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Opinião|Impeachment: reflexões no contexto do presidencialismo brasileiro (parte final)


É certo que já se consolidou uma prática no Brasil pela qual o Supremo Tribunal Federal aprecia a legalidade do processo de impeachment. E, ao fazê-lo – ao menos na opinião do autor deste texto – vai além do que deveria, fixando parâmetros de atuação do tribunal legislativo que não estão previstos na Constituição Brasileira ou Lei n. 1.079/50

Por Fernando Menezes de Almeida

No texto anterior, da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, havia parado as reflexões no ponto de sugerir que, no sistema brasileiro, as decisões que marcam o processo de impeachment são eminentemente políticas. Retomo o ponto a partir daí.

Eu vinha afirmando que, no julgamento do impeachment, ao lado da maior margem política – diga-se: discricionariedade – do julgador ao aceitar e processar a denúncia, o ponto mais relevante a caracterizar a natureza política está na deliberação: o ato de vontade em que consiste norma jurídica individual e concreta que condena ou absolve o presidente da República tem a sua validade aferível por certos critérios de legalidade, dentre os quais não figura a verificação dos motivos da decisão.

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E nem existe motivação – explicitação dos motivos – que permita tal verificação. Aliás, ainda que cada integrante do colegiado julgador decline um motivo ao proferir seu voto, ele é irrelevante para a validade da norma jurídica em que consiste a decisão condenatória ou absolutória do processo.

Enfim, o que se quer sustentar é que o impeachment, no caso do direito constitucional brasileiro, integra o modo de ser de seu específico sistema presidencialista, implicando, sem qualquer contradição: (i) não apenas maior margem discricionária de apreciação, por parte do órgão julgador, quanto à existência de suficientes elementos factuais para a caracterização da materialidade do ilícito, (ii) mas também, e especialmente, um julgamento de mérito que possui natureza política, ou seja, resultando em uma decisão de condenação ou absolvição que dispensa motivação e cujos motivos são insindicáveis (não havendo nenhum outro órgão que controle sua validade).

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No entanto, ao mesmo tempo em que se promove a atual discussão sobre o impeachment no Brasil, vivencia-se uma fase de sobrevalorização do Poder Judiciário e do controle jurisdicional-judiciário da atividade política, tanto a exercida pelo Poder Executivo como a exercida pelo Poder Legislativo.

A regra da impossibilidade de exclusão da apreciação, pelo Poder Judiciário, de lesão ou ameaça de lesão a direito (CF, art. 5°, XXXV) é interpretada no Brasil como a exclusividade do Poder Judiciário para o exercício da função jurisdicional, ou seja, a função de dar a palavra definitiva sobre a aplicação do direito a casos concretos ou mesmo sobre a constitucionalidade ou legalidade de atos normativos abstratos.

Contudo, por meio de uma leitura ampliativa da noção do que sejam propriamente “direitos”, a merecerem tutela jurisdicional, presencia-se no Brasil uma interferência crescente e potencialmente problemática da esfera técnico-jurídica (personificada pelo Poder Judiciário) em detrimento da esfera democrático-política (personificada pelos desacreditados Poderes Executivo e Legislativo).

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Problemática, afirma-se, porque é salutar ao equilíbrio social do país o convívio harmônico de uma dimensão política com uma dimensão jurídica da vida em sociedade.

Não sendo, entretanto, o caso de aqui discutirem-se as leituras neoconstitucionalistas do direito, a crítica ao ativismo judicial e o fenômeno da judicialização da política e da politização da justiça, concentre-se o argumento no tema do impeachment.

Desse modo, como corolário do quanto se afirmou neste ensaio sobre o caráter político do impeachment tal como definido pela própria Constituição, seria importante que se reconhecesse efetivamente que, ao julgar o impeachment, o tribunal em que se transformam a Câmara dos Deputados e o Senado Federal (cada qual cumprindo seu papel num processo complexo) exerce função jurisdicional.

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Trata-se de uma exceção, posta constitucionalmente, à regra da unicidade da jurisdição (nas mãos do Poder Judiciário). Neste caso, quem dá a palavra definitiva sobre a absolvição ou a condenação do presidente da República por crime de responsabilidade é esse tribunal parlamentar – e nenhum outro órgão, nem o Supremo Tribunal Federal.

É certo que já se consolidou uma prática no Brasil pela qual o Supremo Tribunal Federal aprecia a legalidade do processo de impeachment. E, ao fazê-lo – ao menos na opinião do autor deste texto – vai além do que deveria, fixando parâmetros de atuação do tribunal legislativo que não estão previstos na Constituição Brasileira ou Lei n. 1.079/50 e que, portanto, deveriam ser definidos exclusivamente por decisão regimental do Poder Legislativo.

Todavia, importa enfatizar a impossibilidade de revisão – nem por argumento de direito, nem por matéria probatória – pelo Supremo Tribunal Federal (ou por qualquer outro órgão), do mérito da decisão política – condenatória ou absolutória do presidente da República – proferida pelo Senado Federal em processo de impeachment.

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Concluindo esta sequência de textos, vale uma palavra final para observar que a tese ora sustentada – da natureza política do impeachment – não apenas tem sentido teórico-jurídico, como reforça a importância da valorização dos processos sociais essencialmente políticos para a consolidação de um regime democrático.

Aliás, os dois processos de impeachment vividos no Brasil – em momentos tão próximos e ambos inseridos no maior período contínuo de índole predominantemente democrática da experiência brasileira –, com preservação das instituições e prosseguimento da vida social sem ruptura da ordem constitucional, induzem a pensar, em reforço à tese central de que a figura do impeachment tende a ganhar uma dinâmica muito peculiar no Brasil, estabelecendo um específico e legítimo arranjo do sistema presidencial e do sistema de independência e harmonia dos Poderes, a que se refere o artigo 2º da Constituição.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

No texto anterior, da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, havia parado as reflexões no ponto de sugerir que, no sistema brasileiro, as decisões que marcam o processo de impeachment são eminentemente políticas. Retomo o ponto a partir daí.

Eu vinha afirmando que, no julgamento do impeachment, ao lado da maior margem política – diga-se: discricionariedade – do julgador ao aceitar e processar a denúncia, o ponto mais relevante a caracterizar a natureza política está na deliberação: o ato de vontade em que consiste norma jurídica individual e concreta que condena ou absolve o presidente da República tem a sua validade aferível por certos critérios de legalidade, dentre os quais não figura a verificação dos motivos da decisão.

E nem existe motivação – explicitação dos motivos – que permita tal verificação. Aliás, ainda que cada integrante do colegiado julgador decline um motivo ao proferir seu voto, ele é irrelevante para a validade da norma jurídica em que consiste a decisão condenatória ou absolutória do processo.

Enfim, o que se quer sustentar é que o impeachment, no caso do direito constitucional brasileiro, integra o modo de ser de seu específico sistema presidencialista, implicando, sem qualquer contradição: (i) não apenas maior margem discricionária de apreciação, por parte do órgão julgador, quanto à existência de suficientes elementos factuais para a caracterização da materialidade do ilícito, (ii) mas também, e especialmente, um julgamento de mérito que possui natureza política, ou seja, resultando em uma decisão de condenação ou absolvição que dispensa motivação e cujos motivos são insindicáveis (não havendo nenhum outro órgão que controle sua validade).

No entanto, ao mesmo tempo em que se promove a atual discussão sobre o impeachment no Brasil, vivencia-se uma fase de sobrevalorização do Poder Judiciário e do controle jurisdicional-judiciário da atividade política, tanto a exercida pelo Poder Executivo como a exercida pelo Poder Legislativo.

A regra da impossibilidade de exclusão da apreciação, pelo Poder Judiciário, de lesão ou ameaça de lesão a direito (CF, art. 5°, XXXV) é interpretada no Brasil como a exclusividade do Poder Judiciário para o exercício da função jurisdicional, ou seja, a função de dar a palavra definitiva sobre a aplicação do direito a casos concretos ou mesmo sobre a constitucionalidade ou legalidade de atos normativos abstratos.

Contudo, por meio de uma leitura ampliativa da noção do que sejam propriamente “direitos”, a merecerem tutela jurisdicional, presencia-se no Brasil uma interferência crescente e potencialmente problemática da esfera técnico-jurídica (personificada pelo Poder Judiciário) em detrimento da esfera democrático-política (personificada pelos desacreditados Poderes Executivo e Legislativo).

Problemática, afirma-se, porque é salutar ao equilíbrio social do país o convívio harmônico de uma dimensão política com uma dimensão jurídica da vida em sociedade.

Não sendo, entretanto, o caso de aqui discutirem-se as leituras neoconstitucionalistas do direito, a crítica ao ativismo judicial e o fenômeno da judicialização da política e da politização da justiça, concentre-se o argumento no tema do impeachment.

Desse modo, como corolário do quanto se afirmou neste ensaio sobre o caráter político do impeachment tal como definido pela própria Constituição, seria importante que se reconhecesse efetivamente que, ao julgar o impeachment, o tribunal em que se transformam a Câmara dos Deputados e o Senado Federal (cada qual cumprindo seu papel num processo complexo) exerce função jurisdicional.

Trata-se de uma exceção, posta constitucionalmente, à regra da unicidade da jurisdição (nas mãos do Poder Judiciário). Neste caso, quem dá a palavra definitiva sobre a absolvição ou a condenação do presidente da República por crime de responsabilidade é esse tribunal parlamentar – e nenhum outro órgão, nem o Supremo Tribunal Federal.

É certo que já se consolidou uma prática no Brasil pela qual o Supremo Tribunal Federal aprecia a legalidade do processo de impeachment. E, ao fazê-lo – ao menos na opinião do autor deste texto – vai além do que deveria, fixando parâmetros de atuação do tribunal legislativo que não estão previstos na Constituição Brasileira ou Lei n. 1.079/50 e que, portanto, deveriam ser definidos exclusivamente por decisão regimental do Poder Legislativo.

Todavia, importa enfatizar a impossibilidade de revisão – nem por argumento de direito, nem por matéria probatória – pelo Supremo Tribunal Federal (ou por qualquer outro órgão), do mérito da decisão política – condenatória ou absolutória do presidente da República – proferida pelo Senado Federal em processo de impeachment.

Concluindo esta sequência de textos, vale uma palavra final para observar que a tese ora sustentada – da natureza política do impeachment – não apenas tem sentido teórico-jurídico, como reforça a importância da valorização dos processos sociais essencialmente políticos para a consolidação de um regime democrático.

Aliás, os dois processos de impeachment vividos no Brasil – em momentos tão próximos e ambos inseridos no maior período contínuo de índole predominantemente democrática da experiência brasileira –, com preservação das instituições e prosseguimento da vida social sem ruptura da ordem constitucional, induzem a pensar, em reforço à tese central de que a figura do impeachment tende a ganhar uma dinâmica muito peculiar no Brasil, estabelecendo um específico e legítimo arranjo do sistema presidencial e do sistema de independência e harmonia dos Poderes, a que se refere o artigo 2º da Constituição.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

No texto anterior, da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, havia parado as reflexões no ponto de sugerir que, no sistema brasileiro, as decisões que marcam o processo de impeachment são eminentemente políticas. Retomo o ponto a partir daí.

Eu vinha afirmando que, no julgamento do impeachment, ao lado da maior margem política – diga-se: discricionariedade – do julgador ao aceitar e processar a denúncia, o ponto mais relevante a caracterizar a natureza política está na deliberação: o ato de vontade em que consiste norma jurídica individual e concreta que condena ou absolve o presidente da República tem a sua validade aferível por certos critérios de legalidade, dentre os quais não figura a verificação dos motivos da decisão.

E nem existe motivação – explicitação dos motivos – que permita tal verificação. Aliás, ainda que cada integrante do colegiado julgador decline um motivo ao proferir seu voto, ele é irrelevante para a validade da norma jurídica em que consiste a decisão condenatória ou absolutória do processo.

Enfim, o que se quer sustentar é que o impeachment, no caso do direito constitucional brasileiro, integra o modo de ser de seu específico sistema presidencialista, implicando, sem qualquer contradição: (i) não apenas maior margem discricionária de apreciação, por parte do órgão julgador, quanto à existência de suficientes elementos factuais para a caracterização da materialidade do ilícito, (ii) mas também, e especialmente, um julgamento de mérito que possui natureza política, ou seja, resultando em uma decisão de condenação ou absolvição que dispensa motivação e cujos motivos são insindicáveis (não havendo nenhum outro órgão que controle sua validade).

No entanto, ao mesmo tempo em que se promove a atual discussão sobre o impeachment no Brasil, vivencia-se uma fase de sobrevalorização do Poder Judiciário e do controle jurisdicional-judiciário da atividade política, tanto a exercida pelo Poder Executivo como a exercida pelo Poder Legislativo.

A regra da impossibilidade de exclusão da apreciação, pelo Poder Judiciário, de lesão ou ameaça de lesão a direito (CF, art. 5°, XXXV) é interpretada no Brasil como a exclusividade do Poder Judiciário para o exercício da função jurisdicional, ou seja, a função de dar a palavra definitiva sobre a aplicação do direito a casos concretos ou mesmo sobre a constitucionalidade ou legalidade de atos normativos abstratos.

Contudo, por meio de uma leitura ampliativa da noção do que sejam propriamente “direitos”, a merecerem tutela jurisdicional, presencia-se no Brasil uma interferência crescente e potencialmente problemática da esfera técnico-jurídica (personificada pelo Poder Judiciário) em detrimento da esfera democrático-política (personificada pelos desacreditados Poderes Executivo e Legislativo).

Problemática, afirma-se, porque é salutar ao equilíbrio social do país o convívio harmônico de uma dimensão política com uma dimensão jurídica da vida em sociedade.

Não sendo, entretanto, o caso de aqui discutirem-se as leituras neoconstitucionalistas do direito, a crítica ao ativismo judicial e o fenômeno da judicialização da política e da politização da justiça, concentre-se o argumento no tema do impeachment.

Desse modo, como corolário do quanto se afirmou neste ensaio sobre o caráter político do impeachment tal como definido pela própria Constituição, seria importante que se reconhecesse efetivamente que, ao julgar o impeachment, o tribunal em que se transformam a Câmara dos Deputados e o Senado Federal (cada qual cumprindo seu papel num processo complexo) exerce função jurisdicional.

Trata-se de uma exceção, posta constitucionalmente, à regra da unicidade da jurisdição (nas mãos do Poder Judiciário). Neste caso, quem dá a palavra definitiva sobre a absolvição ou a condenação do presidente da República por crime de responsabilidade é esse tribunal parlamentar – e nenhum outro órgão, nem o Supremo Tribunal Federal.

É certo que já se consolidou uma prática no Brasil pela qual o Supremo Tribunal Federal aprecia a legalidade do processo de impeachment. E, ao fazê-lo – ao menos na opinião do autor deste texto – vai além do que deveria, fixando parâmetros de atuação do tribunal legislativo que não estão previstos na Constituição Brasileira ou Lei n. 1.079/50 e que, portanto, deveriam ser definidos exclusivamente por decisão regimental do Poder Legislativo.

Todavia, importa enfatizar a impossibilidade de revisão – nem por argumento de direito, nem por matéria probatória – pelo Supremo Tribunal Federal (ou por qualquer outro órgão), do mérito da decisão política – condenatória ou absolutória do presidente da República – proferida pelo Senado Federal em processo de impeachment.

Concluindo esta sequência de textos, vale uma palavra final para observar que a tese ora sustentada – da natureza política do impeachment – não apenas tem sentido teórico-jurídico, como reforça a importância da valorização dos processos sociais essencialmente políticos para a consolidação de um regime democrático.

Aliás, os dois processos de impeachment vividos no Brasil – em momentos tão próximos e ambos inseridos no maior período contínuo de índole predominantemente democrática da experiência brasileira –, com preservação das instituições e prosseguimento da vida social sem ruptura da ordem constitucional, induzem a pensar, em reforço à tese central de que a figura do impeachment tende a ganhar uma dinâmica muito peculiar no Brasil, estabelecendo um específico e legítimo arranjo do sistema presidencial e do sistema de independência e harmonia dos Poderes, a que se refere o artigo 2º da Constituição.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

No texto anterior, da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, havia parado as reflexões no ponto de sugerir que, no sistema brasileiro, as decisões que marcam o processo de impeachment são eminentemente políticas. Retomo o ponto a partir daí.

Eu vinha afirmando que, no julgamento do impeachment, ao lado da maior margem política – diga-se: discricionariedade – do julgador ao aceitar e processar a denúncia, o ponto mais relevante a caracterizar a natureza política está na deliberação: o ato de vontade em que consiste norma jurídica individual e concreta que condena ou absolve o presidente da República tem a sua validade aferível por certos critérios de legalidade, dentre os quais não figura a verificação dos motivos da decisão.

E nem existe motivação – explicitação dos motivos – que permita tal verificação. Aliás, ainda que cada integrante do colegiado julgador decline um motivo ao proferir seu voto, ele é irrelevante para a validade da norma jurídica em que consiste a decisão condenatória ou absolutória do processo.

Enfim, o que se quer sustentar é que o impeachment, no caso do direito constitucional brasileiro, integra o modo de ser de seu específico sistema presidencialista, implicando, sem qualquer contradição: (i) não apenas maior margem discricionária de apreciação, por parte do órgão julgador, quanto à existência de suficientes elementos factuais para a caracterização da materialidade do ilícito, (ii) mas também, e especialmente, um julgamento de mérito que possui natureza política, ou seja, resultando em uma decisão de condenação ou absolvição que dispensa motivação e cujos motivos são insindicáveis (não havendo nenhum outro órgão que controle sua validade).

No entanto, ao mesmo tempo em que se promove a atual discussão sobre o impeachment no Brasil, vivencia-se uma fase de sobrevalorização do Poder Judiciário e do controle jurisdicional-judiciário da atividade política, tanto a exercida pelo Poder Executivo como a exercida pelo Poder Legislativo.

A regra da impossibilidade de exclusão da apreciação, pelo Poder Judiciário, de lesão ou ameaça de lesão a direito (CF, art. 5°, XXXV) é interpretada no Brasil como a exclusividade do Poder Judiciário para o exercício da função jurisdicional, ou seja, a função de dar a palavra definitiva sobre a aplicação do direito a casos concretos ou mesmo sobre a constitucionalidade ou legalidade de atos normativos abstratos.

Contudo, por meio de uma leitura ampliativa da noção do que sejam propriamente “direitos”, a merecerem tutela jurisdicional, presencia-se no Brasil uma interferência crescente e potencialmente problemática da esfera técnico-jurídica (personificada pelo Poder Judiciário) em detrimento da esfera democrático-política (personificada pelos desacreditados Poderes Executivo e Legislativo).

Problemática, afirma-se, porque é salutar ao equilíbrio social do país o convívio harmônico de uma dimensão política com uma dimensão jurídica da vida em sociedade.

Não sendo, entretanto, o caso de aqui discutirem-se as leituras neoconstitucionalistas do direito, a crítica ao ativismo judicial e o fenômeno da judicialização da política e da politização da justiça, concentre-se o argumento no tema do impeachment.

Desse modo, como corolário do quanto se afirmou neste ensaio sobre o caráter político do impeachment tal como definido pela própria Constituição, seria importante que se reconhecesse efetivamente que, ao julgar o impeachment, o tribunal em que se transformam a Câmara dos Deputados e o Senado Federal (cada qual cumprindo seu papel num processo complexo) exerce função jurisdicional.

Trata-se de uma exceção, posta constitucionalmente, à regra da unicidade da jurisdição (nas mãos do Poder Judiciário). Neste caso, quem dá a palavra definitiva sobre a absolvição ou a condenação do presidente da República por crime de responsabilidade é esse tribunal parlamentar – e nenhum outro órgão, nem o Supremo Tribunal Federal.

É certo que já se consolidou uma prática no Brasil pela qual o Supremo Tribunal Federal aprecia a legalidade do processo de impeachment. E, ao fazê-lo – ao menos na opinião do autor deste texto – vai além do que deveria, fixando parâmetros de atuação do tribunal legislativo que não estão previstos na Constituição Brasileira ou Lei n. 1.079/50 e que, portanto, deveriam ser definidos exclusivamente por decisão regimental do Poder Legislativo.

Todavia, importa enfatizar a impossibilidade de revisão – nem por argumento de direito, nem por matéria probatória – pelo Supremo Tribunal Federal (ou por qualquer outro órgão), do mérito da decisão política – condenatória ou absolutória do presidente da República – proferida pelo Senado Federal em processo de impeachment.

Concluindo esta sequência de textos, vale uma palavra final para observar que a tese ora sustentada – da natureza política do impeachment – não apenas tem sentido teórico-jurídico, como reforça a importância da valorização dos processos sociais essencialmente políticos para a consolidação de um regime democrático.

Aliás, os dois processos de impeachment vividos no Brasil – em momentos tão próximos e ambos inseridos no maior período contínuo de índole predominantemente democrática da experiência brasileira –, com preservação das instituições e prosseguimento da vida social sem ruptura da ordem constitucional, induzem a pensar, em reforço à tese central de que a figura do impeachment tende a ganhar uma dinâmica muito peculiar no Brasil, estabelecendo um específico e legítimo arranjo do sistema presidencial e do sistema de independência e harmonia dos Poderes, a que se refere o artigo 2º da Constituição.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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