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Opinião|Fusões e aquisições: entenda como a amortização do ágio pode virar uma espécie de sonegação fiscal


Por Luiz Luna Neto*

Atualmente, tem-se percebido uma crescente de ações penais que visam punir empresários pela prática de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/90) decorrente da chamada amortização indevida do ágio gerado em operações de M&A intragrupo.

Para esclarecer melhor a matéria que abordada, importante tecermos – ainda que de forma breve – algumas considerações sobre o chamado ágio.

Luiz Luna Neto Foto: Divulgação
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Como se sabe, o preço de aquisição de ativos nas operações de M&A nem sempre corresponderá ao valor correto de mercado. É justamente dessa diferença (positiva) apurada entre o valor da aquisição e o valor do real do ativo adquirido que nasce o chamado, pela contabilidade, ágio.

Portanto, o ágio tratado aqui será aquele formado a partir de operações de fusão e aquisição praticadas entre empresas do mesmo grupo econômico.

Tecidas essas breves considerações introdutórias, parece oportuno trazer um panorama histórico sobre ágio no Brasil.

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Em meados de de 1997, o Brasil entendeu que para fomentar a privatização de estatais através de capital estrangeiro (programa de privatização de estatais), seria necessário elaborar uma política fiscal mais arrojada e atraente.

Em razão disso, foi elaborada a Lei n° 9.532/1997 que em seus artigos 7º e 8º passou a autorizar que as empresas, nas operações de incorporação, fusão ou cisão deduzissem, como despesa, o ágio quando da apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Essa autorização para deduzir o ágio como despesa na apuração do IRPJ e da CSLL foi fundamentada nos chamados “rendimentos futuros”. Notadamente, por ser um meio de dedução de despesa relevante, as empresas passaram a utilizar o mecanismo, inclusive grupos econômicos.

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Para que fique claro, a partir de 1997, o mecanismo passou a funcionar da seguinte forma: Um investidor adquire uma participação em uma outra empresa – seja do mesmo grupo ou independente – e paga um valor pela rentabilidade futura da empresa que está adquirindo.

A partir desse modelo de operação, é gerado o ágio e o valor correspondente poderá ser amortizado em até cinco anos, o que reduz, consideravelmente, o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Esse tipo de operação está longe da ilegalidade, contudo, por ter se tornado uma prática comum, que possibilita uma redução considerável do IRPJ e da CSLL nas operações de M&A, podendo ser utilizada inclusive por empresas do mesmo grupo econômico, a Receita Federal começou a fiscalizar com mais veemência.

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Com isso, se iniciou um debate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais- CARF, sobre os limites da amortização do ágio, principalmente para aquelas empreses pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Até meados de 2021 o CARF entendia que só existiria ágio válido naquelas operações de M&A realizadas entre pessoas jurídicas independentes e somente quando ficasse comprovado o efetivo gasto financeiro.

Em outras palavras, as operações de M&A intragrupos, ou seja, realizadas entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, não poderiam se beneficiar da benesse no art.7º da Lei nº 9.532.

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Parte desse entendimento decorria do fato de que a grande maioria dos planejamentos se traduziam em meras operações contábeis, isto é, o que se buscava era ilustrar uma operação aquisição, por exemplo, porém sem que houvesse de fato uma transferência de valores (pagamento) para a aquisição dessa participação.

Nesse caso específico, restaria configurada a ausência do chamado propósito negocial, ou seja, para o CARF, o planejamento tributário seria abusivo por deturbar a legislação tributária ao realizar uma operação sem propósito econômico cuja finalidade seria tão somente reduzir o valor dos impostos a serem recolhidos (IRPJ e CSLL).

Evidentemente que esta fundamentação não nos parece razoável, afinal, existiam operações com ágio gerado de empresas do mesmo grupo que efetivamente realizou a operação financeira, ou seja, o pagamento. Nesse caso, mesmo que comprovado o efetivo propósito negocial, o CARF permanecia entendendo que o planejamento seria abusivo.

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Em outra hipótese, um investidor utilizava uma “empresa-veículo” cuja finalidade exclusiva seria receber recursos de um investidor real e, por conseguinte, adquirir participações em outra empresa, para, logo em seguida, ser incorporada por esta.

Ou seja, mais uma vez não haveria motivação (propósito) econômica ou negocial, mas sim a utilização de mecanismos para receber o ágio pago pela empresa-veículo e posteriormente, amortizá-lo, com o único objetivo de deduzir as despesas de IRPJ e CSLL, mediante amortização do ágio.

Com esse fundamento, o CARF passou a coibir a prática para toda e qualquer operação que envolvessem M&A intragrupo e a entender que a amortização indevida do ágio equivaleria a sonegação fiscal, com base inclusive no que dispõe os arts. 71 e 72 da Lei nº 4.502/64 . Veja-se:

Turma: 1ª TURMA/CÂMARA SUPERIOR REC. FISCAIS. Data da publicação: 14/09/2017. A hipótese de incidência tributária da possibilidade de dedução das despesas de amortização do ágio, prevista no artigo 386 do RIR/1999, requer a participação de uma pessoa jurídica investidora originária, que efetivamente tenha acreditado na “mais valia” do investimento e feito sacrifícios patrimoniais para sua aquisição. Inexistentes tais sacrifícios, notadamente em razão do fato de alienantes e adquirente integrarem o mesmo grupo econômico, evidencia-se a artificialidade da reorganização societária que, carecendo de propósito negocial e substrato econômico, não tem o condão de autorizar o aproveitamento tributário do ágio que pretendeu criar. MULTA QUALIFICADA. CABIMENTO. A constatação de evidente intuito de fraudar o Fisco, pela intencional prática de atos simulados, enseja a qualificação da multa de ofício. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL TRIBUTAÇÃO REFLEXA Sendo a tributação decorrente dos mesmos fatos, aplica-se à CSLL o quanto decidido em relação ao IRPJ. Processo 11065.002149/2009-31

Como consabido, o não pagamento de tributo gera, via de regra, tão somente a incidência da chamada multa de ofício, contudo, pelo próprio entendimento de que a amortização indevida se traduziria em uma das espécies de sonegação fiscal, a RFB passou a aplicar a chamada multa qualificada, que encontra fundamento justamente naqueles conceitos trazidos pelos arts.71, 72 e 73 da Lei n° 4.502/1964, ou seja, quando existe fraude, sonegação ou conluio.

Portanto, de acordo com o conceito do CARF, entendida a ausência do propósito negocial, a empresa seria autuada para realizar o recolhimento do tributo devido sem o desconto do ágio acrescido de multa qualificada de 150% (cento e cinquenta por cento), além de sofrer com as repercussões decorrentes da representação fiscal para fins penais enviada ao Ministério Público Federal para verificar a prática do crime contra a ordem tributária.

Nesse ponto, oportuno fazer uma distinção entre a fundamentação para aplicação da multa qualificada e a modalidade de sonegação fiscal correspondente aquela conduta.

Se o contribuinte omite informação ou presta declaração falsa para impedir ou retardar o conhecimento do fato gerador da obrigação tributária, tal como previsto no art.71 da Lei n° 4.502/1964 estaremos, portanto, tratando da modalidade de sonegação fiscal estampada no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.

Já a conduta contida no art.72 da Lei n° 4.502/1964 se amolda, por sua própria natureza, as hipóteses previstas nos incisos II ao IV do Art.1º da Lei nº 8.137/90.

Oportuno esclarecer também que, em quaisquer das hipóteses, é imprescindível a comprovação do Dolo, não se admitindo, portanto, para fins de imputação das condutas previstas no art.1º da Lei nº 8.137/90, que o agente tenha agido com culpa.

Pois bem.

A grande mudança em relação a temática ocorre em 8 de setembro de 2021, em sessão de julgamento realizada pela 1ª Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF pertencente ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.

Nesse julgamento, a 1ª Câmara do CSRF entendeu pela não aplicação da multa qualificada a teor do que diz o Art. 44, I c/c o seu §1º da Lei n° 9.430/96 ao grupo econômico, sob o argumento de que, apesar do grupo ter realizado um planejamento tributário abusivo, não foram verificados indícios de fraude ou sonegação.

Nesses autos, um grupo econômico foi alvo de fiscalização devido a dedução de grande montante referente ao IRPJ dos anos-calendários 2007, 2008 e 2009, a título de amortização de ágio pela aquisição de uma empresa pertencente ao mesmo grupo.

Na fundamentação do Auto de Infração lavrado pela Autoridade Fiscal, o conglomerado de empresas teria se utilizado de uma empresa veículo, através de um investidor, com a única função de receber recursos provenientes desse investidor real e, com isso, adquirir participações na outra empresa, efetivar a incorporação e receber o ágio pago para amortiza-lo e, assim, deduzir despesas de IRPJ e CSLL.

Como já debatemos, em casos como esse, o CARF costumava aplicar o entendimento de que essa amortização de ágio era indevida por ser uma operação de M&A intragrupo, portanto, essa dedução gerada pela amortização indevida era equivalente a uma fraude/sonegação fiscal.

Contudo, a 1ª Turma do CSRF, na contramão do entendimento consolidado, entendeu que a fraude fiscal advinda de planejamento tributário não abrangia condutas que afetam diretamente a base de cálculo do tributo e, tendo em vista que o comando legal é literal no sentido de exigir “que a conduta afete a ocorrência do fato gerador, ou suas características fundamentais, de forma dolosa”, a amortização irregular do ágio não seria capaz de atrair a incidência dos art.71 e 72 da Lei n° 4.502/64 e, por conseguinte, do Art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Ora, nos parece claro que fator principal utilizado para mudança desse paradigma foi uma reflexão a respeito dos conceitos de Evasão (fraude) e Elisão.

Na elisão, o contribuinte manipula as possibilidades expressas na legislação se utilizando de ferramentas lícitas no intuito de impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Já a Evasão é o puro ato de fraudar, omitir ou alterar declarações destinadas ao Fisco com o intuito de não pagar o tributo devido. Ou seja, aqui o contribuinte se vale de ferramentas ilícitas para deixar de pagar o tributo.

Diante disso, o que fica esclarecido é que a elisão irá preceder a ocorrência do fato gerador e, presente alguma irregularidade, deve gerar multa comum; já a evasão ocorrerá tão somente após o fato gerador, onde o contribuinte se utiliza dolosamente de ferramentas ilícitas (fraude) para não pagar o tributo devendo, portanto, gerar a multa qualificada (art.71 e 72 da Lei nº 4.502/64).

Justamente por está razão que a CSRF, através de sua 1ª Turma, concluiu que este era um caso de Elisão, ou seja, não alterou o fato gerador ou suas características fundamentais, mas tão somente a apuração tributo, não havendo, portanto, qualquer tipo de conduta fraudulenta.

Mais importante que isso, a 1ª Turma consignou que sendo incontroversa a existência do ágio, e a autuação estando fundamentada tão somente na inexistência de propósito negocial da operação, em virtude de a execução ter se dado através de “empresa veículo”, o dolo não estaria caracterizado.

Isso nos parece razoável, afinal, a inexistência do propósito negocial por si só não é capaz de relativizar a legalidade de operações claramente lícitas. A prática adotada pelo CARF até o julgado proferido pela CSRF não encontrava qualquer respaldo legal, se traduzindo em uma conduta claramente fiscalizatória similar as praticadas em outros países, cujo ordenamento jurídico funciona de maneira totalmente distinta do nosso.

A alteração de um entendimento consolidado há tantos anos, para além das repercussões financeiras que serão geradas em favor dos contribuintes se traduz efetivamente, até pela complexidade que envolve a matéria, em um imprescindível avanço para demais controvérsias relativas à matéria, de modo a possibilitar, a partir deste novo paradigma, um debate mais lúcido e justo para sanar as demais controvérsias que envolvem o tema.

*Luiz Luna Neto, advogado e professor universitário. Master of Law em Direito Tributário, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Processo Penal

Atualmente, tem-se percebido uma crescente de ações penais que visam punir empresários pela prática de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/90) decorrente da chamada amortização indevida do ágio gerado em operações de M&A intragrupo.

Para esclarecer melhor a matéria que abordada, importante tecermos – ainda que de forma breve – algumas considerações sobre o chamado ágio.

Luiz Luna Neto Foto: Divulgação

Como se sabe, o preço de aquisição de ativos nas operações de M&A nem sempre corresponderá ao valor correto de mercado. É justamente dessa diferença (positiva) apurada entre o valor da aquisição e o valor do real do ativo adquirido que nasce o chamado, pela contabilidade, ágio.

Portanto, o ágio tratado aqui será aquele formado a partir de operações de fusão e aquisição praticadas entre empresas do mesmo grupo econômico.

Tecidas essas breves considerações introdutórias, parece oportuno trazer um panorama histórico sobre ágio no Brasil.

Em meados de de 1997, o Brasil entendeu que para fomentar a privatização de estatais através de capital estrangeiro (programa de privatização de estatais), seria necessário elaborar uma política fiscal mais arrojada e atraente.

Em razão disso, foi elaborada a Lei n° 9.532/1997 que em seus artigos 7º e 8º passou a autorizar que as empresas, nas operações de incorporação, fusão ou cisão deduzissem, como despesa, o ágio quando da apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Essa autorização para deduzir o ágio como despesa na apuração do IRPJ e da CSLL foi fundamentada nos chamados “rendimentos futuros”. Notadamente, por ser um meio de dedução de despesa relevante, as empresas passaram a utilizar o mecanismo, inclusive grupos econômicos.

Para que fique claro, a partir de 1997, o mecanismo passou a funcionar da seguinte forma: Um investidor adquire uma participação em uma outra empresa – seja do mesmo grupo ou independente – e paga um valor pela rentabilidade futura da empresa que está adquirindo.

A partir desse modelo de operação, é gerado o ágio e o valor correspondente poderá ser amortizado em até cinco anos, o que reduz, consideravelmente, o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Esse tipo de operação está longe da ilegalidade, contudo, por ter se tornado uma prática comum, que possibilita uma redução considerável do IRPJ e da CSLL nas operações de M&A, podendo ser utilizada inclusive por empresas do mesmo grupo econômico, a Receita Federal começou a fiscalizar com mais veemência.

Com isso, se iniciou um debate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais- CARF, sobre os limites da amortização do ágio, principalmente para aquelas empreses pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Até meados de 2021 o CARF entendia que só existiria ágio válido naquelas operações de M&A realizadas entre pessoas jurídicas independentes e somente quando ficasse comprovado o efetivo gasto financeiro.

Em outras palavras, as operações de M&A intragrupos, ou seja, realizadas entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, não poderiam se beneficiar da benesse no art.7º da Lei nº 9.532.

Parte desse entendimento decorria do fato de que a grande maioria dos planejamentos se traduziam em meras operações contábeis, isto é, o que se buscava era ilustrar uma operação aquisição, por exemplo, porém sem que houvesse de fato uma transferência de valores (pagamento) para a aquisição dessa participação.

Nesse caso específico, restaria configurada a ausência do chamado propósito negocial, ou seja, para o CARF, o planejamento tributário seria abusivo por deturbar a legislação tributária ao realizar uma operação sem propósito econômico cuja finalidade seria tão somente reduzir o valor dos impostos a serem recolhidos (IRPJ e CSLL).

Evidentemente que esta fundamentação não nos parece razoável, afinal, existiam operações com ágio gerado de empresas do mesmo grupo que efetivamente realizou a operação financeira, ou seja, o pagamento. Nesse caso, mesmo que comprovado o efetivo propósito negocial, o CARF permanecia entendendo que o planejamento seria abusivo.

Em outra hipótese, um investidor utilizava uma “empresa-veículo” cuja finalidade exclusiva seria receber recursos de um investidor real e, por conseguinte, adquirir participações em outra empresa, para, logo em seguida, ser incorporada por esta.

Ou seja, mais uma vez não haveria motivação (propósito) econômica ou negocial, mas sim a utilização de mecanismos para receber o ágio pago pela empresa-veículo e posteriormente, amortizá-lo, com o único objetivo de deduzir as despesas de IRPJ e CSLL, mediante amortização do ágio.

Com esse fundamento, o CARF passou a coibir a prática para toda e qualquer operação que envolvessem M&A intragrupo e a entender que a amortização indevida do ágio equivaleria a sonegação fiscal, com base inclusive no que dispõe os arts. 71 e 72 da Lei nº 4.502/64 . Veja-se:

Turma: 1ª TURMA/CÂMARA SUPERIOR REC. FISCAIS. Data da publicação: 14/09/2017. A hipótese de incidência tributária da possibilidade de dedução das despesas de amortização do ágio, prevista no artigo 386 do RIR/1999, requer a participação de uma pessoa jurídica investidora originária, que efetivamente tenha acreditado na “mais valia” do investimento e feito sacrifícios patrimoniais para sua aquisição. Inexistentes tais sacrifícios, notadamente em razão do fato de alienantes e adquirente integrarem o mesmo grupo econômico, evidencia-se a artificialidade da reorganização societária que, carecendo de propósito negocial e substrato econômico, não tem o condão de autorizar o aproveitamento tributário do ágio que pretendeu criar. MULTA QUALIFICADA. CABIMENTO. A constatação de evidente intuito de fraudar o Fisco, pela intencional prática de atos simulados, enseja a qualificação da multa de ofício. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL TRIBUTAÇÃO REFLEXA Sendo a tributação decorrente dos mesmos fatos, aplica-se à CSLL o quanto decidido em relação ao IRPJ. Processo 11065.002149/2009-31

Como consabido, o não pagamento de tributo gera, via de regra, tão somente a incidência da chamada multa de ofício, contudo, pelo próprio entendimento de que a amortização indevida se traduziria em uma das espécies de sonegação fiscal, a RFB passou a aplicar a chamada multa qualificada, que encontra fundamento justamente naqueles conceitos trazidos pelos arts.71, 72 e 73 da Lei n° 4.502/1964, ou seja, quando existe fraude, sonegação ou conluio.

Portanto, de acordo com o conceito do CARF, entendida a ausência do propósito negocial, a empresa seria autuada para realizar o recolhimento do tributo devido sem o desconto do ágio acrescido de multa qualificada de 150% (cento e cinquenta por cento), além de sofrer com as repercussões decorrentes da representação fiscal para fins penais enviada ao Ministério Público Federal para verificar a prática do crime contra a ordem tributária.

Nesse ponto, oportuno fazer uma distinção entre a fundamentação para aplicação da multa qualificada e a modalidade de sonegação fiscal correspondente aquela conduta.

Se o contribuinte omite informação ou presta declaração falsa para impedir ou retardar o conhecimento do fato gerador da obrigação tributária, tal como previsto no art.71 da Lei n° 4.502/1964 estaremos, portanto, tratando da modalidade de sonegação fiscal estampada no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.

Já a conduta contida no art.72 da Lei n° 4.502/1964 se amolda, por sua própria natureza, as hipóteses previstas nos incisos II ao IV do Art.1º da Lei nº 8.137/90.

Oportuno esclarecer também que, em quaisquer das hipóteses, é imprescindível a comprovação do Dolo, não se admitindo, portanto, para fins de imputação das condutas previstas no art.1º da Lei nº 8.137/90, que o agente tenha agido com culpa.

Pois bem.

A grande mudança em relação a temática ocorre em 8 de setembro de 2021, em sessão de julgamento realizada pela 1ª Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF pertencente ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.

Nesse julgamento, a 1ª Câmara do CSRF entendeu pela não aplicação da multa qualificada a teor do que diz o Art. 44, I c/c o seu §1º da Lei n° 9.430/96 ao grupo econômico, sob o argumento de que, apesar do grupo ter realizado um planejamento tributário abusivo, não foram verificados indícios de fraude ou sonegação.

Nesses autos, um grupo econômico foi alvo de fiscalização devido a dedução de grande montante referente ao IRPJ dos anos-calendários 2007, 2008 e 2009, a título de amortização de ágio pela aquisição de uma empresa pertencente ao mesmo grupo.

Na fundamentação do Auto de Infração lavrado pela Autoridade Fiscal, o conglomerado de empresas teria se utilizado de uma empresa veículo, através de um investidor, com a única função de receber recursos provenientes desse investidor real e, com isso, adquirir participações na outra empresa, efetivar a incorporação e receber o ágio pago para amortiza-lo e, assim, deduzir despesas de IRPJ e CSLL.

Como já debatemos, em casos como esse, o CARF costumava aplicar o entendimento de que essa amortização de ágio era indevida por ser uma operação de M&A intragrupo, portanto, essa dedução gerada pela amortização indevida era equivalente a uma fraude/sonegação fiscal.

Contudo, a 1ª Turma do CSRF, na contramão do entendimento consolidado, entendeu que a fraude fiscal advinda de planejamento tributário não abrangia condutas que afetam diretamente a base de cálculo do tributo e, tendo em vista que o comando legal é literal no sentido de exigir “que a conduta afete a ocorrência do fato gerador, ou suas características fundamentais, de forma dolosa”, a amortização irregular do ágio não seria capaz de atrair a incidência dos art.71 e 72 da Lei n° 4.502/64 e, por conseguinte, do Art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Ora, nos parece claro que fator principal utilizado para mudança desse paradigma foi uma reflexão a respeito dos conceitos de Evasão (fraude) e Elisão.

Na elisão, o contribuinte manipula as possibilidades expressas na legislação se utilizando de ferramentas lícitas no intuito de impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Já a Evasão é o puro ato de fraudar, omitir ou alterar declarações destinadas ao Fisco com o intuito de não pagar o tributo devido. Ou seja, aqui o contribuinte se vale de ferramentas ilícitas para deixar de pagar o tributo.

Diante disso, o que fica esclarecido é que a elisão irá preceder a ocorrência do fato gerador e, presente alguma irregularidade, deve gerar multa comum; já a evasão ocorrerá tão somente após o fato gerador, onde o contribuinte se utiliza dolosamente de ferramentas ilícitas (fraude) para não pagar o tributo devendo, portanto, gerar a multa qualificada (art.71 e 72 da Lei nº 4.502/64).

Justamente por está razão que a CSRF, através de sua 1ª Turma, concluiu que este era um caso de Elisão, ou seja, não alterou o fato gerador ou suas características fundamentais, mas tão somente a apuração tributo, não havendo, portanto, qualquer tipo de conduta fraudulenta.

Mais importante que isso, a 1ª Turma consignou que sendo incontroversa a existência do ágio, e a autuação estando fundamentada tão somente na inexistência de propósito negocial da operação, em virtude de a execução ter se dado através de “empresa veículo”, o dolo não estaria caracterizado.

Isso nos parece razoável, afinal, a inexistência do propósito negocial por si só não é capaz de relativizar a legalidade de operações claramente lícitas. A prática adotada pelo CARF até o julgado proferido pela CSRF não encontrava qualquer respaldo legal, se traduzindo em uma conduta claramente fiscalizatória similar as praticadas em outros países, cujo ordenamento jurídico funciona de maneira totalmente distinta do nosso.

A alteração de um entendimento consolidado há tantos anos, para além das repercussões financeiras que serão geradas em favor dos contribuintes se traduz efetivamente, até pela complexidade que envolve a matéria, em um imprescindível avanço para demais controvérsias relativas à matéria, de modo a possibilitar, a partir deste novo paradigma, um debate mais lúcido e justo para sanar as demais controvérsias que envolvem o tema.

*Luiz Luna Neto, advogado e professor universitário. Master of Law em Direito Tributário, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Processo Penal

Atualmente, tem-se percebido uma crescente de ações penais que visam punir empresários pela prática de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/90) decorrente da chamada amortização indevida do ágio gerado em operações de M&A intragrupo.

Para esclarecer melhor a matéria que abordada, importante tecermos – ainda que de forma breve – algumas considerações sobre o chamado ágio.

Luiz Luna Neto Foto: Divulgação

Como se sabe, o preço de aquisição de ativos nas operações de M&A nem sempre corresponderá ao valor correto de mercado. É justamente dessa diferença (positiva) apurada entre o valor da aquisição e o valor do real do ativo adquirido que nasce o chamado, pela contabilidade, ágio.

Portanto, o ágio tratado aqui será aquele formado a partir de operações de fusão e aquisição praticadas entre empresas do mesmo grupo econômico.

Tecidas essas breves considerações introdutórias, parece oportuno trazer um panorama histórico sobre ágio no Brasil.

Em meados de de 1997, o Brasil entendeu que para fomentar a privatização de estatais através de capital estrangeiro (programa de privatização de estatais), seria necessário elaborar uma política fiscal mais arrojada e atraente.

Em razão disso, foi elaborada a Lei n° 9.532/1997 que em seus artigos 7º e 8º passou a autorizar que as empresas, nas operações de incorporação, fusão ou cisão deduzissem, como despesa, o ágio quando da apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Essa autorização para deduzir o ágio como despesa na apuração do IRPJ e da CSLL foi fundamentada nos chamados “rendimentos futuros”. Notadamente, por ser um meio de dedução de despesa relevante, as empresas passaram a utilizar o mecanismo, inclusive grupos econômicos.

Para que fique claro, a partir de 1997, o mecanismo passou a funcionar da seguinte forma: Um investidor adquire uma participação em uma outra empresa – seja do mesmo grupo ou independente – e paga um valor pela rentabilidade futura da empresa que está adquirindo.

A partir desse modelo de operação, é gerado o ágio e o valor correspondente poderá ser amortizado em até cinco anos, o que reduz, consideravelmente, o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Esse tipo de operação está longe da ilegalidade, contudo, por ter se tornado uma prática comum, que possibilita uma redução considerável do IRPJ e da CSLL nas operações de M&A, podendo ser utilizada inclusive por empresas do mesmo grupo econômico, a Receita Federal começou a fiscalizar com mais veemência.

Com isso, se iniciou um debate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais- CARF, sobre os limites da amortização do ágio, principalmente para aquelas empreses pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Até meados de 2021 o CARF entendia que só existiria ágio válido naquelas operações de M&A realizadas entre pessoas jurídicas independentes e somente quando ficasse comprovado o efetivo gasto financeiro.

Em outras palavras, as operações de M&A intragrupos, ou seja, realizadas entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, não poderiam se beneficiar da benesse no art.7º da Lei nº 9.532.

Parte desse entendimento decorria do fato de que a grande maioria dos planejamentos se traduziam em meras operações contábeis, isto é, o que se buscava era ilustrar uma operação aquisição, por exemplo, porém sem que houvesse de fato uma transferência de valores (pagamento) para a aquisição dessa participação.

Nesse caso específico, restaria configurada a ausência do chamado propósito negocial, ou seja, para o CARF, o planejamento tributário seria abusivo por deturbar a legislação tributária ao realizar uma operação sem propósito econômico cuja finalidade seria tão somente reduzir o valor dos impostos a serem recolhidos (IRPJ e CSLL).

Evidentemente que esta fundamentação não nos parece razoável, afinal, existiam operações com ágio gerado de empresas do mesmo grupo que efetivamente realizou a operação financeira, ou seja, o pagamento. Nesse caso, mesmo que comprovado o efetivo propósito negocial, o CARF permanecia entendendo que o planejamento seria abusivo.

Em outra hipótese, um investidor utilizava uma “empresa-veículo” cuja finalidade exclusiva seria receber recursos de um investidor real e, por conseguinte, adquirir participações em outra empresa, para, logo em seguida, ser incorporada por esta.

Ou seja, mais uma vez não haveria motivação (propósito) econômica ou negocial, mas sim a utilização de mecanismos para receber o ágio pago pela empresa-veículo e posteriormente, amortizá-lo, com o único objetivo de deduzir as despesas de IRPJ e CSLL, mediante amortização do ágio.

Com esse fundamento, o CARF passou a coibir a prática para toda e qualquer operação que envolvessem M&A intragrupo e a entender que a amortização indevida do ágio equivaleria a sonegação fiscal, com base inclusive no que dispõe os arts. 71 e 72 da Lei nº 4.502/64 . Veja-se:

Turma: 1ª TURMA/CÂMARA SUPERIOR REC. FISCAIS. Data da publicação: 14/09/2017. A hipótese de incidência tributária da possibilidade de dedução das despesas de amortização do ágio, prevista no artigo 386 do RIR/1999, requer a participação de uma pessoa jurídica investidora originária, que efetivamente tenha acreditado na “mais valia” do investimento e feito sacrifícios patrimoniais para sua aquisição. Inexistentes tais sacrifícios, notadamente em razão do fato de alienantes e adquirente integrarem o mesmo grupo econômico, evidencia-se a artificialidade da reorganização societária que, carecendo de propósito negocial e substrato econômico, não tem o condão de autorizar o aproveitamento tributário do ágio que pretendeu criar. MULTA QUALIFICADA. CABIMENTO. A constatação de evidente intuito de fraudar o Fisco, pela intencional prática de atos simulados, enseja a qualificação da multa de ofício. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL TRIBUTAÇÃO REFLEXA Sendo a tributação decorrente dos mesmos fatos, aplica-se à CSLL o quanto decidido em relação ao IRPJ. Processo 11065.002149/2009-31

Como consabido, o não pagamento de tributo gera, via de regra, tão somente a incidência da chamada multa de ofício, contudo, pelo próprio entendimento de que a amortização indevida se traduziria em uma das espécies de sonegação fiscal, a RFB passou a aplicar a chamada multa qualificada, que encontra fundamento justamente naqueles conceitos trazidos pelos arts.71, 72 e 73 da Lei n° 4.502/1964, ou seja, quando existe fraude, sonegação ou conluio.

Portanto, de acordo com o conceito do CARF, entendida a ausência do propósito negocial, a empresa seria autuada para realizar o recolhimento do tributo devido sem o desconto do ágio acrescido de multa qualificada de 150% (cento e cinquenta por cento), além de sofrer com as repercussões decorrentes da representação fiscal para fins penais enviada ao Ministério Público Federal para verificar a prática do crime contra a ordem tributária.

Nesse ponto, oportuno fazer uma distinção entre a fundamentação para aplicação da multa qualificada e a modalidade de sonegação fiscal correspondente aquela conduta.

Se o contribuinte omite informação ou presta declaração falsa para impedir ou retardar o conhecimento do fato gerador da obrigação tributária, tal como previsto no art.71 da Lei n° 4.502/1964 estaremos, portanto, tratando da modalidade de sonegação fiscal estampada no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.

Já a conduta contida no art.72 da Lei n° 4.502/1964 se amolda, por sua própria natureza, as hipóteses previstas nos incisos II ao IV do Art.1º da Lei nº 8.137/90.

Oportuno esclarecer também que, em quaisquer das hipóteses, é imprescindível a comprovação do Dolo, não se admitindo, portanto, para fins de imputação das condutas previstas no art.1º da Lei nº 8.137/90, que o agente tenha agido com culpa.

Pois bem.

A grande mudança em relação a temática ocorre em 8 de setembro de 2021, em sessão de julgamento realizada pela 1ª Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF pertencente ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.

Nesse julgamento, a 1ª Câmara do CSRF entendeu pela não aplicação da multa qualificada a teor do que diz o Art. 44, I c/c o seu §1º da Lei n° 9.430/96 ao grupo econômico, sob o argumento de que, apesar do grupo ter realizado um planejamento tributário abusivo, não foram verificados indícios de fraude ou sonegação.

Nesses autos, um grupo econômico foi alvo de fiscalização devido a dedução de grande montante referente ao IRPJ dos anos-calendários 2007, 2008 e 2009, a título de amortização de ágio pela aquisição de uma empresa pertencente ao mesmo grupo.

Na fundamentação do Auto de Infração lavrado pela Autoridade Fiscal, o conglomerado de empresas teria se utilizado de uma empresa veículo, através de um investidor, com a única função de receber recursos provenientes desse investidor real e, com isso, adquirir participações na outra empresa, efetivar a incorporação e receber o ágio pago para amortiza-lo e, assim, deduzir despesas de IRPJ e CSLL.

Como já debatemos, em casos como esse, o CARF costumava aplicar o entendimento de que essa amortização de ágio era indevida por ser uma operação de M&A intragrupo, portanto, essa dedução gerada pela amortização indevida era equivalente a uma fraude/sonegação fiscal.

Contudo, a 1ª Turma do CSRF, na contramão do entendimento consolidado, entendeu que a fraude fiscal advinda de planejamento tributário não abrangia condutas que afetam diretamente a base de cálculo do tributo e, tendo em vista que o comando legal é literal no sentido de exigir “que a conduta afete a ocorrência do fato gerador, ou suas características fundamentais, de forma dolosa”, a amortização irregular do ágio não seria capaz de atrair a incidência dos art.71 e 72 da Lei n° 4.502/64 e, por conseguinte, do Art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Ora, nos parece claro que fator principal utilizado para mudança desse paradigma foi uma reflexão a respeito dos conceitos de Evasão (fraude) e Elisão.

Na elisão, o contribuinte manipula as possibilidades expressas na legislação se utilizando de ferramentas lícitas no intuito de impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Já a Evasão é o puro ato de fraudar, omitir ou alterar declarações destinadas ao Fisco com o intuito de não pagar o tributo devido. Ou seja, aqui o contribuinte se vale de ferramentas ilícitas para deixar de pagar o tributo.

Diante disso, o que fica esclarecido é que a elisão irá preceder a ocorrência do fato gerador e, presente alguma irregularidade, deve gerar multa comum; já a evasão ocorrerá tão somente após o fato gerador, onde o contribuinte se utiliza dolosamente de ferramentas ilícitas (fraude) para não pagar o tributo devendo, portanto, gerar a multa qualificada (art.71 e 72 da Lei nº 4.502/64).

Justamente por está razão que a CSRF, através de sua 1ª Turma, concluiu que este era um caso de Elisão, ou seja, não alterou o fato gerador ou suas características fundamentais, mas tão somente a apuração tributo, não havendo, portanto, qualquer tipo de conduta fraudulenta.

Mais importante que isso, a 1ª Turma consignou que sendo incontroversa a existência do ágio, e a autuação estando fundamentada tão somente na inexistência de propósito negocial da operação, em virtude de a execução ter se dado através de “empresa veículo”, o dolo não estaria caracterizado.

Isso nos parece razoável, afinal, a inexistência do propósito negocial por si só não é capaz de relativizar a legalidade de operações claramente lícitas. A prática adotada pelo CARF até o julgado proferido pela CSRF não encontrava qualquer respaldo legal, se traduzindo em uma conduta claramente fiscalizatória similar as praticadas em outros países, cujo ordenamento jurídico funciona de maneira totalmente distinta do nosso.

A alteração de um entendimento consolidado há tantos anos, para além das repercussões financeiras que serão geradas em favor dos contribuintes se traduz efetivamente, até pela complexidade que envolve a matéria, em um imprescindível avanço para demais controvérsias relativas à matéria, de modo a possibilitar, a partir deste novo paradigma, um debate mais lúcido e justo para sanar as demais controvérsias que envolvem o tema.

*Luiz Luna Neto, advogado e professor universitário. Master of Law em Direito Tributário, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Processo Penal

Atualmente, tem-se percebido uma crescente de ações penais que visam punir empresários pela prática de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/90) decorrente da chamada amortização indevida do ágio gerado em operações de M&A intragrupo.

Para esclarecer melhor a matéria que abordada, importante tecermos – ainda que de forma breve – algumas considerações sobre o chamado ágio.

Luiz Luna Neto Foto: Divulgação

Como se sabe, o preço de aquisição de ativos nas operações de M&A nem sempre corresponderá ao valor correto de mercado. É justamente dessa diferença (positiva) apurada entre o valor da aquisição e o valor do real do ativo adquirido que nasce o chamado, pela contabilidade, ágio.

Portanto, o ágio tratado aqui será aquele formado a partir de operações de fusão e aquisição praticadas entre empresas do mesmo grupo econômico.

Tecidas essas breves considerações introdutórias, parece oportuno trazer um panorama histórico sobre ágio no Brasil.

Em meados de de 1997, o Brasil entendeu que para fomentar a privatização de estatais através de capital estrangeiro (programa de privatização de estatais), seria necessário elaborar uma política fiscal mais arrojada e atraente.

Em razão disso, foi elaborada a Lei n° 9.532/1997 que em seus artigos 7º e 8º passou a autorizar que as empresas, nas operações de incorporação, fusão ou cisão deduzissem, como despesa, o ágio quando da apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Essa autorização para deduzir o ágio como despesa na apuração do IRPJ e da CSLL foi fundamentada nos chamados “rendimentos futuros”. Notadamente, por ser um meio de dedução de despesa relevante, as empresas passaram a utilizar o mecanismo, inclusive grupos econômicos.

Para que fique claro, a partir de 1997, o mecanismo passou a funcionar da seguinte forma: Um investidor adquire uma participação em uma outra empresa – seja do mesmo grupo ou independente – e paga um valor pela rentabilidade futura da empresa que está adquirindo.

A partir desse modelo de operação, é gerado o ágio e o valor correspondente poderá ser amortizado em até cinco anos, o que reduz, consideravelmente, o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Esse tipo de operação está longe da ilegalidade, contudo, por ter se tornado uma prática comum, que possibilita uma redução considerável do IRPJ e da CSLL nas operações de M&A, podendo ser utilizada inclusive por empresas do mesmo grupo econômico, a Receita Federal começou a fiscalizar com mais veemência.

Com isso, se iniciou um debate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais- CARF, sobre os limites da amortização do ágio, principalmente para aquelas empreses pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Até meados de 2021 o CARF entendia que só existiria ágio válido naquelas operações de M&A realizadas entre pessoas jurídicas independentes e somente quando ficasse comprovado o efetivo gasto financeiro.

Em outras palavras, as operações de M&A intragrupos, ou seja, realizadas entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, não poderiam se beneficiar da benesse no art.7º da Lei nº 9.532.

Parte desse entendimento decorria do fato de que a grande maioria dos planejamentos se traduziam em meras operações contábeis, isto é, o que se buscava era ilustrar uma operação aquisição, por exemplo, porém sem que houvesse de fato uma transferência de valores (pagamento) para a aquisição dessa participação.

Nesse caso específico, restaria configurada a ausência do chamado propósito negocial, ou seja, para o CARF, o planejamento tributário seria abusivo por deturbar a legislação tributária ao realizar uma operação sem propósito econômico cuja finalidade seria tão somente reduzir o valor dos impostos a serem recolhidos (IRPJ e CSLL).

Evidentemente que esta fundamentação não nos parece razoável, afinal, existiam operações com ágio gerado de empresas do mesmo grupo que efetivamente realizou a operação financeira, ou seja, o pagamento. Nesse caso, mesmo que comprovado o efetivo propósito negocial, o CARF permanecia entendendo que o planejamento seria abusivo.

Em outra hipótese, um investidor utilizava uma “empresa-veículo” cuja finalidade exclusiva seria receber recursos de um investidor real e, por conseguinte, adquirir participações em outra empresa, para, logo em seguida, ser incorporada por esta.

Ou seja, mais uma vez não haveria motivação (propósito) econômica ou negocial, mas sim a utilização de mecanismos para receber o ágio pago pela empresa-veículo e posteriormente, amortizá-lo, com o único objetivo de deduzir as despesas de IRPJ e CSLL, mediante amortização do ágio.

Com esse fundamento, o CARF passou a coibir a prática para toda e qualquer operação que envolvessem M&A intragrupo e a entender que a amortização indevida do ágio equivaleria a sonegação fiscal, com base inclusive no que dispõe os arts. 71 e 72 da Lei nº 4.502/64 . Veja-se:

Turma: 1ª TURMA/CÂMARA SUPERIOR REC. FISCAIS. Data da publicação: 14/09/2017. A hipótese de incidência tributária da possibilidade de dedução das despesas de amortização do ágio, prevista no artigo 386 do RIR/1999, requer a participação de uma pessoa jurídica investidora originária, que efetivamente tenha acreditado na “mais valia” do investimento e feito sacrifícios patrimoniais para sua aquisição. Inexistentes tais sacrifícios, notadamente em razão do fato de alienantes e adquirente integrarem o mesmo grupo econômico, evidencia-se a artificialidade da reorganização societária que, carecendo de propósito negocial e substrato econômico, não tem o condão de autorizar o aproveitamento tributário do ágio que pretendeu criar. MULTA QUALIFICADA. CABIMENTO. A constatação de evidente intuito de fraudar o Fisco, pela intencional prática de atos simulados, enseja a qualificação da multa de ofício. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL TRIBUTAÇÃO REFLEXA Sendo a tributação decorrente dos mesmos fatos, aplica-se à CSLL o quanto decidido em relação ao IRPJ. Processo 11065.002149/2009-31

Como consabido, o não pagamento de tributo gera, via de regra, tão somente a incidência da chamada multa de ofício, contudo, pelo próprio entendimento de que a amortização indevida se traduziria em uma das espécies de sonegação fiscal, a RFB passou a aplicar a chamada multa qualificada, que encontra fundamento justamente naqueles conceitos trazidos pelos arts.71, 72 e 73 da Lei n° 4.502/1964, ou seja, quando existe fraude, sonegação ou conluio.

Portanto, de acordo com o conceito do CARF, entendida a ausência do propósito negocial, a empresa seria autuada para realizar o recolhimento do tributo devido sem o desconto do ágio acrescido de multa qualificada de 150% (cento e cinquenta por cento), além de sofrer com as repercussões decorrentes da representação fiscal para fins penais enviada ao Ministério Público Federal para verificar a prática do crime contra a ordem tributária.

Nesse ponto, oportuno fazer uma distinção entre a fundamentação para aplicação da multa qualificada e a modalidade de sonegação fiscal correspondente aquela conduta.

Se o contribuinte omite informação ou presta declaração falsa para impedir ou retardar o conhecimento do fato gerador da obrigação tributária, tal como previsto no art.71 da Lei n° 4.502/1964 estaremos, portanto, tratando da modalidade de sonegação fiscal estampada no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.

Já a conduta contida no art.72 da Lei n° 4.502/1964 se amolda, por sua própria natureza, as hipóteses previstas nos incisos II ao IV do Art.1º da Lei nº 8.137/90.

Oportuno esclarecer também que, em quaisquer das hipóteses, é imprescindível a comprovação do Dolo, não se admitindo, portanto, para fins de imputação das condutas previstas no art.1º da Lei nº 8.137/90, que o agente tenha agido com culpa.

Pois bem.

A grande mudança em relação a temática ocorre em 8 de setembro de 2021, em sessão de julgamento realizada pela 1ª Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF pertencente ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.

Nesse julgamento, a 1ª Câmara do CSRF entendeu pela não aplicação da multa qualificada a teor do que diz o Art. 44, I c/c o seu §1º da Lei n° 9.430/96 ao grupo econômico, sob o argumento de que, apesar do grupo ter realizado um planejamento tributário abusivo, não foram verificados indícios de fraude ou sonegação.

Nesses autos, um grupo econômico foi alvo de fiscalização devido a dedução de grande montante referente ao IRPJ dos anos-calendários 2007, 2008 e 2009, a título de amortização de ágio pela aquisição de uma empresa pertencente ao mesmo grupo.

Na fundamentação do Auto de Infração lavrado pela Autoridade Fiscal, o conglomerado de empresas teria se utilizado de uma empresa veículo, através de um investidor, com a única função de receber recursos provenientes desse investidor real e, com isso, adquirir participações na outra empresa, efetivar a incorporação e receber o ágio pago para amortiza-lo e, assim, deduzir despesas de IRPJ e CSLL.

Como já debatemos, em casos como esse, o CARF costumava aplicar o entendimento de que essa amortização de ágio era indevida por ser uma operação de M&A intragrupo, portanto, essa dedução gerada pela amortização indevida era equivalente a uma fraude/sonegação fiscal.

Contudo, a 1ª Turma do CSRF, na contramão do entendimento consolidado, entendeu que a fraude fiscal advinda de planejamento tributário não abrangia condutas que afetam diretamente a base de cálculo do tributo e, tendo em vista que o comando legal é literal no sentido de exigir “que a conduta afete a ocorrência do fato gerador, ou suas características fundamentais, de forma dolosa”, a amortização irregular do ágio não seria capaz de atrair a incidência dos art.71 e 72 da Lei n° 4.502/64 e, por conseguinte, do Art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Ora, nos parece claro que fator principal utilizado para mudança desse paradigma foi uma reflexão a respeito dos conceitos de Evasão (fraude) e Elisão.

Na elisão, o contribuinte manipula as possibilidades expressas na legislação se utilizando de ferramentas lícitas no intuito de impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Já a Evasão é o puro ato de fraudar, omitir ou alterar declarações destinadas ao Fisco com o intuito de não pagar o tributo devido. Ou seja, aqui o contribuinte se vale de ferramentas ilícitas para deixar de pagar o tributo.

Diante disso, o que fica esclarecido é que a elisão irá preceder a ocorrência do fato gerador e, presente alguma irregularidade, deve gerar multa comum; já a evasão ocorrerá tão somente após o fato gerador, onde o contribuinte se utiliza dolosamente de ferramentas ilícitas (fraude) para não pagar o tributo devendo, portanto, gerar a multa qualificada (art.71 e 72 da Lei nº 4.502/64).

Justamente por está razão que a CSRF, através de sua 1ª Turma, concluiu que este era um caso de Elisão, ou seja, não alterou o fato gerador ou suas características fundamentais, mas tão somente a apuração tributo, não havendo, portanto, qualquer tipo de conduta fraudulenta.

Mais importante que isso, a 1ª Turma consignou que sendo incontroversa a existência do ágio, e a autuação estando fundamentada tão somente na inexistência de propósito negocial da operação, em virtude de a execução ter se dado através de “empresa veículo”, o dolo não estaria caracterizado.

Isso nos parece razoável, afinal, a inexistência do propósito negocial por si só não é capaz de relativizar a legalidade de operações claramente lícitas. A prática adotada pelo CARF até o julgado proferido pela CSRF não encontrava qualquer respaldo legal, se traduzindo em uma conduta claramente fiscalizatória similar as praticadas em outros países, cujo ordenamento jurídico funciona de maneira totalmente distinta do nosso.

A alteração de um entendimento consolidado há tantos anos, para além das repercussões financeiras que serão geradas em favor dos contribuintes se traduz efetivamente, até pela complexidade que envolve a matéria, em um imprescindível avanço para demais controvérsias relativas à matéria, de modo a possibilitar, a partir deste novo paradigma, um debate mais lúcido e justo para sanar as demais controvérsias que envolvem o tema.

*Luiz Luna Neto, advogado e professor universitário. Master of Law em Direito Tributário, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Processo Penal

Atualmente, tem-se percebido uma crescente de ações penais que visam punir empresários pela prática de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/90) decorrente da chamada amortização indevida do ágio gerado em operações de M&A intragrupo.

Para esclarecer melhor a matéria que abordada, importante tecermos – ainda que de forma breve – algumas considerações sobre o chamado ágio.

Luiz Luna Neto Foto: Divulgação

Como se sabe, o preço de aquisição de ativos nas operações de M&A nem sempre corresponderá ao valor correto de mercado. É justamente dessa diferença (positiva) apurada entre o valor da aquisição e o valor do real do ativo adquirido que nasce o chamado, pela contabilidade, ágio.

Portanto, o ágio tratado aqui será aquele formado a partir de operações de fusão e aquisição praticadas entre empresas do mesmo grupo econômico.

Tecidas essas breves considerações introdutórias, parece oportuno trazer um panorama histórico sobre ágio no Brasil.

Em meados de de 1997, o Brasil entendeu que para fomentar a privatização de estatais através de capital estrangeiro (programa de privatização de estatais), seria necessário elaborar uma política fiscal mais arrojada e atraente.

Em razão disso, foi elaborada a Lei n° 9.532/1997 que em seus artigos 7º e 8º passou a autorizar que as empresas, nas operações de incorporação, fusão ou cisão deduzissem, como despesa, o ágio quando da apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Essa autorização para deduzir o ágio como despesa na apuração do IRPJ e da CSLL foi fundamentada nos chamados “rendimentos futuros”. Notadamente, por ser um meio de dedução de despesa relevante, as empresas passaram a utilizar o mecanismo, inclusive grupos econômicos.

Para que fique claro, a partir de 1997, o mecanismo passou a funcionar da seguinte forma: Um investidor adquire uma participação em uma outra empresa – seja do mesmo grupo ou independente – e paga um valor pela rentabilidade futura da empresa que está adquirindo.

A partir desse modelo de operação, é gerado o ágio e o valor correspondente poderá ser amortizado em até cinco anos, o que reduz, consideravelmente, o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Esse tipo de operação está longe da ilegalidade, contudo, por ter se tornado uma prática comum, que possibilita uma redução considerável do IRPJ e da CSLL nas operações de M&A, podendo ser utilizada inclusive por empresas do mesmo grupo econômico, a Receita Federal começou a fiscalizar com mais veemência.

Com isso, se iniciou um debate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais- CARF, sobre os limites da amortização do ágio, principalmente para aquelas empreses pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Até meados de 2021 o CARF entendia que só existiria ágio válido naquelas operações de M&A realizadas entre pessoas jurídicas independentes e somente quando ficasse comprovado o efetivo gasto financeiro.

Em outras palavras, as operações de M&A intragrupos, ou seja, realizadas entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, não poderiam se beneficiar da benesse no art.7º da Lei nº 9.532.

Parte desse entendimento decorria do fato de que a grande maioria dos planejamentos se traduziam em meras operações contábeis, isto é, o que se buscava era ilustrar uma operação aquisição, por exemplo, porém sem que houvesse de fato uma transferência de valores (pagamento) para a aquisição dessa participação.

Nesse caso específico, restaria configurada a ausência do chamado propósito negocial, ou seja, para o CARF, o planejamento tributário seria abusivo por deturbar a legislação tributária ao realizar uma operação sem propósito econômico cuja finalidade seria tão somente reduzir o valor dos impostos a serem recolhidos (IRPJ e CSLL).

Evidentemente que esta fundamentação não nos parece razoável, afinal, existiam operações com ágio gerado de empresas do mesmo grupo que efetivamente realizou a operação financeira, ou seja, o pagamento. Nesse caso, mesmo que comprovado o efetivo propósito negocial, o CARF permanecia entendendo que o planejamento seria abusivo.

Em outra hipótese, um investidor utilizava uma “empresa-veículo” cuja finalidade exclusiva seria receber recursos de um investidor real e, por conseguinte, adquirir participações em outra empresa, para, logo em seguida, ser incorporada por esta.

Ou seja, mais uma vez não haveria motivação (propósito) econômica ou negocial, mas sim a utilização de mecanismos para receber o ágio pago pela empresa-veículo e posteriormente, amortizá-lo, com o único objetivo de deduzir as despesas de IRPJ e CSLL, mediante amortização do ágio.

Com esse fundamento, o CARF passou a coibir a prática para toda e qualquer operação que envolvessem M&A intragrupo e a entender que a amortização indevida do ágio equivaleria a sonegação fiscal, com base inclusive no que dispõe os arts. 71 e 72 da Lei nº 4.502/64 . Veja-se:

Turma: 1ª TURMA/CÂMARA SUPERIOR REC. FISCAIS. Data da publicação: 14/09/2017. A hipótese de incidência tributária da possibilidade de dedução das despesas de amortização do ágio, prevista no artigo 386 do RIR/1999, requer a participação de uma pessoa jurídica investidora originária, que efetivamente tenha acreditado na “mais valia” do investimento e feito sacrifícios patrimoniais para sua aquisição. Inexistentes tais sacrifícios, notadamente em razão do fato de alienantes e adquirente integrarem o mesmo grupo econômico, evidencia-se a artificialidade da reorganização societária que, carecendo de propósito negocial e substrato econômico, não tem o condão de autorizar o aproveitamento tributário do ágio que pretendeu criar. MULTA QUALIFICADA. CABIMENTO. A constatação de evidente intuito de fraudar o Fisco, pela intencional prática de atos simulados, enseja a qualificação da multa de ofício. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL TRIBUTAÇÃO REFLEXA Sendo a tributação decorrente dos mesmos fatos, aplica-se à CSLL o quanto decidido em relação ao IRPJ. Processo 11065.002149/2009-31

Como consabido, o não pagamento de tributo gera, via de regra, tão somente a incidência da chamada multa de ofício, contudo, pelo próprio entendimento de que a amortização indevida se traduziria em uma das espécies de sonegação fiscal, a RFB passou a aplicar a chamada multa qualificada, que encontra fundamento justamente naqueles conceitos trazidos pelos arts.71, 72 e 73 da Lei n° 4.502/1964, ou seja, quando existe fraude, sonegação ou conluio.

Portanto, de acordo com o conceito do CARF, entendida a ausência do propósito negocial, a empresa seria autuada para realizar o recolhimento do tributo devido sem o desconto do ágio acrescido de multa qualificada de 150% (cento e cinquenta por cento), além de sofrer com as repercussões decorrentes da representação fiscal para fins penais enviada ao Ministério Público Federal para verificar a prática do crime contra a ordem tributária.

Nesse ponto, oportuno fazer uma distinção entre a fundamentação para aplicação da multa qualificada e a modalidade de sonegação fiscal correspondente aquela conduta.

Se o contribuinte omite informação ou presta declaração falsa para impedir ou retardar o conhecimento do fato gerador da obrigação tributária, tal como previsto no art.71 da Lei n° 4.502/1964 estaremos, portanto, tratando da modalidade de sonegação fiscal estampada no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.

Já a conduta contida no art.72 da Lei n° 4.502/1964 se amolda, por sua própria natureza, as hipóteses previstas nos incisos II ao IV do Art.1º da Lei nº 8.137/90.

Oportuno esclarecer também que, em quaisquer das hipóteses, é imprescindível a comprovação do Dolo, não se admitindo, portanto, para fins de imputação das condutas previstas no art.1º da Lei nº 8.137/90, que o agente tenha agido com culpa.

Pois bem.

A grande mudança em relação a temática ocorre em 8 de setembro de 2021, em sessão de julgamento realizada pela 1ª Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF pertencente ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.

Nesse julgamento, a 1ª Câmara do CSRF entendeu pela não aplicação da multa qualificada a teor do que diz o Art. 44, I c/c o seu §1º da Lei n° 9.430/96 ao grupo econômico, sob o argumento de que, apesar do grupo ter realizado um planejamento tributário abusivo, não foram verificados indícios de fraude ou sonegação.

Nesses autos, um grupo econômico foi alvo de fiscalização devido a dedução de grande montante referente ao IRPJ dos anos-calendários 2007, 2008 e 2009, a título de amortização de ágio pela aquisição de uma empresa pertencente ao mesmo grupo.

Na fundamentação do Auto de Infração lavrado pela Autoridade Fiscal, o conglomerado de empresas teria se utilizado de uma empresa veículo, através de um investidor, com a única função de receber recursos provenientes desse investidor real e, com isso, adquirir participações na outra empresa, efetivar a incorporação e receber o ágio pago para amortiza-lo e, assim, deduzir despesas de IRPJ e CSLL.

Como já debatemos, em casos como esse, o CARF costumava aplicar o entendimento de que essa amortização de ágio era indevida por ser uma operação de M&A intragrupo, portanto, essa dedução gerada pela amortização indevida era equivalente a uma fraude/sonegação fiscal.

Contudo, a 1ª Turma do CSRF, na contramão do entendimento consolidado, entendeu que a fraude fiscal advinda de planejamento tributário não abrangia condutas que afetam diretamente a base de cálculo do tributo e, tendo em vista que o comando legal é literal no sentido de exigir “que a conduta afete a ocorrência do fato gerador, ou suas características fundamentais, de forma dolosa”, a amortização irregular do ágio não seria capaz de atrair a incidência dos art.71 e 72 da Lei n° 4.502/64 e, por conseguinte, do Art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Ora, nos parece claro que fator principal utilizado para mudança desse paradigma foi uma reflexão a respeito dos conceitos de Evasão (fraude) e Elisão.

Na elisão, o contribuinte manipula as possibilidades expressas na legislação se utilizando de ferramentas lícitas no intuito de impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Já a Evasão é o puro ato de fraudar, omitir ou alterar declarações destinadas ao Fisco com o intuito de não pagar o tributo devido. Ou seja, aqui o contribuinte se vale de ferramentas ilícitas para deixar de pagar o tributo.

Diante disso, o que fica esclarecido é que a elisão irá preceder a ocorrência do fato gerador e, presente alguma irregularidade, deve gerar multa comum; já a evasão ocorrerá tão somente após o fato gerador, onde o contribuinte se utiliza dolosamente de ferramentas ilícitas (fraude) para não pagar o tributo devendo, portanto, gerar a multa qualificada (art.71 e 72 da Lei nº 4.502/64).

Justamente por está razão que a CSRF, através de sua 1ª Turma, concluiu que este era um caso de Elisão, ou seja, não alterou o fato gerador ou suas características fundamentais, mas tão somente a apuração tributo, não havendo, portanto, qualquer tipo de conduta fraudulenta.

Mais importante que isso, a 1ª Turma consignou que sendo incontroversa a existência do ágio, e a autuação estando fundamentada tão somente na inexistência de propósito negocial da operação, em virtude de a execução ter se dado através de “empresa veículo”, o dolo não estaria caracterizado.

Isso nos parece razoável, afinal, a inexistência do propósito negocial por si só não é capaz de relativizar a legalidade de operações claramente lícitas. A prática adotada pelo CARF até o julgado proferido pela CSRF não encontrava qualquer respaldo legal, se traduzindo em uma conduta claramente fiscalizatória similar as praticadas em outros países, cujo ordenamento jurídico funciona de maneira totalmente distinta do nosso.

A alteração de um entendimento consolidado há tantos anos, para além das repercussões financeiras que serão geradas em favor dos contribuintes se traduz efetivamente, até pela complexidade que envolve a matéria, em um imprescindível avanço para demais controvérsias relativas à matéria, de modo a possibilitar, a partir deste novo paradigma, um debate mais lúcido e justo para sanar as demais controvérsias que envolvem o tema.

*Luiz Luna Neto, advogado e professor universitário. Master of Law em Direito Tributário, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Processo Penal

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