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Opinião|Entenda quando a armazenagem de portos pode não sofrer incidência de ISS


Por Nicolau A. Haddad Neto e Robinson Vieira

À medida que se aproxima a regulamentação da Reforma Tributária, aumenta o risco da perda de um direito importante para os chamados recintos alfandegados: o ressarcimento de ISS recolhido indevidamente.

Referimo-nos ao ISS que diversos recintos alfandegados, portos secos ou aquáticos, recolhem sobre uma dada atividade, apelidada por “armazenagem”.

Desde logo destacamos o suporte doutrinário principal para o tema, qual seja, os trabalhos do saudoso professor Aires Fernandino Barreto – o autor mais citado até hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), estudos que contribuíram para que o STF aprovasse a Súmula Vinculante (SV) n. 31, em 04/02/2010.

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Súmula Vinculante compreende o posicionamento uniforme e sem contrapontos que o STF constrói sobre uma determinada matéria, a partir de diversos precedentes no mesmo sentido (RE 455613 AgR, RE 553223 AgR, RE 465456 AgR, RE 450120 AgR, RE 446003 AgR, AI 543317 AgR, AI 551336 AgR, AI 546588 AgR, RE 116121, para o caso), convicção que, necessariamente, deve ser acatada por toda a Administração Fazendária e por todo o Poder Judiciário, nos termos do artigo 103-A da Constituição.

O verbete que resume o entendimento da referida SV n. 31 é o seguinte: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS - sobre operações de locação de bens móveis.

Obviamente, o verbete é uma síntese do ponto de vista do STF. E esse posicionamento tornou-se cada vez mais claro ao longo dos anos, como se pode constatar nos processos AI 758.697 AgR/RJ, ARE 656.709 AgR/RS, AI 854.553 ED/MG, Rcl 14.290 AgR/DF, Rcl 28324/SC e RE 449.516 AgR/MG, dentre outros. Inclusive, em 2023, no julgamento da ADI 5.869/DF, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou que o fundamento da Súmula Vinculante n. 31 continua plenamente válido para o STF, apenas a ele se acrescendo, o que também é relevante para o presente caso, a visão de que a utilidade que é oferecida para outrem, e por outrem pretendida, é igualmente um norte relevante para a tributação ou não pelo ISS.

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Para o tema aqui tratado, consolidou-se a compreensão no STF de que, na maioria das situações, tal imposto incide integralmente na operação, como ocorre sempre que houver uma atividade com natureza de cessão ou locação em conjunto, mas que se ache misturada com a prestação de serviços, com ela mista, indissociável. Entretanto, quando estiver apartada, com cobrança diferenciada, com objeto e discriminação claramente distintos, notadamente separando-a dos serviços, o ISS incide nestes, sem, no entanto, alcançar a locação ou cessão de coisas. Um exemplo disso, como será mostrado adiante, pode ocorrer quando o que se contrata é o local para o depósito necessário. Mas, em suma, quanto ao verbete da Súmula Vinculante n. 31, não importa se a atividade é de locação é de bens móveis ou imóveis, posto que nenhuma locação apartada é passível de incidência de ISS (STF: AI 854553 ED MG). Locação ou cessão remunerada é fato gerador de tributos da União, e não dos Municípios (RE 634.764/RJ).

Contudo, como dissemos, a regra geral é, sim, pela incidência de ISS, justamente porque na maioria das atividades a locação não se separa da prestação de serviços. E isso é o que está prescrito no item 20.01 da lista de serviços da Lei Complementar n. 116/2003 (norma geral do ISS), quando a regra faz menção à tributação de serviços portuários pelo ISS e, neles, inclui a armazenagem de qualquer natureza. O dispositivo legal aponta visivelmente para a maioria dos casos portuários, com atividades misturadas, mistas, nesse sentido, ou sem dissociação da locação ou cessão. A LC 116 também se refere a portos em geral, sem trazer para seu texto eventuais especificidades das realidades de alguns portos que também sejam recintos alfandegados, que demandam análise caso a caso.

Como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes, se, em uma dada atividade, a predominância for o oferecimento de uma utilidade prestacional (um serviço) e, como tal, buscado por outrem, como está nos itens da lista de serviços da lei complementar do ISS, nenhuma exceção há na tributação pelo ISS. É o que acontece com a cessão de espaços em cemitérios, totalmente atingida pelo ISS porque completamente misturada com serviços prestados, característicos de tais campos-santos, os quais, inclusive, são o objetivo principal buscado na contratação.

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Porém, em um recinto alfandegado observa-se a busca pelo usuário essencialmente do espaço para estadia de coisas até o desembaraço aduaneiro. Tal busca, até mesmo, decorre de obrigação legal (Decreto-lei n. 37/66 e IN RFB n. 1.702/17). Trata-se do chamado depósito necessário, advindo, no caso, de imposição normativa. Ainda nesses casos, a exceção de não tributação pelo ISS somente se dá nas atividades com natureza de cessão ou locação e que estejam dissociadas dos serviços.

Desde 2012, nosso escritório percebeu essa exceção e desenvolveu fundamento jurídico atualmente adotado pelo STF. Resumidamente: há recintos alfandegados (portos, secos e de água) nos quais se mostrou perfeitamente possível a verificação de estarem distintas a prestação de serviços e a locação ou cessão de espaços para a estadia de mercadorias até o desembaraço aduaneiro. Para tais casos, em específico, a armazenagem é meramente uma alcunha, um apelido, posto que se trata fundamentalmente de uma locação. Posteriormente, a partir de 2019, nossa percepção foi bem recebida por outras bancas de renome em Brasília, atuando em parceria nos processos abaixo indicados.

Cabe ressaltar que, para o Direito Tributário, identifica-se o fato gerador do tributo examinando-se sua natureza jurídica, sendo irrelevante a denominação que lhe possa ser atribuída (vide, dentre outros, o artigo 4º, I, do Código Tributário Nacional, e artigo 1º, p. 4º, da Lei Complementar 116/03). Ou seja, os efeitos tributários devem ser somente apreciados à luz da natureza jurídica do fato gerador do tributo.

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Nitidamente por isso é que se optou por se iniciar pela primeira instância judicial a discussão sobre a indevida cobrança de ISS em recintos alfandegados referida. Em verdade, teria sido possível escolher-se a elaboração de uma reclamação, diretamente ao STF, nos termos do par. 3º do artigo 103 da Constituição, uma vez que a temática em questão é atinente exclusivamente à violação da Súmula Vinculante n. 31. Mas, afastando-se de atalhos inadequados, priorizou-se a análise criteriosa do fato gerador, que somente pode ser feita pelo Poder Judiciário do local em que ocorre a atividade, principalmente pela primeira instância.

O exame pelas instâncias superiores, de Brasília, necessariamente e unicamente, deve corresponder à aplicação do direito sobre os fatos que foram destrinchados e depois consolidados pelas instâncias iniciais, porque o STJ e o STF partem dos fatos existentes no processo, não podendo desconsiderá-los. Numa síntese simplificada para o ISS do recinto alfandegado, pode-se dizer que o STJ deve observar se um dado caso concreto violou a LC 116/2003 ou outra lei federal e o STF deve verificar se houve contrariedade ao que a Constituição apresenta como competências do Município e da União, em caso de locação, verificando também a vulneração à sua Súmula Vinculante n. 31.

Os dois casos reais que merecem destaque, em final de março de 2024, data deste artigo, estão discutidos nos processos de nos 0715535-20.2012.8.04.0001 e 0715529-13.2012.8.04.0001, ambos iniciados em Manaus, na origem distribuídos para a 2ª Vara da Dívida Ativa Municipal de Manaus. Referem-se a recintos alfandegados (porto seco e fluvial), justamente nos quais a locação não está baralhada com os serviços, ao contrário, encontra-se totalmente dissociada, seja em sua identificação, seja em seu objeto ou mesmo em sua cobrança.

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Em ambos os processos, observam-se até vinte e quatro atividades realizadas. Dessas, vinte e três têm a natureza de serviços e apenas uma possui a nítida natureza de locação, apesar de descrita como armazenagem: (1) amarração, (2) desamarração, (3) reboque, (4) verificação do ISPS code, (5) contratação de seguro, (6), inspeção não invasiva, (7) pesagem, (8) ovação, (9) desova, (10) transporte interno, (11) quebra de lacre, (12) colocação de lacre, (13) abertura de carga em contêineres, (14) fechamento de carga em contêineres, (15) handling in, (16) handling out, (17) separação de cargas, (18) registro de trânsito, (19) monitoramento de contêiner frigorificado, (20) controle de cartão magnético de pedágio, (21) colocação de adesivo IMO, (22) retirada de adesivo IMO e (23) fotografia de contêiner ou veículos, são os serviços distintos da locação e que, por isso, devem sofrer a natural incidência do ISS, como de fato sofrem; porém a (24) “armazenagem”, especificamente nos referidos portos, tem a clara natureza de cessão remunerada de espaço para estadia de mercadorias em contêineres até o desembaraço aduaneiro, ou seja, locação de espaço.

No caso, a locação ou “armazenagem” praticada por referidos portos recebeu criteriosa análise pela primeira instância e pelo Tribunal de Justiça do Amazonas. Os casos sofreram um total de dez avaliações por referidos juízos – um deles com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) pedido de suspensão da segurança e (4) apelação; outro, com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) embargos de declaração, (4) outros embargos de declaração, (5) pedido de suspensão da segurança e (6) apelação.

Em todas essas dez avaliações o resultado foi o mesmo, demonstrando a fortaleza da construção jurídica e do Direito aplicável: A “armazenagem” dos casos concretos não correspondia à armazenagem descrita na LC 116/03, mas, de fato, tinha a natureza jurídica de locação de espaços, distinta dos serviços.

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Como aqui mencionado, tais processos tiveram seu início em 2012, sendo que hoje (03/2024) se encontram em andamento. Se não sofrerem qualquer ocorrência incomum, encerrar-se-ão somente no STF, uma vez que foram calcados exclusivamente na Constituição e na SV n. 31 do STF.

Um dos casos, obviamente, teve o recurso do Município com seguimento negado pelo STJ, tramitando ainda um recurso da municipalidade. No outro, com as vênias necessárias, o digno Ministro Relator parece não ter observado que não estava diante da armazenagem portuária descrita na LC 116/2003. Em verdade, o caso que lhe chegara às mãos adveio com o fato concreto provado, por isso indiscutível no STJ: a respectiva atividade era efetivamente uma locação de espaços, perfeitamente apartada em tudo, inclusive em seu objeto, em sua descrição e em sua cobrança – este caso, logicamente, também está tramitando nesta data com recursos do porto, já admitidos e a serem julgados.

Aliás, o próprio Município de Manaus pareceu reconhecer a evidência fática, posto que as razões originais de seus recursos ao STJ e STF foram incomumente sucintas, uma com seis laudas, outra com apenas cinco, respectivamente, aparentando estar apenas cumprindo o dever legal de recorrer.

Mas, independentemente do seguimento dos dois processos, até mesmo se houver desistência deles, o ponto principal já ocorreu: a atividade concreta já recebeu análise do Poder Judiciário competente, que unanimemente reconheceu o afastamento do ISS da parte correspondente à locação de espaços nos recintos alfandegados, independentemente de tal locação ser denominada por armazenagem. É isso que pode ser aproveitável por todos os portos, desde que estejam em igualdade de condições.

Com a plena vigência da reforma tributária, o ISS deixará de existir, deixando o porto de discuti-lo, daí a constatação de este ser o momento para pleitear judicialmente a recuperação do ISS pago a maior nos últimos cinco anos, além de se reduzir de forma relevante a carga tributária atual do recinto alfandegado, excluindo o ISS mensal incidente sobre a armazenagem que tenha as características aqui descritas. Não poderíamos nos calar diante disso, pois, como bem ensinou o Mestre Jesus, “ninguém acende uma candeia para pô-la debaixo do alqueire; põe-na, ao contrário, sobre o candeeiro, a fim de que ilumine a todos os que estão na casa” (Mateus, 5: 15).

À medida que se aproxima a regulamentação da Reforma Tributária, aumenta o risco da perda de um direito importante para os chamados recintos alfandegados: o ressarcimento de ISS recolhido indevidamente.

Referimo-nos ao ISS que diversos recintos alfandegados, portos secos ou aquáticos, recolhem sobre uma dada atividade, apelidada por “armazenagem”.

Desde logo destacamos o suporte doutrinário principal para o tema, qual seja, os trabalhos do saudoso professor Aires Fernandino Barreto – o autor mais citado até hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), estudos que contribuíram para que o STF aprovasse a Súmula Vinculante (SV) n. 31, em 04/02/2010.

Súmula Vinculante compreende o posicionamento uniforme e sem contrapontos que o STF constrói sobre uma determinada matéria, a partir de diversos precedentes no mesmo sentido (RE 455613 AgR, RE 553223 AgR, RE 465456 AgR, RE 450120 AgR, RE 446003 AgR, AI 543317 AgR, AI 551336 AgR, AI 546588 AgR, RE 116121, para o caso), convicção que, necessariamente, deve ser acatada por toda a Administração Fazendária e por todo o Poder Judiciário, nos termos do artigo 103-A da Constituição.

O verbete que resume o entendimento da referida SV n. 31 é o seguinte: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS - sobre operações de locação de bens móveis.

Obviamente, o verbete é uma síntese do ponto de vista do STF. E esse posicionamento tornou-se cada vez mais claro ao longo dos anos, como se pode constatar nos processos AI 758.697 AgR/RJ, ARE 656.709 AgR/RS, AI 854.553 ED/MG, Rcl 14.290 AgR/DF, Rcl 28324/SC e RE 449.516 AgR/MG, dentre outros. Inclusive, em 2023, no julgamento da ADI 5.869/DF, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou que o fundamento da Súmula Vinculante n. 31 continua plenamente válido para o STF, apenas a ele se acrescendo, o que também é relevante para o presente caso, a visão de que a utilidade que é oferecida para outrem, e por outrem pretendida, é igualmente um norte relevante para a tributação ou não pelo ISS.

Para o tema aqui tratado, consolidou-se a compreensão no STF de que, na maioria das situações, tal imposto incide integralmente na operação, como ocorre sempre que houver uma atividade com natureza de cessão ou locação em conjunto, mas que se ache misturada com a prestação de serviços, com ela mista, indissociável. Entretanto, quando estiver apartada, com cobrança diferenciada, com objeto e discriminação claramente distintos, notadamente separando-a dos serviços, o ISS incide nestes, sem, no entanto, alcançar a locação ou cessão de coisas. Um exemplo disso, como será mostrado adiante, pode ocorrer quando o que se contrata é o local para o depósito necessário. Mas, em suma, quanto ao verbete da Súmula Vinculante n. 31, não importa se a atividade é de locação é de bens móveis ou imóveis, posto que nenhuma locação apartada é passível de incidência de ISS (STF: AI 854553 ED MG). Locação ou cessão remunerada é fato gerador de tributos da União, e não dos Municípios (RE 634.764/RJ).

Contudo, como dissemos, a regra geral é, sim, pela incidência de ISS, justamente porque na maioria das atividades a locação não se separa da prestação de serviços. E isso é o que está prescrito no item 20.01 da lista de serviços da Lei Complementar n. 116/2003 (norma geral do ISS), quando a regra faz menção à tributação de serviços portuários pelo ISS e, neles, inclui a armazenagem de qualquer natureza. O dispositivo legal aponta visivelmente para a maioria dos casos portuários, com atividades misturadas, mistas, nesse sentido, ou sem dissociação da locação ou cessão. A LC 116 também se refere a portos em geral, sem trazer para seu texto eventuais especificidades das realidades de alguns portos que também sejam recintos alfandegados, que demandam análise caso a caso.

Como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes, se, em uma dada atividade, a predominância for o oferecimento de uma utilidade prestacional (um serviço) e, como tal, buscado por outrem, como está nos itens da lista de serviços da lei complementar do ISS, nenhuma exceção há na tributação pelo ISS. É o que acontece com a cessão de espaços em cemitérios, totalmente atingida pelo ISS porque completamente misturada com serviços prestados, característicos de tais campos-santos, os quais, inclusive, são o objetivo principal buscado na contratação.

Porém, em um recinto alfandegado observa-se a busca pelo usuário essencialmente do espaço para estadia de coisas até o desembaraço aduaneiro. Tal busca, até mesmo, decorre de obrigação legal (Decreto-lei n. 37/66 e IN RFB n. 1.702/17). Trata-se do chamado depósito necessário, advindo, no caso, de imposição normativa. Ainda nesses casos, a exceção de não tributação pelo ISS somente se dá nas atividades com natureza de cessão ou locação e que estejam dissociadas dos serviços.

Desde 2012, nosso escritório percebeu essa exceção e desenvolveu fundamento jurídico atualmente adotado pelo STF. Resumidamente: há recintos alfandegados (portos, secos e de água) nos quais se mostrou perfeitamente possível a verificação de estarem distintas a prestação de serviços e a locação ou cessão de espaços para a estadia de mercadorias até o desembaraço aduaneiro. Para tais casos, em específico, a armazenagem é meramente uma alcunha, um apelido, posto que se trata fundamentalmente de uma locação. Posteriormente, a partir de 2019, nossa percepção foi bem recebida por outras bancas de renome em Brasília, atuando em parceria nos processos abaixo indicados.

Cabe ressaltar que, para o Direito Tributário, identifica-se o fato gerador do tributo examinando-se sua natureza jurídica, sendo irrelevante a denominação que lhe possa ser atribuída (vide, dentre outros, o artigo 4º, I, do Código Tributário Nacional, e artigo 1º, p. 4º, da Lei Complementar 116/03). Ou seja, os efeitos tributários devem ser somente apreciados à luz da natureza jurídica do fato gerador do tributo.

Nitidamente por isso é que se optou por se iniciar pela primeira instância judicial a discussão sobre a indevida cobrança de ISS em recintos alfandegados referida. Em verdade, teria sido possível escolher-se a elaboração de uma reclamação, diretamente ao STF, nos termos do par. 3º do artigo 103 da Constituição, uma vez que a temática em questão é atinente exclusivamente à violação da Súmula Vinculante n. 31. Mas, afastando-se de atalhos inadequados, priorizou-se a análise criteriosa do fato gerador, que somente pode ser feita pelo Poder Judiciário do local em que ocorre a atividade, principalmente pela primeira instância.

O exame pelas instâncias superiores, de Brasília, necessariamente e unicamente, deve corresponder à aplicação do direito sobre os fatos que foram destrinchados e depois consolidados pelas instâncias iniciais, porque o STJ e o STF partem dos fatos existentes no processo, não podendo desconsiderá-los. Numa síntese simplificada para o ISS do recinto alfandegado, pode-se dizer que o STJ deve observar se um dado caso concreto violou a LC 116/2003 ou outra lei federal e o STF deve verificar se houve contrariedade ao que a Constituição apresenta como competências do Município e da União, em caso de locação, verificando também a vulneração à sua Súmula Vinculante n. 31.

Os dois casos reais que merecem destaque, em final de março de 2024, data deste artigo, estão discutidos nos processos de nos 0715535-20.2012.8.04.0001 e 0715529-13.2012.8.04.0001, ambos iniciados em Manaus, na origem distribuídos para a 2ª Vara da Dívida Ativa Municipal de Manaus. Referem-se a recintos alfandegados (porto seco e fluvial), justamente nos quais a locação não está baralhada com os serviços, ao contrário, encontra-se totalmente dissociada, seja em sua identificação, seja em seu objeto ou mesmo em sua cobrança.

Em ambos os processos, observam-se até vinte e quatro atividades realizadas. Dessas, vinte e três têm a natureza de serviços e apenas uma possui a nítida natureza de locação, apesar de descrita como armazenagem: (1) amarração, (2) desamarração, (3) reboque, (4) verificação do ISPS code, (5) contratação de seguro, (6), inspeção não invasiva, (7) pesagem, (8) ovação, (9) desova, (10) transporte interno, (11) quebra de lacre, (12) colocação de lacre, (13) abertura de carga em contêineres, (14) fechamento de carga em contêineres, (15) handling in, (16) handling out, (17) separação de cargas, (18) registro de trânsito, (19) monitoramento de contêiner frigorificado, (20) controle de cartão magnético de pedágio, (21) colocação de adesivo IMO, (22) retirada de adesivo IMO e (23) fotografia de contêiner ou veículos, são os serviços distintos da locação e que, por isso, devem sofrer a natural incidência do ISS, como de fato sofrem; porém a (24) “armazenagem”, especificamente nos referidos portos, tem a clara natureza de cessão remunerada de espaço para estadia de mercadorias em contêineres até o desembaraço aduaneiro, ou seja, locação de espaço.

No caso, a locação ou “armazenagem” praticada por referidos portos recebeu criteriosa análise pela primeira instância e pelo Tribunal de Justiça do Amazonas. Os casos sofreram um total de dez avaliações por referidos juízos – um deles com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) pedido de suspensão da segurança e (4) apelação; outro, com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) embargos de declaração, (4) outros embargos de declaração, (5) pedido de suspensão da segurança e (6) apelação.

Em todas essas dez avaliações o resultado foi o mesmo, demonstrando a fortaleza da construção jurídica e do Direito aplicável: A “armazenagem” dos casos concretos não correspondia à armazenagem descrita na LC 116/03, mas, de fato, tinha a natureza jurídica de locação de espaços, distinta dos serviços.

Como aqui mencionado, tais processos tiveram seu início em 2012, sendo que hoje (03/2024) se encontram em andamento. Se não sofrerem qualquer ocorrência incomum, encerrar-se-ão somente no STF, uma vez que foram calcados exclusivamente na Constituição e na SV n. 31 do STF.

Um dos casos, obviamente, teve o recurso do Município com seguimento negado pelo STJ, tramitando ainda um recurso da municipalidade. No outro, com as vênias necessárias, o digno Ministro Relator parece não ter observado que não estava diante da armazenagem portuária descrita na LC 116/2003. Em verdade, o caso que lhe chegara às mãos adveio com o fato concreto provado, por isso indiscutível no STJ: a respectiva atividade era efetivamente uma locação de espaços, perfeitamente apartada em tudo, inclusive em seu objeto, em sua descrição e em sua cobrança – este caso, logicamente, também está tramitando nesta data com recursos do porto, já admitidos e a serem julgados.

Aliás, o próprio Município de Manaus pareceu reconhecer a evidência fática, posto que as razões originais de seus recursos ao STJ e STF foram incomumente sucintas, uma com seis laudas, outra com apenas cinco, respectivamente, aparentando estar apenas cumprindo o dever legal de recorrer.

Mas, independentemente do seguimento dos dois processos, até mesmo se houver desistência deles, o ponto principal já ocorreu: a atividade concreta já recebeu análise do Poder Judiciário competente, que unanimemente reconheceu o afastamento do ISS da parte correspondente à locação de espaços nos recintos alfandegados, independentemente de tal locação ser denominada por armazenagem. É isso que pode ser aproveitável por todos os portos, desde que estejam em igualdade de condições.

Com a plena vigência da reforma tributária, o ISS deixará de existir, deixando o porto de discuti-lo, daí a constatação de este ser o momento para pleitear judicialmente a recuperação do ISS pago a maior nos últimos cinco anos, além de se reduzir de forma relevante a carga tributária atual do recinto alfandegado, excluindo o ISS mensal incidente sobre a armazenagem que tenha as características aqui descritas. Não poderíamos nos calar diante disso, pois, como bem ensinou o Mestre Jesus, “ninguém acende uma candeia para pô-la debaixo do alqueire; põe-na, ao contrário, sobre o candeeiro, a fim de que ilumine a todos os que estão na casa” (Mateus, 5: 15).

À medida que se aproxima a regulamentação da Reforma Tributária, aumenta o risco da perda de um direito importante para os chamados recintos alfandegados: o ressarcimento de ISS recolhido indevidamente.

Referimo-nos ao ISS que diversos recintos alfandegados, portos secos ou aquáticos, recolhem sobre uma dada atividade, apelidada por “armazenagem”.

Desde logo destacamos o suporte doutrinário principal para o tema, qual seja, os trabalhos do saudoso professor Aires Fernandino Barreto – o autor mais citado até hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), estudos que contribuíram para que o STF aprovasse a Súmula Vinculante (SV) n. 31, em 04/02/2010.

Súmula Vinculante compreende o posicionamento uniforme e sem contrapontos que o STF constrói sobre uma determinada matéria, a partir de diversos precedentes no mesmo sentido (RE 455613 AgR, RE 553223 AgR, RE 465456 AgR, RE 450120 AgR, RE 446003 AgR, AI 543317 AgR, AI 551336 AgR, AI 546588 AgR, RE 116121, para o caso), convicção que, necessariamente, deve ser acatada por toda a Administração Fazendária e por todo o Poder Judiciário, nos termos do artigo 103-A da Constituição.

O verbete que resume o entendimento da referida SV n. 31 é o seguinte: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS - sobre operações de locação de bens móveis.

Obviamente, o verbete é uma síntese do ponto de vista do STF. E esse posicionamento tornou-se cada vez mais claro ao longo dos anos, como se pode constatar nos processos AI 758.697 AgR/RJ, ARE 656.709 AgR/RS, AI 854.553 ED/MG, Rcl 14.290 AgR/DF, Rcl 28324/SC e RE 449.516 AgR/MG, dentre outros. Inclusive, em 2023, no julgamento da ADI 5.869/DF, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou que o fundamento da Súmula Vinculante n. 31 continua plenamente válido para o STF, apenas a ele se acrescendo, o que também é relevante para o presente caso, a visão de que a utilidade que é oferecida para outrem, e por outrem pretendida, é igualmente um norte relevante para a tributação ou não pelo ISS.

Para o tema aqui tratado, consolidou-se a compreensão no STF de que, na maioria das situações, tal imposto incide integralmente na operação, como ocorre sempre que houver uma atividade com natureza de cessão ou locação em conjunto, mas que se ache misturada com a prestação de serviços, com ela mista, indissociável. Entretanto, quando estiver apartada, com cobrança diferenciada, com objeto e discriminação claramente distintos, notadamente separando-a dos serviços, o ISS incide nestes, sem, no entanto, alcançar a locação ou cessão de coisas. Um exemplo disso, como será mostrado adiante, pode ocorrer quando o que se contrata é o local para o depósito necessário. Mas, em suma, quanto ao verbete da Súmula Vinculante n. 31, não importa se a atividade é de locação é de bens móveis ou imóveis, posto que nenhuma locação apartada é passível de incidência de ISS (STF: AI 854553 ED MG). Locação ou cessão remunerada é fato gerador de tributos da União, e não dos Municípios (RE 634.764/RJ).

Contudo, como dissemos, a regra geral é, sim, pela incidência de ISS, justamente porque na maioria das atividades a locação não se separa da prestação de serviços. E isso é o que está prescrito no item 20.01 da lista de serviços da Lei Complementar n. 116/2003 (norma geral do ISS), quando a regra faz menção à tributação de serviços portuários pelo ISS e, neles, inclui a armazenagem de qualquer natureza. O dispositivo legal aponta visivelmente para a maioria dos casos portuários, com atividades misturadas, mistas, nesse sentido, ou sem dissociação da locação ou cessão. A LC 116 também se refere a portos em geral, sem trazer para seu texto eventuais especificidades das realidades de alguns portos que também sejam recintos alfandegados, que demandam análise caso a caso.

Como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes, se, em uma dada atividade, a predominância for o oferecimento de uma utilidade prestacional (um serviço) e, como tal, buscado por outrem, como está nos itens da lista de serviços da lei complementar do ISS, nenhuma exceção há na tributação pelo ISS. É o que acontece com a cessão de espaços em cemitérios, totalmente atingida pelo ISS porque completamente misturada com serviços prestados, característicos de tais campos-santos, os quais, inclusive, são o objetivo principal buscado na contratação.

Porém, em um recinto alfandegado observa-se a busca pelo usuário essencialmente do espaço para estadia de coisas até o desembaraço aduaneiro. Tal busca, até mesmo, decorre de obrigação legal (Decreto-lei n. 37/66 e IN RFB n. 1.702/17). Trata-se do chamado depósito necessário, advindo, no caso, de imposição normativa. Ainda nesses casos, a exceção de não tributação pelo ISS somente se dá nas atividades com natureza de cessão ou locação e que estejam dissociadas dos serviços.

Desde 2012, nosso escritório percebeu essa exceção e desenvolveu fundamento jurídico atualmente adotado pelo STF. Resumidamente: há recintos alfandegados (portos, secos e de água) nos quais se mostrou perfeitamente possível a verificação de estarem distintas a prestação de serviços e a locação ou cessão de espaços para a estadia de mercadorias até o desembaraço aduaneiro. Para tais casos, em específico, a armazenagem é meramente uma alcunha, um apelido, posto que se trata fundamentalmente de uma locação. Posteriormente, a partir de 2019, nossa percepção foi bem recebida por outras bancas de renome em Brasília, atuando em parceria nos processos abaixo indicados.

Cabe ressaltar que, para o Direito Tributário, identifica-se o fato gerador do tributo examinando-se sua natureza jurídica, sendo irrelevante a denominação que lhe possa ser atribuída (vide, dentre outros, o artigo 4º, I, do Código Tributário Nacional, e artigo 1º, p. 4º, da Lei Complementar 116/03). Ou seja, os efeitos tributários devem ser somente apreciados à luz da natureza jurídica do fato gerador do tributo.

Nitidamente por isso é que se optou por se iniciar pela primeira instância judicial a discussão sobre a indevida cobrança de ISS em recintos alfandegados referida. Em verdade, teria sido possível escolher-se a elaboração de uma reclamação, diretamente ao STF, nos termos do par. 3º do artigo 103 da Constituição, uma vez que a temática em questão é atinente exclusivamente à violação da Súmula Vinculante n. 31. Mas, afastando-se de atalhos inadequados, priorizou-se a análise criteriosa do fato gerador, que somente pode ser feita pelo Poder Judiciário do local em que ocorre a atividade, principalmente pela primeira instância.

O exame pelas instâncias superiores, de Brasília, necessariamente e unicamente, deve corresponder à aplicação do direito sobre os fatos que foram destrinchados e depois consolidados pelas instâncias iniciais, porque o STJ e o STF partem dos fatos existentes no processo, não podendo desconsiderá-los. Numa síntese simplificada para o ISS do recinto alfandegado, pode-se dizer que o STJ deve observar se um dado caso concreto violou a LC 116/2003 ou outra lei federal e o STF deve verificar se houve contrariedade ao que a Constituição apresenta como competências do Município e da União, em caso de locação, verificando também a vulneração à sua Súmula Vinculante n. 31.

Os dois casos reais que merecem destaque, em final de março de 2024, data deste artigo, estão discutidos nos processos de nos 0715535-20.2012.8.04.0001 e 0715529-13.2012.8.04.0001, ambos iniciados em Manaus, na origem distribuídos para a 2ª Vara da Dívida Ativa Municipal de Manaus. Referem-se a recintos alfandegados (porto seco e fluvial), justamente nos quais a locação não está baralhada com os serviços, ao contrário, encontra-se totalmente dissociada, seja em sua identificação, seja em seu objeto ou mesmo em sua cobrança.

Em ambos os processos, observam-se até vinte e quatro atividades realizadas. Dessas, vinte e três têm a natureza de serviços e apenas uma possui a nítida natureza de locação, apesar de descrita como armazenagem: (1) amarração, (2) desamarração, (3) reboque, (4) verificação do ISPS code, (5) contratação de seguro, (6), inspeção não invasiva, (7) pesagem, (8) ovação, (9) desova, (10) transporte interno, (11) quebra de lacre, (12) colocação de lacre, (13) abertura de carga em contêineres, (14) fechamento de carga em contêineres, (15) handling in, (16) handling out, (17) separação de cargas, (18) registro de trânsito, (19) monitoramento de contêiner frigorificado, (20) controle de cartão magnético de pedágio, (21) colocação de adesivo IMO, (22) retirada de adesivo IMO e (23) fotografia de contêiner ou veículos, são os serviços distintos da locação e que, por isso, devem sofrer a natural incidência do ISS, como de fato sofrem; porém a (24) “armazenagem”, especificamente nos referidos portos, tem a clara natureza de cessão remunerada de espaço para estadia de mercadorias em contêineres até o desembaraço aduaneiro, ou seja, locação de espaço.

No caso, a locação ou “armazenagem” praticada por referidos portos recebeu criteriosa análise pela primeira instância e pelo Tribunal de Justiça do Amazonas. Os casos sofreram um total de dez avaliações por referidos juízos – um deles com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) pedido de suspensão da segurança e (4) apelação; outro, com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) embargos de declaração, (4) outros embargos de declaração, (5) pedido de suspensão da segurança e (6) apelação.

Em todas essas dez avaliações o resultado foi o mesmo, demonstrando a fortaleza da construção jurídica e do Direito aplicável: A “armazenagem” dos casos concretos não correspondia à armazenagem descrita na LC 116/03, mas, de fato, tinha a natureza jurídica de locação de espaços, distinta dos serviços.

Como aqui mencionado, tais processos tiveram seu início em 2012, sendo que hoje (03/2024) se encontram em andamento. Se não sofrerem qualquer ocorrência incomum, encerrar-se-ão somente no STF, uma vez que foram calcados exclusivamente na Constituição e na SV n. 31 do STF.

Um dos casos, obviamente, teve o recurso do Município com seguimento negado pelo STJ, tramitando ainda um recurso da municipalidade. No outro, com as vênias necessárias, o digno Ministro Relator parece não ter observado que não estava diante da armazenagem portuária descrita na LC 116/2003. Em verdade, o caso que lhe chegara às mãos adveio com o fato concreto provado, por isso indiscutível no STJ: a respectiva atividade era efetivamente uma locação de espaços, perfeitamente apartada em tudo, inclusive em seu objeto, em sua descrição e em sua cobrança – este caso, logicamente, também está tramitando nesta data com recursos do porto, já admitidos e a serem julgados.

Aliás, o próprio Município de Manaus pareceu reconhecer a evidência fática, posto que as razões originais de seus recursos ao STJ e STF foram incomumente sucintas, uma com seis laudas, outra com apenas cinco, respectivamente, aparentando estar apenas cumprindo o dever legal de recorrer.

Mas, independentemente do seguimento dos dois processos, até mesmo se houver desistência deles, o ponto principal já ocorreu: a atividade concreta já recebeu análise do Poder Judiciário competente, que unanimemente reconheceu o afastamento do ISS da parte correspondente à locação de espaços nos recintos alfandegados, independentemente de tal locação ser denominada por armazenagem. É isso que pode ser aproveitável por todos os portos, desde que estejam em igualdade de condições.

Com a plena vigência da reforma tributária, o ISS deixará de existir, deixando o porto de discuti-lo, daí a constatação de este ser o momento para pleitear judicialmente a recuperação do ISS pago a maior nos últimos cinco anos, além de se reduzir de forma relevante a carga tributária atual do recinto alfandegado, excluindo o ISS mensal incidente sobre a armazenagem que tenha as características aqui descritas. Não poderíamos nos calar diante disso, pois, como bem ensinou o Mestre Jesus, “ninguém acende uma candeia para pô-la debaixo do alqueire; põe-na, ao contrário, sobre o candeeiro, a fim de que ilumine a todos os que estão na casa” (Mateus, 5: 15).

À medida que se aproxima a regulamentação da Reforma Tributária, aumenta o risco da perda de um direito importante para os chamados recintos alfandegados: o ressarcimento de ISS recolhido indevidamente.

Referimo-nos ao ISS que diversos recintos alfandegados, portos secos ou aquáticos, recolhem sobre uma dada atividade, apelidada por “armazenagem”.

Desde logo destacamos o suporte doutrinário principal para o tema, qual seja, os trabalhos do saudoso professor Aires Fernandino Barreto – o autor mais citado até hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), estudos que contribuíram para que o STF aprovasse a Súmula Vinculante (SV) n. 31, em 04/02/2010.

Súmula Vinculante compreende o posicionamento uniforme e sem contrapontos que o STF constrói sobre uma determinada matéria, a partir de diversos precedentes no mesmo sentido (RE 455613 AgR, RE 553223 AgR, RE 465456 AgR, RE 450120 AgR, RE 446003 AgR, AI 543317 AgR, AI 551336 AgR, AI 546588 AgR, RE 116121, para o caso), convicção que, necessariamente, deve ser acatada por toda a Administração Fazendária e por todo o Poder Judiciário, nos termos do artigo 103-A da Constituição.

O verbete que resume o entendimento da referida SV n. 31 é o seguinte: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS - sobre operações de locação de bens móveis.

Obviamente, o verbete é uma síntese do ponto de vista do STF. E esse posicionamento tornou-se cada vez mais claro ao longo dos anos, como se pode constatar nos processos AI 758.697 AgR/RJ, ARE 656.709 AgR/RS, AI 854.553 ED/MG, Rcl 14.290 AgR/DF, Rcl 28324/SC e RE 449.516 AgR/MG, dentre outros. Inclusive, em 2023, no julgamento da ADI 5.869/DF, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou que o fundamento da Súmula Vinculante n. 31 continua plenamente válido para o STF, apenas a ele se acrescendo, o que também é relevante para o presente caso, a visão de que a utilidade que é oferecida para outrem, e por outrem pretendida, é igualmente um norte relevante para a tributação ou não pelo ISS.

Para o tema aqui tratado, consolidou-se a compreensão no STF de que, na maioria das situações, tal imposto incide integralmente na operação, como ocorre sempre que houver uma atividade com natureza de cessão ou locação em conjunto, mas que se ache misturada com a prestação de serviços, com ela mista, indissociável. Entretanto, quando estiver apartada, com cobrança diferenciada, com objeto e discriminação claramente distintos, notadamente separando-a dos serviços, o ISS incide nestes, sem, no entanto, alcançar a locação ou cessão de coisas. Um exemplo disso, como será mostrado adiante, pode ocorrer quando o que se contrata é o local para o depósito necessário. Mas, em suma, quanto ao verbete da Súmula Vinculante n. 31, não importa se a atividade é de locação é de bens móveis ou imóveis, posto que nenhuma locação apartada é passível de incidência de ISS (STF: AI 854553 ED MG). Locação ou cessão remunerada é fato gerador de tributos da União, e não dos Municípios (RE 634.764/RJ).

Contudo, como dissemos, a regra geral é, sim, pela incidência de ISS, justamente porque na maioria das atividades a locação não se separa da prestação de serviços. E isso é o que está prescrito no item 20.01 da lista de serviços da Lei Complementar n. 116/2003 (norma geral do ISS), quando a regra faz menção à tributação de serviços portuários pelo ISS e, neles, inclui a armazenagem de qualquer natureza. O dispositivo legal aponta visivelmente para a maioria dos casos portuários, com atividades misturadas, mistas, nesse sentido, ou sem dissociação da locação ou cessão. A LC 116 também se refere a portos em geral, sem trazer para seu texto eventuais especificidades das realidades de alguns portos que também sejam recintos alfandegados, que demandam análise caso a caso.

Como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes, se, em uma dada atividade, a predominância for o oferecimento de uma utilidade prestacional (um serviço) e, como tal, buscado por outrem, como está nos itens da lista de serviços da lei complementar do ISS, nenhuma exceção há na tributação pelo ISS. É o que acontece com a cessão de espaços em cemitérios, totalmente atingida pelo ISS porque completamente misturada com serviços prestados, característicos de tais campos-santos, os quais, inclusive, são o objetivo principal buscado na contratação.

Porém, em um recinto alfandegado observa-se a busca pelo usuário essencialmente do espaço para estadia de coisas até o desembaraço aduaneiro. Tal busca, até mesmo, decorre de obrigação legal (Decreto-lei n. 37/66 e IN RFB n. 1.702/17). Trata-se do chamado depósito necessário, advindo, no caso, de imposição normativa. Ainda nesses casos, a exceção de não tributação pelo ISS somente se dá nas atividades com natureza de cessão ou locação e que estejam dissociadas dos serviços.

Desde 2012, nosso escritório percebeu essa exceção e desenvolveu fundamento jurídico atualmente adotado pelo STF. Resumidamente: há recintos alfandegados (portos, secos e de água) nos quais se mostrou perfeitamente possível a verificação de estarem distintas a prestação de serviços e a locação ou cessão de espaços para a estadia de mercadorias até o desembaraço aduaneiro. Para tais casos, em específico, a armazenagem é meramente uma alcunha, um apelido, posto que se trata fundamentalmente de uma locação. Posteriormente, a partir de 2019, nossa percepção foi bem recebida por outras bancas de renome em Brasília, atuando em parceria nos processos abaixo indicados.

Cabe ressaltar que, para o Direito Tributário, identifica-se o fato gerador do tributo examinando-se sua natureza jurídica, sendo irrelevante a denominação que lhe possa ser atribuída (vide, dentre outros, o artigo 4º, I, do Código Tributário Nacional, e artigo 1º, p. 4º, da Lei Complementar 116/03). Ou seja, os efeitos tributários devem ser somente apreciados à luz da natureza jurídica do fato gerador do tributo.

Nitidamente por isso é que se optou por se iniciar pela primeira instância judicial a discussão sobre a indevida cobrança de ISS em recintos alfandegados referida. Em verdade, teria sido possível escolher-se a elaboração de uma reclamação, diretamente ao STF, nos termos do par. 3º do artigo 103 da Constituição, uma vez que a temática em questão é atinente exclusivamente à violação da Súmula Vinculante n. 31. Mas, afastando-se de atalhos inadequados, priorizou-se a análise criteriosa do fato gerador, que somente pode ser feita pelo Poder Judiciário do local em que ocorre a atividade, principalmente pela primeira instância.

O exame pelas instâncias superiores, de Brasília, necessariamente e unicamente, deve corresponder à aplicação do direito sobre os fatos que foram destrinchados e depois consolidados pelas instâncias iniciais, porque o STJ e o STF partem dos fatos existentes no processo, não podendo desconsiderá-los. Numa síntese simplificada para o ISS do recinto alfandegado, pode-se dizer que o STJ deve observar se um dado caso concreto violou a LC 116/2003 ou outra lei federal e o STF deve verificar se houve contrariedade ao que a Constituição apresenta como competências do Município e da União, em caso de locação, verificando também a vulneração à sua Súmula Vinculante n. 31.

Os dois casos reais que merecem destaque, em final de março de 2024, data deste artigo, estão discutidos nos processos de nos 0715535-20.2012.8.04.0001 e 0715529-13.2012.8.04.0001, ambos iniciados em Manaus, na origem distribuídos para a 2ª Vara da Dívida Ativa Municipal de Manaus. Referem-se a recintos alfandegados (porto seco e fluvial), justamente nos quais a locação não está baralhada com os serviços, ao contrário, encontra-se totalmente dissociada, seja em sua identificação, seja em seu objeto ou mesmo em sua cobrança.

Em ambos os processos, observam-se até vinte e quatro atividades realizadas. Dessas, vinte e três têm a natureza de serviços e apenas uma possui a nítida natureza de locação, apesar de descrita como armazenagem: (1) amarração, (2) desamarração, (3) reboque, (4) verificação do ISPS code, (5) contratação de seguro, (6), inspeção não invasiva, (7) pesagem, (8) ovação, (9) desova, (10) transporte interno, (11) quebra de lacre, (12) colocação de lacre, (13) abertura de carga em contêineres, (14) fechamento de carga em contêineres, (15) handling in, (16) handling out, (17) separação de cargas, (18) registro de trânsito, (19) monitoramento de contêiner frigorificado, (20) controle de cartão magnético de pedágio, (21) colocação de adesivo IMO, (22) retirada de adesivo IMO e (23) fotografia de contêiner ou veículos, são os serviços distintos da locação e que, por isso, devem sofrer a natural incidência do ISS, como de fato sofrem; porém a (24) “armazenagem”, especificamente nos referidos portos, tem a clara natureza de cessão remunerada de espaço para estadia de mercadorias em contêineres até o desembaraço aduaneiro, ou seja, locação de espaço.

No caso, a locação ou “armazenagem” praticada por referidos portos recebeu criteriosa análise pela primeira instância e pelo Tribunal de Justiça do Amazonas. Os casos sofreram um total de dez avaliações por referidos juízos – um deles com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) pedido de suspensão da segurança e (4) apelação; outro, com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) embargos de declaração, (4) outros embargos de declaração, (5) pedido de suspensão da segurança e (6) apelação.

Em todas essas dez avaliações o resultado foi o mesmo, demonstrando a fortaleza da construção jurídica e do Direito aplicável: A “armazenagem” dos casos concretos não correspondia à armazenagem descrita na LC 116/03, mas, de fato, tinha a natureza jurídica de locação de espaços, distinta dos serviços.

Como aqui mencionado, tais processos tiveram seu início em 2012, sendo que hoje (03/2024) se encontram em andamento. Se não sofrerem qualquer ocorrência incomum, encerrar-se-ão somente no STF, uma vez que foram calcados exclusivamente na Constituição e na SV n. 31 do STF.

Um dos casos, obviamente, teve o recurso do Município com seguimento negado pelo STJ, tramitando ainda um recurso da municipalidade. No outro, com as vênias necessárias, o digno Ministro Relator parece não ter observado que não estava diante da armazenagem portuária descrita na LC 116/2003. Em verdade, o caso que lhe chegara às mãos adveio com o fato concreto provado, por isso indiscutível no STJ: a respectiva atividade era efetivamente uma locação de espaços, perfeitamente apartada em tudo, inclusive em seu objeto, em sua descrição e em sua cobrança – este caso, logicamente, também está tramitando nesta data com recursos do porto, já admitidos e a serem julgados.

Aliás, o próprio Município de Manaus pareceu reconhecer a evidência fática, posto que as razões originais de seus recursos ao STJ e STF foram incomumente sucintas, uma com seis laudas, outra com apenas cinco, respectivamente, aparentando estar apenas cumprindo o dever legal de recorrer.

Mas, independentemente do seguimento dos dois processos, até mesmo se houver desistência deles, o ponto principal já ocorreu: a atividade concreta já recebeu análise do Poder Judiciário competente, que unanimemente reconheceu o afastamento do ISS da parte correspondente à locação de espaços nos recintos alfandegados, independentemente de tal locação ser denominada por armazenagem. É isso que pode ser aproveitável por todos os portos, desde que estejam em igualdade de condições.

Com a plena vigência da reforma tributária, o ISS deixará de existir, deixando o porto de discuti-lo, daí a constatação de este ser o momento para pleitear judicialmente a recuperação do ISS pago a maior nos últimos cinco anos, além de se reduzir de forma relevante a carga tributária atual do recinto alfandegado, excluindo o ISS mensal incidente sobre a armazenagem que tenha as características aqui descritas. Não poderíamos nos calar diante disso, pois, como bem ensinou o Mestre Jesus, “ninguém acende uma candeia para pô-la debaixo do alqueire; põe-na, ao contrário, sobre o candeeiro, a fim de que ilumine a todos os que estão na casa” (Mateus, 5: 15).

À medida que se aproxima a regulamentação da Reforma Tributária, aumenta o risco da perda de um direito importante para os chamados recintos alfandegados: o ressarcimento de ISS recolhido indevidamente.

Referimo-nos ao ISS que diversos recintos alfandegados, portos secos ou aquáticos, recolhem sobre uma dada atividade, apelidada por “armazenagem”.

Desde logo destacamos o suporte doutrinário principal para o tema, qual seja, os trabalhos do saudoso professor Aires Fernandino Barreto – o autor mais citado até hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), estudos que contribuíram para que o STF aprovasse a Súmula Vinculante (SV) n. 31, em 04/02/2010.

Súmula Vinculante compreende o posicionamento uniforme e sem contrapontos que o STF constrói sobre uma determinada matéria, a partir de diversos precedentes no mesmo sentido (RE 455613 AgR, RE 553223 AgR, RE 465456 AgR, RE 450120 AgR, RE 446003 AgR, AI 543317 AgR, AI 551336 AgR, AI 546588 AgR, RE 116121, para o caso), convicção que, necessariamente, deve ser acatada por toda a Administração Fazendária e por todo o Poder Judiciário, nos termos do artigo 103-A da Constituição.

O verbete que resume o entendimento da referida SV n. 31 é o seguinte: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS - sobre operações de locação de bens móveis.

Obviamente, o verbete é uma síntese do ponto de vista do STF. E esse posicionamento tornou-se cada vez mais claro ao longo dos anos, como se pode constatar nos processos AI 758.697 AgR/RJ, ARE 656.709 AgR/RS, AI 854.553 ED/MG, Rcl 14.290 AgR/DF, Rcl 28324/SC e RE 449.516 AgR/MG, dentre outros. Inclusive, em 2023, no julgamento da ADI 5.869/DF, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou que o fundamento da Súmula Vinculante n. 31 continua plenamente válido para o STF, apenas a ele se acrescendo, o que também é relevante para o presente caso, a visão de que a utilidade que é oferecida para outrem, e por outrem pretendida, é igualmente um norte relevante para a tributação ou não pelo ISS.

Para o tema aqui tratado, consolidou-se a compreensão no STF de que, na maioria das situações, tal imposto incide integralmente na operação, como ocorre sempre que houver uma atividade com natureza de cessão ou locação em conjunto, mas que se ache misturada com a prestação de serviços, com ela mista, indissociável. Entretanto, quando estiver apartada, com cobrança diferenciada, com objeto e discriminação claramente distintos, notadamente separando-a dos serviços, o ISS incide nestes, sem, no entanto, alcançar a locação ou cessão de coisas. Um exemplo disso, como será mostrado adiante, pode ocorrer quando o que se contrata é o local para o depósito necessário. Mas, em suma, quanto ao verbete da Súmula Vinculante n. 31, não importa se a atividade é de locação é de bens móveis ou imóveis, posto que nenhuma locação apartada é passível de incidência de ISS (STF: AI 854553 ED MG). Locação ou cessão remunerada é fato gerador de tributos da União, e não dos Municípios (RE 634.764/RJ).

Contudo, como dissemos, a regra geral é, sim, pela incidência de ISS, justamente porque na maioria das atividades a locação não se separa da prestação de serviços. E isso é o que está prescrito no item 20.01 da lista de serviços da Lei Complementar n. 116/2003 (norma geral do ISS), quando a regra faz menção à tributação de serviços portuários pelo ISS e, neles, inclui a armazenagem de qualquer natureza. O dispositivo legal aponta visivelmente para a maioria dos casos portuários, com atividades misturadas, mistas, nesse sentido, ou sem dissociação da locação ou cessão. A LC 116 também se refere a portos em geral, sem trazer para seu texto eventuais especificidades das realidades de alguns portos que também sejam recintos alfandegados, que demandam análise caso a caso.

Como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes, se, em uma dada atividade, a predominância for o oferecimento de uma utilidade prestacional (um serviço) e, como tal, buscado por outrem, como está nos itens da lista de serviços da lei complementar do ISS, nenhuma exceção há na tributação pelo ISS. É o que acontece com a cessão de espaços em cemitérios, totalmente atingida pelo ISS porque completamente misturada com serviços prestados, característicos de tais campos-santos, os quais, inclusive, são o objetivo principal buscado na contratação.

Porém, em um recinto alfandegado observa-se a busca pelo usuário essencialmente do espaço para estadia de coisas até o desembaraço aduaneiro. Tal busca, até mesmo, decorre de obrigação legal (Decreto-lei n. 37/66 e IN RFB n. 1.702/17). Trata-se do chamado depósito necessário, advindo, no caso, de imposição normativa. Ainda nesses casos, a exceção de não tributação pelo ISS somente se dá nas atividades com natureza de cessão ou locação e que estejam dissociadas dos serviços.

Desde 2012, nosso escritório percebeu essa exceção e desenvolveu fundamento jurídico atualmente adotado pelo STF. Resumidamente: há recintos alfandegados (portos, secos e de água) nos quais se mostrou perfeitamente possível a verificação de estarem distintas a prestação de serviços e a locação ou cessão de espaços para a estadia de mercadorias até o desembaraço aduaneiro. Para tais casos, em específico, a armazenagem é meramente uma alcunha, um apelido, posto que se trata fundamentalmente de uma locação. Posteriormente, a partir de 2019, nossa percepção foi bem recebida por outras bancas de renome em Brasília, atuando em parceria nos processos abaixo indicados.

Cabe ressaltar que, para o Direito Tributário, identifica-se o fato gerador do tributo examinando-se sua natureza jurídica, sendo irrelevante a denominação que lhe possa ser atribuída (vide, dentre outros, o artigo 4º, I, do Código Tributário Nacional, e artigo 1º, p. 4º, da Lei Complementar 116/03). Ou seja, os efeitos tributários devem ser somente apreciados à luz da natureza jurídica do fato gerador do tributo.

Nitidamente por isso é que se optou por se iniciar pela primeira instância judicial a discussão sobre a indevida cobrança de ISS em recintos alfandegados referida. Em verdade, teria sido possível escolher-se a elaboração de uma reclamação, diretamente ao STF, nos termos do par. 3º do artigo 103 da Constituição, uma vez que a temática em questão é atinente exclusivamente à violação da Súmula Vinculante n. 31. Mas, afastando-se de atalhos inadequados, priorizou-se a análise criteriosa do fato gerador, que somente pode ser feita pelo Poder Judiciário do local em que ocorre a atividade, principalmente pela primeira instância.

O exame pelas instâncias superiores, de Brasília, necessariamente e unicamente, deve corresponder à aplicação do direito sobre os fatos que foram destrinchados e depois consolidados pelas instâncias iniciais, porque o STJ e o STF partem dos fatos existentes no processo, não podendo desconsiderá-los. Numa síntese simplificada para o ISS do recinto alfandegado, pode-se dizer que o STJ deve observar se um dado caso concreto violou a LC 116/2003 ou outra lei federal e o STF deve verificar se houve contrariedade ao que a Constituição apresenta como competências do Município e da União, em caso de locação, verificando também a vulneração à sua Súmula Vinculante n. 31.

Os dois casos reais que merecem destaque, em final de março de 2024, data deste artigo, estão discutidos nos processos de nos 0715535-20.2012.8.04.0001 e 0715529-13.2012.8.04.0001, ambos iniciados em Manaus, na origem distribuídos para a 2ª Vara da Dívida Ativa Municipal de Manaus. Referem-se a recintos alfandegados (porto seco e fluvial), justamente nos quais a locação não está baralhada com os serviços, ao contrário, encontra-se totalmente dissociada, seja em sua identificação, seja em seu objeto ou mesmo em sua cobrança.

Em ambos os processos, observam-se até vinte e quatro atividades realizadas. Dessas, vinte e três têm a natureza de serviços e apenas uma possui a nítida natureza de locação, apesar de descrita como armazenagem: (1) amarração, (2) desamarração, (3) reboque, (4) verificação do ISPS code, (5) contratação de seguro, (6), inspeção não invasiva, (7) pesagem, (8) ovação, (9) desova, (10) transporte interno, (11) quebra de lacre, (12) colocação de lacre, (13) abertura de carga em contêineres, (14) fechamento de carga em contêineres, (15) handling in, (16) handling out, (17) separação de cargas, (18) registro de trânsito, (19) monitoramento de contêiner frigorificado, (20) controle de cartão magnético de pedágio, (21) colocação de adesivo IMO, (22) retirada de adesivo IMO e (23) fotografia de contêiner ou veículos, são os serviços distintos da locação e que, por isso, devem sofrer a natural incidência do ISS, como de fato sofrem; porém a (24) “armazenagem”, especificamente nos referidos portos, tem a clara natureza de cessão remunerada de espaço para estadia de mercadorias em contêineres até o desembaraço aduaneiro, ou seja, locação de espaço.

No caso, a locação ou “armazenagem” praticada por referidos portos recebeu criteriosa análise pela primeira instância e pelo Tribunal de Justiça do Amazonas. Os casos sofreram um total de dez avaliações por referidos juízos – um deles com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) pedido de suspensão da segurança e (4) apelação; outro, com análise em (1) liminar, (2) agravo, (3) embargos de declaração, (4) outros embargos de declaração, (5) pedido de suspensão da segurança e (6) apelação.

Em todas essas dez avaliações o resultado foi o mesmo, demonstrando a fortaleza da construção jurídica e do Direito aplicável: A “armazenagem” dos casos concretos não correspondia à armazenagem descrita na LC 116/03, mas, de fato, tinha a natureza jurídica de locação de espaços, distinta dos serviços.

Como aqui mencionado, tais processos tiveram seu início em 2012, sendo que hoje (03/2024) se encontram em andamento. Se não sofrerem qualquer ocorrência incomum, encerrar-se-ão somente no STF, uma vez que foram calcados exclusivamente na Constituição e na SV n. 31 do STF.

Um dos casos, obviamente, teve o recurso do Município com seguimento negado pelo STJ, tramitando ainda um recurso da municipalidade. No outro, com as vênias necessárias, o digno Ministro Relator parece não ter observado que não estava diante da armazenagem portuária descrita na LC 116/2003. Em verdade, o caso que lhe chegara às mãos adveio com o fato concreto provado, por isso indiscutível no STJ: a respectiva atividade era efetivamente uma locação de espaços, perfeitamente apartada em tudo, inclusive em seu objeto, em sua descrição e em sua cobrança – este caso, logicamente, também está tramitando nesta data com recursos do porto, já admitidos e a serem julgados.

Aliás, o próprio Município de Manaus pareceu reconhecer a evidência fática, posto que as razões originais de seus recursos ao STJ e STF foram incomumente sucintas, uma com seis laudas, outra com apenas cinco, respectivamente, aparentando estar apenas cumprindo o dever legal de recorrer.

Mas, independentemente do seguimento dos dois processos, até mesmo se houver desistência deles, o ponto principal já ocorreu: a atividade concreta já recebeu análise do Poder Judiciário competente, que unanimemente reconheceu o afastamento do ISS da parte correspondente à locação de espaços nos recintos alfandegados, independentemente de tal locação ser denominada por armazenagem. É isso que pode ser aproveitável por todos os portos, desde que estejam em igualdade de condições.

Com a plena vigência da reforma tributária, o ISS deixará de existir, deixando o porto de discuti-lo, daí a constatação de este ser o momento para pleitear judicialmente a recuperação do ISS pago a maior nos últimos cinco anos, além de se reduzir de forma relevante a carga tributária atual do recinto alfandegado, excluindo o ISS mensal incidente sobre a armazenagem que tenha as características aqui descritas. Não poderíamos nos calar diante disso, pois, como bem ensinou o Mestre Jesus, “ninguém acende uma candeia para pô-la debaixo do alqueire; põe-na, ao contrário, sobre o candeeiro, a fim de que ilumine a todos os que estão na casa” (Mateus, 5: 15).

Opinião por Nicolau A. Haddad Neto
Robinson Vieira

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