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‘Não existia alternativa de deixar de fazer’, diz perito sobre ordens de Alexandre de Moraes ao TSE


Embora negue ter vazado diálogos com juízes auxiliares do ministro do STF, o perito Eduardo Tagliaferro teme ir para a cadeia; em entrevista ao Estadão, ele relata sua rotina no setor de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral e conta que ‘a direita era mais investigada’; Moraes foi procurado, mas não atendeu aos pedidos da reportagem

Por Rayssa Motta e Fausto Macedo
Atualização:
Foto: @edutagliaferro via Instagram
Entrevista comEduardo TagliaferroPerito computacional e ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE

Ex-assessor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde chefiou o serviço de combate à desinformação nas eleições de 2022, o perito computacional Eduardo Tagliaferro foi o pivô do pedido de investigação aberto sobre o vazamento de mensagens de auxiliares do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Em entrevista por e-mail ao Estadão, ele afirma que teme ser preso. Por ordem do ministro, o perito teve o celular apreendido na última quinta, 22, quando prestou depoimento à Polícia Federal e negou envolvimento na divulgação das conversas.

“Não faz sentido algum atrapalhar as investigações. Tenho interesse que os responsáveis pelo vazamento do meu telefone e a sua consequente inutilização sejam identificados e responsabilizados. Mas, apesar disso tudo, tenho medo sim”, admite.

Ouça conversas entre o juiz auxiliar do gabinete de Moraes, Airton Vieira, e o perito Eduardo Tagliaferro:

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Eduardo Tagliaferro conta que, no período em que trabalhou no TSE, entre agosto de 2022 e maio de 2023, produziu inúmeros relatórios a pedido do gabinete de Moraes e que a maioria envolvia nomes ligados à direita. A orientação do ministro, afirma, era “cumprir as suas ordens com celeridade e conteúdo robusto”. “Não existia alternativa de dizer não ou deixar de fazer o que era mandado.”

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A reportagem tentou falar com o ministro Alexandre de Moraes, mas ainda não obteve resposta. O espaço segue aberto.

Leia também

Francisco Leali: Moraes põe PF para caçar vazador de mensagens; quem vai apurar o conteúdo delas?

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O celular do perito ficou seis dias em posse da Polícia Civil de São Paulo, em maio de 2023, quando ele foi preso em flagrante em uma ocorrência de violência doméstica. Os investigadores buscam descobrir se alguém acessou o telefone no período.

O boletim de ocorrência afirma que o celular foi “devidamente desligado nesta delegacia, isto visando preservar seu conteúdo”. Em seguida, o ofício informa o número do lacre usado para guardar o aparelho.

O lacre só pode ser rompido por pessoas autorizadas. É uma garantia de que o material ou objeto apreendido não foi manipulado nem substituído. Ocorre que, segundo o perito, o celular foi entregue, no dia 15 de maio de 2023, “sem respeito ao procedimento de deslacre”, ou seja, sem a garantia de que ficou indevassável. “Me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho durante os seis dias”, afirma o perito ao Estadão.

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Não se sabe ao certo o destino do celular. O perito alega que, ao receber de volta o telefone, percebeu que o aparelho estava travando e que apresentava problemas na bateria e, por isso, foi inutilizado e descartado no lixo. “O telefone foi diagnosticado com placa lógica danificada. O custo de reparo foi impeditivo em um raciocínio custo-benefício.”

Policiais civis ouvidos reservadamente pela reportagem - porque não estão autorizados a se manifestar sobre o caso - afirmam que o vazamento de mensagens do celular de Tagliaferro não ocorreu na Polícia de São Paulo. Os agentes também rebateram a versão de que um delegado da Seccional de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, teria ordenado a entrega do telefone para que fosse enviado ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, como afirma o perito.

Leia a entrevista na íntegra:

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Quem o senhor acredita que pode ter vazado as mensagens?

Posso afirmar que não tenho relação alguma com as informações retiradas de meu aparelho que ficou ilegalmente apreendido por seis dias. Caberá a investigação apurar e reconhecer a minha inocência. Espero que os responsáveis por mexer em meu celular sejam responsabilizados.

O senhor acha que tem como reunir provas de que não vazou as conversas, dado o tempo que passou desde a ocorrência?

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A absoluta estranheza desde a apreensão em uma delegacia completamente diversa dos fatos inicias, sua forma desvinculada a qualquer decisão judicial, sua devolução sem respeito ao procedimento de deslacre na minha presença, uma certidão que demonstra que o conteúdo foi acessado e o fato de estar corrompido e impedir a migração dele para o aparelho novo não são mais do que suficientes? Me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho durante os seis dias.

Por que jogou o celular fora?

Quando verifiquei que estava com problemas, que não existiam até a apreensão, levei para uma assistência técnica. O telefone foi diagnosticado com placa lógica danificada. O custo de reparo foi impeditivo em um raciocínio custo-benefício, ainda mais considerando que já havia adquirido um novo aparelho, mais moderno inclusive.

O perito computacional Eduardo Tagliaferro ao lado do ministro Alexandre de Moraes. Foto: @edutagliaferro via Instagram

O ministro Alexandre de Moraes falou diretamente com o senhor? Sobre alguma demanda específica? O senhor se reunia com ele?

Estive com ele em situações institucionais. Ele é muito reservado e meu cargo não dava alçada para procurá-lo diretamente. Nossa comunicação era feita por meio de outras pessoas diretamente ligadas a ele e que me repassavam as demandas pessoais e institucionais do ministro.

O senhor considera que houve pedidos indevidos do gabinete do ministro?

Não sou técnico para responder essa questão. Estava no TSE, as eleições foram um loucura. A carga de trabalho absurda e havia uma chuva de demandas vindas de muitas pessoas. Muitas vezes tinha a sensação de que alguns pedidos não eram ligados às eleições ou com questões do TSE sim. Questionei meus superiores e me foi explicado que estava tudo certo, não havia problema nenhum e que era para seguir apenas fazendo o meu trabalho. Não questionei e busquei fazer o meu melhor, sem maiores ponderações.

Espero que eles realmente estejam certos e não cometido nenhuma ilegalidade sendo induzido a erro. Se, eventualmente fiz algo errado, espero ter a oportunidade de me desculpar. Nunca quis prejudicar ninguém e apenas executei o meu trabalho orientado por eles.

Sua exoneração o indignou? O ministro errou?

Não vejo relação com o ocorrido na minha casa com meu trabalho. De toda forma, acredito que a mesma pessoa que me nomeou pode me exonerar. Era um cargo de confiança e não concursado.

Como o senhor conheceu o ministro?

Sou conhecido pelo meu trabalho junto ao Judiciário. Meu trabalho foi indicado por outros membros do Judiciário.

O senhor se sentia pressionado?

Como falei era uma chuva de demandas. Pessoas poderosas, midiáticas. Claro que isso me deixava apreensivo, mas dado que eram ordem do ministro e, como respeito muito ele, fazia o melhor para atender totalmente a demanda.

Qual era a orientação do ministro?

Cumprir as suas ordens com celeridade e conteúdo robusto. Não existia alternativa de dizer não ou deixar de fazer o que era mandado. Várias vezes trabalhávamos de fim de semana, precisávamos voltar em emergência para trabalho presencial em Brasília.

Se reunia com os juízes auxiliares do ministro? O que eles queriam?

Sim. Queriam cumprir as determinações do ministro. Eles também eram muito pressionados.

Quantos relatórios o senhor produziu?

Inúmeros. Não consigo nem precisar.

Havia um direcionamento de suas pesquisas sobre bolsonaristas?

Posso afirmar que a direita foi mais investigada sim. Poucas e raras as pessoas de esquerda para quem recebi demandas de investigações. Isso é estatístico. Basta olhar meus relatórios e a quantidade de perfis e contas que bloqueamos no curso das eleições.

O senhor está com medo? Por quê?

Tenho alguns receios sim. Considerando a explicação do meu advogado, Dr Eduardo Kuntz, esse inquérito nem deveria existir da forma como foi feito. Ele me explicou que o Regimento Interno do STF prevê que inquéritos devem ser iniciados apenas pelo ministro-presidente, que deveria ter passado pelo cartório distribuidor e ser sorteado. Na visão dele, ao ministro Alexandre fazer ele mesmo a abertura, e me colocar em uma situação de desconfiança, pode ter como consequência até mesmo uma determinação de prisão. Seria muito constrangedor porque não fiz nada de errado. Espero sinceramente que isso não aconteça.

Por que não quis entregar espontaneamente o seu celular no depoimento à PF na quinta-feira?

Veja, eu permiti que o Dr Peixe, delegado, tivesse acesso total e irrestrito. Quando ele disse que queria ficar com meu telefone o Dr Kuntz interferiu e disse que em hipótese alguma permitiria isso. Estávamos diante de um caso que foi iniciado justamente por conta de uma apreensão ilegal, sem ordem judicial e ele não permitiria isso. Ele fez questão de que fizesse contar em meu depoimento que o telefone poderia sim ser entregue, mas mediante ordem judicial expressa. Fomos intimados para prestar esclarecimentos e não para entregar documentos ou arquivos eletrônicos. Ficamos das 9h às 18h na delegacia. Claramente fomos “enrolados” para que fosse possível chegar a ordem judicial com base no pedido de outra delegada que nem estava acompanhando a oitiva.

No depoimento, o senhor disse que deixou o celular com seu compadre para alguma eventualidade, como pagar contas da família, porque tinha aplicativos bancários instalados. Afirmou ainda que tirou a senha do aparelho porque o Celso, seu compadre, não tinha onde anotar nada naquela situação. Mas esses aplicativos de banco também não exigem senha?

Sim, mas estas senhas a minha esposa possuía. A ideia era ele levar para ela. Tanto é que no primeiro momento foi abordado na minha casa e depois conduzido de viatura para a delegacia.

O senhor é perito computacional. Por que levou o celular para um técnico analisar antes de jogar fora? O senhor não poderia ter feito isso?

Minha especialização é perícia, análise de dados. As falhas que estavam sendo apresentadas eram técnicas relacionadas ao funcionamento do aparelho.É como se eu fosse um motorista de carro e precisasse de um mecânico. Sei dirigir mas não sei consertar.

Teme que possa ser preso?

Como falei, o Dr Kuntz tem essa preocupação. Ele defende outras pessoas em casos conduzidos pelo ministro Alexandre e alguns de seus clientes já passaram um temporada presos, mesmo sem a concordância da Procuradoria-Geral da República. Caso isso aconteça, na visão dele, seria mais uma oportunidade em que, infelizmente, o ministro demonstraria que se afasta ao respeito das leis e da história de compromisso do Supremo com as garantias constitucionais.

Compareci quando fui chamado, dei todos os esclarecimentos, tenho residência fixa, trabalho com perícias para diversos tribunais do País, não faz sentido algum atrapalhar as investigações. Tenho interesse que os responsáveis pelo vazamento do meu telefone e a sua consequente inutilização sejam identificados e responsabilizados. Mas, apesar disso tudo, tenho medo sim.

Ex-assessor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde chefiou o serviço de combate à desinformação nas eleições de 2022, o perito computacional Eduardo Tagliaferro foi o pivô do pedido de investigação aberto sobre o vazamento de mensagens de auxiliares do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Em entrevista por e-mail ao Estadão, ele afirma que teme ser preso. Por ordem do ministro, o perito teve o celular apreendido na última quinta, 22, quando prestou depoimento à Polícia Federal e negou envolvimento na divulgação das conversas.

“Não faz sentido algum atrapalhar as investigações. Tenho interesse que os responsáveis pelo vazamento do meu telefone e a sua consequente inutilização sejam identificados e responsabilizados. Mas, apesar disso tudo, tenho medo sim”, admite.

Ouça conversas entre o juiz auxiliar do gabinete de Moraes, Airton Vieira, e o perito Eduardo Tagliaferro:

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Eduardo Tagliaferro conta que, no período em que trabalhou no TSE, entre agosto de 2022 e maio de 2023, produziu inúmeros relatórios a pedido do gabinete de Moraes e que a maioria envolvia nomes ligados à direita. A orientação do ministro, afirma, era “cumprir as suas ordens com celeridade e conteúdo robusto”. “Não existia alternativa de dizer não ou deixar de fazer o que era mandado.”

A reportagem tentou falar com o ministro Alexandre de Moraes, mas ainda não obteve resposta. O espaço segue aberto.

Leia também

Francisco Leali: Moraes põe PF para caçar vazador de mensagens; quem vai apurar o conteúdo delas?

O celular do perito ficou seis dias em posse da Polícia Civil de São Paulo, em maio de 2023, quando ele foi preso em flagrante em uma ocorrência de violência doméstica. Os investigadores buscam descobrir se alguém acessou o telefone no período.

O boletim de ocorrência afirma que o celular foi “devidamente desligado nesta delegacia, isto visando preservar seu conteúdo”. Em seguida, o ofício informa o número do lacre usado para guardar o aparelho.

O lacre só pode ser rompido por pessoas autorizadas. É uma garantia de que o material ou objeto apreendido não foi manipulado nem substituído. Ocorre que, segundo o perito, o celular foi entregue, no dia 15 de maio de 2023, “sem respeito ao procedimento de deslacre”, ou seja, sem a garantia de que ficou indevassável. “Me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho durante os seis dias”, afirma o perito ao Estadão.

Não se sabe ao certo o destino do celular. O perito alega que, ao receber de volta o telefone, percebeu que o aparelho estava travando e que apresentava problemas na bateria e, por isso, foi inutilizado e descartado no lixo. “O telefone foi diagnosticado com placa lógica danificada. O custo de reparo foi impeditivo em um raciocínio custo-benefício.”

Policiais civis ouvidos reservadamente pela reportagem - porque não estão autorizados a se manifestar sobre o caso - afirmam que o vazamento de mensagens do celular de Tagliaferro não ocorreu na Polícia de São Paulo. Os agentes também rebateram a versão de que um delegado da Seccional de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, teria ordenado a entrega do telefone para que fosse enviado ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, como afirma o perito.

Leia a entrevista na íntegra:

Quem o senhor acredita que pode ter vazado as mensagens?

Posso afirmar que não tenho relação alguma com as informações retiradas de meu aparelho que ficou ilegalmente apreendido por seis dias. Caberá a investigação apurar e reconhecer a minha inocência. Espero que os responsáveis por mexer em meu celular sejam responsabilizados.

O senhor acha que tem como reunir provas de que não vazou as conversas, dado o tempo que passou desde a ocorrência?

A absoluta estranheza desde a apreensão em uma delegacia completamente diversa dos fatos inicias, sua forma desvinculada a qualquer decisão judicial, sua devolução sem respeito ao procedimento de deslacre na minha presença, uma certidão que demonstra que o conteúdo foi acessado e o fato de estar corrompido e impedir a migração dele para o aparelho novo não são mais do que suficientes? Me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho durante os seis dias.

Por que jogou o celular fora?

Quando verifiquei que estava com problemas, que não existiam até a apreensão, levei para uma assistência técnica. O telefone foi diagnosticado com placa lógica danificada. O custo de reparo foi impeditivo em um raciocínio custo-benefício, ainda mais considerando que já havia adquirido um novo aparelho, mais moderno inclusive.

O perito computacional Eduardo Tagliaferro ao lado do ministro Alexandre de Moraes. Foto: @edutagliaferro via Instagram

O ministro Alexandre de Moraes falou diretamente com o senhor? Sobre alguma demanda específica? O senhor se reunia com ele?

Estive com ele em situações institucionais. Ele é muito reservado e meu cargo não dava alçada para procurá-lo diretamente. Nossa comunicação era feita por meio de outras pessoas diretamente ligadas a ele e que me repassavam as demandas pessoais e institucionais do ministro.

O senhor considera que houve pedidos indevidos do gabinete do ministro?

Não sou técnico para responder essa questão. Estava no TSE, as eleições foram um loucura. A carga de trabalho absurda e havia uma chuva de demandas vindas de muitas pessoas. Muitas vezes tinha a sensação de que alguns pedidos não eram ligados às eleições ou com questões do TSE sim. Questionei meus superiores e me foi explicado que estava tudo certo, não havia problema nenhum e que era para seguir apenas fazendo o meu trabalho. Não questionei e busquei fazer o meu melhor, sem maiores ponderações.

Espero que eles realmente estejam certos e não cometido nenhuma ilegalidade sendo induzido a erro. Se, eventualmente fiz algo errado, espero ter a oportunidade de me desculpar. Nunca quis prejudicar ninguém e apenas executei o meu trabalho orientado por eles.

Sua exoneração o indignou? O ministro errou?

Não vejo relação com o ocorrido na minha casa com meu trabalho. De toda forma, acredito que a mesma pessoa que me nomeou pode me exonerar. Era um cargo de confiança e não concursado.

Como o senhor conheceu o ministro?

Sou conhecido pelo meu trabalho junto ao Judiciário. Meu trabalho foi indicado por outros membros do Judiciário.

O senhor se sentia pressionado?

Como falei era uma chuva de demandas. Pessoas poderosas, midiáticas. Claro que isso me deixava apreensivo, mas dado que eram ordem do ministro e, como respeito muito ele, fazia o melhor para atender totalmente a demanda.

Qual era a orientação do ministro?

Cumprir as suas ordens com celeridade e conteúdo robusto. Não existia alternativa de dizer não ou deixar de fazer o que era mandado. Várias vezes trabalhávamos de fim de semana, precisávamos voltar em emergência para trabalho presencial em Brasília.

Se reunia com os juízes auxiliares do ministro? O que eles queriam?

Sim. Queriam cumprir as determinações do ministro. Eles também eram muito pressionados.

Quantos relatórios o senhor produziu?

Inúmeros. Não consigo nem precisar.

Havia um direcionamento de suas pesquisas sobre bolsonaristas?

Posso afirmar que a direita foi mais investigada sim. Poucas e raras as pessoas de esquerda para quem recebi demandas de investigações. Isso é estatístico. Basta olhar meus relatórios e a quantidade de perfis e contas que bloqueamos no curso das eleições.

O senhor está com medo? Por quê?

Tenho alguns receios sim. Considerando a explicação do meu advogado, Dr Eduardo Kuntz, esse inquérito nem deveria existir da forma como foi feito. Ele me explicou que o Regimento Interno do STF prevê que inquéritos devem ser iniciados apenas pelo ministro-presidente, que deveria ter passado pelo cartório distribuidor e ser sorteado. Na visão dele, ao ministro Alexandre fazer ele mesmo a abertura, e me colocar em uma situação de desconfiança, pode ter como consequência até mesmo uma determinação de prisão. Seria muito constrangedor porque não fiz nada de errado. Espero sinceramente que isso não aconteça.

Por que não quis entregar espontaneamente o seu celular no depoimento à PF na quinta-feira?

Veja, eu permiti que o Dr Peixe, delegado, tivesse acesso total e irrestrito. Quando ele disse que queria ficar com meu telefone o Dr Kuntz interferiu e disse que em hipótese alguma permitiria isso. Estávamos diante de um caso que foi iniciado justamente por conta de uma apreensão ilegal, sem ordem judicial e ele não permitiria isso. Ele fez questão de que fizesse contar em meu depoimento que o telefone poderia sim ser entregue, mas mediante ordem judicial expressa. Fomos intimados para prestar esclarecimentos e não para entregar documentos ou arquivos eletrônicos. Ficamos das 9h às 18h na delegacia. Claramente fomos “enrolados” para que fosse possível chegar a ordem judicial com base no pedido de outra delegada que nem estava acompanhando a oitiva.

No depoimento, o senhor disse que deixou o celular com seu compadre para alguma eventualidade, como pagar contas da família, porque tinha aplicativos bancários instalados. Afirmou ainda que tirou a senha do aparelho porque o Celso, seu compadre, não tinha onde anotar nada naquela situação. Mas esses aplicativos de banco também não exigem senha?

Sim, mas estas senhas a minha esposa possuía. A ideia era ele levar para ela. Tanto é que no primeiro momento foi abordado na minha casa e depois conduzido de viatura para a delegacia.

O senhor é perito computacional. Por que levou o celular para um técnico analisar antes de jogar fora? O senhor não poderia ter feito isso?

Minha especialização é perícia, análise de dados. As falhas que estavam sendo apresentadas eram técnicas relacionadas ao funcionamento do aparelho.É como se eu fosse um motorista de carro e precisasse de um mecânico. Sei dirigir mas não sei consertar.

Teme que possa ser preso?

Como falei, o Dr Kuntz tem essa preocupação. Ele defende outras pessoas em casos conduzidos pelo ministro Alexandre e alguns de seus clientes já passaram um temporada presos, mesmo sem a concordância da Procuradoria-Geral da República. Caso isso aconteça, na visão dele, seria mais uma oportunidade em que, infelizmente, o ministro demonstraria que se afasta ao respeito das leis e da história de compromisso do Supremo com as garantias constitucionais.

Compareci quando fui chamado, dei todos os esclarecimentos, tenho residência fixa, trabalho com perícias para diversos tribunais do País, não faz sentido algum atrapalhar as investigações. Tenho interesse que os responsáveis pelo vazamento do meu telefone e a sua consequente inutilização sejam identificados e responsabilizados. Mas, apesar disso tudo, tenho medo sim.

Ex-assessor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde chefiou o serviço de combate à desinformação nas eleições de 2022, o perito computacional Eduardo Tagliaferro foi o pivô do pedido de investigação aberto sobre o vazamento de mensagens de auxiliares do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Em entrevista por e-mail ao Estadão, ele afirma que teme ser preso. Por ordem do ministro, o perito teve o celular apreendido na última quinta, 22, quando prestou depoimento à Polícia Federal e negou envolvimento na divulgação das conversas.

“Não faz sentido algum atrapalhar as investigações. Tenho interesse que os responsáveis pelo vazamento do meu telefone e a sua consequente inutilização sejam identificados e responsabilizados. Mas, apesar disso tudo, tenho medo sim”, admite.

Ouça conversas entre o juiz auxiliar do gabinete de Moraes, Airton Vieira, e o perito Eduardo Tagliaferro:

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Eduardo Tagliaferro conta que, no período em que trabalhou no TSE, entre agosto de 2022 e maio de 2023, produziu inúmeros relatórios a pedido do gabinete de Moraes e que a maioria envolvia nomes ligados à direita. A orientação do ministro, afirma, era “cumprir as suas ordens com celeridade e conteúdo robusto”. “Não existia alternativa de dizer não ou deixar de fazer o que era mandado.”

A reportagem tentou falar com o ministro Alexandre de Moraes, mas ainda não obteve resposta. O espaço segue aberto.

Leia também

Francisco Leali: Moraes põe PF para caçar vazador de mensagens; quem vai apurar o conteúdo delas?

O celular do perito ficou seis dias em posse da Polícia Civil de São Paulo, em maio de 2023, quando ele foi preso em flagrante em uma ocorrência de violência doméstica. Os investigadores buscam descobrir se alguém acessou o telefone no período.

O boletim de ocorrência afirma que o celular foi “devidamente desligado nesta delegacia, isto visando preservar seu conteúdo”. Em seguida, o ofício informa o número do lacre usado para guardar o aparelho.

O lacre só pode ser rompido por pessoas autorizadas. É uma garantia de que o material ou objeto apreendido não foi manipulado nem substituído. Ocorre que, segundo o perito, o celular foi entregue, no dia 15 de maio de 2023, “sem respeito ao procedimento de deslacre”, ou seja, sem a garantia de que ficou indevassável. “Me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho durante os seis dias”, afirma o perito ao Estadão.

Não se sabe ao certo o destino do celular. O perito alega que, ao receber de volta o telefone, percebeu que o aparelho estava travando e que apresentava problemas na bateria e, por isso, foi inutilizado e descartado no lixo. “O telefone foi diagnosticado com placa lógica danificada. O custo de reparo foi impeditivo em um raciocínio custo-benefício.”

Policiais civis ouvidos reservadamente pela reportagem - porque não estão autorizados a se manifestar sobre o caso - afirmam que o vazamento de mensagens do celular de Tagliaferro não ocorreu na Polícia de São Paulo. Os agentes também rebateram a versão de que um delegado da Seccional de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, teria ordenado a entrega do telefone para que fosse enviado ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, como afirma o perito.

Leia a entrevista na íntegra:

Quem o senhor acredita que pode ter vazado as mensagens?

Posso afirmar que não tenho relação alguma com as informações retiradas de meu aparelho que ficou ilegalmente apreendido por seis dias. Caberá a investigação apurar e reconhecer a minha inocência. Espero que os responsáveis por mexer em meu celular sejam responsabilizados.

O senhor acha que tem como reunir provas de que não vazou as conversas, dado o tempo que passou desde a ocorrência?

A absoluta estranheza desde a apreensão em uma delegacia completamente diversa dos fatos inicias, sua forma desvinculada a qualquer decisão judicial, sua devolução sem respeito ao procedimento de deslacre na minha presença, uma certidão que demonstra que o conteúdo foi acessado e o fato de estar corrompido e impedir a migração dele para o aparelho novo não são mais do que suficientes? Me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho durante os seis dias.

Por que jogou o celular fora?

Quando verifiquei que estava com problemas, que não existiam até a apreensão, levei para uma assistência técnica. O telefone foi diagnosticado com placa lógica danificada. O custo de reparo foi impeditivo em um raciocínio custo-benefício, ainda mais considerando que já havia adquirido um novo aparelho, mais moderno inclusive.

O perito computacional Eduardo Tagliaferro ao lado do ministro Alexandre de Moraes. Foto: @edutagliaferro via Instagram

O ministro Alexandre de Moraes falou diretamente com o senhor? Sobre alguma demanda específica? O senhor se reunia com ele?

Estive com ele em situações institucionais. Ele é muito reservado e meu cargo não dava alçada para procurá-lo diretamente. Nossa comunicação era feita por meio de outras pessoas diretamente ligadas a ele e que me repassavam as demandas pessoais e institucionais do ministro.

O senhor considera que houve pedidos indevidos do gabinete do ministro?

Não sou técnico para responder essa questão. Estava no TSE, as eleições foram um loucura. A carga de trabalho absurda e havia uma chuva de demandas vindas de muitas pessoas. Muitas vezes tinha a sensação de que alguns pedidos não eram ligados às eleições ou com questões do TSE sim. Questionei meus superiores e me foi explicado que estava tudo certo, não havia problema nenhum e que era para seguir apenas fazendo o meu trabalho. Não questionei e busquei fazer o meu melhor, sem maiores ponderações.

Espero que eles realmente estejam certos e não cometido nenhuma ilegalidade sendo induzido a erro. Se, eventualmente fiz algo errado, espero ter a oportunidade de me desculpar. Nunca quis prejudicar ninguém e apenas executei o meu trabalho orientado por eles.

Sua exoneração o indignou? O ministro errou?

Não vejo relação com o ocorrido na minha casa com meu trabalho. De toda forma, acredito que a mesma pessoa que me nomeou pode me exonerar. Era um cargo de confiança e não concursado.

Como o senhor conheceu o ministro?

Sou conhecido pelo meu trabalho junto ao Judiciário. Meu trabalho foi indicado por outros membros do Judiciário.

O senhor se sentia pressionado?

Como falei era uma chuva de demandas. Pessoas poderosas, midiáticas. Claro que isso me deixava apreensivo, mas dado que eram ordem do ministro e, como respeito muito ele, fazia o melhor para atender totalmente a demanda.

Qual era a orientação do ministro?

Cumprir as suas ordens com celeridade e conteúdo robusto. Não existia alternativa de dizer não ou deixar de fazer o que era mandado. Várias vezes trabalhávamos de fim de semana, precisávamos voltar em emergência para trabalho presencial em Brasília.

Se reunia com os juízes auxiliares do ministro? O que eles queriam?

Sim. Queriam cumprir as determinações do ministro. Eles também eram muito pressionados.

Quantos relatórios o senhor produziu?

Inúmeros. Não consigo nem precisar.

Havia um direcionamento de suas pesquisas sobre bolsonaristas?

Posso afirmar que a direita foi mais investigada sim. Poucas e raras as pessoas de esquerda para quem recebi demandas de investigações. Isso é estatístico. Basta olhar meus relatórios e a quantidade de perfis e contas que bloqueamos no curso das eleições.

O senhor está com medo? Por quê?

Tenho alguns receios sim. Considerando a explicação do meu advogado, Dr Eduardo Kuntz, esse inquérito nem deveria existir da forma como foi feito. Ele me explicou que o Regimento Interno do STF prevê que inquéritos devem ser iniciados apenas pelo ministro-presidente, que deveria ter passado pelo cartório distribuidor e ser sorteado. Na visão dele, ao ministro Alexandre fazer ele mesmo a abertura, e me colocar em uma situação de desconfiança, pode ter como consequência até mesmo uma determinação de prisão. Seria muito constrangedor porque não fiz nada de errado. Espero sinceramente que isso não aconteça.

Por que não quis entregar espontaneamente o seu celular no depoimento à PF na quinta-feira?

Veja, eu permiti que o Dr Peixe, delegado, tivesse acesso total e irrestrito. Quando ele disse que queria ficar com meu telefone o Dr Kuntz interferiu e disse que em hipótese alguma permitiria isso. Estávamos diante de um caso que foi iniciado justamente por conta de uma apreensão ilegal, sem ordem judicial e ele não permitiria isso. Ele fez questão de que fizesse contar em meu depoimento que o telefone poderia sim ser entregue, mas mediante ordem judicial expressa. Fomos intimados para prestar esclarecimentos e não para entregar documentos ou arquivos eletrônicos. Ficamos das 9h às 18h na delegacia. Claramente fomos “enrolados” para que fosse possível chegar a ordem judicial com base no pedido de outra delegada que nem estava acompanhando a oitiva.

No depoimento, o senhor disse que deixou o celular com seu compadre para alguma eventualidade, como pagar contas da família, porque tinha aplicativos bancários instalados. Afirmou ainda que tirou a senha do aparelho porque o Celso, seu compadre, não tinha onde anotar nada naquela situação. Mas esses aplicativos de banco também não exigem senha?

Sim, mas estas senhas a minha esposa possuía. A ideia era ele levar para ela. Tanto é que no primeiro momento foi abordado na minha casa e depois conduzido de viatura para a delegacia.

O senhor é perito computacional. Por que levou o celular para um técnico analisar antes de jogar fora? O senhor não poderia ter feito isso?

Minha especialização é perícia, análise de dados. As falhas que estavam sendo apresentadas eram técnicas relacionadas ao funcionamento do aparelho.É como se eu fosse um motorista de carro e precisasse de um mecânico. Sei dirigir mas não sei consertar.

Teme que possa ser preso?

Como falei, o Dr Kuntz tem essa preocupação. Ele defende outras pessoas em casos conduzidos pelo ministro Alexandre e alguns de seus clientes já passaram um temporada presos, mesmo sem a concordância da Procuradoria-Geral da República. Caso isso aconteça, na visão dele, seria mais uma oportunidade em que, infelizmente, o ministro demonstraria que se afasta ao respeito das leis e da história de compromisso do Supremo com as garantias constitucionais.

Compareci quando fui chamado, dei todos os esclarecimentos, tenho residência fixa, trabalho com perícias para diversos tribunais do País, não faz sentido algum atrapalhar as investigações. Tenho interesse que os responsáveis pelo vazamento do meu telefone e a sua consequente inutilização sejam identificados e responsabilizados. Mas, apesar disso tudo, tenho medo sim.

Entrevista por Rayssa Motta

Repórter do 'Estadão' em São Paulo. Cobre Judiciário e Política. É jornalista formada pela Uerj e mestranda em Ciência Política na USP.

Fausto Macedo

É repórter de Política do jornal O Estado de S. Paulo

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