Hoje, 28 de setembro, é o Dia Internacional do Direito à Informação. Fluxos robustos de informações são marcas de bons governos e livres mercados fortes; eles são o oxigênio da democracia. O início de um novo governo em janeiro de 2023 prometeu reverter os ataques à transparência cometidos nos anos anteriores, porém as movimentações do Brasil em direção a uma maior transparência permanecem num padrão estagnado e em uma encruzilhada crítica. Em particular, dois problemas merecem atenção.
Primeiro, os compromissos do Brasil com a transparência não estão consolidados e o comprometimento político carece de determinação. Menos da metade dos 5568 municípios brasileiros regulamentaram a Lei de Acesso à Informação. Isso é particularmente preocupante no cenário das emendas pouco transparentes, decorrente de emendas parlamentares individuais. Ao contrário de transferências obrigatórias, que precisam ir para educação, saúde ou outra atividade essencial, essas transferências são mais difíceis de rastrear e mais fáceis de serem desviadas. Esse mecanismo, utilizado por Bolsonaro para assegurar seu apoio no Congresso, continua – em outra forma – a despeito das promessas em contrário. Enquanto isso, a transparência no Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas é reconhecidamente precária, pois estas instituições não possuem um cumprimento harmonizado ou unificado de seus deveres de transparência ativa, além de possuírem um processo decisório pouco acessível à sociedade brasileira.
Talvez mais preocupante, muitas dimensões da transparência federal permanecem mantidas em obscuridade em razão do segundo problema: informação de interesse público tem sido mantida em segredo sob falaciosas alegações de proteção à “privacidade”. Este é caso de importantes registros públicos para controle da legalidade de produtos oriundos da Amazônia, como a cadeia alimentícia da carne. Esses dados incluem o Cadastro Ambiental Rural, que fornece dados geolocalizados de propriedade (identificada), e a Guia de Trânsito Animal, que fornece dados da movimentação de animais desde a produção até o abate. Ações importantes para proteger os recursos naturais do Brasil têm sido frustradas pela inacessibilidade dessas informações. Além disso, essa situação também prejudica a economia brasileira, pois nossos parceiros comerciais cada vez mais exigem transparência e rastreabilidade nas cadeias produtivas.
De forma mais ampla, a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) forneceu a agentes públicos – de todas as esferas da administração e níveis da federação – uma desculpa para usar a privacidade para não cumprir com suas obrigações republicanas. Exemplo prático disso é o retrocesso ocorrido na Câmara de Vereadores de São Paulo que, alegando cumprir a LGPD, não divulga mais a remuneração nominal de seus servidores. Do mesmo modo, processos judiciais envolvendo autoridades públicas relevantes no país frequentemente tramitam em sigilo, a despeito de a Constituição Federal ser expressa que o interesse público à informação não possa ser prejudicado.
Dois princípios devem ser aplicados em demandas sobre privacidade. Primeiro, o governo deve aplicar o teste “de dano” ou de “interesse público” antes de negar a informação. Esses testes são comuns em outros países e recomendados pela Lei Modelo de Acesso à Informação da Organização dos Estados Americanos. O “teste” envolve avaliar se o interesse público de acessar a informação supera o possível dano resultante de eventual divulgação. Nos exemplos listados acima, a resposta deveria ser evidente. O segundo princípio tem a ver com o nível hierárquico do agente público: quanto mais importante ele for, mais o público tem o direito de saber detalhes sobre suas atividades oficiais. Esta, aliás, é a interpretação que o Supremo Tribunal Federal confere ao assunto quando assevera que a publicidade é o “preço que se paga pela opção de uma carreira pública no seio de um Estado republicano”.
O Brasil é um país cujo passado não se rende facilmente à transparência e ao acesso à informação. A vontade privada do oficial público de defender a “honra” e a “intimidade” é muitas vezes mais forte que o dever cívico de ser transparente. Pesquisas em textos constitucionais da América Latina (20 países) demonstram que, a cada mil palavras, referências a “privacidade” são três vezes mais comuns que em países de Língua Inglesa (Commonwealth, 51 países). Reconhecendo que transparência não é algo usual na cultura política do Brasil, e cabe aos cidadãos e líderes de nosso país fortalecer explicitamente seus compromissos com o direito de saber.
*Bruno Schimitt Morassutti, advogado, mestre em Direito. Membro do Fórum de Direito de Acesso à Informações Públicas
*Gregory Michener, professor FGV-EBAPE