A Transparência Internacional no Brasil, ONG dedicada ao combate à corrupção, foi arrastada para o centro de uma investigação sobre a gestão da multa do acordo de leniência da J&F.
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou investigar se a entidade se apropriou indevidamente de parte dos recursos.
A ONG nega ter recebido valores do acordo, direta ou indiretamente. A informação também foi desmentida, em 2020, pela subprocuradora Samantha Dobrowolski, que foi coordenadora da extinta comissão montada no MPF para assessoramento de acordos de leniência e colaboração premiada.
A ONG assinou, em 2018, um memorando com o Ministério Público Federal (MPF) e com a própria J&F para ajudar na gestão e na execução da parcela da multa (R$ 2,3 bilhões) reservada para investimentos em projetos sociais.
O documento, anexado ao acordo de leniência, exalta a “notória experiência” da Transparência Internacional nas áreas de governança, transparência e anticorrupção e prevê que a ONG apoiará o “desenho e estruturação do sistema de governança do desembolso dos recursos” que seriam dedicados aos projetos sociais.
O trabalho foi desenvolvido voluntariamente, ou seja, a Transparência Internacional não recebeu pelo aconselhamento. Uma das razões foi justamente evitar conflito de interesses, segundo informa o memorando.
“A TI se absterá de pleitear recursos do investimento social provenientes do acordo de leniência durante todo o período em que estiver apoiando a iniciativa das partes que o celebraram, devendo observar as mais estritas regras de transparência administrativa e de prevenção de conflitos de interesses, segundo as melhores práticas internacionais”, diz uma das cláusulas do documento.
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Coube à Transparência Internacional sugerir diretrizes à J&F para os investimentos. As recomendações vão desde princípios que deveriam guiar a escolha dos projetos, como transparência, diversidade e legitimidade social, até orientações práticas para a elaboração dos editais de fomento.
Para Toffoli, o problema é que a colaboração da ONG não passou pelo crivo do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas de União (TCU).
“Segundo apontam as cláusulas do acordo, ao invés da destinação dos recursos, a rigor do Tesouro Nacional, ser orientada pelas normas legais e orçamentárias, destinava-se a uma instituição privada, ainda mais alienígena e com sede em Berlim”, afirmou o ministro na decisão que mandou abrir a investigação.
A decisão vem uma semana após Toffoli ter sido citado em uma pesquisa da Transparência Internacional sobre percepção da corrupção. O balanço critica o ministro por anular provas do acordo de leniência de Odebrecht.
A participação da Transparência Internacional no acordo da J&F só foi possível porque a ONG já mantinha, desde 2014, uma parceria com o Ministério Público Federal. A aproximação aconteceu na gestão do então procurador-geral da República Rodrigo Janot, que formalizou a colaboração em um memorando de entendimento assinado em dezembro daquele ano.
O documento previa que a entidade iria “colaborar e celebrar convênios com atores governamentais que demonstrem compromissos com a integridade através de seus políticas e procedimentos internos e atividades externas”.
O pedido para investigar a relação entre o MPF e a Transparência Internacional partiu do deputado federal Rui Falcão (PT-SP). A ação foi proposta em fevereiro de 2021, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas foi remetida ao Supremo pelo ministro Humberto Martins.
COM A PALAVRA, A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL
São falsas as informações de que valores recuperados através de acordos de leniência seriam recebidos ou gerenciados pela organização.
A Transparência Internacional jamais recebeu ou receberia, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil. A organização tampouco teria – e jamais pleiteou – qualquer papel de gestão de tais recursos. Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a Transparência Internacional – Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de “recursos compensatórios” (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção. O relatório incluía recomendação de que o Ministério Público não deveria ter envolvimento na gestão destes recursos. O estudo e as recomendações não tiveram e não têm qualquer caráter vinculante ou decisório. O Memorando de Entendimento que estabeleceu esta cooperação expirou em dezembro de 2019 e não foi renovado, encerrando qualquer participação da Transparência Internacional.
Tais alegações já foram desmentidas diversas vezes pela própria Transparência Internacional e por autoridades brasileiras, inclusive pelo Ministério Público Federal. Apesar disso, estas fake news vêm sendo utilizadas há quase cinco anos em graves e crescentes campanhas de difamação e assédio à organização.
Reações hostis ao trabalho anticorrupção da Transparência Internacional são cada vez mais graves e comuns, em diversas partes do mundo. Ataques às vozes críticas na sociedade, que denunciam a corrupção e a impunidade de poderosos, não podem ser naturalizados.
Seguiremos cumprindo nosso papel na promoção da transparência e da integridade no Brasil e no mundo.