Ao longo de tantos anos atuando no Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e no sistema de controle, já ouvi inúmeras vezes que os órgãos de fiscalização, antes de qualquer sanção, deveriam orientar os gestores. E, mais recentemente, o assim batizado “apagão das canetas” passou a ser mencionado para expressar o que seria o receio do administrador na tomada de decisões, haja vista a legítima preocupação com os reflexos das mesmas no plano da responsabilização pessoal. Este último merece considerações e estudos diagnósticos mais aprofundados quanto aos seus impactos e às respectivas causas (que passam, dentre outras, não raro, por falta de atenção ao controle interno, à advocacia pública, à profissionalização dos quadros e à transparência); ficam, portanto, para abordagem específica.
A propósito da referência inicial, duas breves anotações. A primeira, e muito evidente, é que, embora não prevista expressamente na Constituição, a função pedagógica (preventiva, pois) é, na prática, exercida à exaustão pelos Tribunais de Contas, por meio de suas escolas e consultorias, com capacitações contínuas, treinamentos, respostas a consultas, audiências públicas, mesas técnicas, além de alertas, recomendações e outros instrumentos. Uma segunda ponderação envolve perguntas como: o que fazem os agentes públicos a partir dessas orientações e precedentes? Dão-lhes ouvidos e implementam medidas preventivas e corretivas, ou as ignoram?
Na verdade, essas formas de atuação dos Tribunais de Contas não são excludentes entre si. De fato, mostram-se complementares e se reforçam mutuamente, desde que permanentemente atentas às necessárias dimensões constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, eficácia e efetividade.
Pois é exatamente esse amplo espectro da atuação dos Tribunais de Contas que me vem à mente quando consulto a Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal - LAR, um trabalho de fôlego que, a cada dois anos, o Tribunal de Contas da União (TCU) entrega ao país. Trata-se de abordagem que reúne várias faces da atuação dessa relevante e exemplar instituição da República. A edição de 2024 (disponível em https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco) consolida a posição desse documento como uma ferramenta indispensável para o planejamento e a melhoria da gestão pública.
Temos aí um diagnóstico acerca de 29 áreas consideradas críticas no âmbito da administração federal, agrupadas em seis grandes eixos: social, desenvolvimento sustentável, comunicação e energia, infraestrutura, gestão fiscal, e governança e gestão organizacional. Essas esferas, essenciais para a qualidade dos serviços públicos, são criteriosamente analisadas, considerando aspectos como o volume de recursos envolvidos, o número de pessoas atingidas e os riscos socioeconômicos.
Mas o diferencial do estudo não se esgota em apontar problemas: em cada caso, o TCU indica caminhos, apresentando recomendações, determinações e decisões recentes a respeito. Ou seja, mais do que expor um panorama das vulnerabilidades, a Lista avança ao indicar a possibilidade de ações concretas.
Trata-se, pois, de uma verdadeira “tomografia” acerca das principais carências e necessidades a serem atendidas, contendo também orientações pelas quais se pode superar os problemas, sempre respeitadas as competências e atribuições de cada Poder e órgão para avaliar, decidir e implementar. Enfim, tem-se uma relevante análise diagnóstica e uma “consultoria” altamente qualificada para a tomada de decisões, além de um instrumento sério e criterioso ao exercício da função fiscalizadora por parte do Legislativo, bem como ao controle social.
E, muito embora seja uma produção com elevado rigor técnico, a Lista é organizada de maneira didática, com tabelas, gráficos e figuras que facilitam a compreensão. É um material acessível não só a gestores públicos e parlamentares, mas também à imprensa e à sociedade em geral. Assim, para além de constituir uma robusta e estruturada ferramenta a subsidiar a tomada de decisões estratégicas, o documento é importante aliado para que cidadãos, ONGs, pesquisadores e jornalistas possam acompanhar com mais qualidade o trabalho do governo e cobrar medidas capazes de resolver as fragilidades identificadas.
Ademais, a Lista não é estática, havendo a exclusão ou inclusão de itens conforme tenham sido adotadas medidas corretivas ou em razão de elementos novos surgidos no período de dois anos. Ou seja, reflete um processo dinâmico: problemas podem ser solucionados, novas questões surgem e, a cada edição, o TCU ajusta o foco. Esse acompanhamento contínuo é essencial para garantir que o documento se mantenha atualizado e relevante.
Por fim, entendo que a iniciativa do TCU serve de inspiração aos próprios Tribunais de Contas estaduais e municipais, que, cada vez mais, cuidam de ouvir, interagir, buscar consensos e contribuir para o aprimoramento da gestão e da governança. Considero essa iniciativa uma das mais importantes entregas que um órgão de controle pode oferecer à sociedade e à política, tal qual se dá, exemplificativamente, na experiência norte-americana.
Uma gestão pública eficiente e responsável depende de diagnósticos precisos, evidências, soluções viáveis e acompanhamento contínuo. A Lista é uma referência significativa, contribuindo com o diálogo institucional e ajudando a priorizar ações, alocar recursos de forma apropriada, reduzir desigualdades e, assim, impactar positivamente na vida das pessoas.