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‘Eu não sei o que eles estavam fazendo lá’, diz advogada sobre reunião com Bolsonaro e Ramagem


Juliana Bierrenbach, que defendeu senador Flávio Bolsonaro na investigação sobre ‘rachadinha’, declarou ao Estadão que ficou ‘espantada’ quando, em agosto de 2020, encontrou o então presidente e o diretor-geral da Abin em uma sala do Gabinete de Segurança Institucional para definir estratégia de barrar apuração da Receita sobre o filho 01 de Bolsonaro

Por Pepita Ortega
Atualização:
Foto: Reprodução/Instagram @juliana.bierrenbach
Entrevista comJuliana BierrenbachAdvogada

Arrastada para o olho do furação após a divulgação de áudio apreendido na Operação Última Milha - que mira a ‘Abin Paralela’ -, a advogada Juliana Bierrenbach afirmou ao Estadão nesta quarta-feira, 17, que “não sabe” o que o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem “estavam fazendo” na reunião ocorrida em agosto de 2020, no Palácio do Planalto, para tratar do inquérito sobre ‘rachadinhas’ no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

A advogada diz que só ficou sabendo da presença de Bolsonaro e Ramagem no encontro “na hora que abriu a porta da sala”. O então presidente, relata Juliana, estava em frente a um quadro de Cândido Portinari. Na época, a Receita e promotores de Justiça estavam o fechando o cerco ao filho 01 de Bolsonaro, após a prisão de um ex-assessor dele, Fabrício Queiroz. Bolsonaro estava preocupado e empenhado em abafar a investigação, segundo suspeita a Polícia Federal.

Juliana afirma que a reunião seria somente com o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional. A advogada narra que foi “informada” por sua ex-sócia - Luciana Pires - que deveria ir a Brasília para protocolar, junto ao GSI, um pedido de apuração especial sobre a conduta dos auditores da Receita que trabalharam no Relatório de Inteligência Financeira que colocou Flávio Bolsonaro na mira dos investigadores.

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A reunião foi gravada por Ramagem e o áudio divulgado nesta segunda, 15, no bojo da Operação Última Milha. A gravação, de uma hora e oito minutos, revela que Ramagem orientou as advogadas sobre o órgão para o qual deveria ser levada a petição questionando os auditores fiscais.

Juliana diz que é “absolutamente impossível” chegar a uma resposta do porquê Bolsonaro estava na reunião. “Eu achei que fosse conversar com o Heleno. O que eu imagino: ‘Elas duas são advogadas do meu filho e vão conversar com o meu ministro palaciano, e tem a sala aqui do lado. Então, fala aqui comigo’. É o que eu acho que pode ter acontecido. Não consigo saber porque que eles estariam ali”, disse.

A advogada sustenta que sua proposta era levar o pedido de apuração especial direto para a Receita e não para o GSI. Ela narra ter discordado do caminho sugerido por sua então sócia, de acionar o general Heleno, vê eventual “impropriedade” em levar o caso ao militar e explica o fundamento para tal estratégia - a própria lei que rege o GSI.

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A advogada Juliana Bierrenbach Foto: Reprodução/Instagram @juliana.bierrenbach

“A lei que trata do Gabinete de Segurança Institucional prevê uma espécie de proteção para a família do presidente da República, para qualquer presidente da República. A fundamentação da peça que eu levei falava sobre isso, o fato de ele (Flávio) ser filho do presidente e estar sendo atacado”, afirma Juliana.

O áudio da reunião mostra que Ramagem barrou o encaminhamento do caso ao GSI, prevendo uma possível “crucificação” de Heleno, e sugeriu o acionamento da Receita. Em seguida, o ex-presidente propôs uma “conversa” com o então chefe do Fisco, José Barroso Tostes Neto. No dia seguinte à reunião no Planalto, as advogadas de Flávio se encontraram com Tostes.

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Juliana relatou como foram os encontros com o então chefe da Receita. “Na primeira reunião, ele disse que era um direito, a apuração especial (sobre a conduta dos auditores). Falou que não havia nenhum problema, que em uma semana eu voltasse para pegar. Eu voltei e ai ele disse que não, que não era assim, que isso era demorado. Um mês depois ele manda um ofício negando acesso. Depois o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) negou também. Aí a gente impetrou um habeas data - recurso judicial para obter informações - e apresentou uma notícia de fato ao Ministério Público”, narrou.

A advogada diz que é “triste” estar em meio ao imbróglio e pondera que a gravação e o vazamento da reunião são “um grande problema para a advocacia de um modo geral”. “Para mim é indiferente (o vazamento de sua conversa). Mas acho que a advocacia perde muito com esse tipo de invasão, de uma reunião entre duas advogadas e, bem ou mal, a gente está falando com o pai do cliente”, explica.

Leia a seguir a íntegra da entrevista:

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Quem convocou a reunião?

Eu fui informada pela minha ex-sócia que eu deveria ir a Brasília para protocolar o pedido em relação à apuração especial do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) no GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Como eu sou a pessoa que fez a pesquisa, a investigação, seria bom que eu fosse para protocolar com o general Heleno (Augusto Heleno, então chefe do GSI). Eu só soube que (a reunião) não seria apenas com o general Heleno na hora que abriu a porta da sala.

O general Heleno seria a única pessoa que vocês acreditavam que iria participar da reunião?

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Exatamente. Eu fiz primeiro uma peça para a Receita Federal e aí ela (Luciana) me disse que deveria ser protocolado no GSI e não na Receita. Durante a reunião, foi determinado que não seria feito dessa forma.

Como foi a reunião?

A gente ficou esperando. Eu sei que no final da tarde disseram: ‘olha, o general vai receber a gente’. Ai eu fui com a minha ex-sócia até o Palácio Planalto e nós fomos conduzidas à sala que eu imaginei que fosse do general Heleno e era do presidente.

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A sra ficou surpresa?

Era o presidente, eu não tinha a menor ideia. Na verdade eu fiquei surpresa tanto com a presença do presidente quanto do (Alexandre) Ramagem (então diretor da Abin). Eu achei que fosse o general Heleno. Eu achei que fosse com o general e com o assessor dele. Não tinha ideia que haveria mais gente.

E como foi a reunião com o Tostes depois?

A gente fez o pedido de apuração especial pro Serpro, para saber se houve acesso aos dados do Flávio Bolsonaro com a senha que não deixa rastro. Isso foi negado e não houve recurso. Em seguida, pedimos ao Serpro. Tudo formalmente.

Na primeira reunião com o Tostes ele disse que era um direito a apuração especial. É importante vocês saberem o seguinte: a apuração especial é um direito de qualquer cidadão. Qualquer pessoa pode fazer esse pedido, especialmente agora com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).Você pode pedir acesso, como cidadão, tem direito de saber quem acessou os seus dados que estão no banco de dados do Estado. Isso não é um pedido absurdo, por conta de algum privilégio. Esse é o nome que se dá para esse procedimento dentro da Receita. Várias outras pessoas já fizeram esse pedido, a maioria é negada e acaba sendo atendida desde que só pela via judicial.

Ele (o Tostes) falou que não havia nenhum problema, que em uma semana eu voltasse para pegar a apuração especial. Uma semana depois eu voltei e aí ele disse que não era assim, que isso era demorado. não sei o quê. Acho que um mês depois ele manda um ofício negando acesso. Ele nega o acesso, depois o Serpro nega também. Aí a gente impetrou um habeas data e apresentou notícia de fato ao Ministério Público.

A sra teve outro contato com o presidente ou o Ramagem posteriormente?

Só essa. O Ramagem uma vez esbarrei em um congresso, em um corredor, nem me lembro. Mas só o vi.

No relatório da PF são mencionados diálogos de dois policiais da Abin Paralela sobre ações clandestinas envolvendo os auditores da Receita. A sra recebeu algum desses levantamentos?

Nem estou sabendo do que se trata. Vi agora rumores disso. Não faço a menor ideia do que se trata. Isso foi feito depois da reunião, né?

Ninguém precisaria pedir informações sobre essa pessoa porque eu tinha as informações geradas em procedimento público. Não sei porque isso foi feito.

A sra não sabia que estava gravada, certo? Foi uma surpresa? Isso chateou a senhora?

Não, eu não fiquei. Eu não falo nada, seja em ambiente público ou privado, que não possa passar no Jornal Nacional. Então, para mim, é indiferente. Eu acho que é um grande problema para a advocacia de um modo geral. Acho que a advocacia perde muito com esse tipo de invasão, de uma reunião entre duas advogadas e, bem ou mal, a gente está falando com o pai do cliente.

Sobre a participação do presidente ao encontro o fato é que ele é pai do cliente (Flávio) e existe essa extensão natural na advocacia.Quando você fala com o pai do cliente é como se estivesse falando com o cliente, na advocacia criminal. Você fala muito com a família do cliente, isso é uma coisa normal de acontecer.

Então, quando há o vazamento de uma conversa dessa, apesar de que para mim é um indiferente absoluto, para a advocacia é um horror. E, consequentemente, para a democracia também. Vazar a reunião entre um advogado e o familiar de um cliente é muito muito ruim para a advocacia.

A sra não viu desvio por parte de nenhum deles?

Eu achei que fosse conversar com o Heleno. O que eu imagino: ‘Elas duas são advogadas do meu filho e vão conversar com o meu ministro palaciano, e tem a sala aqui do lado. Então fala aqui comigo’. É o que eu acho que pode ter acontecido. Não consigo saber por que eles estavam ali. Eu entendo que todo mundo queira me perguntar. Mas para mim é absolutamente impossível chegar a essa resposta, do porque ele (Bolsonaro) estava lá. Qualquer coisa que eu disser, eu estou fazendo uma elocubração.

A sra não achou estranho a reunião ser realizada no Palácio?

Não, porque o GSI é lá. O (general) Heleno trabalhava lá.

Eu fiquei espantada quando eu vi (Bolsonaro). É claro, eu estou indo encontrar um ministro (general Heleno) e ai acabo encontrando o presidente da República e o chefe da Abin. Eu fiquei espantada quando eu os vi. Agora, eu não sei o que eles estavam fazendo lá. Eles trabalhavam muito próximos. Eu percebi isso bem depois, por conta das gravações do 8 de Janeiro. Aí eu percebi o quão próxima é a sala do presidente da sala do GSI. Eles trabalhavam muito próximos, então, não consigo ver isso como uma ilegalidade.

O que pode ser questionado é: por que o GSI? Por que foi determinado que se protocolaria no GSI? Eu acho que deveria ter sido na Receita, inicialmente, mas por que a reunião foi no GSI? Por que o pedido de outras pessoas, de modo geral, não poderiam ser protocolados no GSI? O GSI prevê uma espécie de proteção para a família do presidente da República, para qualquer presidente da República, o GSI cuida da segurança institucional. A fundamentação da peça que eu levei para lá falava sobre isso, o fato de ele (Flávio) ser filho do presidente e estar sendo atacado.

Isso é a fundamentação da lei. A lei dá essa possibilidade. E por isso nós íamos fazer o protocolo lá no GSI. É o que me foi passado. Eu teria protocolado isso diretamente na Receita Federal e não no Ministério Público ou judicialmente primeiro porque várias outras pessoas já tinham feito esse mesmo caminho em outros casos. Eu achava que era preciso primeiro esgotar a esfera administrativa para depois ir para a esfera judicial. Foi justamente isso que foi feito.

O Flávio, até onde eu sei, não consguiu nem judicialmente acesso a esses dados.

Eventualmente houve uma impropriedade em mandar aquilo para o GSI. Aquilo precisa ser investigado. É muito triste pra mim estar nessa situação desse caso.

Houve retorno do MP?

Até onde eu fui não tinha dado em nada.

Arrastada para o olho do furação após a divulgação de áudio apreendido na Operação Última Milha - que mira a ‘Abin Paralela’ -, a advogada Juliana Bierrenbach afirmou ao Estadão nesta quarta-feira, 17, que “não sabe” o que o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem “estavam fazendo” na reunião ocorrida em agosto de 2020, no Palácio do Planalto, para tratar do inquérito sobre ‘rachadinhas’ no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

A advogada diz que só ficou sabendo da presença de Bolsonaro e Ramagem no encontro “na hora que abriu a porta da sala”. O então presidente, relata Juliana, estava em frente a um quadro de Cândido Portinari. Na época, a Receita e promotores de Justiça estavam o fechando o cerco ao filho 01 de Bolsonaro, após a prisão de um ex-assessor dele, Fabrício Queiroz. Bolsonaro estava preocupado e empenhado em abafar a investigação, segundo suspeita a Polícia Federal.

Juliana afirma que a reunião seria somente com o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional. A advogada narra que foi “informada” por sua ex-sócia - Luciana Pires - que deveria ir a Brasília para protocolar, junto ao GSI, um pedido de apuração especial sobre a conduta dos auditores da Receita que trabalharam no Relatório de Inteligência Financeira que colocou Flávio Bolsonaro na mira dos investigadores.

A reunião foi gravada por Ramagem e o áudio divulgado nesta segunda, 15, no bojo da Operação Última Milha. A gravação, de uma hora e oito minutos, revela que Ramagem orientou as advogadas sobre o órgão para o qual deveria ser levada a petição questionando os auditores fiscais.

Juliana diz que é “absolutamente impossível” chegar a uma resposta do porquê Bolsonaro estava na reunião. “Eu achei que fosse conversar com o Heleno. O que eu imagino: ‘Elas duas são advogadas do meu filho e vão conversar com o meu ministro palaciano, e tem a sala aqui do lado. Então, fala aqui comigo’. É o que eu acho que pode ter acontecido. Não consigo saber porque que eles estariam ali”, disse.

A advogada sustenta que sua proposta era levar o pedido de apuração especial direto para a Receita e não para o GSI. Ela narra ter discordado do caminho sugerido por sua então sócia, de acionar o general Heleno, vê eventual “impropriedade” em levar o caso ao militar e explica o fundamento para tal estratégia - a própria lei que rege o GSI.

A advogada Juliana Bierrenbach Foto: Reprodução/Instagram @juliana.bierrenbach

“A lei que trata do Gabinete de Segurança Institucional prevê uma espécie de proteção para a família do presidente da República, para qualquer presidente da República. A fundamentação da peça que eu levei falava sobre isso, o fato de ele (Flávio) ser filho do presidente e estar sendo atacado”, afirma Juliana.

O áudio da reunião mostra que Ramagem barrou o encaminhamento do caso ao GSI, prevendo uma possível “crucificação” de Heleno, e sugeriu o acionamento da Receita. Em seguida, o ex-presidente propôs uma “conversa” com o então chefe do Fisco, José Barroso Tostes Neto. No dia seguinte à reunião no Planalto, as advogadas de Flávio se encontraram com Tostes.

Juliana relatou como foram os encontros com o então chefe da Receita. “Na primeira reunião, ele disse que era um direito, a apuração especial (sobre a conduta dos auditores). Falou que não havia nenhum problema, que em uma semana eu voltasse para pegar. Eu voltei e ai ele disse que não, que não era assim, que isso era demorado. Um mês depois ele manda um ofício negando acesso. Depois o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) negou também. Aí a gente impetrou um habeas data - recurso judicial para obter informações - e apresentou uma notícia de fato ao Ministério Público”, narrou.

A advogada diz que é “triste” estar em meio ao imbróglio e pondera que a gravação e o vazamento da reunião são “um grande problema para a advocacia de um modo geral”. “Para mim é indiferente (o vazamento de sua conversa). Mas acho que a advocacia perde muito com esse tipo de invasão, de uma reunião entre duas advogadas e, bem ou mal, a gente está falando com o pai do cliente”, explica.

Leia a seguir a íntegra da entrevista:

Quem convocou a reunião?

Eu fui informada pela minha ex-sócia que eu deveria ir a Brasília para protocolar o pedido em relação à apuração especial do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) no GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Como eu sou a pessoa que fez a pesquisa, a investigação, seria bom que eu fosse para protocolar com o general Heleno (Augusto Heleno, então chefe do GSI). Eu só soube que (a reunião) não seria apenas com o general Heleno na hora que abriu a porta da sala.

O general Heleno seria a única pessoa que vocês acreditavam que iria participar da reunião?

Exatamente. Eu fiz primeiro uma peça para a Receita Federal e aí ela (Luciana) me disse que deveria ser protocolado no GSI e não na Receita. Durante a reunião, foi determinado que não seria feito dessa forma.

Como foi a reunião?

A gente ficou esperando. Eu sei que no final da tarde disseram: ‘olha, o general vai receber a gente’. Ai eu fui com a minha ex-sócia até o Palácio Planalto e nós fomos conduzidas à sala que eu imaginei que fosse do general Heleno e era do presidente.

A sra ficou surpresa?

Era o presidente, eu não tinha a menor ideia. Na verdade eu fiquei surpresa tanto com a presença do presidente quanto do (Alexandre) Ramagem (então diretor da Abin). Eu achei que fosse o general Heleno. Eu achei que fosse com o general e com o assessor dele. Não tinha ideia que haveria mais gente.

E como foi a reunião com o Tostes depois?

A gente fez o pedido de apuração especial pro Serpro, para saber se houve acesso aos dados do Flávio Bolsonaro com a senha que não deixa rastro. Isso foi negado e não houve recurso. Em seguida, pedimos ao Serpro. Tudo formalmente.

Na primeira reunião com o Tostes ele disse que era um direito a apuração especial. É importante vocês saberem o seguinte: a apuração especial é um direito de qualquer cidadão. Qualquer pessoa pode fazer esse pedido, especialmente agora com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).Você pode pedir acesso, como cidadão, tem direito de saber quem acessou os seus dados que estão no banco de dados do Estado. Isso não é um pedido absurdo, por conta de algum privilégio. Esse é o nome que se dá para esse procedimento dentro da Receita. Várias outras pessoas já fizeram esse pedido, a maioria é negada e acaba sendo atendida desde que só pela via judicial.

Ele (o Tostes) falou que não havia nenhum problema, que em uma semana eu voltasse para pegar a apuração especial. Uma semana depois eu voltei e aí ele disse que não era assim, que isso era demorado. não sei o quê. Acho que um mês depois ele manda um ofício negando acesso. Ele nega o acesso, depois o Serpro nega também. Aí a gente impetrou um habeas data e apresentou notícia de fato ao Ministério Público.

A sra teve outro contato com o presidente ou o Ramagem posteriormente?

Só essa. O Ramagem uma vez esbarrei em um congresso, em um corredor, nem me lembro. Mas só o vi.

No relatório da PF são mencionados diálogos de dois policiais da Abin Paralela sobre ações clandestinas envolvendo os auditores da Receita. A sra recebeu algum desses levantamentos?

Nem estou sabendo do que se trata. Vi agora rumores disso. Não faço a menor ideia do que se trata. Isso foi feito depois da reunião, né?

Ninguém precisaria pedir informações sobre essa pessoa porque eu tinha as informações geradas em procedimento público. Não sei porque isso foi feito.

A sra não sabia que estava gravada, certo? Foi uma surpresa? Isso chateou a senhora?

Não, eu não fiquei. Eu não falo nada, seja em ambiente público ou privado, que não possa passar no Jornal Nacional. Então, para mim, é indiferente. Eu acho que é um grande problema para a advocacia de um modo geral. Acho que a advocacia perde muito com esse tipo de invasão, de uma reunião entre duas advogadas e, bem ou mal, a gente está falando com o pai do cliente.

Sobre a participação do presidente ao encontro o fato é que ele é pai do cliente (Flávio) e existe essa extensão natural na advocacia.Quando você fala com o pai do cliente é como se estivesse falando com o cliente, na advocacia criminal. Você fala muito com a família do cliente, isso é uma coisa normal de acontecer.

Então, quando há o vazamento de uma conversa dessa, apesar de que para mim é um indiferente absoluto, para a advocacia é um horror. E, consequentemente, para a democracia também. Vazar a reunião entre um advogado e o familiar de um cliente é muito muito ruim para a advocacia.

A sra não viu desvio por parte de nenhum deles?

Eu achei que fosse conversar com o Heleno. O que eu imagino: ‘Elas duas são advogadas do meu filho e vão conversar com o meu ministro palaciano, e tem a sala aqui do lado. Então fala aqui comigo’. É o que eu acho que pode ter acontecido. Não consigo saber por que eles estavam ali. Eu entendo que todo mundo queira me perguntar. Mas para mim é absolutamente impossível chegar a essa resposta, do porque ele (Bolsonaro) estava lá. Qualquer coisa que eu disser, eu estou fazendo uma elocubração.

A sra não achou estranho a reunião ser realizada no Palácio?

Não, porque o GSI é lá. O (general) Heleno trabalhava lá.

Eu fiquei espantada quando eu vi (Bolsonaro). É claro, eu estou indo encontrar um ministro (general Heleno) e ai acabo encontrando o presidente da República e o chefe da Abin. Eu fiquei espantada quando eu os vi. Agora, eu não sei o que eles estavam fazendo lá. Eles trabalhavam muito próximos. Eu percebi isso bem depois, por conta das gravações do 8 de Janeiro. Aí eu percebi o quão próxima é a sala do presidente da sala do GSI. Eles trabalhavam muito próximos, então, não consigo ver isso como uma ilegalidade.

O que pode ser questionado é: por que o GSI? Por que foi determinado que se protocolaria no GSI? Eu acho que deveria ter sido na Receita, inicialmente, mas por que a reunião foi no GSI? Por que o pedido de outras pessoas, de modo geral, não poderiam ser protocolados no GSI? O GSI prevê uma espécie de proteção para a família do presidente da República, para qualquer presidente da República, o GSI cuida da segurança institucional. A fundamentação da peça que eu levei para lá falava sobre isso, o fato de ele (Flávio) ser filho do presidente e estar sendo atacado.

Isso é a fundamentação da lei. A lei dá essa possibilidade. E por isso nós íamos fazer o protocolo lá no GSI. É o que me foi passado. Eu teria protocolado isso diretamente na Receita Federal e não no Ministério Público ou judicialmente primeiro porque várias outras pessoas já tinham feito esse mesmo caminho em outros casos. Eu achava que era preciso primeiro esgotar a esfera administrativa para depois ir para a esfera judicial. Foi justamente isso que foi feito.

O Flávio, até onde eu sei, não consguiu nem judicialmente acesso a esses dados.

Eventualmente houve uma impropriedade em mandar aquilo para o GSI. Aquilo precisa ser investigado. É muito triste pra mim estar nessa situação desse caso.

Houve retorno do MP?

Até onde eu fui não tinha dado em nada.

Arrastada para o olho do furação após a divulgação de áudio apreendido na Operação Última Milha - que mira a ‘Abin Paralela’ -, a advogada Juliana Bierrenbach afirmou ao Estadão nesta quarta-feira, 17, que “não sabe” o que o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem “estavam fazendo” na reunião ocorrida em agosto de 2020, no Palácio do Planalto, para tratar do inquérito sobre ‘rachadinhas’ no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

A advogada diz que só ficou sabendo da presença de Bolsonaro e Ramagem no encontro “na hora que abriu a porta da sala”. O então presidente, relata Juliana, estava em frente a um quadro de Cândido Portinari. Na época, a Receita e promotores de Justiça estavam o fechando o cerco ao filho 01 de Bolsonaro, após a prisão de um ex-assessor dele, Fabrício Queiroz. Bolsonaro estava preocupado e empenhado em abafar a investigação, segundo suspeita a Polícia Federal.

Juliana afirma que a reunião seria somente com o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional. A advogada narra que foi “informada” por sua ex-sócia - Luciana Pires - que deveria ir a Brasília para protocolar, junto ao GSI, um pedido de apuração especial sobre a conduta dos auditores da Receita que trabalharam no Relatório de Inteligência Financeira que colocou Flávio Bolsonaro na mira dos investigadores.

A reunião foi gravada por Ramagem e o áudio divulgado nesta segunda, 15, no bojo da Operação Última Milha. A gravação, de uma hora e oito minutos, revela que Ramagem orientou as advogadas sobre o órgão para o qual deveria ser levada a petição questionando os auditores fiscais.

Juliana diz que é “absolutamente impossível” chegar a uma resposta do porquê Bolsonaro estava na reunião. “Eu achei que fosse conversar com o Heleno. O que eu imagino: ‘Elas duas são advogadas do meu filho e vão conversar com o meu ministro palaciano, e tem a sala aqui do lado. Então, fala aqui comigo’. É o que eu acho que pode ter acontecido. Não consigo saber porque que eles estariam ali”, disse.

A advogada sustenta que sua proposta era levar o pedido de apuração especial direto para a Receita e não para o GSI. Ela narra ter discordado do caminho sugerido por sua então sócia, de acionar o general Heleno, vê eventual “impropriedade” em levar o caso ao militar e explica o fundamento para tal estratégia - a própria lei que rege o GSI.

A advogada Juliana Bierrenbach Foto: Reprodução/Instagram @juliana.bierrenbach

“A lei que trata do Gabinete de Segurança Institucional prevê uma espécie de proteção para a família do presidente da República, para qualquer presidente da República. A fundamentação da peça que eu levei falava sobre isso, o fato de ele (Flávio) ser filho do presidente e estar sendo atacado”, afirma Juliana.

O áudio da reunião mostra que Ramagem barrou o encaminhamento do caso ao GSI, prevendo uma possível “crucificação” de Heleno, e sugeriu o acionamento da Receita. Em seguida, o ex-presidente propôs uma “conversa” com o então chefe do Fisco, José Barroso Tostes Neto. No dia seguinte à reunião no Planalto, as advogadas de Flávio se encontraram com Tostes.

Juliana relatou como foram os encontros com o então chefe da Receita. “Na primeira reunião, ele disse que era um direito, a apuração especial (sobre a conduta dos auditores). Falou que não havia nenhum problema, que em uma semana eu voltasse para pegar. Eu voltei e ai ele disse que não, que não era assim, que isso era demorado. Um mês depois ele manda um ofício negando acesso. Depois o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) negou também. Aí a gente impetrou um habeas data - recurso judicial para obter informações - e apresentou uma notícia de fato ao Ministério Público”, narrou.

A advogada diz que é “triste” estar em meio ao imbróglio e pondera que a gravação e o vazamento da reunião são “um grande problema para a advocacia de um modo geral”. “Para mim é indiferente (o vazamento de sua conversa). Mas acho que a advocacia perde muito com esse tipo de invasão, de uma reunião entre duas advogadas e, bem ou mal, a gente está falando com o pai do cliente”, explica.

Leia a seguir a íntegra da entrevista:

Quem convocou a reunião?

Eu fui informada pela minha ex-sócia que eu deveria ir a Brasília para protocolar o pedido em relação à apuração especial do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) no GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Como eu sou a pessoa que fez a pesquisa, a investigação, seria bom que eu fosse para protocolar com o general Heleno (Augusto Heleno, então chefe do GSI). Eu só soube que (a reunião) não seria apenas com o general Heleno na hora que abriu a porta da sala.

O general Heleno seria a única pessoa que vocês acreditavam que iria participar da reunião?

Exatamente. Eu fiz primeiro uma peça para a Receita Federal e aí ela (Luciana) me disse que deveria ser protocolado no GSI e não na Receita. Durante a reunião, foi determinado que não seria feito dessa forma.

Como foi a reunião?

A gente ficou esperando. Eu sei que no final da tarde disseram: ‘olha, o general vai receber a gente’. Ai eu fui com a minha ex-sócia até o Palácio Planalto e nós fomos conduzidas à sala que eu imaginei que fosse do general Heleno e era do presidente.

A sra ficou surpresa?

Era o presidente, eu não tinha a menor ideia. Na verdade eu fiquei surpresa tanto com a presença do presidente quanto do (Alexandre) Ramagem (então diretor da Abin). Eu achei que fosse o general Heleno. Eu achei que fosse com o general e com o assessor dele. Não tinha ideia que haveria mais gente.

E como foi a reunião com o Tostes depois?

A gente fez o pedido de apuração especial pro Serpro, para saber se houve acesso aos dados do Flávio Bolsonaro com a senha que não deixa rastro. Isso foi negado e não houve recurso. Em seguida, pedimos ao Serpro. Tudo formalmente.

Na primeira reunião com o Tostes ele disse que era um direito a apuração especial. É importante vocês saberem o seguinte: a apuração especial é um direito de qualquer cidadão. Qualquer pessoa pode fazer esse pedido, especialmente agora com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).Você pode pedir acesso, como cidadão, tem direito de saber quem acessou os seus dados que estão no banco de dados do Estado. Isso não é um pedido absurdo, por conta de algum privilégio. Esse é o nome que se dá para esse procedimento dentro da Receita. Várias outras pessoas já fizeram esse pedido, a maioria é negada e acaba sendo atendida desde que só pela via judicial.

Ele (o Tostes) falou que não havia nenhum problema, que em uma semana eu voltasse para pegar a apuração especial. Uma semana depois eu voltei e aí ele disse que não era assim, que isso era demorado. não sei o quê. Acho que um mês depois ele manda um ofício negando acesso. Ele nega o acesso, depois o Serpro nega também. Aí a gente impetrou um habeas data e apresentou notícia de fato ao Ministério Público.

A sra teve outro contato com o presidente ou o Ramagem posteriormente?

Só essa. O Ramagem uma vez esbarrei em um congresso, em um corredor, nem me lembro. Mas só o vi.

No relatório da PF são mencionados diálogos de dois policiais da Abin Paralela sobre ações clandestinas envolvendo os auditores da Receita. A sra recebeu algum desses levantamentos?

Nem estou sabendo do que se trata. Vi agora rumores disso. Não faço a menor ideia do que se trata. Isso foi feito depois da reunião, né?

Ninguém precisaria pedir informações sobre essa pessoa porque eu tinha as informações geradas em procedimento público. Não sei porque isso foi feito.

A sra não sabia que estava gravada, certo? Foi uma surpresa? Isso chateou a senhora?

Não, eu não fiquei. Eu não falo nada, seja em ambiente público ou privado, que não possa passar no Jornal Nacional. Então, para mim, é indiferente. Eu acho que é um grande problema para a advocacia de um modo geral. Acho que a advocacia perde muito com esse tipo de invasão, de uma reunião entre duas advogadas e, bem ou mal, a gente está falando com o pai do cliente.

Sobre a participação do presidente ao encontro o fato é que ele é pai do cliente (Flávio) e existe essa extensão natural na advocacia.Quando você fala com o pai do cliente é como se estivesse falando com o cliente, na advocacia criminal. Você fala muito com a família do cliente, isso é uma coisa normal de acontecer.

Então, quando há o vazamento de uma conversa dessa, apesar de que para mim é um indiferente absoluto, para a advocacia é um horror. E, consequentemente, para a democracia também. Vazar a reunião entre um advogado e o familiar de um cliente é muito muito ruim para a advocacia.

A sra não viu desvio por parte de nenhum deles?

Eu achei que fosse conversar com o Heleno. O que eu imagino: ‘Elas duas são advogadas do meu filho e vão conversar com o meu ministro palaciano, e tem a sala aqui do lado. Então fala aqui comigo’. É o que eu acho que pode ter acontecido. Não consigo saber por que eles estavam ali. Eu entendo que todo mundo queira me perguntar. Mas para mim é absolutamente impossível chegar a essa resposta, do porque ele (Bolsonaro) estava lá. Qualquer coisa que eu disser, eu estou fazendo uma elocubração.

A sra não achou estranho a reunião ser realizada no Palácio?

Não, porque o GSI é lá. O (general) Heleno trabalhava lá.

Eu fiquei espantada quando eu vi (Bolsonaro). É claro, eu estou indo encontrar um ministro (general Heleno) e ai acabo encontrando o presidente da República e o chefe da Abin. Eu fiquei espantada quando eu os vi. Agora, eu não sei o que eles estavam fazendo lá. Eles trabalhavam muito próximos. Eu percebi isso bem depois, por conta das gravações do 8 de Janeiro. Aí eu percebi o quão próxima é a sala do presidente da sala do GSI. Eles trabalhavam muito próximos, então, não consigo ver isso como uma ilegalidade.

O que pode ser questionado é: por que o GSI? Por que foi determinado que se protocolaria no GSI? Eu acho que deveria ter sido na Receita, inicialmente, mas por que a reunião foi no GSI? Por que o pedido de outras pessoas, de modo geral, não poderiam ser protocolados no GSI? O GSI prevê uma espécie de proteção para a família do presidente da República, para qualquer presidente da República, o GSI cuida da segurança institucional. A fundamentação da peça que eu levei para lá falava sobre isso, o fato de ele (Flávio) ser filho do presidente e estar sendo atacado.

Isso é a fundamentação da lei. A lei dá essa possibilidade. E por isso nós íamos fazer o protocolo lá no GSI. É o que me foi passado. Eu teria protocolado isso diretamente na Receita Federal e não no Ministério Público ou judicialmente primeiro porque várias outras pessoas já tinham feito esse mesmo caminho em outros casos. Eu achava que era preciso primeiro esgotar a esfera administrativa para depois ir para a esfera judicial. Foi justamente isso que foi feito.

O Flávio, até onde eu sei, não consguiu nem judicialmente acesso a esses dados.

Eventualmente houve uma impropriedade em mandar aquilo para o GSI. Aquilo precisa ser investigado. É muito triste pra mim estar nessa situação desse caso.

Houve retorno do MP?

Até onde eu fui não tinha dado em nada.

Entrevista por Pepita Ortega

Repórter do Estadão em São Paulo. Cobre Tribunais Superiores, Procuradoria, Polícia Federal e Política. Formada pela Unesp e mestra em Comunicação pela USP.

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