O procurador-geral da República Paulo Gonet decidiu escalar um novo procurador para a ação civil que busca a demissão do procurador Diogo Castor de Mattos, ex-integrante da extinta força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba.
Ao Estadão, o advogado Felipe Cunha, que representa Castor de Mattos, disse que “há uma evidente perseguição da PGR”. Segundo Cunha, “a nomeação de um procurador escolhido, casuisticamente, pelo procurador-geral da República, com obrigação de recorrer, não tem previsão legal ou constitucional e vai de encontro à independência funcional do órgão, violando o princípio do promotor natural”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) negou interferência no caso. Segundo a PGR, Gonet “tem o dever de dar cumprimento à decisão” de demissão aplicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Ele não tem discricionariedade de cumprir ou não a decisão”, afirma a Procuradoria (leia a íntegra da manifestação ao final da matéria).
Após duas decisões sucessivas da Justiça Federal, mantendo Castor de Mattos no cargo, o chefe do Ministério Público Federal designou o novo procurador para assumir o processo. Trata-se de Elton Venturi, da Procuradoria Regional da República da 4.ª Região, em Porto Alegre.
Gonet delegou poderes a Venturi. Ele tem o “dever de promover, por todos os meios jurídicos, a efetivação da pena” de demissão aplicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, “inclusive com a interposição de recursos”.
“O membro designado deve prestar informações ao procurador-geral da República acerca das medidas tomadas e dos recursos interpostos. A cada 6 (seis) meses, deverá noticiar o andamento do processo”, ordena a portaria PGR 1099.
Em 2021, o Conselho Nacional do Ministério Público, órgão responsável por fiscalizar a conduta de promotores e procuradores, aplicou pena de demissão a Diogo Castor de Mattos.
O processo foi motivado pela compra de um outdoor para homenagear a força-tarefa da Lava Jato, em 2019. O colegiado concluiu que ele incorreu em improbidade administrativa e quebra de decoro, embora não tenha usado recursos públicos para prestar o tributo à operação que completava cinco anos.
O outdoor foi exibido na saída do aeroporto de Curitiba em março daquele ano. “Bem-vindo à República de Curitiba - terra da Operação Lava Jato, a investigação que mudou o país. Aqui a Lei se cumpre. 17 de março - 5 anos de Operação Lava Jato - O Brasil Agradece.”
A mensagem provocou irritação entre ministros do Supremo Tribunal Federal.
Como o cargo de procurador é vitalício, a demissão de Castor de Mattos não foi imediata. Seu desligamento depende justamente do resultado da ação civil pública movida pela PGR para a perda do cargo.
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Até aqui, o procurador da extinta Operação Lava Jato conseguiu duas vitórias no âmbito judicial federal, na primeira e segunda instâncias. Tanto a juíza Thais Sampaio da Silva Machado, da 1.ª Vara Federal de Curitiba, quanto a 12.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) decidiram pelo arquivamento da ação contra Diogo Castor.
As decisões judiciais consideram que, com a reforma da Lei de Improbidade Administrativa, aprovada em 2021, a modalidade culposa (sem intenção) do ato de improbidade administrativa deixou de existir. Nesse sentido, segundo o entendimento dos magistrados, ele só poderia ser punido se tivesse custeado o outdoor com dinheiro público, o que não aconteceu.
A procuradora Carolina da Silveira Medeiros já atuava no processo. Ela emitiu parecer favorável a Castor de Mattos. O novo procurador do caso foi indicado para recorrer das decisões, contrariando a manifestação de Carolina.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO FELIPE CUNHA, QUE REPRESENTA DIOGO CASTOR DE MATTOS
O advogado Felipe Cunha, que representa o procurador da República Diogo Castor de Mattos, disse ao Estadão que ‘há uma evidente perseguição ao trabalho desenvolvido na Lava Jato’. Em nota, Felipe Cunha aponta ‘violação ao princípio do promotor natural’.
Leia a íntegra da nota do advogado Felipe Cunha:
“Está-se diante de uma evidente perseguição ao trabalho desenvolvido na Lava Jato. A Procuradora natural do caso manifestou-se contra a interposição recursal, eis que a pretensão do Ministério Público Federal é evidentemente contrária à lei e ao entendimento do STF.
Juridicamente, o caso não se sustenta, principalmente, pelo fato de que a lei que amparou a condenação foi revogada, sendo esse o entendimento da sentença já proferida e do acórdão ementado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região.
Ademais, a nomeação de um procurador escolhido, casuisticamente, pelo procurador-geral da República, com obrigação de recorrer, não tem previsão legal ou constitucional e vai de encontro à independência funcional do órgão, violando o princípio do promotor natural, que veda escolhas arbitrárias de membros do MPF que não obedeçam critérios legais, justamente para evitar a utilização do aparato estatal para perseguições políticas.
Por fim, há que se dizer que não há qualquer precedente semelhante à Portaria nº 1099/2024 no âmbito do Ministério Público.”
COM A PALAVRA, A PGR
“Não se trata de interferência, foram dois tipos de atuação distintos. A procuradora Carolina da Silveira Medeiros atuou no processo como custos legis, ou seja, como fiscal da lei no processo, não como representante da parte. Agora, o procurador-geral da República tem o dever de dar cumprimento à decisão de demissão aplicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ele não tem discricionariedade de cumprir ou não a decisão. Por isso, precisa designar um membro para atuar no polo ativo da demanda, promovendo o que foi decidido pelo CNMP.”