O general reformado Mário Fernandes, ex-secretário-geral da Presidência, é a peça-chave da Operação Contragolpe - investigação sobre o plano de assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal - fechando ainda mais o cerco à cúpula do governo Jair Bolsonaro nas apurações sobre uma tentativa de golpe de Estado.
A Polícia Federal descobriu que Mário Fernandes é o autor do arquivo que detalhava a possibilidade de envenenar Lula, matar Alckmin e explodir Moraes. Também identificou que o documento foi impresso no Palácio do Planalto no dia 9 de novembro - semanas depois da derrota de Bolsonaro nas urnas - e posteriormente levado até o Palácio do Alvorada, residência do chefe do Executivo.
A impressora usada pelo general foi a do gabinete da Secretaria-geral. O nome do arquivo impresso era ‘planejamento’, exatamente a primeira palavra que aparece no título do documento: ‘Planejamento - Punhal Verde Amarelo’. Quarenta minutos após a impressão, o general registrou entrada no Alvorada.
O documento trazia detalhes sobre a Operação ‘Punhal Verde Amarelo’, com o audacioso plano de assassinato Lula, Alckmin e Moraes. O arquivo se referia ao petista como ‘Jeca’. O presidente seria morto por envenenamento, previam os militares. Eles pretendiam eliminar Moraes por meio da explosão de uma bomba.
Nesta terça, 19, a Polícia Federal prendeu o grupo por ordem de Mores.
Mário imprimiu o planejamento da Operação ‘Punhal Verde Amarelo’, na mesma impressora, no dia 6 de dezembro de 2022, às 18h09. Segundo a PF, enquanto o general imprimia o arquivo, os aparelhos do ‘kid preto’ Rafael Martins de Oliveira, lotado no Batalhão de Ações e Comando, e do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, estavam conectados na rede de internet do Palácio do Planalto.
Ainda de acordo com os investigadores, nesse mesmo horário, Bolsonaro também estava no Planalto. A PF chegou a tal informação por meio da análise de um grupo que Cid mantinha em seu celular, chamado ‘Acompanhamento’, sobre a rotina do então presidente. Naquele diz, Bolsonaro acompanhou a posse de Ministros no Superior Tribunal de Justiça e, às 17h56, foi para o Planalto. Lá o chefe do Executivo ficou por 35 minutos e então se dirigiu para a residência presidencial.
Kid Preto integrava a ‘Copa 2022′
A PF destaca que Rafael de Oliveira, o ‘kid preto’ que estava no Planalto quando foi impressa a segunda via do plano ‘Punhal Verde Amarelo’, foi um dos integrantes da operação ‘Copa 2022′, que efetuaria a prisão/execução do ministro Alexandre de Moraes no dia 15 de dezembro daquele ano. Como mostrou o Estadão, os oficiais chegaram a colocar o plano em execução, usando até carros do Exército para monitorar o ministro. A ação dos ‘kids pretos’ foi inclusive aprovada em uma reunião na casa do ex-ministro da Defesa general Braga Netto, diz a PF.
Segundo a Polícia Federal, Mário Fernandes, General de Brigada na reserva, seria integrante do “Núcleo de Oficiais de Alta Patente com Influência e Apoio de Outros Núcleos” descrito na investigação sobre a trama golpista gestada no governo Bolsonaro. Os membros de tal núcleo “utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para a consumação do Golpe de Estado”, diz a corporação.
Os investigadores dizem que Mário é um dos militares mais radicais do referido núcleo militar, conforme relatado pelo próprio Cid em sua delação. O inquérito aponta que o general “promoveu ações de planejamento, coordenação e execução de atos antidemocráticos, inclusive com registros de frequência ao acampamento montado nas adjacências do QGEx, e, até mesmo, de relação direta com manifestantes radicais que atuaram no período pós-eleições de 2022″.
Leia Também:
‘Punhal Verde e Amarelo’: plano de militares bolsonaristas era envenenar Lula e explodir Moraes
PF acha com ‘kid preto’ planilha do golpe com cinco fases de ‘pacificação’ e prisão de ministros
Braga Netto fez reunião sobre ‘kids pretos’ e seria chefe de ‘gabinete de crise’ pós-golpe, diz PF
General imprimiu no Planalto plano de execução de Lula, Alckmin e Moraes, com Bolsonaro no Palácio
Em uma das fatídicas reuniões de cúpula do governo Jair Bolsonaro - ocorrida em 5 de julho - foi Mário quem bradou: “Daqui a pouco nós estamos nas vésperas do primeiro turno, e aí, com a própria pressão internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem menor. A população vai começar a acreditar que ‘não, então tá tranquilo, o governo não tomou a medida mais radical, tá tranquilo’... então acho que realmente, nós precisamos ter um prazo para que isso aconteça e não, para que eles raciocinem que é importante avaliar essa possibilidade, mas principalmente, para que uma alternativa seja tomada, como o senhor mesmo disse, antes que aconteça. Porque no momento que acontecer, é 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo o que se avançou no país? Porque isso vai acontecer. O país vai ser todo desarticulado”.
A PF acessou as mensagens de Mário. Identificou mensagens com tom antidemocrático trocadas com outros militares, “relacionados aos ideários golpistas”. Debateu inclusive como alegar fraudes nas eleições.
Segundo a Polícia Federal, o general inclusive sabia da reunião, junto dos chefes do Exército e da Marinha, em que foi apresentada a Bolsonaro a minuta do golpe de Estado. Naquele dia, Mário enviou a Cid o seguinte áudio: “Força, Cid. Cid, acho que você está tendo uma reunião importante aí agora no Alvorada. Pô, mostra esse vídeo pro comandante, cara. Se possível, transmite durante a reunião, porra. Isso é história. E a história é marcada por momentos como esse que nós estamos vivendo agora. Força.”
Uma das gravações que mais chamou atenção da Polícia Federal foi a que Mário enviou a Cid em 9 de dezembro, “comemorando que o então presidente Jair Bolsonaro aceitou o “nosso assessoramento”.
“”Força, Cid. Meu amigo, muito bacana o presidente ter ido lá à frente ali do Alvorada e ter se pronunciado, cara. Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento. Porra, deu a cara pro público dele, pra galera que confia, acredita nele até a morte. Foi muito bacana mesmo, cara. Todo mundo vibrando. Transmite isso pra ele. E vou te colocar aqui abaixo um texto que eu recebi do Lucão, que é o Duílio, que é um caminhoneiro famoso aí pra caramba, que tá lá no QG já há mais de 30 dias. E aí, porra, ele se emocionou, tava com a família aí, e assistiu hoje lá in loco, presencialmente, as palavras do presidente, cara. Olha aqui o texto abaixo que ele mandou. Se tu avaliar que é coerente, mostra pro presidente também, cara. Força!”, disse.
No dia 15 de dezembro, data em que estava prevista uma operação para prender/executar Moraes, Mário Fernandes pede ao então ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, o general Ramos, que “blinde presidente contra qualquer desestímulo, qualquer assessoramento diferente”.
“É agora, comandante. Tem que tomar iniciativa, tem que fazer as coisas agora, comandante. O que eles estão aprontando não tá escrito. O Supremo não tá escrito. Ainda bem que o Senado barrou lá um pouco. Ainda bem que o Senado barrou. Olha o que que eles tavam aprontando. Não é possível. Será que tem cabimento, vocês vão engolir seco isso aí? Não conta, comandante. O senhor é outra estirpe. Eu confio no senhor, comandante.”
No entanto, em dezembro, Mário Fernandes começou a ficar frustrado com as Forças Armadas, “que estariam aguardando uma decisão política para atuar”. Ele afirmou a um coronel: “”Cara, porra, o presidente tem que decidir e assinar esta merda, porra”.
‘Ponto focal’ do governo Bolsonaro com golpistas
Segundo a Polícia Federal, Mário era a quem pessoas acampadas em frente ao QG do Exército recorriam em busca de ajuda. Pediram por exemplo, que ele ajudasse a viabilizar a entrada de uma tenda no acampamento.
Também solicitaram ao general orientações sobre como os bolsonaristas deveriam proceder durante manifestações. A PF quer investigar se a solicitação inclusive tem relação com atos de 12 de dezembro de 2022, data em que houve a tentativa de invasão à sede da PF em Brasília.
Para os investigadores, Mário Fernandes era o “ponto focal” do governo Bolsonaro com os manifestantes golpistas. “Além de receber informações, também servia como provedor material, financeiro e orientador dos manifestantes antidemocráticos instalados nas adjacências do QG-Ex em Brasília/DF, que teve papel fundamental na tentativa de golpe de Estado perpetrada no dia 08/01/2023″, ressaltou a PF.