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Goffredo Telles Júnior: um jurista e um democrata


Por Rogério Tadeu Romano
O jurista e professor de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco Goffredo da Silva Telles lê a Carta aos Brasileiros em 8 de agosto de 1977. FOTO: KENJI HONDA/ESTADÃO  

Em seu trabalho, A Criação do Direito, em dois volumes, Goffredo Telles Jr. apresentou tese de cátedra de Introdução à Ciência do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dentro de uma linha tomista apresentou sua conclusão vendo uma orientação escolástica e jusnaturalista, que envolve, num primeiro momento, uma concepção total do homem, ao mesmo tempo humanista e cristã.

Sua classificação é de direito natural ao contrário da Moral que situa no plano metanatural ou sobrenatural.

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Acolheu o professor Goffredo Telles Jr. a teoria tomista sobre a distinção das condições do homem como indivíduo e como ser social, com aspecto significativo pelo pensamento sociológico contemporâneo.

Nessa perspectiva é o Direito Natural definido em termos de "Direito Positivo das sociedades cujo bem comum é meio para a consecução de bens soberanos do homem, pelo qual o constituem, propriamente, " as normas morais jurídicas", como ensina em Filosofia do Direito, 2º tomo, pág. 490 e 492.

A partir de uma concepção tomista Goffredo Telles Jr. classificava as normas em íntimas e sociais, aquelas se referindo ás normas privadas e essas às ações públicas do homem.

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Ainda, segundo ele, comportam as normas sociais a distinção entre normas de garantia e normas de aperfeiçoamento. As normas de garantia visam a assegurar a "ordem necessária à consecução dos objetivos sociais", às de aperfeiçoamento se destinam "a aprimorar a comunhão humana de um grupo social, grupo este já ordenado pelas normas de garantia". São exemplo das primeiras as disposições constantes do Código Civil e das últimas o preceito "amarás teu próximo como a um ser igual a ti"(Filosofia do Direito, 2º tomo, pág. 424). Mas as normas de aperfeiçoamento "são, contudo, prescindíveis". As normas de garantia não podem faltar.

Para Goffredo Telles Júnior num primeiro momento, a norma é atributiva, mas como todas as normas é ainda imperativa. Assim a norma jurídica é um imperativo atributivo.

Em 1974, publica Gofffredo Telles Júnior O Direito Quântico, subintitulado Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica, passando o seu pensamento por reformulação: "Não se diga, portanto, que a norma jurídica é atributiva". Consideramos erro sobre a natureza da norma defini-la: "norma atributiva". E explicou: "A faculdade de reagir contra o violador da norma jurídica não é atribuída pela norma. Tal faculdade o lesado a possui, exista ou não exista a norma jurídica. A faculdade de reagir é uma faculdade própria do ser humano, independente de qualquer norma", como descreveu no "O Direito Quântico".

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Disse ele: "A norma jurídica é um autorizamento ou permissão deferida ao lesado para tentar recompor o seu direito. Nos seus próprios termos, "serão jurídicas as normas que forem autorizantes, isto é, que autorizem o lesado pela sua violação a exigir, com apoio oficial da sociedade, o cumprimento da norma que foi violada, ou a reparação do mal sofrido".

A natureza da norma jurídica se define, portanto, pela expressão imperativo autorizante. Leva-se em conta a relação entre o Estado e o Direito.

Goffredo Teles Júnior procurou demonstrar que, na vida do Direito, a coação é apenas contingente. Em sua obra, o não poder-ser-divergente caracteriza a lei natural e, por isso, se expressa em termos causais, enquanto o poder-ser-diversamente constitui o modo próprio de exprimir-se a lei jurídica, que se formula em termos normativos, ou normas. Assim, atribui-se uma dignidade jurídica a liberdade. O dever-ser imperativo seria uma contradição verbal.

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Na visão do professor Goffredo da Silva Telles Júnior, as normas jurídicas diferem das não jurídicas por uma qualidade, e essa qualidade que caracteriza as primeiras é o que se designa pelo adjetivo autorizante.

A norma jurídica autoriza que se aplique uma pena, permitida pela lei, nos valores dela, para que se cumpra o que a lei manda ou a reparação do mal causado pela violação. Todas as normas são imperativas porque elas são consideradas mandamentos, por isso que se diz que a norma jurídica é bilateral, ao mesmo tempo em que manda ela autoriza a instituição em benefício da outra pessoa.

As normas jurídicas não exercem nenhuma pressão sobre o indivíduo, apenas prescrevem o caminho que ele deve seguir, afirmar o contrário é cair em contradição manifesta, Como poderia a norma coagir? Como poderia tomar um sujeito pelo braço e forçá-lo à algo? "A norma não age, logo não coage" (Goffredo Telles Jr.).

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Para Goffredo Telles Jr. a essência específica da norma de Direito é o Autorizamento.

O que compete à norma é autorizar ou não o uso da faculdade de reação pelo lesado. "Em rigor deveríamos dizer que tal autorizamento é da sociedade e não da norma, mas como é a norma jurídica que prescreve as ações exigidas e proibidades pela sociedade nada desaconselha dizer que o autorizamento pertence à norma que exprime em palavras o autorizamento inerente à sociedade" , como explicou Goffredo Telles Júnior.

O professor Goffredo da Silva Telles Júnior foi acima de tudo um democrata.

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Em 1977, em plena ditadura militar, ele leu a Carta aos brasileiros, pedindo o fim da ditadura militar. Naquela oportunidade, advertiu que a consciência jurídica do Brasil quer uma coisa só: o Estado de Direito no Brasil.

Eram os cento e cinquenta anos da criação dos cursos de direito no Brasil, em plena ditadura militar, que reservara meses antes cassações, o fechamento do Congresso Nacional e o pacote de abril com as emendas 7, de reestruturação do Poder Judiciário, e 8, da criação de senadores biônicos, em uma revisão outorgada da Constituição de 1967, criada no regime militar. Para os signatários da Carta uma Constituição somente seria legitima quando feita por Assembleia Geral Constituinte eleita pelo povo. Mais de quatro mil pessoas lotaram o largo São Francisco. Na comemoração, organizada pelo centro acadêmico XI de Agosto, o tema da volta do Estado de Direito foi central. Uma vitória da democracia em plena ditadura militar que não tinha qualquer legitimidade popular.

À época eu não passava de meus vinte e dois anos. Conversei na Faculdade de Direito da UERJ com o professor Sérgio Ferraz que me pôs atualizado com relação aos movimentos de São Paulo pela democracia que tinham o apoio de Dom Evaristo. Pulsava o movimento pela democracia.

Que coragem cívica!

O professor Goffredo destacou o Estado de Direito como solução para o país ao contrário da ditadura , destacando-se a soberania de uma Constituição democrática.

Falava-se, à época: "Estado de Direito já".

Hoje diante de movimentos golpistas de extrema-direita o lema deve ser: democracia sempre.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

O jurista e professor de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco Goffredo da Silva Telles lê a Carta aos Brasileiros em 8 de agosto de 1977. FOTO: KENJI HONDA/ESTADÃO  

Em seu trabalho, A Criação do Direito, em dois volumes, Goffredo Telles Jr. apresentou tese de cátedra de Introdução à Ciência do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dentro de uma linha tomista apresentou sua conclusão vendo uma orientação escolástica e jusnaturalista, que envolve, num primeiro momento, uma concepção total do homem, ao mesmo tempo humanista e cristã.

Sua classificação é de direito natural ao contrário da Moral que situa no plano metanatural ou sobrenatural.

Acolheu o professor Goffredo Telles Jr. a teoria tomista sobre a distinção das condições do homem como indivíduo e como ser social, com aspecto significativo pelo pensamento sociológico contemporâneo.

Nessa perspectiva é o Direito Natural definido em termos de "Direito Positivo das sociedades cujo bem comum é meio para a consecução de bens soberanos do homem, pelo qual o constituem, propriamente, " as normas morais jurídicas", como ensina em Filosofia do Direito, 2º tomo, pág. 490 e 492.

A partir de uma concepção tomista Goffredo Telles Jr. classificava as normas em íntimas e sociais, aquelas se referindo ás normas privadas e essas às ações públicas do homem.

Ainda, segundo ele, comportam as normas sociais a distinção entre normas de garantia e normas de aperfeiçoamento. As normas de garantia visam a assegurar a "ordem necessária à consecução dos objetivos sociais", às de aperfeiçoamento se destinam "a aprimorar a comunhão humana de um grupo social, grupo este já ordenado pelas normas de garantia". São exemplo das primeiras as disposições constantes do Código Civil e das últimas o preceito "amarás teu próximo como a um ser igual a ti"(Filosofia do Direito, 2º tomo, pág. 424). Mas as normas de aperfeiçoamento "são, contudo, prescindíveis". As normas de garantia não podem faltar.

Para Goffredo Telles Júnior num primeiro momento, a norma é atributiva, mas como todas as normas é ainda imperativa. Assim a norma jurídica é um imperativo atributivo.

Em 1974, publica Gofffredo Telles Júnior O Direito Quântico, subintitulado Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica, passando o seu pensamento por reformulação: "Não se diga, portanto, que a norma jurídica é atributiva". Consideramos erro sobre a natureza da norma defini-la: "norma atributiva". E explicou: "A faculdade de reagir contra o violador da norma jurídica não é atribuída pela norma. Tal faculdade o lesado a possui, exista ou não exista a norma jurídica. A faculdade de reagir é uma faculdade própria do ser humano, independente de qualquer norma", como descreveu no "O Direito Quântico".

Disse ele: "A norma jurídica é um autorizamento ou permissão deferida ao lesado para tentar recompor o seu direito. Nos seus próprios termos, "serão jurídicas as normas que forem autorizantes, isto é, que autorizem o lesado pela sua violação a exigir, com apoio oficial da sociedade, o cumprimento da norma que foi violada, ou a reparação do mal sofrido".

A natureza da norma jurídica se define, portanto, pela expressão imperativo autorizante. Leva-se em conta a relação entre o Estado e o Direito.

Goffredo Teles Júnior procurou demonstrar que, na vida do Direito, a coação é apenas contingente. Em sua obra, o não poder-ser-divergente caracteriza a lei natural e, por isso, se expressa em termos causais, enquanto o poder-ser-diversamente constitui o modo próprio de exprimir-se a lei jurídica, que se formula em termos normativos, ou normas. Assim, atribui-se uma dignidade jurídica a liberdade. O dever-ser imperativo seria uma contradição verbal.

Na visão do professor Goffredo da Silva Telles Júnior, as normas jurídicas diferem das não jurídicas por uma qualidade, e essa qualidade que caracteriza as primeiras é o que se designa pelo adjetivo autorizante.

A norma jurídica autoriza que se aplique uma pena, permitida pela lei, nos valores dela, para que se cumpra o que a lei manda ou a reparação do mal causado pela violação. Todas as normas são imperativas porque elas são consideradas mandamentos, por isso que se diz que a norma jurídica é bilateral, ao mesmo tempo em que manda ela autoriza a instituição em benefício da outra pessoa.

As normas jurídicas não exercem nenhuma pressão sobre o indivíduo, apenas prescrevem o caminho que ele deve seguir, afirmar o contrário é cair em contradição manifesta, Como poderia a norma coagir? Como poderia tomar um sujeito pelo braço e forçá-lo à algo? "A norma não age, logo não coage" (Goffredo Telles Jr.).

Para Goffredo Telles Jr. a essência específica da norma de Direito é o Autorizamento.

O que compete à norma é autorizar ou não o uso da faculdade de reação pelo lesado. "Em rigor deveríamos dizer que tal autorizamento é da sociedade e não da norma, mas como é a norma jurídica que prescreve as ações exigidas e proibidades pela sociedade nada desaconselha dizer que o autorizamento pertence à norma que exprime em palavras o autorizamento inerente à sociedade" , como explicou Goffredo Telles Júnior.

O professor Goffredo da Silva Telles Júnior foi acima de tudo um democrata.

Em 1977, em plena ditadura militar, ele leu a Carta aos brasileiros, pedindo o fim da ditadura militar. Naquela oportunidade, advertiu que a consciência jurídica do Brasil quer uma coisa só: o Estado de Direito no Brasil.

Eram os cento e cinquenta anos da criação dos cursos de direito no Brasil, em plena ditadura militar, que reservara meses antes cassações, o fechamento do Congresso Nacional e o pacote de abril com as emendas 7, de reestruturação do Poder Judiciário, e 8, da criação de senadores biônicos, em uma revisão outorgada da Constituição de 1967, criada no regime militar. Para os signatários da Carta uma Constituição somente seria legitima quando feita por Assembleia Geral Constituinte eleita pelo povo. Mais de quatro mil pessoas lotaram o largo São Francisco. Na comemoração, organizada pelo centro acadêmico XI de Agosto, o tema da volta do Estado de Direito foi central. Uma vitória da democracia em plena ditadura militar que não tinha qualquer legitimidade popular.

À época eu não passava de meus vinte e dois anos. Conversei na Faculdade de Direito da UERJ com o professor Sérgio Ferraz que me pôs atualizado com relação aos movimentos de São Paulo pela democracia que tinham o apoio de Dom Evaristo. Pulsava o movimento pela democracia.

Que coragem cívica!

O professor Goffredo destacou o Estado de Direito como solução para o país ao contrário da ditadura , destacando-se a soberania de uma Constituição democrática.

Falava-se, à época: "Estado de Direito já".

Hoje diante de movimentos golpistas de extrema-direita o lema deve ser: democracia sempre.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

O jurista e professor de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco Goffredo da Silva Telles lê a Carta aos Brasileiros em 8 de agosto de 1977. FOTO: KENJI HONDA/ESTADÃO  

Em seu trabalho, A Criação do Direito, em dois volumes, Goffredo Telles Jr. apresentou tese de cátedra de Introdução à Ciência do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dentro de uma linha tomista apresentou sua conclusão vendo uma orientação escolástica e jusnaturalista, que envolve, num primeiro momento, uma concepção total do homem, ao mesmo tempo humanista e cristã.

Sua classificação é de direito natural ao contrário da Moral que situa no plano metanatural ou sobrenatural.

Acolheu o professor Goffredo Telles Jr. a teoria tomista sobre a distinção das condições do homem como indivíduo e como ser social, com aspecto significativo pelo pensamento sociológico contemporâneo.

Nessa perspectiva é o Direito Natural definido em termos de "Direito Positivo das sociedades cujo bem comum é meio para a consecução de bens soberanos do homem, pelo qual o constituem, propriamente, " as normas morais jurídicas", como ensina em Filosofia do Direito, 2º tomo, pág. 490 e 492.

A partir de uma concepção tomista Goffredo Telles Jr. classificava as normas em íntimas e sociais, aquelas se referindo ás normas privadas e essas às ações públicas do homem.

Ainda, segundo ele, comportam as normas sociais a distinção entre normas de garantia e normas de aperfeiçoamento. As normas de garantia visam a assegurar a "ordem necessária à consecução dos objetivos sociais", às de aperfeiçoamento se destinam "a aprimorar a comunhão humana de um grupo social, grupo este já ordenado pelas normas de garantia". São exemplo das primeiras as disposições constantes do Código Civil e das últimas o preceito "amarás teu próximo como a um ser igual a ti"(Filosofia do Direito, 2º tomo, pág. 424). Mas as normas de aperfeiçoamento "são, contudo, prescindíveis". As normas de garantia não podem faltar.

Para Goffredo Telles Júnior num primeiro momento, a norma é atributiva, mas como todas as normas é ainda imperativa. Assim a norma jurídica é um imperativo atributivo.

Em 1974, publica Gofffredo Telles Júnior O Direito Quântico, subintitulado Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica, passando o seu pensamento por reformulação: "Não se diga, portanto, que a norma jurídica é atributiva". Consideramos erro sobre a natureza da norma defini-la: "norma atributiva". E explicou: "A faculdade de reagir contra o violador da norma jurídica não é atribuída pela norma. Tal faculdade o lesado a possui, exista ou não exista a norma jurídica. A faculdade de reagir é uma faculdade própria do ser humano, independente de qualquer norma", como descreveu no "O Direito Quântico".

Disse ele: "A norma jurídica é um autorizamento ou permissão deferida ao lesado para tentar recompor o seu direito. Nos seus próprios termos, "serão jurídicas as normas que forem autorizantes, isto é, que autorizem o lesado pela sua violação a exigir, com apoio oficial da sociedade, o cumprimento da norma que foi violada, ou a reparação do mal sofrido".

A natureza da norma jurídica se define, portanto, pela expressão imperativo autorizante. Leva-se em conta a relação entre o Estado e o Direito.

Goffredo Teles Júnior procurou demonstrar que, na vida do Direito, a coação é apenas contingente. Em sua obra, o não poder-ser-divergente caracteriza a lei natural e, por isso, se expressa em termos causais, enquanto o poder-ser-diversamente constitui o modo próprio de exprimir-se a lei jurídica, que se formula em termos normativos, ou normas. Assim, atribui-se uma dignidade jurídica a liberdade. O dever-ser imperativo seria uma contradição verbal.

Na visão do professor Goffredo da Silva Telles Júnior, as normas jurídicas diferem das não jurídicas por uma qualidade, e essa qualidade que caracteriza as primeiras é o que se designa pelo adjetivo autorizante.

A norma jurídica autoriza que se aplique uma pena, permitida pela lei, nos valores dela, para que se cumpra o que a lei manda ou a reparação do mal causado pela violação. Todas as normas são imperativas porque elas são consideradas mandamentos, por isso que se diz que a norma jurídica é bilateral, ao mesmo tempo em que manda ela autoriza a instituição em benefício da outra pessoa.

As normas jurídicas não exercem nenhuma pressão sobre o indivíduo, apenas prescrevem o caminho que ele deve seguir, afirmar o contrário é cair em contradição manifesta, Como poderia a norma coagir? Como poderia tomar um sujeito pelo braço e forçá-lo à algo? "A norma não age, logo não coage" (Goffredo Telles Jr.).

Para Goffredo Telles Jr. a essência específica da norma de Direito é o Autorizamento.

O que compete à norma é autorizar ou não o uso da faculdade de reação pelo lesado. "Em rigor deveríamos dizer que tal autorizamento é da sociedade e não da norma, mas como é a norma jurídica que prescreve as ações exigidas e proibidades pela sociedade nada desaconselha dizer que o autorizamento pertence à norma que exprime em palavras o autorizamento inerente à sociedade" , como explicou Goffredo Telles Júnior.

O professor Goffredo da Silva Telles Júnior foi acima de tudo um democrata.

Em 1977, em plena ditadura militar, ele leu a Carta aos brasileiros, pedindo o fim da ditadura militar. Naquela oportunidade, advertiu que a consciência jurídica do Brasil quer uma coisa só: o Estado de Direito no Brasil.

Eram os cento e cinquenta anos da criação dos cursos de direito no Brasil, em plena ditadura militar, que reservara meses antes cassações, o fechamento do Congresso Nacional e o pacote de abril com as emendas 7, de reestruturação do Poder Judiciário, e 8, da criação de senadores biônicos, em uma revisão outorgada da Constituição de 1967, criada no regime militar. Para os signatários da Carta uma Constituição somente seria legitima quando feita por Assembleia Geral Constituinte eleita pelo povo. Mais de quatro mil pessoas lotaram o largo São Francisco. Na comemoração, organizada pelo centro acadêmico XI de Agosto, o tema da volta do Estado de Direito foi central. Uma vitória da democracia em plena ditadura militar que não tinha qualquer legitimidade popular.

À época eu não passava de meus vinte e dois anos. Conversei na Faculdade de Direito da UERJ com o professor Sérgio Ferraz que me pôs atualizado com relação aos movimentos de São Paulo pela democracia que tinham o apoio de Dom Evaristo. Pulsava o movimento pela democracia.

Que coragem cívica!

O professor Goffredo destacou o Estado de Direito como solução para o país ao contrário da ditadura , destacando-se a soberania de uma Constituição democrática.

Falava-se, à época: "Estado de Direito já".

Hoje diante de movimentos golpistas de extrema-direita o lema deve ser: democracia sempre.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

O jurista e professor de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco Goffredo da Silva Telles lê a Carta aos Brasileiros em 8 de agosto de 1977. FOTO: KENJI HONDA/ESTADÃO  

Em seu trabalho, A Criação do Direito, em dois volumes, Goffredo Telles Jr. apresentou tese de cátedra de Introdução à Ciência do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dentro de uma linha tomista apresentou sua conclusão vendo uma orientação escolástica e jusnaturalista, que envolve, num primeiro momento, uma concepção total do homem, ao mesmo tempo humanista e cristã.

Sua classificação é de direito natural ao contrário da Moral que situa no plano metanatural ou sobrenatural.

Acolheu o professor Goffredo Telles Jr. a teoria tomista sobre a distinção das condições do homem como indivíduo e como ser social, com aspecto significativo pelo pensamento sociológico contemporâneo.

Nessa perspectiva é o Direito Natural definido em termos de "Direito Positivo das sociedades cujo bem comum é meio para a consecução de bens soberanos do homem, pelo qual o constituem, propriamente, " as normas morais jurídicas", como ensina em Filosofia do Direito, 2º tomo, pág. 490 e 492.

A partir de uma concepção tomista Goffredo Telles Jr. classificava as normas em íntimas e sociais, aquelas se referindo ás normas privadas e essas às ações públicas do homem.

Ainda, segundo ele, comportam as normas sociais a distinção entre normas de garantia e normas de aperfeiçoamento. As normas de garantia visam a assegurar a "ordem necessária à consecução dos objetivos sociais", às de aperfeiçoamento se destinam "a aprimorar a comunhão humana de um grupo social, grupo este já ordenado pelas normas de garantia". São exemplo das primeiras as disposições constantes do Código Civil e das últimas o preceito "amarás teu próximo como a um ser igual a ti"(Filosofia do Direito, 2º tomo, pág. 424). Mas as normas de aperfeiçoamento "são, contudo, prescindíveis". As normas de garantia não podem faltar.

Para Goffredo Telles Júnior num primeiro momento, a norma é atributiva, mas como todas as normas é ainda imperativa. Assim a norma jurídica é um imperativo atributivo.

Em 1974, publica Gofffredo Telles Júnior O Direito Quântico, subintitulado Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica, passando o seu pensamento por reformulação: "Não se diga, portanto, que a norma jurídica é atributiva". Consideramos erro sobre a natureza da norma defini-la: "norma atributiva". E explicou: "A faculdade de reagir contra o violador da norma jurídica não é atribuída pela norma. Tal faculdade o lesado a possui, exista ou não exista a norma jurídica. A faculdade de reagir é uma faculdade própria do ser humano, independente de qualquer norma", como descreveu no "O Direito Quântico".

Disse ele: "A norma jurídica é um autorizamento ou permissão deferida ao lesado para tentar recompor o seu direito. Nos seus próprios termos, "serão jurídicas as normas que forem autorizantes, isto é, que autorizem o lesado pela sua violação a exigir, com apoio oficial da sociedade, o cumprimento da norma que foi violada, ou a reparação do mal sofrido".

A natureza da norma jurídica se define, portanto, pela expressão imperativo autorizante. Leva-se em conta a relação entre o Estado e o Direito.

Goffredo Teles Júnior procurou demonstrar que, na vida do Direito, a coação é apenas contingente. Em sua obra, o não poder-ser-divergente caracteriza a lei natural e, por isso, se expressa em termos causais, enquanto o poder-ser-diversamente constitui o modo próprio de exprimir-se a lei jurídica, que se formula em termos normativos, ou normas. Assim, atribui-se uma dignidade jurídica a liberdade. O dever-ser imperativo seria uma contradição verbal.

Na visão do professor Goffredo da Silva Telles Júnior, as normas jurídicas diferem das não jurídicas por uma qualidade, e essa qualidade que caracteriza as primeiras é o que se designa pelo adjetivo autorizante.

A norma jurídica autoriza que se aplique uma pena, permitida pela lei, nos valores dela, para que se cumpra o que a lei manda ou a reparação do mal causado pela violação. Todas as normas são imperativas porque elas são consideradas mandamentos, por isso que se diz que a norma jurídica é bilateral, ao mesmo tempo em que manda ela autoriza a instituição em benefício da outra pessoa.

As normas jurídicas não exercem nenhuma pressão sobre o indivíduo, apenas prescrevem o caminho que ele deve seguir, afirmar o contrário é cair em contradição manifesta, Como poderia a norma coagir? Como poderia tomar um sujeito pelo braço e forçá-lo à algo? "A norma não age, logo não coage" (Goffredo Telles Jr.).

Para Goffredo Telles Jr. a essência específica da norma de Direito é o Autorizamento.

O que compete à norma é autorizar ou não o uso da faculdade de reação pelo lesado. "Em rigor deveríamos dizer que tal autorizamento é da sociedade e não da norma, mas como é a norma jurídica que prescreve as ações exigidas e proibidades pela sociedade nada desaconselha dizer que o autorizamento pertence à norma que exprime em palavras o autorizamento inerente à sociedade" , como explicou Goffredo Telles Júnior.

O professor Goffredo da Silva Telles Júnior foi acima de tudo um democrata.

Em 1977, em plena ditadura militar, ele leu a Carta aos brasileiros, pedindo o fim da ditadura militar. Naquela oportunidade, advertiu que a consciência jurídica do Brasil quer uma coisa só: o Estado de Direito no Brasil.

Eram os cento e cinquenta anos da criação dos cursos de direito no Brasil, em plena ditadura militar, que reservara meses antes cassações, o fechamento do Congresso Nacional e o pacote de abril com as emendas 7, de reestruturação do Poder Judiciário, e 8, da criação de senadores biônicos, em uma revisão outorgada da Constituição de 1967, criada no regime militar. Para os signatários da Carta uma Constituição somente seria legitima quando feita por Assembleia Geral Constituinte eleita pelo povo. Mais de quatro mil pessoas lotaram o largo São Francisco. Na comemoração, organizada pelo centro acadêmico XI de Agosto, o tema da volta do Estado de Direito foi central. Uma vitória da democracia em plena ditadura militar que não tinha qualquer legitimidade popular.

À época eu não passava de meus vinte e dois anos. Conversei na Faculdade de Direito da UERJ com o professor Sérgio Ferraz que me pôs atualizado com relação aos movimentos de São Paulo pela democracia que tinham o apoio de Dom Evaristo. Pulsava o movimento pela democracia.

Que coragem cívica!

O professor Goffredo destacou o Estado de Direito como solução para o país ao contrário da ditadura , destacando-se a soberania de uma Constituição democrática.

Falava-se, à época: "Estado de Direito já".

Hoje diante de movimentos golpistas de extrema-direita o lema deve ser: democracia sempre.

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