O julgamento do ex-presidente Lula desperta um emaranhado de dúvidas, especialmente por causa dos inúmeros recursos permitidos no ordenamento jurídico. Afinal, com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão imediata após decisão condenatória em segunda instância, Lula pode mesmo ser preso logo após o julgamento dependendo do resultado? Ou ele ainda poderá recorrer?
E mais: Lula pode ser candidato à Presidência da República este ano?
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O julgamento está marcado para esta quarta-feira, 24, no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), a partir de 8h30.
Lula pegou 9 anos e seis meses de prisão no processo do famoso triplex do Guarujá. A sentença foi imposta pelo juiz Sérgio Moro. A defesa do petista recorreu ao TRF-4, o Tribunal da Lava Jato.
O País quer saber é se Lula pode ser preso, se a condenação de Moro for mantida. E se ele pode, ainda que mantida a condenação, candidatar-se à Presidência.
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Advogados especializados em Direito Eleitoral, Constitucional e Penal apontam os possíveis cenários jurídico e político após o julgamento do ex-presidente na Corte da Lava Jato.
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De acordo com o advogado Tony Chalita, sócio do Braga Nascimento e Zilio Advogados, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, várias possibilidades ter o caminho aberto após o julgamento colegiado no TRF-4.
"Não temos precedentes que cuidem do tema de candidatura presidencial em condições semelhantes a esta. A situação do ex-presidente Lula é inédita. O resultado do julgamento não encerra a discussão no âmbito do processo penal. A depender do resultado do julgamento do dia 24, nossa legislação prevê a possibilidade da utilização de algumas ferramentas recursais ainda na instância ordinária, no próprio TRF-4."
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Chalita se refere a dois recursos bem conhecidos no mundo jurídico -- embargos de declaração e embargos infringentes.
Os embargos infringentes podem ser opostos na hipótese de a decisão não ser unânime.
Cabem embargos de declaração para o esclarecimento de determinados pontos omissos, obscuros ou contraditórios do acórdão.
LIMINAR PODE GARANTIR CANDIDATURA. No campo do Direito Eleitoral, segundo Tony Chalita, existe a possibilidade de Lula apresentar o registro de candidatura e praticar atos de campanha até que se analise o pedido de registro, seja qual for o resultado do julgamento do dia 24.
"De toda forma, para que concorra e tenha condições de tomar posse, se for eleito, dependerá de uma medida liminar que suspenda os efeitos da decisão do TRF-4, caso sua condenação seja mantida por este Tribunal."
Com a apresentação de eventual Recurso Especial ou Extraordinário, será possível que o petista requeira a concessão de efeito suspensivo da decisão proferida pela Corte até que se julgue o recurso, assinala o advogado.
Esse pedido poderá ser feito tanto para o presidente do TRF-4 como no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal após a interposição dos recursos.
Chalita avalia. "Neste cenário, ainda que a liminar venha a ser revogada, se isso ocorrer após o pedido de registro de candidatura, dificilmente Lula terá seu diploma cassado pela Justiça Eleitoral, caso seja eleito."
"O fato é que o Tribunal Superior Eleitoral ainda não se manifestou sobre esse tipo de situação. A instância competente para julgar o registro de candidatura dos candidatos à Presidência da República, é originária do TSE. Por isso, não é possível indicarmos um caminho certeiro. Consta do nosso ordenamento um Recurso para a hipótese das chamadas inelegibilidade supervenientes (caso a liminar seja revogada após o pedido de registro mas antes da eleição), mas inicialmente é discutível sua aplicação às candidaturas majoritárias para Presidência da República. Por mais sensível que essa situação possa parecer à estabilidade institucional do cargo, estamos diante do maior case relacionado às inelegibilidades da história da Justiça Eleitoral Brasileira e toda leitura e interpretação articulada merecem ser consideradas", diz.
O constitucionalista e especialista em Direito Eleitoral, João Fábio Silva da Fontoura, da Bornholdt Advogados, explica que o julgamento de Lula põe em jogo a possibilidade de sua candidatura à Presidência, de acordo com o entendimento atual do STF.
"A Constituição determina, no artigo 5.º, inciso LVII, que 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória', ou seja, até o julgamento de todos os recursos cabíveis em lei. Entretanto, em julgamento ocorrido em 2016, o STF decidiu que a pena pode ser imposta já a partir do julgamento de segunda instância, o que é atentado à presunção de inocência e, por conseguinte, ao Estado de Direito. Por outro lado, a lei eleitoral brasileira considera inelegíveis aqueles que tenham contra si decisão penal condenatória de segundo grau. Como Lula será julgado agora pelo TRF-4, seria aplicável o entendimento do STF, redundando na impossibilidade de registro de sua candidatura e mais ainda: seu recolhimento à prisão", ressalta João Fábio Silva da Fontoura.
O advogado lembra também que o direito processual brasileiro prevê recursos que são capazes de suspender a eficácia da decisão até que eles sejam apreciados. Ele menciona os embargos de declaração e os embargos infringentes. "Manejando tais recursos, ainda não estaria presente sequer decisão condenatória de segundo grau, impedindo que sejam aplicadas quaisquer sanções penais ou eleitorais ao ex-presidente", anota.
LEI DA FICHA LIMPA É CONTORNÁVEL. O constitucionalista e criminalista Adib Abdouni lembra ainda que, esgotados os meios recursais dirigidos ao próprio TRF-4, Lula poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. "Ele terá a chance de formular pedido de efeito suspensivo, inclusive para sustar eventual decreto de execução provisória da pena, sem prejuízo da avaliação do cabimento e impetração de habeas corpus aos tribunais superiores"", avalia.
Abdouni diz que, em caso de condenação, Lula se tornaria inelegível com base na Lei da Ficha Limpa. Isso não impede, de forma automática, o registro da candidatura do ex-presidente, que deverá ser alvo de impugnação por parte do Ministério Público Eleitoral, de acordo com Abdouni. "Lula ainda poderá requerer ao Tribunal Superior Eleitoral, em caráter cautelar, a suspensão dos efeitos de sua inelegibilidade desde que consiga comprovar a presença da plausibilidade da pretensão recursal.
Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre os demais, e, uma vez referendada a condenação de que derivou a inelegibilidade, aí sim poderá ser desconstituído o registro eleitoral", explica.
PRISÃO IMEDIATA ESTÁ DESCARTADA. De acordo com o advogado Fernando Araneo, especialista em Direito Penal e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, o ex-presidente Lula não pode ser preso imediatamente no dia do julgamento.
Isso porque 'em qualquer hipótese de confirmação da condenação, caberia embargos de declaração'.
"O próprio procurador (que vai funcionar no julgamento do TRF-4), aliás, já emitiu nota afirmando que não há razão para apressar a prisão. Em caso de confirmação da condenação de forma não unânime, é possível entrar, ainda, com Embargos Infringentes no próprio TRF-4. Já caso a sentença seja confirmada sem voto divergente, cabe o Recurso Especial ao STJ com as limitações que lhe são inerentes - sem apreciação de fatos e provas", explica. Nessa última hipótese, conforme atual entendimento do STF, a pena poderia começar a ser cumprida", diz Araneo.
Sobre a inelegibilidade, esta valeria a partir da publicação do acórdão eventualmente condenatório.
Segundo o criminalista Daniel Bialski, sócio do Bialski Advogados, independentemente do resultado do julgamento, o ex-presidente Lula não pode ser preso imediatamente após o julgamento. Mas pode ser impedido de se candidatar às próximas eleições.
Ele também concorda que há possibilidade de inúmeros recursos, ainda, antes de uma possível prisão na própria segunda instância. "Quanto às próximas eleições, o ex-presidente Lula não poderá concorrer em hipótese alguma. Isso porque a Lei da Ficha Limpa é taxativa. Se ele for condenado em segunda instância por um Tribunal colegiado, ficará impedido de concorrer a qualquer cargo político", ressalta.
PROFESSOR EXPLICA PRÓXIMAS ETAPAS. Carlos Eduardo Scheid, professor de Direito Penal e Processual na Unisinos/RS e sócio do Scheid & Azevedo Advogados, lembra o princípio da presunção da inocência, previsto na Constituição.
Segundo Scheid, mesmo que os recursos especial (STJ) e extraordinário (STF) não possibilitem o reexame de provas, é possível que eles tenham teses de direito capazes de encampar a reforma de decisões condenatórias.
O professor cita como exemplo o argumento de que um fato não é crime se não estiver previsto em lei. Além disso, comenta, em recurso os defensores de Lula podem alegar que a sentença condenatória é nula por não avaliar o conteúdo de provas defensivas absolutórias. "Nessa perspectiva, os futuros recursos a serem manejados pela defesa técnica do ex-presidente, dependendo das teses que apresentarem, poderão reverter eventual acórdão condenatório, motivo pelo qual tem e terá o status jurídico de inocente até o encerramento da ação penal, ou seja, até o julgamento do último recurso, como acontece com qualquer cidadão brasileiro acusado"", diz ele.
Scheid detalha os cenários possíveis no dia 24. O primeiro é no caso de absolvição. Nesse caso, o Ministério Público Federal, se presentes os vícios que o Código de Processo Penal prevê -- omissão, contradição, obscuridade e ambiguidade --, poderá apresentar Embargos de Declaração e, depois, Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça e Recurso Extraordinário no Supremo, ambos para debaterem questões puramente de direito.
Em um segundo cenário, seria mantida a sentença de primeira instância no mérito. Ou seja, o TRF-4 mantém a absolvição pela acusação dos bens móveis e mantém a condenação sobre a acusação do apartamento, mas pode debater a quantidade de pena.
"Neste caso, tanto a defesa técnica quanto o MPF podem opor Embargos de Declaração, se cabíveis. No julgamento desses eventuais embargos de declaração, o TRF-4 poderá determinar a prisão, aplicando a Súmula 122 desse Tribunal; determinar que o juiz da execução da pena assim o faça; ou se omitir quanto a esse ponto, pois poderá compreender que caberá ao MPF, em primeiro grau, requerer a formalização do processo de execução provisória", detalha.
Ele explica que, depois do julgamento dos embargos de declaração, tanto a defesa técnica quanto o MPF poderão apresentar Recurso Especial no STJ e Recurso Extraordinário no STF.
"A defesa técnica poderá lançar pedidos para que se aplique efeito suspensivo a esses recursos extraordinários, podendo, ainda, apresentar Habeas Corpus ao STJ, caso compreenda que o julgamento contém alguma ilegalidade", afirma Scheid.
O ex-presidente somente será considerado culpado, nessa hipótese, diz Scheid, depois que a sentença transitar em julgado.
Se Lula for condenado, com voto vencido favorável, se presentes os vícios previstos no Código de Processo Penal, a defesa técnica poderá opor embargos de declaração.
"Depois do julgamento deste recurso, poderá opor Embargos Infringentes ou de nulidade. Se houver um voto vencido favorável a Lula -- seja no sentido da sua absolvição, seja para diminuir a sua pena, o Código de Processo Penal prevê que se apresente Embargos Infringentes ou de nulidade para que o julgamento, no ponto da controvérsia, seja revisto. A análise, neste caso, fica restrita aos argumentos expostos no voto vencido. Se o voto vencido versar sobre o mérito, o recurso será de Embargos Infringentes. Se for sobre nulidade, o recurso será embargos de nulidade. Depois do julgamento dos embargos infringentes, poderão ser opostos embargos de declaração", diz o advogado.