O brasileiro médio já convivia com os tributos muito antes desta pátria – ora colônia – se quer imaginar tornar-se um país independente. A coroa portuguesa desde o princípio se fez amplamente presente, instituindo ainda na década de 1530 a chamada “Carta de Foral”, documento responsável por formalizar as cobranças governamentais, tais como tributos sobre a extração de pau Brasil e ouro de jazidas.
Com a independência em 1822, a sociedade brasileira passou a contemplar a existência de tributos constitucionais. Previa a Magna Carta de 1824 em seu artigo 179, inciso XV: “ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus deveres.” Desde então, as Constituições Federais que se seguiram com o fim da monarquia, da República Velha, do Regime Militar e da restauração da democracia sempre possuíram ao menos um ponto em comum: a previsão do pagamento de tributos.
Atualmente o sistema tributário nacional tem como atividade principal financiar o Estado e suas atividades. É com maestria que ensina o mestre Antonio Henrique Lindemberg Baltazar:
Onde se adota o sistema econômico capitalista existem poucas formas de obtenção de recursos com o intuito de financiar as atividades estatais, quais sejam: (i) tributação; (ii) intervenção direta no exercício da atividade econômica; (iii) emissão de moedas; (iv) obtenção de empréstimos. Assim, se não quisermos um Estado intervencionista, endividado ou com crise inflacionária, necessário se faz apoiarmos a tributação, pois sem esta não resta outra saída senão a exploração direta de atividade econômica pelo Estado. Nesse sentido, a tributação torna-se imprescindível à existência de um país onde as atividades econômicas são em regra executadas pela iniciativa privada, em um regime de liberdade-estatal.
Vale lembrar, que os tributos também constituem importantes meios de atividade extrafiscal. Quando me refiro à extrafiscalidade, quero dizer tanto a imediata, quanto à refratária, aspectos igualmente importantes, mas com desdobramentos diversos.
O que chamo de extrafiscalidade imediata é aquela reconhecida pelas próprias normas jurídicas. É o caso, por exemplo, do IPTU. O tributo presente no inciso I, art. 156 da CRFB de 1988 é dotado da chamada “progressividade no tempo”, na qual sua alíquota vai progressivamente aumentando quanto o contribuinte não der função social a sua propriedade. A extrafiscalidade no caso reside na tentativa de se obrigar o proprietário a dar uso a seu imóvel ou terreno, evitando o uso da propriedade para a simples especulação imobiliária.
Presente especialmente no setor econômico, a tributação extrafiscal é importante ferramenta entre o Estado e o Mercado. Neste sentido, e a título de outro exemplo, pontua o professor Bruno Pinto Coratto acerca do Imposto sobre Produtos Industrializados:
Com uma gama de possibilidades tão grande, o IPI se mostra de função predominantemente extrafiscal e com grande potencial para ser instrumento de intervenções em diversos setores do país. Nessas condições, a exação pode ser usada, por exemplo, para estimular o crescimento da indústria nacional: basta o governo aumentar as alíquotas que incidem sobre os produtos importados, causando uma elevação nos preços para fomentar a venda de produtos nacionais. Por outro lado, se for observada, por parte de determinado setor da indústria, uma tendência à queda na qualidade de certos produtos do nosso país, o Estado pode diminuir as alíquotas que incidem sobre os importados, tornando o mercado mais competitivo, forçando a indústria brasileira a melhorar a qualidade de seus produtos, o que gera benefícios ao consumidor.
A extrafiscalidade refratária, por sua vez, é muito mais presente no cotidiano do que se imagina. Isso porque comportamentos ligados à atividade tributária nos cercam por todos os lados, e mais diretamente naquilo que consumimos. Para tanto, basta observar a existência do Imposto Rosa – assunto já abordado no meu texto Imposto Rosa: o preço de ser mulher – expressão cunhada para referir-se figurativamente ao preço maior que as mulheres têm de pagar por seus produtos, como se de fato o preço daqueles fosse calculado com a incidência de um tributo que não alcança os bens para o público masculino.
Aponto igualmente para o ocorrido no IPI-Cigarro em 2011. O aumento da alíquota sobre o produto ao longo da última década ocasionou uma queda vertiginosa em seu consumo. Daí se extrai os dois aspectos anteriormente abordados: o imediato, qual seja, o desestímulo ao tabagismo, e o refratário, como o efeito cascata gerado pela diminuição da margem de lucro dos vendedores ao tentarem manter os preços da cartela, que por sua vez ocasiona a venda por menos estabelecimentos e dificulta o acesso ao produto.
É certo que muitos efeitos refratários ocasionados pelos tributos extrafiscais ocorrem em consonância a outras ações, citando-se – ainda no tema do tabagismo – a proibição de fumar em locais fechados pela Lei n° 9.294/96.
Anoto que se engana quem julga que os tributos deixaram de ser meramente arrecadatórios apenas nos anos recentes. No ano de 1976 entrou em vigor o Decreto-lei n° 1.456, assinado por Ernesto Geisel, que ocasionou a cobrança de até 85% mais impostos de carros importados quando em comparação aos carros produzidos em solo nacional. A norma que em um primeiro momento visava apoiar a indústria automotiva brasileira – caráter imediato – causou uma deficiência de 14 anos no mercado automobilístico, que até os dias de hoje sofre com altos preços devido a ausência de competitividade – efeito refratário.
No ano de 2024, diante da reforma tributária, cabe nos questionarmos o quanto os tributos interferem na vida em sociedade. Muito além do mero custeio a serviços e bens públicos, o sistema tributário é extenso, complexo e a maneira mais eficaz que o Estado possui para intervir no comportamento de seus cidadãos. Estabelece-se, portanto, uma faca de dois gumes, ao passo que imediatamente “os tributos são o preço da liberdade, no sentido de que se constituem no espaço aberto pelos direitos fundamentais e visam sua garantia” e ao mesmo tempo, mediatamente moldam comportamentos sociais visando atender ao interesse secundário da Administração Pública – o do próprio governo.