Em 9 de outubro de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou um parecer favorável ao projeto de lei (PL 4.754, de 2016 – substitutivo Dep. Alfredo Gaspar), que visa instituir novas hipóteses de impeachment para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta faz parte do que vem sendo chamado de “pacote anti-STF” e, entre as alterações sugeridas, prevê tornar crime de responsabilidade qualquer decisão de um ministro do STF que usurpe competências do Poder Legislativo, criando normas gerais e abstratas que cabem ao Congresso Nacional.
O placar na CCJ da Câmara foi de 36 votos a favor e 12 contra, refletindo o atual posicionamento predominante dessa comissão, além de evidenciar os tensionamentos entre a Corte Suprema e setores mais radicais do Congresso Nacional. Para além de uma análise jurídica detalhada dos dispositivos propostos, é evidente que esse projeto procura abrir caminho para a utilização política do mecanismo de impeachment contra os ministros do Supremo, o que naturalmente levanta questionamentos sobre sua constitucionalidade à luz dos objetivos imediatos que busca alcançar.
Parte do Congresso parece raciocinar de forma simplificada: se o impeachment funcionou contra Dilma Rousseff, por que não poderia funcionar contra o STF? Assim como outras medidas que estão atualmente em discussão no Congresso, a justificativa apresentada pelos proponentes do projeto reside na defesa da Constituição, da democracia e do princípio da separação dos poderes, frente ao que consideram ameaças advindas do ativismo judicial do STF.
De fato, o ativismo judicial é passível de muitas críticas, mas, como um pensador alemão do século XIX já observava, é essencial distinguir entre o que os homens fazem e o que dizem que estão fazendo. Nesse sentido, mesmo o projeto de lei mais inconstitucional será defendido por seus autores como uma barreira em prol da liberdade e da Constituição.
O Congresso Nacional possui liberdade política para apresentar, debater e aprovar projetos normativos, como parte de suas prerrogativas. No entanto, essas propostas devem respeitar os limites estabelecidos pela Constituição. O Poder Legislativo não exerce o papel de Poder Constituinte, e seus representantes não são o próprio povo.
Nesse contexto, cabe afirmar que não é possível classificar como crime de responsabilidade condutas que não sejam dolosas (com comprovação) e que não comprometam gravemente os fundamentos estruturais da Constituição. Essa é uma premissa que nenhuma lei ou emenda constitucional pode alterar.
Ao tentar “criminalizar” as interpretações e decisões do STF, introduzindo a possibilidade de impeachment, o projeto enfraquece o sistema de proteção e defesa da Constituição (art. 102, caput, CF/1988), revelando, assim, um viés autoritário. Nosso atual modelo de controle de constitucionalidade é, em grande parte, inspirado pelo modelo europeu continental do início do século XX, e a proteção constitucional deve ser compreendida também como um contrapeso ao legislador, que, em diversos momentos históricos, se mostrou permissivo com abusos e arroubos totalitários do Poder Executivo.
Nenhum poder está imune a abusos, nem mesmo o STF. Entretanto, o projeto em questão parece inadequado se o objetivo é aprimorar nossas instituições em um sentido democrático. Seu propósito parece mais alinhado à afirmação da supremacia do Legislativo em detrimento da supremacia do texto constitucional, subvertendo a relação de poderes instituída pela Constituição de 1988.
Os riscos aqui são claros: hoje, o impeachment de ministros do STF; amanhã, a derrubada da Constituição.