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Opinião|Feijoada completa


Por Luis Cosme Pinto
 Foto: Patricia Ferraz/ Estadão

Invenção brasileira, é o que dizem da comida por quilo.

O almoço rápido e variado mexeu no cardápio do país inteiro.

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Mexeu, mas não mudou. Pelo menos em São Paulo, o prato do dia sobrevive.

2@virado à paulista. 3@ bife rolê ou rabada. 4@ feijoada. 5@ massa com frango. 6@ peixe. sábado, feijoada mais uma vez.

Adoro feijoada e sigo o ritual, na quarta de vez em quando e no sábado muitas vezes.

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E aquele era um sábado nascido para a feijoada. Seco e fresco. Perfeito pra sentar na calçada e saborear o caldo grosso, quente e seus pertences.

Na minha frente, uma mulher sozinha. De vestido azul e sem celular. Uma mulher à espera de ninguém.

É certo que curiosos especularam. "O marido ou namorado, a amiga ou companheira. talvez tenha uma dessas profissões de quem trabalha sábado. Manicure, motorista, jornalista. E ela teria chegado antes para garantir a mesa."

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Nada disso. Ela está e vai continuar só.

Suelen traz o cardápio, a mulher agradece e nem abre. Sabe o que quer.

- Uma feijoada grande.

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- A light é 70, a gorda 60.

- Gorda. Por favor, capriche no rabo, no pé e na orelha. Bisteca ao ponto. A caipirinha é com cachaça mineira e açúcar.

- Pode deixar, dona Cleide.

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"Dona" é só um tratamento respeitoso de Suelen. Cleide está longe dos 45.

A caipirinha abre o apetite e seca no exato momento em que a porção de torresmos acaba e que Suelen chega com a cumbuca de barro e as travessas de alumínio. Arroz soltinho, couve enfeitada com alho, farofa torrada, laranja perfumada, bisteca dourada. Um pote de malagueta vem junto. Pronto, não falta mais nada.

Uma suave cortina de fumaça surge entre Cleide e o resto do mundo.

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- Su, por favor, mais uma caipirinha. Do mesmo jeito.

Uma mulher e sua feijoada.

Garfadas bem medidas, mastigadas na paz da solidão. Cada uma combina a riqueza dos ingredientes.  Pequeniníssimas quantidades de arroz, feijão, uma lasca de paio ou a suculenta gordura do pé, que pode revezar com a cartilagem macia da orelha e ainda fiapos de couve, um tico do bife do porco.

É como se uma micro-feijoada-completa viajasse em cada uma daquelas minúsculas porções.

Uma mulher e sua feijoada.

O primeiro prato já foi. Cleide, repete.

A segunda parte da refeição termina como a primeira. Nenhum grão de arroz restou sobre a louça branca.

Nas travessas ainda há uma quantidade razoável.

- Por favor, embale que vou levar pra casa.

- Dona Cleide, a senhora tem direito ao pudim e ao café. É cortesia da casa.

- Obrigada, estou de regime.

Cleide ri da própria piada e pisca o olho. Então, se despede dos balconistas e paga no caixa com dinheiro, sem esquecer a gorjeta da garçonete preferida.

Uma mulher e sua feijoada.

Uma feijoada morna, num sábado gelado em São Paulo.

Uma mulher sem pressa e sem celular a caminho de casa.

Sem que ninguém pergunte, Suelen tempera devaneios.

- Tá levando pra ela mesma. Dona Cleide mora só. Ela me disse que congela. Feijoada requentada é mais gostosa, melhor no domingo que no sábado.

*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter

 Foto: Patricia Ferraz/ Estadão

Invenção brasileira, é o que dizem da comida por quilo.

O almoço rápido e variado mexeu no cardápio do país inteiro.

Mexeu, mas não mudou. Pelo menos em São Paulo, o prato do dia sobrevive.

2@virado à paulista. 3@ bife rolê ou rabada. 4@ feijoada. 5@ massa com frango. 6@ peixe. sábado, feijoada mais uma vez.

Adoro feijoada e sigo o ritual, na quarta de vez em quando e no sábado muitas vezes.

E aquele era um sábado nascido para a feijoada. Seco e fresco. Perfeito pra sentar na calçada e saborear o caldo grosso, quente e seus pertences.

Na minha frente, uma mulher sozinha. De vestido azul e sem celular. Uma mulher à espera de ninguém.

É certo que curiosos especularam. "O marido ou namorado, a amiga ou companheira. talvez tenha uma dessas profissões de quem trabalha sábado. Manicure, motorista, jornalista. E ela teria chegado antes para garantir a mesa."

Nada disso. Ela está e vai continuar só.

Suelen traz o cardápio, a mulher agradece e nem abre. Sabe o que quer.

- Uma feijoada grande.

- A light é 70, a gorda 60.

- Gorda. Por favor, capriche no rabo, no pé e na orelha. Bisteca ao ponto. A caipirinha é com cachaça mineira e açúcar.

- Pode deixar, dona Cleide.

"Dona" é só um tratamento respeitoso de Suelen. Cleide está longe dos 45.

A caipirinha abre o apetite e seca no exato momento em que a porção de torresmos acaba e que Suelen chega com a cumbuca de barro e as travessas de alumínio. Arroz soltinho, couve enfeitada com alho, farofa torrada, laranja perfumada, bisteca dourada. Um pote de malagueta vem junto. Pronto, não falta mais nada.

Uma suave cortina de fumaça surge entre Cleide e o resto do mundo.

- Su, por favor, mais uma caipirinha. Do mesmo jeito.

Uma mulher e sua feijoada.

Garfadas bem medidas, mastigadas na paz da solidão. Cada uma combina a riqueza dos ingredientes.  Pequeniníssimas quantidades de arroz, feijão, uma lasca de paio ou a suculenta gordura do pé, que pode revezar com a cartilagem macia da orelha e ainda fiapos de couve, um tico do bife do porco.

É como se uma micro-feijoada-completa viajasse em cada uma daquelas minúsculas porções.

Uma mulher e sua feijoada.

O primeiro prato já foi. Cleide, repete.

A segunda parte da refeição termina como a primeira. Nenhum grão de arroz restou sobre a louça branca.

Nas travessas ainda há uma quantidade razoável.

- Por favor, embale que vou levar pra casa.

- Dona Cleide, a senhora tem direito ao pudim e ao café. É cortesia da casa.

- Obrigada, estou de regime.

Cleide ri da própria piada e pisca o olho. Então, se despede dos balconistas e paga no caixa com dinheiro, sem esquecer a gorjeta da garçonete preferida.

Uma mulher e sua feijoada.

Uma feijoada morna, num sábado gelado em São Paulo.

Uma mulher sem pressa e sem celular a caminho de casa.

Sem que ninguém pergunte, Suelen tempera devaneios.

- Tá levando pra ela mesma. Dona Cleide mora só. Ela me disse que congela. Feijoada requentada é mais gostosa, melhor no domingo que no sábado.

*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter

 Foto: Patricia Ferraz/ Estadão

Invenção brasileira, é o que dizem da comida por quilo.

O almoço rápido e variado mexeu no cardápio do país inteiro.

Mexeu, mas não mudou. Pelo menos em São Paulo, o prato do dia sobrevive.

2@virado à paulista. 3@ bife rolê ou rabada. 4@ feijoada. 5@ massa com frango. 6@ peixe. sábado, feijoada mais uma vez.

Adoro feijoada e sigo o ritual, na quarta de vez em quando e no sábado muitas vezes.

E aquele era um sábado nascido para a feijoada. Seco e fresco. Perfeito pra sentar na calçada e saborear o caldo grosso, quente e seus pertences.

Na minha frente, uma mulher sozinha. De vestido azul e sem celular. Uma mulher à espera de ninguém.

É certo que curiosos especularam. "O marido ou namorado, a amiga ou companheira. talvez tenha uma dessas profissões de quem trabalha sábado. Manicure, motorista, jornalista. E ela teria chegado antes para garantir a mesa."

Nada disso. Ela está e vai continuar só.

Suelen traz o cardápio, a mulher agradece e nem abre. Sabe o que quer.

- Uma feijoada grande.

- A light é 70, a gorda 60.

- Gorda. Por favor, capriche no rabo, no pé e na orelha. Bisteca ao ponto. A caipirinha é com cachaça mineira e açúcar.

- Pode deixar, dona Cleide.

"Dona" é só um tratamento respeitoso de Suelen. Cleide está longe dos 45.

A caipirinha abre o apetite e seca no exato momento em que a porção de torresmos acaba e que Suelen chega com a cumbuca de barro e as travessas de alumínio. Arroz soltinho, couve enfeitada com alho, farofa torrada, laranja perfumada, bisteca dourada. Um pote de malagueta vem junto. Pronto, não falta mais nada.

Uma suave cortina de fumaça surge entre Cleide e o resto do mundo.

- Su, por favor, mais uma caipirinha. Do mesmo jeito.

Uma mulher e sua feijoada.

Garfadas bem medidas, mastigadas na paz da solidão. Cada uma combina a riqueza dos ingredientes.  Pequeniníssimas quantidades de arroz, feijão, uma lasca de paio ou a suculenta gordura do pé, que pode revezar com a cartilagem macia da orelha e ainda fiapos de couve, um tico do bife do porco.

É como se uma micro-feijoada-completa viajasse em cada uma daquelas minúsculas porções.

Uma mulher e sua feijoada.

O primeiro prato já foi. Cleide, repete.

A segunda parte da refeição termina como a primeira. Nenhum grão de arroz restou sobre a louça branca.

Nas travessas ainda há uma quantidade razoável.

- Por favor, embale que vou levar pra casa.

- Dona Cleide, a senhora tem direito ao pudim e ao café. É cortesia da casa.

- Obrigada, estou de regime.

Cleide ri da própria piada e pisca o olho. Então, se despede dos balconistas e paga no caixa com dinheiro, sem esquecer a gorjeta da garçonete preferida.

Uma mulher e sua feijoada.

Uma feijoada morna, num sábado gelado em São Paulo.

Uma mulher sem pressa e sem celular a caminho de casa.

Sem que ninguém pergunte, Suelen tempera devaneios.

- Tá levando pra ela mesma. Dona Cleide mora só. Ela me disse que congela. Feijoada requentada é mais gostosa, melhor no domingo que no sábado.

*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter

Opinião por Luis Cosme Pinto

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