24.”

Na matéria já entendeu o STJ:

RHC 151007 / PR

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º DA LEI N. 8.137/1990. TRANCAMENTO DE INQUÉRITOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SÚMULA VINCULANTE 24/STF. EXCEPCIONALIDADE.

INVESTIGAÇÃO DE CRIMES CONEXOS OU EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME-MEIO. PRECEDENTE.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal ou inquérito, por meio do habeas corpus, é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (Precedente).

2. Em relação ao descrito nos incisos I a IV do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, está consignado na Súmula Vinculante 24/STF que se tratam de crimes materiais, não tipificáveis antes do lançamento definitivo do tributo. Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passíveis de trancamento na via do habeas corpus (Precedente).

3. Há indicação de possível associação ou associações criminosas, crime independente e autônomo, a despeito de conexo, capaz de autorizar a flexibilização da Súmula Vinculante 24/STF e, por conseguinte, permitir a continuidade das investigações.

4. Flagrante ilegalidade. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o conflito aparente de normas, em razão da sucessão de condutas tipificáveis, resolve-se com a imputação do crime-fim, considerando-se a conduta meio - tipificável autonomamente - absorvida.

5. O contexto geral da imputação, de fato, diz respeito à prática de falsidades com o intuito de reduzir tributos, figuras descritas na Lei n. 8.137/1990.

6. Trata-se de tentativa de contornar o óbice da Súmula Vinculante n. 24/STF, visto que, a se permitir a persecução penal pelo delito-meio, corre-se o risco de permitir dupla imputação pelo mesmo fato, já que, na manifestação ministerial, há menção a posterior oferecimento da denúncia pelos crimes tributários ou persecução penal pelos crimes materiais da Lei n. 8.137/1990, sem que o resultado ainda tenha sido produzido.

7. Recurso em habeas corpus improvido. Ordem concedida de ofício, para trancar a ação penal, determinando que o Juízo de piso reanalise a denúncia em relação aos corréus.

Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passiveis de trancamento na via do habeas corpus (RHC n. 91.237/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 28/2/2018).

Excepcionalmente, admite-se a mitigação do rigor da Súmula Vinculante 24/STF quando há embaraço à fiscalização tributária ou há indícios da prática de outros crimes de natureza não tributária.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EMITIR OU UTILIZAR DOCUMENTO QUE SAIBA OU DEVA SABER FALSO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO. JUSTA CAUSA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO EM NOME DE EMPRESAS FANTASMAS. SÚMULA VINCULANTE N. 24/STF. MITIGAÇÃO. EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. CRIMES DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. WRIT DENEGADO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que se admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24/STF nos casos em que houver embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outras infrações de natureza não tributária. Precedentes. 3. Havendo a admissão pela Corte local da demonstração de que houve a constituição do crédito em nome de terceiros, ou seja, de empresas fantasmas, em razão da existência de embaraço à fiscalização tributária, bem como de que os pacientes respondem, além do delito tributário (art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.137/90), pelos crimes previstos nos arts. 1º, § 1º, c.c. o art. 2º, e 2º, § 1º, todos da Lei n° 12.850/2013, cuja natureza não é tributária, não se verifica manifesta ilegalidade por falta de justa causa da ação penal. 4. Agravo regimental improvido (AgRg no HC n. 551.422/PI, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/6/2020) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. JUSTA CAUSA. INVESTIGAÇÃO CONJUNTA DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E OUTROS. OFENSA À SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF NÃO CONFIGURADA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. 1. O trancamento prematuro de inquérito policial, e via habeas corpus, é medida excepcional, admissível somente quando emerge dos autos, sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade dos fatos ou causa extintiva de punibilidade. 2. Consoante a Súmula Vinculante n. 24, não se tipificam os crimes previstos no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990 antes do lançamento definitivo do tributo. Enquanto não sobrevier certeza da exigibilidade da obrigação e da liquidez do crédito, não há justa causa para a instauração do inquérito ou o ajuizamento de ação penal relacionada aos tipos em apreço. 3. O Supremo Tribunal Federal admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24 nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou ante indícios da prática de outras infrações de natureza não fiscal. 4. Ademais, é prescindível prévio exaurimento de processo fiscal para o desencadeamento da persecução penal relacionada ao crime do art. 1°, V, da Lei n. 8.137/1990, de natureza formal. Precedente. 5. No caso, o inquérito policial era juridicamente possível e razoável, sob pena de consagrar a impunidade, porquanto intentou desarticular crimes outros, além da sonegação de ICMS (associação criminosa, falsidades ideológica e documental e falta de fornecimento de documentos fiscais obrigatórios), que constituíam verdadeiro embaraço à fiscalização tributária e prescindiam de constituição definitiva do tributo para serem investigados. Caracterizada a justa causa para o procedimento, não há como reconhecer a ilegalidade das provas colhidas durante o seu curso, aptas a lastrear, juntamente com o posterior lançamento e inscrição em dívida ativa, a denúncia por incursão nos arts. 1°, I, II e V, da Lei n° 8.137/1990, 155, § 4°, II, e 288, ambos do CP. 6. Recurso ordinário não provido. (RHC n. 51.290/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 09/09/2019)

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 24. EXCEPCIONALIDADE. MULTA ISOLADA E DE REVALIDAÇÃO. LEGITIMIDADE. CARÁTER CONFISCATÓRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES. 1. Os crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia constituição definitiva do crédito na via administrativa para fins de tipificação da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula Vinculante 24, a qual dispõe: “Não probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo inicial dos crimes contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a regra contida na Súmula Vinculante 24 pode ser mitigada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo possível dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo, nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. 3. O Tribunal de origem, com apoio no acervo fático-probatório e na interpretação da legislação infraconstitucional aplicável à espécie, decidiu pela legitimidade da multa isolada e da multa de revalidação. Para firmar entendimento diverso do acórdão recorrido, seria indispensável o reexame da legislação infraconstitucional e do acervo probatório dos autos, providências vedadas em sede de recurso extraordinário. 4. Esta Corte já decidiu que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando dependentes de exame de legislação infraconstitucional, configurariam ofensa constitucional indireta. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 936.653 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 13-06-2016 PUBLIC 14-06-2016)

Tem-se então que o STF entende que a Súmula Vinculante 24 pode ser excepcionada diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. Tal é o caso dos delitos de falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) .

Em verdade, não se pode dar à Súmula Vinculante 24 uma elasticidade que ela não permite, pois ela somente alcança a crimes materiais presentes no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90.

Tem-se o artigo 1º da Lei 8.137/90, que dispõe sobre crimes contra ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Estudando a problemática do lançamento tributário, Paulo de Barros Carvalho(Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, 1999, pág. 236) concluiu que a natureza da norma individual e concreta, veiculada pelo ato de lançamento tributário, ou pelo ato produzido pelo sujeito passivo para apurar seu débito, nos casos estabelecidos em lei, assumirá a feição significativa de providência constitutiva de direitos e deveres subjetivos. Por sua vez, Américo Lacombe(Obrigação tributária, 1977, pág. 71 a 74) defende a tese da natureza constitutiva, mas constitutiva da obligatio, adotando a teoria dualista da obrigação tributária.

Assim o ato de lançamento tributário tem por fim intrometer no ordenamento positivo uma norma individual e concreta, cientificando-se o sujeito passivo desse provimento, assim que estejam satisfeitos seus requisitos consequenciais e procedimentais.

Vem a discussão com relação a natureza jurídica dos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90 e o lançamento como condição objetiva de punibilidade.

José Alves Paulino(Crimes contra a ordem tributária, 1999, pág. 30) concluía que os delitos de que trata a Lei 8.137/90 são crimes materiais e de resultado. Para tanto, traz lição de Damásio E. de Jesus(Del Rey Revista Jurídica, maio, 1977, n.26) no sentido de que os crimes contra a ordem tributária definidos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, salvo as hipóteses do art. 2º, I e III, " são materiais, de conduta e resultado, com exigência de sua produção. Normal, pois, que, havendo recuso, somente aos a decisão final no plano administrativo se apresente o resultado” da sonegação total(supressão) ou parcial(redução) de tributos”.

A Segunda Câmara de Coordenação e Revisão(matéria criminal e controle externo da atividade policial), do Ministério Público Federal, no Proc. 08100.005078/96-74, 16 de julho de 1996, Relator Conselheiro Wagner Batista, in DJU de 17 de julho de 1998, Seção I, vem assim a se pronunciar:

“Sonegação fiscal. Art. 1º, I e art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Condição de procedibilidade. Processo administrativo. Tempo do lançamento do crédito tributário. A Lei nº 8.137/90 não estipula condições específicas de procedibilidade para a propositura da ação penal, no entanto, sendo o delito descrito no art. 1º da lei, delito de resultado, há que existir o " tributo devido”. O tributo devido é apurado pela Administração Pública, que, após o processo administrativo em que se discute a própria existência do crédito tributário, poderá manifestar-se acerca da subsistência do tributo. Parecer pela ratificação do pedido de arquivamento.”

No julgamento do Recurso de Habeas Corpus nº 5.805/SP, Relator Ministro Vicente Leal, DJU de 2 de dezembro de 1996, o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que consoante orientação pretoriana não constitui condição de procedibilidade da ação penal por infração de sonegação fiscal, a apuração do débito tributário na ância administrativa. Ainda no Recurso de Habeas Corpus nº 4.425 – 0/SP, Relator Ministro Anselmo Santiago, DJU de 27 de maio de 1996, entendeu-se que tratando-se de crime de sonegação fiscal, descabe o pedido de trancamento de ação penal, por alegada falta de justa causa, vez que a instauração da ação independe do procedimento de apuração dos débitos tributários, até porque diversos os seus fundamentos. Era um posicionamento que podia ser observado no RHC nº 2.399-9/RS, 6ª Turma, Relator Ministro Pedro Acioli, DJU de 2 de agosto de 1993.

Era o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, guardião da lei federal, do que se lê do RHC nº 1.895/RS, Relator Ministro José Dantas, DJ de 11 de maio de 1992, de que se negava o caráter de condição de procedibilidade da ação penal por sonegação fiscal a apuração do débito tributário, na instância administrativa.

Permite-se trazer a colação decisão do Supremo Tribunal Federal, discutindo o crime de sonegação fiscal e o problema do esgotamento da instância administrativa:

“O Tribunal conheceu de embargos de declaração para, emprestando-lhes efeitos modificativos, negar provimento a recurso ordinário em habeas corpus, de forma a permitir o prosseguimento de inquérito policial instaurado contra a paciente, acusada pela suposta prática dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (sonegação fiscal) e no art. 203 do CP (”Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”) — v. Informativo 513. Na espécie, o acórdão embargado dera parcial provimento ao recurso ordinário para trancar o inquérito policial relativamente ao crime de sonegação fiscal, aplicando o entendimento firmado pela Corte no sentido de que o prévio exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade, não havendo se falar, antes dele, em consumação do crime material contra a Ordem Tributária, haja vista que, somente após a decisão final do procedimento administrativo fiscal é que será considerado lançado, definitivamente, o referido crédito. Asseverou-se que tal orientação jurisprudencial seria inerente ao tipo penal descrito no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, classificado como crime material, que se consuma quando as condutas nele descritas produzem como resultado a efetiva supressão ou redução do tributo. Observou-se que o crime de sonegação fiscal, por sua vez, é crime formal que independe da obtenção de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, isto é, não demanda a efetiva percepção material do ardil aplicado. Daí que, no caso, em razão de o procedimento investigatório ter por objetivo a apuração do possível crime do art. 2º, I, da Lei 8.137/90, a decisão definitiva no processo administrativo seria desnecessária para a configuração da justa causa imprescindível à persecução penal. RHC 90532 ED/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.9.2009. (RHC-90532)”

A Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Tem-se tal ilação a partir da leitura do HC 81.611(DJ de 13 de maio de 2005), onde o Ministro Sepúlveda Pertence, conclui:

“EMENTA:.Crime material contra a ordem tributária(L. 8.137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.1.Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal(ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.8.137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia(L.9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e as agruras de toda sorte do processo criminal(...)”

No julgamento do HC 100.333(DJe de 19 de outubro de 2011), Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, concluiu-se:

“Ementa: (...) É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal,instaurada para apurar infração aos incisos Ia IV do art. 1º da Lei 8.13790. Precedentes:HC 81.611, da Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence(Plenário); HC 84.423, da minha relatoria(Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacífica, deu origem à Súmula Vinculante 24(...)2. A denúncia ministerial pública foi ajuizada antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal a configurar ausência de justa causa para a ação penal. Vício processual que não é passível de convalidação. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal.”

Por este posicionamento a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade. Assim não se pode afirmar a existência, nem ainda fixar o montante da obrigação tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão administrativa.

A punibilidade estaria na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não encontradas na descrição típica do crime e exteriores à conduta. São as condições objetivas porque independem para serem consideradas como condições de punibilidade, de estarem cobertas pelo dolo do agente. Assim a condição objetiva de punibilidade é fato incerto e futuro não coberto pelo dolo do agente, exterior ao tipo e, em consequência, ao crime.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal voltou a enfrentar a matéria, examinando o HC 97.854 – RJ, Relator Ministro Roberto Barroso.

Ali se salientou que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo e que instaurada a persecução penal em momento anterior ao lançamento definitivo do débito tributário, deve ser reconhecida a falta de justa causa para a ação penal.

Tratava-se de um caso onde o paciente foi denunciado, em 22 de fevereiro de 1996, pelo crime de sonegação fiscal(artigo 1º, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90,combinado com o artigo 29 do Código Penal), uma vez que ele teria causado um débito tributário relativo a Imposto de Renda Pessoa Jurídica, PIS, FINSOCIAL, Impostos de Renda Retido na Fonte e Contribuição Social, tributos estes indevidamente reduzidos com a omissão dolosa dos denunciados.

Observe-se que, naquele caso narrado, a denúncia foi aceita após provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal, o que ocorreu em 1º de outubro de 1998. Na sequência, foi o paciente condenado a três anos de reclusão, em regime aberto, mais 20 dias-multa, em decisão proferida em 30 de março de 2001. Tal reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos. Em grau de apelação, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 2º Região, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 21 de outubro de 2004. Observe-se que, á época do ajuizamento da peça acusatória e ainda quando do julgamento, não havia posição cediça quanto a exigência do lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade para esses delitos.

A defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, mas o pedido de liminar foi indeferido.

Posteriormente, foi impetrado Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, cuja liminar foi concedida em 18 de fevereiro de 2009, para suspender a execução da pena aplicada ao paciente, uma vez que a denúncia foi recebida anteriormente à constituição definitiva do crédito tributário. Registre-se que o HC foi impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, atacando negativa do Superior Tribunal de Justiça, em que se dizia: " peça acusatória foi ajuizada e recebida antes do esgotamento da via administrativa, tendo o processo tramitado sem a constituição definitiva do crédito tributário – o que confere a todo o feito, desde sua inauguração, a pecha de nulo, na esteira de jurisprudência consolidada do STF e no STJ”.

O Relator do HC 97.854/RJ não viu como deixar de reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão. Disse o Relator que, “muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário, a jurisprudência majoritária de ambas as Turmas deste Supremo Tribunal Federal entende que se trata de vício processual que não é passível de convalidação.”

Cita, para tanto, o julgamento do HC 97.118, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, e o HC 105. 197, Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma.

Mas o próprio julgado noticiou que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 108. 037, Relator Ministro Marco Aurélio, deixou de reconhecer a ausência de justa causa de ação penal ajuizada em situação concreta semelhante ao do HC 97.854/RJ, especialmente porque observado o trânsito em julgado da condenação(Sessão de 29 de novembro de 2011), quando, naquela oportunidade,vencido o Ministro Dias Tóffoli, chegou-se a seguinte conclusão:

“Diante desse contexto a ausência de lei exigindo o processo administrativo para apuração do débito, não bastasse a existência do auto de infração, a ordem natural das coisas não está a direcionar à insuficiência de dados capaz de levar à necessidade de formalização do processo administrativo. Descabe potencializar a construção jurisprudencial a ponto de chegar-se, uma vez prolatada sentença condenatória, confirmada em âmbito recursal, transitada em julgado, ao alijamento respectivo, assentando a falta de justa causa. Ante o quadro, indefiro a ordem. É como voto...”

Entretanto, e apesar do entendimento divergente, que foi apresentado pela Primeira Turma, o Relator do HC 97.854/RJ já referenciado entendeu por aderir à corrente majoritária do Supremo Tribunal Federal, formada a partir do HC 81.611,Relator Ministro Sepúlveda Pertence, e do conteúdo da Súmula Vinculante 24 /STF, de forma que entendeu ser indispensável à instauração da persecução penal,nos casos de crimes materiais enunciados no art.1º, I a IV, da Lei 8.137/90, a constituição definitiva do crédito tributário, condição objetiva de punibilidade, anulando ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo de nova ação penal, desde que ainda hígida a pretensão punitiva estatal. Ao final, a Turma deferiu a ordem nos termos do voto do Relator, consoante julgamento realizado em 11 de março de 2014.

Leve-se em conta, diante de tudo isso, que o entendimento atinente a Súmula Vinculante 24 do STF, veio a se sedimentar apenas após o regular trâmite da ação penal, a qual se processou nos termos da orientação predominante à época, que resguardava de legalidade a propositura da ação antes do lançamento definitivo do crédito tributário. Como se falar em constrangimento ilegal à execução de sentença penal condenatória já transitada em julgado há quase 8(oito) anos? Certamente, não. Mesmo diante de uma decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 108.037, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, o entendimento trazido pelo Ministro Roberto Barroso, em 11 de março de 2014, fez surgir uma ausência de causa superveniente ao trânsito em julgado da condenação por mudança de orientação jurisprudencial, ao reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão, muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário.

A decisão aqui trazida a colação(HC 97.854/RJ) concedeu a ordem, para ratificar a liminar deferida, anular a ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo da propositura de nova ação penal, desde que hígida a pretensão punitiva estatal.

Ora, como se vai denunciar se a data de lançamento é 14 de junho de 1999, passados 12(doze) anos(prazo máximo da prescrição em abstrato) do lançamento definitivo? Em verdade, a decisão, no HC 97.854/RJ fulminou a pretensão punitiva do Parquet, que foi surpreendido pela mudança de orientação jurisprudencial quanto a processos findos.

Ocorre como bem avisaram Amir Mazloum e Walid Mazloum(Violações à Súmula Vinculante 24/STF que abundam investigações criminais por crimes outros, mas que têm como pano de fundo o delito fiscal, tudo para obviar a Súmula 24. Assim, instauram-se inquéritos e ações penais desprovidas de lançamento definitivo, empregando-se rótulos os mais exóticos, como estelionato contra entidade pública (art. 171, § 3º, CP), falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), transformando uma sociedade comercial em associação criminosa.

Crimes conexos são aqueles que mantêm algum tipo de relação com outro delito.

Assim entendeu o STF:

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.613 PERNAMBUCO

EMENTA AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. APLICABILIDADE DO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA A FATOS ANTERIORES A SUA VIGÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO COMO MARCO INICIAL DE CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo” (enunciado vinculante n. 24 da Súmula). 2. O Supremo admite a aplicação do enunciado vinculante n. 24 da Súmula a fatos anteriores a sua vigência. 3. Em crime material contra a ordem tributária, o marco inicial de contagem do prazo prescricional se dá com a constituição definitiva do crédito. 4. Agravo interno desprovido

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.760 PARANÁ

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INÍCIO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR DELITOS CONEXOS AO CRIME TRIBUTÁRIO ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO. VIOLAÇÃO AO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. De acordo com o enunciado vinculante n. 24 da Súmula, “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Embora tenha sido reconhecida a pendência do lançamento definitivo do crédito tributário, a investigação criminal impugnada se dá, segundo fez ver o Superior Tribunal de Justiça, em relação a delitos conexos ao crime tributário. 3. Não viola o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. 4. Agravo interno desprovido O Supremo Tribuna Federal entendeu não violar o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. Ilustram esse entendimento as seguintes ementas: 2. Na época do deferimento da interceptação telefônica, investigou-se o cometimento dos crimes de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, corrupção ativa, formação de quadrilha, além do crime contra a ordem tributária conexo. Por esse motivo, não há que se falar em violação da súmula vinculante nº 24, que exige a constituição definitiva do crédito tributário para a configuração do crime tributário material. (Rcl 17.641 AgR, ministro Roberto Barroso) – A jurisprudência desta Suprema Corte orienta-se no sentido de que a instauração de persecução penal para apuração de crime material contra a ordem tributária previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo, desde que guarde relação de conexidade com outros delitos, de natureza diversa, não transgride o enunciado constante da Súmula Vinculante nº 24/STF. (Rcl 32.656 AgR, ministro Celso de Mello).

Destaco trecho importante do julgamento da Reclamação 10644 – MT:

“10. Assim, diante de indícios de cometimento de crimes tributários diversos, estando entre eles os crimes tributários formais, não se pode tolher uma investigação, invocando-se a Súmula Vinculante nº 24, sob pena de, ampliando o seu campo de abrangência, conferir-lhe dimensão não desejada quando de sua formulação. 11. Em segundo lugar, porque, como informado pelo Juízo, o reclamante estaria sonegando informações da Receita Federal de modo a impedir o trâmite do procedimento administrativo fiscal e, consequentemente, a constituição definitiva do crédito tributário. Nesse contexto, a busca e apreensão dos documentos necessários à apuração de eventual sonegação fiscal por meio do procedimento administrativo em curso na Receita Federal não configura ato ilegal nem violador do enunciado da Súmula nº 24. 12. Tal circunstância, por si só, é hábil a justificar o início de uma investigação policial sem a constituição do crédito tributário, sob pena de premiar aqueles que dificultam, de algum modo, a atuação do órgão fazendário e do próprio Poder Judiciário. 13. Assim, porque as investigações visam a apuração de crimes tributários, os quais não se limitam aos tipos inscritos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, e porque o reclamante, investigado, estaria sonegando informações e documentos, impedindo a ação do Fisco, conclui-se que não houve desrespeito à Súmula Vinculante nº 24.”

Na matéria já entendeu o STJ:

RHC 151007 / PR

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º DA LEI N. 8.137/1990. TRANCAMENTO DE INQUÉRITOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SÚMULA VINCULANTE 24/STF. EXCEPCIONALIDADE.

INVESTIGAÇÃO DE CRIMES CONEXOS OU EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME-MEIO. PRECEDENTE.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal ou inquérito, por meio do habeas corpus, é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (Precedente).

2. Em relação ao descrito nos incisos I a IV do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, está consignado na Súmula Vinculante 24/STF que se tratam de crimes materiais, não tipificáveis antes do lançamento definitivo do tributo. Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passíveis de trancamento na via do habeas corpus (Precedente).

3. Há indicação de possível associação ou associações criminosas, crime independente e autônomo, a despeito de conexo, capaz de autorizar a flexibilização da Súmula Vinculante 24/STF e, por conseguinte, permitir a continuidade das investigações.

4. Flagrante ilegalidade. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o conflito aparente de normas, em razão da sucessão de condutas tipificáveis, resolve-se com a imputação do crime-fim, considerando-se a conduta meio - tipificável autonomamente - absorvida.

5. O contexto geral da imputação, de fato, diz respeito à prática de falsidades com o intuito de reduzir tributos, figuras descritas na Lei n. 8.137/1990.

6. Trata-se de tentativa de contornar o óbice da Súmula Vinculante n. 24/STF, visto que, a se permitir a persecução penal pelo delito-meio, corre-se o risco de permitir dupla imputação pelo mesmo fato, já que, na manifestação ministerial, há menção a posterior oferecimento da denúncia pelos crimes tributários ou persecução penal pelos crimes materiais da Lei n. 8.137/1990, sem que o resultado ainda tenha sido produzido.

7. Recurso em habeas corpus improvido. Ordem concedida de ofício, para trancar a ação penal, determinando que o Juízo de piso reanalise a denúncia em relação aos corréus.

Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passiveis de trancamento na via do habeas corpus (RHC n. 91.237/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 28/2/2018).

Excepcionalmente, admite-se a mitigação do rigor da Súmula Vinculante 24/STF quando há embaraço à fiscalização tributária ou há indícios da prática de outros crimes de natureza não tributária.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EMITIR OU UTILIZAR DOCUMENTO QUE SAIBA OU DEVA SABER FALSO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO. JUSTA CAUSA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO EM NOME DE EMPRESAS FANTASMAS. SÚMULA VINCULANTE N. 24/STF. MITIGAÇÃO. EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. CRIMES DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. WRIT DENEGADO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que se admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24/STF nos casos em que houver embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outras infrações de natureza não tributária. Precedentes. 3. Havendo a admissão pela Corte local da demonstração de que houve a constituição do crédito em nome de terceiros, ou seja, de empresas fantasmas, em razão da existência de embaraço à fiscalização tributária, bem como de que os pacientes respondem, além do delito tributário (art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.137/90), pelos crimes previstos nos arts. 1º, § 1º, c.c. o art. 2º, e 2º, § 1º, todos da Lei n° 12.850/2013, cuja natureza não é tributária, não se verifica manifesta ilegalidade por falta de justa causa da ação penal. 4. Agravo regimental improvido (AgRg no HC n. 551.422/PI, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/6/2020) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. JUSTA CAUSA. INVESTIGAÇÃO CONJUNTA DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E OUTROS. OFENSA À SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF NÃO CONFIGURADA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. 1. O trancamento prematuro de inquérito policial, e via habeas corpus, é medida excepcional, admissível somente quando emerge dos autos, sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade dos fatos ou causa extintiva de punibilidade. 2. Consoante a Súmula Vinculante n. 24, não se tipificam os crimes previstos no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990 antes do lançamento definitivo do tributo. Enquanto não sobrevier certeza da exigibilidade da obrigação e da liquidez do crédito, não há justa causa para a instauração do inquérito ou o ajuizamento de ação penal relacionada aos tipos em apreço. 3. O Supremo Tribunal Federal admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24 nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou ante indícios da prática de outras infrações de natureza não fiscal. 4. Ademais, é prescindível prévio exaurimento de processo fiscal para o desencadeamento da persecução penal relacionada ao crime do art. 1°, V, da Lei n. 8.137/1990, de natureza formal. Precedente. 5. No caso, o inquérito policial era juridicamente possível e razoável, sob pena de consagrar a impunidade, porquanto intentou desarticular crimes outros, além da sonegação de ICMS (associação criminosa, falsidades ideológica e documental e falta de fornecimento de documentos fiscais obrigatórios), que constituíam verdadeiro embaraço à fiscalização tributária e prescindiam de constituição definitiva do tributo para serem investigados. Caracterizada a justa causa para o procedimento, não há como reconhecer a ilegalidade das provas colhidas durante o seu curso, aptas a lastrear, juntamente com o posterior lançamento e inscrição em dívida ativa, a denúncia por incursão nos arts. 1°, I, II e V, da Lei n° 8.137/1990, 155, § 4°, II, e 288, ambos do CP. 6. Recurso ordinário não provido. (RHC n. 51.290/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 09/09/2019)

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 24. EXCEPCIONALIDADE. MULTA ISOLADA E DE REVALIDAÇÃO. LEGITIMIDADE. CARÁTER CONFISCATÓRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES. 1. Os crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia constituição definitiva do crédito na via administrativa para fins de tipificação da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula Vinculante 24, a qual dispõe: “Não probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo inicial dos crimes contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a regra contida na Súmula Vinculante 24 pode ser mitigada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo possível dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo, nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. 3. O Tribunal de origem, com apoio no acervo fático-probatório e na interpretação da legislação infraconstitucional aplicável à espécie, decidiu pela legitimidade da multa isolada e da multa de revalidação. Para firmar entendimento diverso do acórdão recorrido, seria indispensável o reexame da legislação infraconstitucional e do acervo probatório dos autos, providências vedadas em sede de recurso extraordinário. 4. Esta Corte já decidiu que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando dependentes de exame de legislação infraconstitucional, configurariam ofensa constitucional indireta. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 936.653 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 13-06-2016 PUBLIC 14-06-2016)

Tem-se então que o STF entende que a Súmula Vinculante 24 pode ser excepcionada diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. Tal é o caso dos delitos de falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) .

Em verdade, não se pode dar à Súmula Vinculante 24 uma elasticidade que ela não permite, pois ela somente alcança a crimes materiais presentes no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90.

Tem-se o artigo 1º da Lei 8.137/90, que dispõe sobre crimes contra ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Estudando a problemática do lançamento tributário, Paulo de Barros Carvalho(Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, 1999, pág. 236) concluiu que a natureza da norma individual e concreta, veiculada pelo ato de lançamento tributário, ou pelo ato produzido pelo sujeito passivo para apurar seu débito, nos casos estabelecidos em lei, assumirá a feição significativa de providência constitutiva de direitos e deveres subjetivos. Por sua vez, Américo Lacombe(Obrigação tributária, 1977, pág. 71 a 74) defende a tese da natureza constitutiva, mas constitutiva da obligatio, adotando a teoria dualista da obrigação tributária.

Assim o ato de lançamento tributário tem por fim intrometer no ordenamento positivo uma norma individual e concreta, cientificando-se o sujeito passivo desse provimento, assim que estejam satisfeitos seus requisitos consequenciais e procedimentais.

Vem a discussão com relação a natureza jurídica dos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90 e o lançamento como condição objetiva de punibilidade.

José Alves Paulino(Crimes contra a ordem tributária, 1999, pág. 30) concluía que os delitos de que trata a Lei 8.137/90 são crimes materiais e de resultado. Para tanto, traz lição de Damásio E. de Jesus(Del Rey Revista Jurídica, maio, 1977, n.26) no sentido de que os crimes contra a ordem tributária definidos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, salvo as hipóteses do art. 2º, I e III, " são materiais, de conduta e resultado, com exigência de sua produção. Normal, pois, que, havendo recuso, somente aos a decisão final no plano administrativo se apresente o resultado” da sonegação total(supressão) ou parcial(redução) de tributos”.

A Segunda Câmara de Coordenação e Revisão(matéria criminal e controle externo da atividade policial), do Ministério Público Federal, no Proc. 08100.005078/96-74, 16 de julho de 1996, Relator Conselheiro Wagner Batista, in DJU de 17 de julho de 1998, Seção I, vem assim a se pronunciar:

“Sonegação fiscal. Art. 1º, I e art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Condição de procedibilidade. Processo administrativo. Tempo do lançamento do crédito tributário. A Lei nº 8.137/90 não estipula condições específicas de procedibilidade para a propositura da ação penal, no entanto, sendo o delito descrito no art. 1º da lei, delito de resultado, há que existir o " tributo devido”. O tributo devido é apurado pela Administração Pública, que, após o processo administrativo em que se discute a própria existência do crédito tributário, poderá manifestar-se acerca da subsistência do tributo. Parecer pela ratificação do pedido de arquivamento.”

No julgamento do Recurso de Habeas Corpus nº 5.805/SP, Relator Ministro Vicente Leal, DJU de 2 de dezembro de 1996, o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que consoante orientação pretoriana não constitui condição de procedibilidade da ação penal por infração de sonegação fiscal, a apuração do débito tributário na ância administrativa. Ainda no Recurso de Habeas Corpus nº 4.425 – 0/SP, Relator Ministro Anselmo Santiago, DJU de 27 de maio de 1996, entendeu-se que tratando-se de crime de sonegação fiscal, descabe o pedido de trancamento de ação penal, por alegada falta de justa causa, vez que a instauração da ação independe do procedimento de apuração dos débitos tributários, até porque diversos os seus fundamentos. Era um posicionamento que podia ser observado no RHC nº 2.399-9/RS, 6ª Turma, Relator Ministro Pedro Acioli, DJU de 2 de agosto de 1993.

Era o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, guardião da lei federal, do que se lê do RHC nº 1.895/RS, Relator Ministro José Dantas, DJ de 11 de maio de 1992, de que se negava o caráter de condição de procedibilidade da ação penal por sonegação fiscal a apuração do débito tributário, na instância administrativa.

Permite-se trazer a colação decisão do Supremo Tribunal Federal, discutindo o crime de sonegação fiscal e o problema do esgotamento da instância administrativa:

“O Tribunal conheceu de embargos de declaração para, emprestando-lhes efeitos modificativos, negar provimento a recurso ordinário em habeas corpus, de forma a permitir o prosseguimento de inquérito policial instaurado contra a paciente, acusada pela suposta prática dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (sonegação fiscal) e no art. 203 do CP (”Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”) — v. Informativo 513. Na espécie, o acórdão embargado dera parcial provimento ao recurso ordinário para trancar o inquérito policial relativamente ao crime de sonegação fiscal, aplicando o entendimento firmado pela Corte no sentido de que o prévio exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade, não havendo se falar, antes dele, em consumação do crime material contra a Ordem Tributária, haja vista que, somente após a decisão final do procedimento administrativo fiscal é que será considerado lançado, definitivamente, o referido crédito. Asseverou-se que tal orientação jurisprudencial seria inerente ao tipo penal descrito no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, classificado como crime material, que se consuma quando as condutas nele descritas produzem como resultado a efetiva supressão ou redução do tributo. Observou-se que o crime de sonegação fiscal, por sua vez, é crime formal que independe da obtenção de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, isto é, não demanda a efetiva percepção material do ardil aplicado. Daí que, no caso, em razão de o procedimento investigatório ter por objetivo a apuração do possível crime do art. 2º, I, da Lei 8.137/90, a decisão definitiva no processo administrativo seria desnecessária para a configuração da justa causa imprescindível à persecução penal. RHC 90532 ED/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.9.2009. (RHC-90532)”

A Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Tem-se tal ilação a partir da leitura do HC 81.611(DJ de 13 de maio de 2005), onde o Ministro Sepúlveda Pertence, conclui:

“EMENTA:.Crime material contra a ordem tributária(L. 8.137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.1.Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal(ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.8.137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia(L.9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e as agruras de toda sorte do processo criminal(...)”

No julgamento do HC 100.333(DJe de 19 de outubro de 2011), Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, concluiu-se:

“Ementa: (...) É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal,instaurada para apurar infração aos incisos Ia IV do art. 1º da Lei 8.13790. Precedentes:HC 81.611, da Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence(Plenário); HC 84.423, da minha relatoria(Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacífica, deu origem à Súmula Vinculante 24(...)2. A denúncia ministerial pública foi ajuizada antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal a configurar ausência de justa causa para a ação penal. Vício processual que não é passível de convalidação. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal.”

Por este posicionamento a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade. Assim não se pode afirmar a existência, nem ainda fixar o montante da obrigação tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão administrativa.

A punibilidade estaria na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não encontradas na descrição típica do crime e exteriores à conduta. São as condições objetivas porque independem para serem consideradas como condições de punibilidade, de estarem cobertas pelo dolo do agente. Assim a condição objetiva de punibilidade é fato incerto e futuro não coberto pelo dolo do agente, exterior ao tipo e, em consequência, ao crime.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal voltou a enfrentar a matéria, examinando o HC 97.854 – RJ, Relator Ministro Roberto Barroso.

Ali se salientou que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo e que instaurada a persecução penal em momento anterior ao lançamento definitivo do débito tributário, deve ser reconhecida a falta de justa causa para a ação penal.

Tratava-se de um caso onde o paciente foi denunciado, em 22 de fevereiro de 1996, pelo crime de sonegação fiscal(artigo 1º, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90,combinado com o artigo 29 do Código Penal), uma vez que ele teria causado um débito tributário relativo a Imposto de Renda Pessoa Jurídica, PIS, FINSOCIAL, Impostos de Renda Retido na Fonte e Contribuição Social, tributos estes indevidamente reduzidos com a omissão dolosa dos denunciados.

Observe-se que, naquele caso narrado, a denúncia foi aceita após provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal, o que ocorreu em 1º de outubro de 1998. Na sequência, foi o paciente condenado a três anos de reclusão, em regime aberto, mais 20 dias-multa, em decisão proferida em 30 de março de 2001. Tal reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos. Em grau de apelação, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 2º Região, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 21 de outubro de 2004. Observe-se que, á época do ajuizamento da peça acusatória e ainda quando do julgamento, não havia posição cediça quanto a exigência do lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade para esses delitos.

A defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, mas o pedido de liminar foi indeferido.

Posteriormente, foi impetrado Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, cuja liminar foi concedida em 18 de fevereiro de 2009, para suspender a execução da pena aplicada ao paciente, uma vez que a denúncia foi recebida anteriormente à constituição definitiva do crédito tributário. Registre-se que o HC foi impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, atacando negativa do Superior Tribunal de Justiça, em que se dizia: " peça acusatória foi ajuizada e recebida antes do esgotamento da via administrativa, tendo o processo tramitado sem a constituição definitiva do crédito tributário – o que confere a todo o feito, desde sua inauguração, a pecha de nulo, na esteira de jurisprudência consolidada do STF e no STJ”.

O Relator do HC 97.854/RJ não viu como deixar de reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão. Disse o Relator que, “muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário, a jurisprudência majoritária de ambas as Turmas deste Supremo Tribunal Federal entende que se trata de vício processual que não é passível de convalidação.”

Cita, para tanto, o julgamento do HC 97.118, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, e o HC 105. 197, Relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma.

Mas o próprio julgado noticiou que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 108. 037, Relator Ministro Marco Aurélio, deixou de reconhecer a ausência de justa causa de ação penal ajuizada em situação concreta semelhante ao do HC 97.854/RJ, especialmente porque observado o trânsito em julgado da condenação(Sessão de 29 de novembro de 2011), quando, naquela oportunidade,vencido o Ministro Dias Tóffoli, chegou-se a seguinte conclusão:

“Diante desse contexto a ausência de lei exigindo o processo administrativo para apuração do débito, não bastasse a existência do auto de infração, a ordem natural das coisas não está a direcionar à insuficiência de dados capaz de levar à necessidade de formalização do processo administrativo. Descabe potencializar a construção jurisprudencial a ponto de chegar-se, uma vez prolatada sentença condenatória, confirmada em âmbito recursal, transitada em julgado, ao alijamento respectivo, assentando a falta de justa causa. Ante o quadro, indefiro a ordem. É como voto...”

Entretanto, e apesar do entendimento divergente, que foi apresentado pela Primeira Turma, o Relator do HC 97.854/RJ já referenciado entendeu por aderir à corrente majoritária do Supremo Tribunal Federal, formada a partir do HC 81.611,Relator Ministro Sepúlveda Pertence, e do conteúdo da Súmula Vinculante 24 /STF, de forma que entendeu ser indispensável à instauração da persecução penal,nos casos de crimes materiais enunciados no art.1º, I a IV, da Lei 8.137/90, a constituição definitiva do crédito tributário, condição objetiva de punibilidade, anulando ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo de nova ação penal, desde que ainda hígida a pretensão punitiva estatal. Ao final, a Turma deferiu a ordem nos termos do voto do Relator, consoante julgamento realizado em 11 de março de 2014.

Leve-se em conta, diante de tudo isso, que o entendimento atinente a Súmula Vinculante 24 do STF, veio a se sedimentar apenas após o regular trâmite da ação penal, a qual se processou nos termos da orientação predominante à época, que resguardava de legalidade a propositura da ação antes do lançamento definitivo do crédito tributário. Como se falar em constrangimento ilegal à execução de sentença penal condenatória já transitada em julgado há quase 8(oito) anos? Certamente, não. Mesmo diante de uma decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 108.037, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, o entendimento trazido pelo Ministro Roberto Barroso, em 11 de março de 2014, fez surgir uma ausência de causa superveniente ao trânsito em julgado da condenação por mudança de orientação jurisprudencial, ao reconhecer a falta de justa causa da ação penal que resultou na condenação do paciente a três anos de reclusão, muito embora posteriormente ao ajuizamento da ação penal haja ocorrido a constituição definitiva do débito tributário.

A decisão aqui trazida a colação(HC 97.854/RJ) concedeu a ordem, para ratificar a liminar deferida, anular a ação penal instaurada contra o paciente, sem prejuízo da propositura de nova ação penal, desde que hígida a pretensão punitiva estatal.

Ora, como se vai denunciar se a data de lançamento é 14 de junho de 1999, passados 12(doze) anos(prazo máximo da prescrição em abstrato) do lançamento definitivo? Em verdade, a decisão, no HC 97.854/RJ fulminou a pretensão punitiva do Parquet, que foi surpreendido pela mudança de orientação jurisprudencial quanto a processos findos.

Ocorre como bem avisaram Amir Mazloum e Walid Mazloum(Violações à Súmula Vinculante 24/STF que abundam investigações criminais por crimes outros, mas que têm como pano de fundo o delito fiscal, tudo para obviar a Súmula 24. Assim, instauram-se inquéritos e ações penais desprovidas de lançamento definitivo, empregando-se rótulos os mais exóticos, como estelionato contra entidade pública (art. 171, § 3º, CP), falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), transformando uma sociedade comercial em associação criminosa.

Crimes conexos são aqueles que mantêm algum tipo de relação com outro delito.

Assim entendeu o STF:

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.613 PERNAMBUCO

EMENTA AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. APLICABILIDADE DO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA A FATOS ANTERIORES A SUA VIGÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO COMO MARCO INICIAL DE CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo” (enunciado vinculante n. 24 da Súmula). 2. O Supremo admite a aplicação do enunciado vinculante n. 24 da Súmula a fatos anteriores a sua vigência. 3. Em crime material contra a ordem tributária, o marco inicial de contagem do prazo prescricional se dá com a constituição definitiva do crédito. 4. Agravo interno desprovido

A G .REG. NO HABEAS CORPUS 203.760 PARANÁ

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INÍCIO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR DELITOS CONEXOS AO CRIME TRIBUTÁRIO ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO. VIOLAÇÃO AO ENUNCIADO VINCULANTE N. 24 DA SÚMULA. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. De acordo com o enunciado vinculante n. 24 da Súmula, “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Embora tenha sido reconhecida a pendência do lançamento definitivo do crédito tributário, a investigação criminal impugnada se dá, segundo fez ver o Superior Tribunal de Justiça, em relação a delitos conexos ao crime tributário. 3. Não viola o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. 4. Agravo interno desprovido O Supremo Tribuna Federal entendeu não violar o enunciado vinculante n. 24 da Súmula o início da investigação criminal por delitos conexos ao crime tributário, ainda que em momento anterior ao lançamento definitivo do crédito. Ilustram esse entendimento as seguintes ementas: 2. Na época do deferimento da interceptação telefônica, investigou-se o cometimento dos crimes de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, corrupção ativa, formação de quadrilha, além do crime contra a ordem tributária conexo. Por esse motivo, não há que se falar em violação da súmula vinculante nº 24, que exige a constituição definitiva do crédito tributário para a configuração do crime tributário material. (Rcl 17.641 AgR, ministro Roberto Barroso) – A jurisprudência desta Suprema Corte orienta-se no sentido de que a instauração de persecução penal para apuração de crime material contra a ordem tributária previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo, desde que guarde relação de conexidade com outros delitos, de natureza diversa, não transgride o enunciado constante da Súmula Vinculante nº 24/STF. (Rcl 32.656 AgR, ministro Celso de Mello).

Destaco trecho importante do julgamento da Reclamação 10644 – MT:

“10. Assim, diante de indícios de cometimento de crimes tributários diversos, estando entre eles os crimes tributários formais, não se pode tolher uma investigação, invocando-se a Súmula Vinculante nº 24, sob pena de, ampliando o seu campo de abrangência, conferir-lhe dimensão não desejada quando de sua formulação. 11. Em segundo lugar, porque, como informado pelo Juízo, o reclamante estaria sonegando informações da Receita Federal de modo a impedir o trâmite do procedimento administrativo fiscal e, consequentemente, a constituição definitiva do crédito tributário. Nesse contexto, a busca e apreensão dos documentos necessários à apuração de eventual sonegação fiscal por meio do procedimento administrativo em curso na Receita Federal não configura ato ilegal nem violador do enunciado da Súmula nº 24. 12. Tal circunstância, por si só, é hábil a justificar o início de uma investigação policial sem a constituição do crédito tributário, sob pena de premiar aqueles que dificultam, de algum modo, a atuação do órgão fazendário e do próprio Poder Judiciário. 13. Assim, porque as investigações visam a apuração de crimes tributários, os quais não se limitam aos tipos inscritos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, e porque o reclamante, investigado, estaria sonegando informações e documentos, impedindo a ação do Fisco, conclui-se que não houve desrespeito à Súmula Vinculante nº 24.”

Na matéria já entendeu o STJ:

RHC 151007 / PR

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º DA LEI N. 8.137/1990. TRANCAMENTO DE INQUÉRITOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SÚMULA VINCULANTE 24/STF. EXCEPCIONALIDADE.

INVESTIGAÇÃO DE CRIMES CONEXOS OU EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME-MEIO. PRECEDENTE.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal ou inquérito, por meio do habeas corpus, é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (Precedente).

2. Em relação ao descrito nos incisos I a IV do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, está consignado na Súmula Vinculante 24/STF que se tratam de crimes materiais, não tipificáveis antes do lançamento definitivo do tributo. Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passíveis de trancamento na via do habeas corpus (Precedente).

3. Há indicação de possível associação ou associações criminosas, crime independente e autônomo, a despeito de conexo, capaz de autorizar a flexibilização da Súmula Vinculante 24/STF e, por conseguinte, permitir a continuidade das investigações.

4. Flagrante ilegalidade. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o conflito aparente de normas, em razão da sucessão de condutas tipificáveis, resolve-se com a imputação do crime-fim, considerando-se a conduta meio - tipificável autonomamente - absorvida.

5. O contexto geral da imputação, de fato, diz respeito à prática de falsidades com o intuito de reduzir tributos, figuras descritas na Lei n. 8.137/1990.

6. Trata-se de tentativa de contornar o óbice da Súmula Vinculante n. 24/STF, visto que, a se permitir a persecução penal pelo delito-meio, corre-se o risco de permitir dupla imputação pelo mesmo fato, já que, na manifestação ministerial, há menção a posterior oferecimento da denúncia pelos crimes tributários ou persecução penal pelos crimes materiais da Lei n. 8.137/1990, sem que o resultado ainda tenha sido produzido.

7. Recurso em habeas corpus improvido. Ordem concedida de ofício, para trancar a ação penal, determinando que o Juízo de piso reanalise a denúncia em relação aos corréus.

Eventuais investigações ou ações penais pela suposta prática dos referidos tipos antes do lançamento definitivo são passiveis de trancamento na via do habeas corpus (RHC n. 91.237/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 28/2/2018).

Excepcionalmente, admite-se a mitigação do rigor da Súmula Vinculante 24/STF quando há embaraço à fiscalização tributária ou há indícios da prática de outros crimes de natureza não tributária.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EMITIR OU UTILIZAR DOCUMENTO QUE SAIBA OU DEVA SABER FALSO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO. JUSTA CAUSA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO EM NOME DE EMPRESAS FANTASMAS. SÚMULA VINCULANTE N. 24/STF. MITIGAÇÃO. EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. CRIMES DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. WRIT DENEGADO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que se admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24/STF nos casos em que houver embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outras infrações de natureza não tributária. Precedentes. 3. Havendo a admissão pela Corte local da demonstração de que houve a constituição do crédito em nome de terceiros, ou seja, de empresas fantasmas, em razão da existência de embaraço à fiscalização tributária, bem como de que os pacientes respondem, além do delito tributário (art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.137/90), pelos crimes previstos nos arts. 1º, § 1º, c.c. o art. 2º, e 2º, § 1º, todos da Lei n° 12.850/2013, cuja natureza não é tributária, não se verifica manifesta ilegalidade por falta de justa causa da ação penal. 4. Agravo regimental improvido (AgRg no HC n. 551.422/PI, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/6/2020) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. JUSTA CAUSA. INVESTIGAÇÃO CONJUNTA DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E OUTROS. OFENSA À SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF NÃO CONFIGURADA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. 1. O trancamento prematuro de inquérito policial, e via habeas corpus, é medida excepcional, admissível somente quando emerge dos autos, sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade dos fatos ou causa extintiva de punibilidade. 2. Consoante a Súmula Vinculante n. 24, não se tipificam os crimes previstos no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990 antes do lançamento definitivo do tributo. Enquanto não sobrevier certeza da exigibilidade da obrigação e da liquidez do crédito, não há justa causa para a instauração do inquérito ou o ajuizamento de ação penal relacionada aos tipos em apreço. 3. O Supremo Tribunal Federal admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24 nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou ante indícios da prática de outras infrações de natureza não fiscal. 4. Ademais, é prescindível prévio exaurimento de processo fiscal para o desencadeamento da persecução penal relacionada ao crime do art. 1°, V, da Lei n. 8.137/1990, de natureza formal. Precedente. 5. No caso, o inquérito policial era juridicamente possível e razoável, sob pena de consagrar a impunidade, porquanto intentou desarticular crimes outros, além da sonegação de ICMS (associação criminosa, falsidades ideológica e documental e falta de fornecimento de documentos fiscais obrigatórios), que constituíam verdadeiro embaraço à fiscalização tributária e prescindiam de constituição definitiva do tributo para serem investigados. Caracterizada a justa causa para o procedimento, não há como reconhecer a ilegalidade das provas colhidas durante o seu curso, aptas a lastrear, juntamente com o posterior lançamento e inscrição em dívida ativa, a denúncia por incursão nos arts. 1°, I, II e V, da Lei n° 8.137/1990, 155, § 4°, II, e 288, ambos do CP. 6. Recurso ordinário não provido. (RHC n. 51.290/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 09/09/2019)

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 24. EXCEPCIONALIDADE. MULTA ISOLADA E DE REVALIDAÇÃO. LEGITIMIDADE. CARÁTER CONFISCATÓRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES. 1. Os crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia constituição definitiva do crédito na via administrativa para fins de tipificação da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula Vinculante 24, a qual dispõe: “Não probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 2. Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo inicial dos crimes contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a regra contida na Súmula Vinculante 24 pode ser mitigada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo possível dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo, nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. 3. O Tribunal de origem, com apoio no acervo fático-probatório e na interpretação da legislação infraconstitucional aplicável à espécie, decidiu pela legitimidade da multa isolada e da multa de revalidação. Para firmar entendimento diverso do acórdão recorrido, seria indispensável o reexame da legislação infraconstitucional e do acervo probatório dos autos, providências vedadas em sede de recurso extraordinário. 4. Esta Corte já decidiu que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando dependentes de exame de legislação infraconstitucional, configurariam ofensa constitucional indireta. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 936.653 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 13-06-2016 PUBLIC 14-06-2016)

Tem-se então que o STF entende que a Súmula Vinculante 24 pode ser excepcionada diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal. Tal é o caso dos delitos de falsidade documental (art. 297 do CP), lavagem de dinheiro sem crime antecedente (art. 1º da Lei 9.613/1998), ou até mesmo organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) .

Em verdade, não se pode dar à Súmula Vinculante 24 uma elasticidade que ela não permite, pois ela somente alcança a crimes materiais presentes no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90.

Opinião por Rogério Tadeu Romano

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