Não precisa ser fãs de determinados artistas ou cantores pop para saber que a compra de ingressos para shows ou grandes eventos tem sido um problema comum para os consumidores brasileiros.
Correria e longas filas, sejam presenciais ou digitais, já são esperadas por parte de todos, mas as constantes reclamações sobre a dificuldade (ou até mesmo, a impossibilidade) de compra de ingressos, seja nas plataformas online, seja presencialmente, na bilheteria de estádios e casas de eventos, têm ganhado cada vez mais destaque na mídia, que transmitiu cenas lamentáveis como as ocorridas no final do mês de junho, quando consumidores se viram em meio a uma confusão armada com cambistas, na porta da Arena Allianz, na fila para compra dos ingressos para o show da cantora Taylor Swift.
A revolta foi tão grande que atraiu a atenção do Procon-SP e da deputada federal Érika Hilton (PSOL), que pediu formalmente que o Ministério Público de São Paulo investigasse as empresas que gerenciam a venda de ingressos online para espetáculos e eventos de grande porte.
A mesma situação problemática voltou a ganhar espaço nos noticiários nas últimas semanas, com a abertura da venda de ingressos para shows de Paul McCartney, que serão realizados em dezembro desse ano.
Além do caos nas filas presenciais para compra de ingressos, os consumidores afirmam que as filas "virtuais" das plataformas digitais beiram o absurdo. Isso porque, segundo relatos, no exato minuto em que são abertas as vendas de ingressos nestas plataformas (geralmente, à 0h de determinado dia), as filas já contam com mais de 1 milhão de pessoas em espera.
Como em toda relação de consumo, a compra e venda de ingressos se caracteriza por ter de um lado o gestor/promotor de vendas (no caso de vendas online, das plataformas digitais), categorizados como fornecedores, e, de outro, o consumidor, sendo necessário um enfoque especial quanto à possível existência de previsões contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, no momento dessa compra.
E tal relação de compra e venda, ainda que estabelecida em ambiente virtual, é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, não só para que os consumidores tenham garantidos seus direitos, mas também para que práticas abusivas sejam coibidas.
Muito embora o Código de Defesa do Consumidor seja instrumento legal válido para vedar práticas com alto potencial lesivo aos consumidores, como é o caso da não devolução de valores pagos pelos ingressos, em caso de impossibilidade de comparecimento no evento, ou de cláusulas que impedem a transferência direta de titularidade de ingressos para terceiros, certo é que toda a problemática que gira em torno das filas virtuais e filas físicas para a venda de ingressos precisa de contornos legais mais claros e pungentes.
Outro ponto que merece atenção especial diz respeito à abertura de venda antecipada de ingressos para consumidores que sejam titulares de cartões de crédito de determinadas bandeiras ou correntistas de alguma instituição bancária patrocinadora do show ou evento.
Ainda que não se identifique qualquer problema jurídico nas chamadas "pré-vendas", se observa, na realidade, que os consumidores, receosos de não conseguirem comprar seus ingressos nas datas regulares, acabam por se filiar a cartões de créditos ou instituições bancárias apenas atraídos pela "publicidade" de uma compra antecipada e possivelmente sem filas, expectativa frustrada assim que as "pré-vendas" se iniciam. Foram reportados inúmeros problemas enfrentados por consumidores portadores de determinado cartão de crédito, durante a venda antecipada de ingressos para a série de shows do grupo "Rebeldes" que irão acontecer no próximo mês de novembro.
Com o espírito de proteger o direito dos consumidores, atualmente tramitam na Câmara dos Deputados diversos Projetos de Lei voltados para regulamentação da venda de ingressos para shows e grandes eventos.
O Projeto de Lei (PL 3.145/2023) objetiva alterar o Código de Defesa do Consumidor para regulamentar a venda de ingressos em plataformas online, a fim de que a comercialização destes seja feita por pessoa jurídica, diretamente ao consumidor, vedada a revenda para terceiros com valores superiores aos valores de face do ingresso. Pelo mesmo projeto, seria regulada de forma clara a posição do consumidor nas filas (online e presencial), com limitação de venda de ingressos para um mesmo CPJ e CNPJ.
A ideia já tinha previsão no PL 2.942/2022, que limita a possibilidade de compra de quatro ingressos, por CPF, e 12 ingressos, por CNPJ, para aquisição pela internet/plataformas digitais.
Por sua vez, o PL 3.120/2023, apelidada de "Lei Taylor Swift", de autoria da deputada federal Simone Marquetto (MDB-SP), objetiva tornar conduta criminal típica a venda de ingressos por cambistas, inclusive cambistas digitais, sugerindo como pena a reclusão de até quatro anos, além do pagamento de multa, que pode atingir até cem vezes o valor do ingresso apreendido.
Os grandes eventos são cada vez mais comuns no dia a dia das grandes cidades e atraem pessoas de todos os lugares, aquecendo o mercado. A comodidade de compra de ingressos pela internet, em plataformas digitais, segue a lógica atual de atrelar a tecnologia ao cotidiano da população, cabendo ao legislador a tarefa de acompanhar essas transformações sociais, mediante a promulgação de leis que continuem garantindo e resguardando o direito dos consumidores, em detrimento de práticas abusivas.
*Janaína De Castro Galvão é sócia da Área Cível e Resolução de Conflitos da Innocenti Advogados