A moradia é mais um direito social descumprido. Um passeio por São Paulo, esta megametrópole insensata e injusta com os mais vulneráveis demonstrará isso. O número dos moradores de rua cresce de maneira assombrosa. Não há espaço público em que não se instale uma tendinha ou se abrigue alguém com seu cachorro, agora com os cartazes explicando as necessidades e até indicando o PIX para depósito.
A imbecilidade da política profissional é pródiga em alterar siglas. O que era "Minha casa, Minha vida", passou a ser "Casa Verde-Amarela". Noticia-se que quase cento e quarenta mil moradias estão com obras paradas. São 1.115 empreendimentos atrasados, de acordo com levantamento do Ministério das Cidades.
Desde 2009 há um empreendimento que não anda. Dos quase cinco bilhões investidos, quase quatro foram destinados a obras que não têm andamento. É a regra quando se cuida de administração pública. Licitações que recebem liminares e depois dormem, sossegadamente, nos escaninhos virtuais do Judiciário. Lentidão do sistema Justiça a incidir com força e crueldade maior exatamente sobre os mais necessitados.
A licitação é um procedimento que, com as melhores intenções, produz os piores resultados. O preço faz com que as concorrentes se componham, escolhem uma que apresentará o menor custo, enquanto os contratos de aditamento já estão prontos. Constroem com material da pior qualidade. São casas de papelão. Aquelas que o lobo da história assopra e derruba.
Quantas vezes tenho insistido na indigência arquitetônica dos conjuntos habitacionais. Pequenas construções, todas iguais, numa identidade feia, cinza, pobre. Incompreensível numa terra que produziu Niemayer, Paulo Mendes da Rocha, Ruy Ohtake, Jean Maitrejean, Benedito Lima de Toledo, Vilanova Artigas e tantos outros. Ruy Ohtake produziu uma obra meritória, nas curvas coloridas de Heliópolis, conjunto considerado verdadeira obra de arte ao ar livre, fora de museu.
Além de construir pouco, ainda se constrói coisa feia. Indigna de uma terra que edificou Brasília. Cidade para ser vista e mostrada, não como exemplo, nem como padrão de civilidade. É ali que se concentram os conciliábulos que resultam na falência de políticas estatais como regularização fundiária, preservação dos biomas, educação de péssima qualidade e as iniciativas funestas de se servir do Erário para satisfazer a insaciável fome dos mal intencionados.
O sistema Justiça não contribui para sanear a burocracia em que se afundam as melhores intenções. Obras paradas significam invasões, furto de material, vandalismo. Por sinal, o brasileiro tem expertise em vandalismo violento e exterminador, como se mostrou em 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes. Mas isso acontece nas milhares de obras paradas por incúria, negligência, despreparo, incompetência e até por comportamento doloso dos que se intitulam representantes do povo e são inimigos da pátria.
Agora acena-se com outro hiato na retomada dos projetos da Minha Casa, Minha Vida. A inclusão de uma "varanda", ou pequena área, destinada ao acolhimento do outro ou a momentos de lazer familiar. Entendo e concordo. Mas essas casas geminadas, uma igualzinha à outra, a única distinção é o número, ganhariam muito mais em qualidade se tivessem uma pequena horta, um pequeno pomar, se tivessem ao menos uma árvore que desse sombra diante daquele cubículo.
O Brasil que precisaria repor um bilhão de árvores, só para chegar a algo palatável em termos de verde, tem de se conscientizar de que a infância e a juventude têm de merecer alertas: o risco maior de se encerrar a aventura humana sobre a Terra é o aquecimento global. Ele deriva dos maus tratos que infligimos à natureza. Ainda somos "Pária Ambiental". Para voltarmos a ser a promissora promessa verde, o campeão na venda de créditos de carbono e demais serviços ecossistêmicos, temos de trabalhar muito. Todos. Sem exceção. Não basta cobrar do governo. Governo é representante do povo. O único titular da soberania é o povo. Então o povo, nós, cada um de nós, tem o direito e o dever de exigir compostura, responsabilidade, ação, eficiência, trabalho incessante. E fazer a nossa parte, pois não se chega a uma democracia participativa sem que atuemos também. Há muito a ser feito. Comecemos por pensar em horta ou pomar nas casas populares. Isso integra um conceito abrangente de educação ecológica.
*José Renato Nalini é diretor-geral da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras