Quando as mensagens de auxiliares do ministro Alexandre de Moraes vieram a público, os membros do Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo ele próprio, minimizaram os diálogos. O diagnóstico na corte é o de que não houve irregularidade no trânsito direto entre o gabinete de Moraes no STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para produzir relatórios sobre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Isso porque o ministro é o chefe das investigações sobre os bolsonaristas e, na época, também presidia o TSE.
Embora, publicamente, tenha contemporizado o episódio, Alexandre de Moraes não foi demovido de descobrir a origem do vazamento das mensagens. O ministro deu ordem para a Polícia Federal investigar quem levou os diálogos a público. Ao abrir a investigação, citou expressamente a Polícia Civil de São Paulo e a suspeita de vazamento “criminoso”.
Uma das principais hipóteses é que os diálogos tenham sido extraídas do antigo celular do perito Eduardo Tagliaferro, que foi chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE. Ele já prestou depoimento à Polícia Federal e negou ter divulgado as conversas. A partir do depoimento, novos personagens começam a ser arrastados para a investigação.
Entenda o inquérito em cinco pontos
Por que Alexandre de Moraes abriu a investigação?
O inquérito foi aberto de ofício pelo ministro, ou seja, sem a provocação de órgãos de investigação, como o Ministério Público.
O vazamento das mensagens foi associado ao inquérito das fake news, que investiga ataques, ofensas e ameaças aos ministros.
Alexandre de Moraes justificou que o “vazamento deliberado de informações” pode estar associado a uma “atuação estruturada de uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas”.
As mensagens foram divulgadas pela Folha de S. Paulo. Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, a investigação “constrange a liberdade de imprensa”.
“A Folha deixou claro ter obtido as mensagens de forma lícita, fazendo constar não ter havido hackeamento. Ninguém rebateu esse ponto e, mesmo assim, o inquérito foi aberto. Parece, portanto, claro que o objeto da investigação é unicamente descobrir qual foi a fonte do jornal, algo que a Constituição Federal veda, em razão do sigilo de fonte”, critica.
Para Álvaro Palma de Jorge, professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, a abertura do inquérito por iniciativa do próprio ministro não é um problema. No entanto, na avaliação do professor, outro membro do Supremo Tribunal Federal deveria ter assumido a relatoria da investigação.
“O Código de Processo Penal autoriza a aberta de ofício, mas parece que o mais cauteloso deveria ser deixar a condução do inquérito para outro magistrado”, afirma.
Foi o que aconteceu com o inquérito sobre as hostilidades ao ministro no aeroporto de Roma. Alexandre de Moraes mandou instaurar a investigação, mas logo o processo foi redistribuído ao gabinete de Dias Toffoli.
Qual o ponto de partida do inquérito?
A principal suspeita é que as conversas tenham sido extraídas do celular do perito Eduardo Tagliaferro. Não se sabe, no entanto, se foi ele próprio quem levou os diálogos a público ou se as mensagens foram divulgadas por terceiros que, eventualmente, tiveram acesso ao aparelho.
O celular do perito ficou seis dias em posse da Polícia Civil de São Paulo, em maio de 2023, quando ele foi preso em flagrante em uma ocorrência de violência doméstica. Os investigadores buscam descobrir se alguém acessou o telefone nesse período.
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O que se sabe até o momento sobre o manuseio do celular?
Documentos relacionados à ocorrência detalham o passo a passo do manuseio do celular. O aparelho foi entregue na delegacia pelo cunhado do perito, Celso Luiz Oliveira, no dia 9 de maio de 2023. O termo de declaração atesta que, na ocasião, ele foi questionado se aquele era o telefone institucional de Tagliaferro.
O auto de apreensão, lavrado no mesmo dia, registra que o celular tinha dois chips e, portanto, duas linhas – uma profissional e outra pessoal. “Por ocasião da apreensão do aparelho, o mesmo se achava bloqueado e não há informações sobre senha de desbloqueio”, diz o documento.
Já o boletim de ocorrência afirma que o celular foi “devidamente desligado nesta delegacia, isto visando preservar seu conteúdo”. Em seguida, o ofício informa o número do lacre usado para guardar o aparelho.
O lacre só pode ser rompido por pessoas autorizadas. É uma garantia de que o material ou objeto apreendido não foi manipulado nem substituído. Ocorre que, segundo o perito, o celular foi entregue, no dia 15 de maio de 2023, “fora de qualquer invólucro”, ou seja, sem o lacre que atesta que o telefone ficou indevassável.
Ao receber o aparelho de volta, Tagliaferro teve que assinar um auto de entrega. O documento formaliza a restituição de bens apreendidos. Consta no ofício que, a partir da devolução, ele seria o “responsável pelos dados contidos no aparelho assim como as consequências da indevida divulgação de dados eventualmente sigilosos”.
Não se sabe ao certo o destino do celular. O perito alega que, ao testar o telefone, percebeu que o aparelho estava travando e que apresentava problemas na bateria, e, por isso, foi inutilizado e descartado no lixo.
Quem já foi ouvido pela Polícia Federal?
Até o momento, Tagliaferro, a ex-mulher e o cunhado prestaram depoimento à Polícia Federal. O delegado José Luiz Antunes, da Delegacia Seccional de Franco da Rocha, também foi intimado.
A PF quer ouvir a versão do delegado para analisar se o vazamento pode ter partido da Polícia Civil. Em nota, a corporação informou que abriu um procedimento interno na Corregedoria e que o caso está em sigilo.
O advogado Eduardo Kuntz, que representa o perito, pediu uma acareação de Celso Luiz de Oliveira com o delegado. A defesa informa, em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal, que gostaria de acompanhar o depoimento e afirma que a acareação vai “auxiliar na busca da verdade real dos acontecimentos”.
Quais são os próximos passos?
Além de tomar o depoimento do delegado, os investigadores vão analisar o conteúdo do novo celular de Tagliaferro, apreendido durante o depoimento, por ordem de Alexandre de Moraes. Em sua decisão, o ministro justificou que a perícia no aparelho é imprescindível para a investigação. “Não há outra diligência adequada à completa elucidação dos fatos”, escreveu.
Ouça conversas entre o juiz auxiliar do gabinete de Moraes, Airton Vieira, e o perito Eduardo Tagliaferro:
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