No mercado globalizado, caracterizado pelo desenvolvimento constante das relações comerciais e aumento da competitividade, a estrutura logística de um país é fundamental para otimizar a eficiência na prestação de serviços, com custos atrativos.
Para se erigir um planejamento logístico eficaz, além da integração entre os setores público e privado, é necessário empenho na busca do equilíbrio da matriz de transportes, intrinsecamente conectada ao desenvolvimento econômico e social do país, por ser responsável pelo escoamento da produção nacional.
Na expectativa panglossiana de atrair investimentos privados e nivelar a matriz de transportes, foi confeccionado o Projeto de Lei nº 261/2018, de autoria do Senador José Serra (PSDB/SP), conhecido popularmente como "Marco Regulatório das Ferrovias", uma das prioridades do Poder Executivo no Senado Federal, que aguarda aprovação.
Sendo o Brasil um país de dimensões continentais, cuja produção é transportada por longas distâncias até chegar aos portos - como ocorre, por exemplo, com o minério de ferro e as commodities agrícolas -, é evidente a premência de se prestigiar as formas mais competitivas e ambientalmente viáveis de transporte, como o modal ferroviário.
No cenário atual, para que ferrovias sejam operadas por players privados, deve-se observar os regimes de concessão ou permissão previstos na Lei nº 8.987/1995. Analisando o dispositivo legal, é possível verificar que tratam-se de modalidades de delegação da prestação do serviço público, mediante licitação, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho.
Pelo Marco Legal, a principal novidade reside na instituição do regime de autorização para o mercado ferroviário; nesse molde, o Poder Público não será obrigado a realizar um processo licitatório para definir quem operará determinado trecho - o investidor pode apresentar seu projeto, cabendo ao Governo analisá-lo e autorizá-lo, da mesma forma que já ocorre na exploração de terminais portuários, com sucesso.
Ao se permitir que investidores privados explorem as ferrovias, como atividade econômica mediante autorização do Poder Público, o Projeto de Lei encontra guarida na Constituição Federal de 1988, pelo disposto no parágrafo único do art. 170, bem como no art. 21, XII, "d".
Pelo modelo proposto, cria-se um mecanismo que facilita a chegada de investimentos ao setor, tanto para a reforma de ferrovias existentes quanto na construção de novos trechos, garantindo a liberdade econômica e privilegiando a iniciativa privada - malgrado fique obrigada a arcar com todos os aportes necessários e enfrente, por sua conta, os riscos inerentes à atividade.
O sistema norte-americano serviu como base para a proposição do projeto, pois, conta com cerca de 574 empresas ferroviárias atuando em regime de cooperação na exploração privada, com receitas anuais de US$ 71,6 bilhões, trazendo a percepção de que o Estado deve ter presença nos segmentos em que seja realmente necessário, por razões de cunho social e, ao mesmo tempo, atrair investimentos privados para moldar a infraestrutura, onde há interesse do mercado.
Fazendo um panorama histórico, é possível perceber que o Brasil vive, hoje - com a esperada aprovação do Projeto de Lei -, a situação enfrentada pelos EUA em 1980, época em que, após décadas de forte regulação estatal, foi promulgado o Staggers Rail Act, representando o pioneirismo na flexibilização da regulação e promovendo o crescimento da produtividade e do volume de cargas transportadas, com redução de tarifas.
Mesmo assim, a posição contrária sustenta que, caso seja aprovado o projeto, o setor ficaria vulnerável aos interesses da iniciativa privada, elevando a desigualdade, caso o Estado se exima de interferir para que as ferrovias ocupem um papel de integração nacional, inclusive no transporte de passageiros. Não obstante, existem pressões de representantes dos caminhoneiros, que temem uma substituição quimérica do modal rodoviário pelo ferroviário.
O Panorama de Movimentação de Cargas, documento elaborado pelo Ministério da Infraestrutura, demonstra que a participação do transporte ferroviário (15%) ainda é muito pequena se comparada ao rodoviário (65%), ficando o país refém deste que, como a experiência já demonstrou, pode facilmente ser paralisado por greves de caminhoneiros - além do fato de ser inviável para longas distâncias, considerando os conhecidos problemas da malha rodoviária, totalmente sobrecarregada e sem estrutura, bem como os altos custos envolvidos.
A iniciativa deve ser vista com bons olhos, ao passo que busca a integração dos diferentes modais, explorando a eficiência de cada um para reduzir custos de frete e aumentar a competitividade, considerando que, no atual ecossistema de negócios, se faz necessária a criação de soluções flexíveis, ao menor custo possível.
Portanto, o cenário é alvissareiro para o desenvolvimento da matriz de transportes e aumento da participação privada em projetos de infraestrutura, sendo essencial que a população perceba a importância do que se discute, porquanto cuida-se de iniciativa que vai atingir diversos setores essenciais, otimizando o escoamento de cargas que abastecem o Brasil e o mundo.
*Stéfano Ribeiro Ferri, sócio Fundador do Ortiz & Ferri Advogados. Pós-graduando em Direito Corporativo pelo Ibmec