No aniversário da Lava Jato, o presente foi dado para a advocacia.
Quem costuma encher o tanque do carro com gasolina da Petrobras deve ficar em estado permanente de alerta: pode acabar sendo investigado na operação Lava Jato. Empresários, donas de casa, professores... estão todos na mira! Um pouco de exagero, claro, mas talvez já não estejamos muito longe disso. Vejamos. No final do ano passado, na esteira de uma investigação conduzida pela Força-tarefa de Curitiba, Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, foi acusado de receber milhões de reais em supostas vantagens indevidas da companhia de telefonia Oi. Essa versão, vazada intencionalmente para a imprensa, ocultava um detalhe muito relevante. Fábio Luís e a Oi são sócios ostensivos e regulares em uma empresa chamada Gamecorp, cujo contrato foi devidamente registrado na Junta Comercial. Esta mesma empresa publica seus balanços periodicamente em jornais de grande circulação. Tudo às claras.
Esta versão oculta, também, o fato de que os referidos valores foram recebidos no decorrer de doze longos anos de atividade empresarial desenvolvida sem qualquer tipo de relação direta ou indireta com o Governo ou com qualquer órgão público.
Poucos negócios foram examinados tão detalhadamente pelas autoridades. Já passaram pelo escrutínio de duas CPIs, de duas operações de busca e apreensão da Laja Jato, além de terem sido submetidos a minuciosas investigações promovidas pelo Cade e pela CVM. Em 2016, inclusive, o próprio Ministério Público Federal fez uma rigorosa investigação que foi arquivada a pedido dos próprios procuradores por falta de evidência de ilegalidades ou ilicitudes. Diante da eloquência dos fatos, a defesa de Fábio Luís protocolou uma ação pedindo a suspensão dessa nova investigação em um Habeas Corpus. Há exatos três meses.
Na peça, o combativo advogado Fábio Tofic denunciou com singular brilhantismo a tentativa artificial de fixação da competência de Curitiba para a investigação dos fatos em questão.
Agora entra a Petrobras. Para seguir com essa nova e redundante investigação contra Fábio Luís em solo curitibano, os procuradores lavajatistas precisavam demonstrar que suas suspeitas tinham ligações com os desvios da Petrobras, cerne de tudo que por lá tramita desde o início da Operação. Isso já parecia muito difícil, mas um dia antes do julgamento (três meses após a apresentação dos argumentos da defesa, não custa repetir), uma surpreendente "autodeclaração" de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, condenado a mais de 200 anos de prisão, é lançada aos autos em questão de forma no mínimo curiosa , o que deve ser objeto, inclusive, de minuciosa apuração.
Por "vontade" própria, Cabral relatou a seguinte história:
Anos atrás, teria recebido um pedido do ex-presidente Lula para contratar a empresa de Fábio Luís por meio da Oi, com quem seu governo já mantinha um contrato. Cabral diz que propôs para a Oi que a empresa fosse compensada pela contratação de Fábio Luís com contratos para a Andrade Gutierrez, em obras do governo no Rio - a Andrade Gutierrez é controladora da OI. Ainda, segundo Cabral, a Andrade Gutierrez teria alegado que os acionistas da empresa não aprovariam a referida operação. A "autodeclaração" fantasiosa de Cabral continua: para resolver a questão, o presidente da Andrade Gutierrez, Sérgio Andrade, teria dito que faria a compensação por meio de contratos indevidos que a empreiteira mantinha com a Petrobras.
Pois bem, querem nos convencer que o ex-governador ao acordar em sua cela na cadeia , nesta última segunda-feira, decidiu fazer uma "autodeclaração" envolvendo o filho do ex-presidente Lula e a Petrobras. Ele contou sua história sem juntar uma só prova e hora depois o texto já estava sendo usado pelo Ministério Público para ilustrar uma tese que deu suporte aos acusadores na tentativa desesperada de manter o processo em Curitiba.
Não convenceu o desembargador Pedro Gebran Neto, da segunda instância da Lava Jato. Em feliz decisão, Gebran não reconheceu a legalidade da "autodeclaração" e negou a eficácia do documento para a instrução dos debates no julgamento do Habeas Corpus impetrado em favor de Fábio Luís. Segundo ele, além da falta de provas, não foi possível identificar em que contexto, onde e como o depoimento foi obtido.
No mais, mesmo segundo os termos da "autodeclaração" de Cabral, Fábio Luís estaria tão distante dos meandros da Petrobras como uma pessoa qualquer que resolve encher o tanque do carro em um posto da esquina. Na vida real, reitera-se, sua empresa jamais prestou qualquer serviço ao poder público de forma direta ou indireta. Sérgio Cabral, por seu lado, costuma estar tão longe da verdade que nem a própria Procuradoria Geral da República aceitou fechar com ele um acordo de delação premiada. Mas, na perseguição implacável contra os "Lulas da Silva", tudo parece valer e fazer sentido.
A vida de Fábio Luís vem sendo esmiuçada em praça pública há cerca de 15 anos, sem que nada contra ele tenha sido provado. A surpreendente "autodeclaração" de Sérgio Cabral é mais um exemplo do vale tudo de que são capazes alguns investigadores para tumultuar e confundir a opinião pública e os Tribunais.
De toda sorte, é bom que se diga que a velha e surrada estratégia já não merece o prestígio que recebeu no decorrer dos 6 anos de operação Lava Jato.
Em julgamento memorável, com destaque para uma didática e competente sustentação oral promovida pelo patrono da causa, o TRF- 4 refutou, de forma unânime, a tese sustentada pelo MP, deslocando a competência das investigações sobre o caso para São Paulo.
Quem sabe agora, em um ambiente menos contaminado, se possa finalmente fazer justiça. Que o filho tenha o julgamento justo que ao pai vem sendo reiteradamente negado... Para o próprio bem do Estado de Direito e de nosso tão combalido e desacreditado Sistema de Justiça.
*Marco Aurélio de Carvalho, advogado que coordena a defesa tributária de Fábio Luís Lula da Silva. Sócio-fundador do Grupo Prerrogativas e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Conselheiro do Sindicato dos Advogados de São Paulo. Sócio-fundador do CM Advogados. Especialista em Direito Público