No ano passado, durante o fórum econômico mundial (WEF) em Davos, mais de 60 corporações globais anunciaram a divulgação de 21 métricas relacionadas ao universo de sustentabilidade, impacto ambiental e governança - o proverbial ESG (do inglês environmental, sustainability and governance) - da emissão de gases do efeito estufa até indicadores de diversidade, passando pela quantidade de impostos pagos.
Entre os destaques estão Nestlé, Mastercard e Unilever. O tema da conferência foi "The Big Reset" e não é de se espantar que um volume tão grande de líderes de mercado esteja adotando estratégias sólidas e ambiciosas acerca do tema. Com o crescimento do movimento para combater injustiças sociais e raciais mundo afora e o combate às mudanças climáticas em voga ganhando momentum com a eleição de Joe Biden nos EUA, a conjuntura de transformação organizacional se fortalece a passos largos*.
Com todos os fatores apontando para uma "tempestade perfeita", o que mais contribuiu para o boom de políticas e estratégias para a ESG veio da mudança dos hábitos de consumo. Os prosumers, como são chamados os jovens consumidores atentos das gerações millenial e Z, são particularmente afeitos à ideia de que "seu dinheiro vale um voto" e desejam comprar de marcas transparentes, com as quais identificam seus valores e ideais, transportando essa mesma lógica para suas escolhas de alocação de capital.
No Brasil, em particular, o espantoso crescimento de investidores pessoa-física na B3 (aproximadamente dobrando em quantidade ano a ano desde 2019), turbinado pelos juros baixos e boas oportunidades de papéis descontados e IPOs da nova economia, representa um novo equilíbrio na balança de poder que determina o preço de mercado justo para uma ação. Em profunda pesquisa realizada pelo Templo.cc ao longo de 2020 para um banco digital de investimentos, estima-se a entrada de cerca de 30 milhões de investidores de média-renda neste mercado até 2025.
Nunca foi tão relevante a célebre frase de Salmon Sinek no TED mais visto de todos os tempos para líderes empresariais: "as pessoas compram porque você faz e não o que você faz". Passados 20 anos da busca por um propósito corporativo, o mercado amadureceu. Já não basta ter um propósito e valores comuns com seu público-alvo: uma estratégia e cultura voltadas para os temas caros a estes consumidores-investidores é essencial. Mostrar na prática a capacidade de gerar impacto positivo e transparência na condução da gestão se tornaram condições sine qua non para o crescimento das projeções de ganhos futuros e, consequentemente, do valor de mercado de qualquer empresa.
O poder das pessoas físicas na bolsa de valores foi demonstrado no início do ano pelo episódio sui generis da alta de até 1700% de ações como GameStop, AMC e Blockbuster nos EUA, coordenada a partir de um fórum online com mais de 2 milhões de investidores no Reddit . No Brasil, algo similar ocorreu em menor escala com as ações da IRB-BR, que chegaram a subir mais de 15% em poucas horas a partir de uma compra coordenada do mesmo tipo.
Ainda que a motivação aqui não tenha partido de causas ambientais ou sociais, a demonstração é apenas o início do que parece ser um movimento mais robusto de "pessoas comuns" alterando o equilíbrio dos mercados. No Brasil, o movimento engatinha a cada centena de milhares de cidadãos ingressando no universo dos ativos de renda variável.
Gestoras e corretoras como a Modal, Warren, JGP e XP Investimentos embarcaram na onda, criando fundos exclusivos e produtos para investidores que buscam oportunidades com perfil de responsabilidade social ou ambiental excepcional. Bancos digitais de nicho começam a despontar no segmento e a mais diversa sorte de Fintechs aproveitam a nova regulamentação de open-banking para oferecer serviços integrados, que visam oferecer transparência ao novo investidor sobre as políticas sociais e ambientais praticadas em modelo de negócios BaaS (Banking as a service). Robô-Advisors apostam no novo ecossistema, automatizando a curadoria de investimentos a partir do uso de algoritmos de inteligência artificial para atrair os mais antenados.
Vivemos o crepúsculo de uma nova era de investimentos no Brasil e ao redor do mundo, muito além de uma moda passageira. Como é costumeiro no caso das inovações disruptivas (em tecnologias digitais mas também nas sociais), o nicho de investimentos ESG vai se tornando cada vez mais um mercado de massa, rompendo barreiras geográficas e sociais. Mesmo que a motivação de fundos e corporações possa ser questionada ou taxada de greenwashing e social washing, quem se beneficia em última instância é o planeta, o combate à desigualdade e a economia brasileira.
Esta última vive à deriva sem um projeto claro para vencer a dependência das commodities para exportação e se modernizar. Eis aqui uma enorme janela de oportunidade que se abre para uma nova matriz econômica moderna, verde, socialmente mais sustentável e diversa. O cenário está estabelecido. O boom de ESG pode contribuir para um standard de accountability global e, com isso, liberar enormes investimentos que estão represados em poupanças familiares, além de estabelecer incentivos fortes o suficiente para promover uma transição de prioridades nas grandes empresas. Cabe a cada empreendedor, gestor e investidor tomar partido e "surfar na onda", gerando valor compartilhado para a sociedade e lucro para si, ou lamentar-se pela oportunidade perdida para se reinventar.
*Herman Bessler, CEO do grupo TEMPLO.CC
A lista completa de objetivos sugeridos para ESG pelo fórum econômico mundial está disponível na íntegra no relatório desenvolvido pela instituição.