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Opinião|Impeachment: reflexões no contexto do presidencialismo brasileiro (parte V)


A denúncia não pode simplesmente significar o desejo da troca do presidente da República antes de vencido seu mandato. Deve a denúncia apontar fatos que correspondam à tipificação prevista pela Lei n. 1.079/50, a partir da base constitucional

Por Fernando Menezes de Almeida

No texto anterior, da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, havia parado as reflexões no ponto de sugerir que, no sistema brasileiro, as decisões que marcam o processo de impeachment são eminentemente políticas. Retomo o ponto a partir daí.

Por decisão política, quer-se dizer uma decisão baseada em um critério que prescinda de motivação, de modo a não ser possível o controle da validade jurídica dos motivos em sua correlação com a finalidade.

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Dito de outro modo, a decisão, proferida por autoridade investida de um poder político para fazê-lo, valida-se pela própria investidura de quem a profere; e não pelo cotejamento de seus motivos e sua finalidade com algum parâmetro jurídico-normativo superior (ou seja, não pelo controle jurídico).

Insiste-se aqui quanto ao aspecto dos motivos e da finalidade da decisão. Isso porque, diferentemente, quanto ao objeto e a forma da decisão, mesmo sendo ela política, são passíveis de controle jurídico, isto é, um controle que se dá por referência a um padrão normativo superior. Por exemplo: ao afirmar-se que a decisão do impeachment é política, não se admite que essa decisão possa ter desrespeitado formas processuais (ex.: julgamento por maioria simples, quando a Constituição exige maioria qualificada) ou tenha objeto estranho aos parâmetros constitucionais (ex.: condenar o presidente da República à prisão).

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De um lado, é certo que a Constituição Brasileira estabelece um mínimo de regramento jurídico em matéria de impeachment: normas de processo, definição de tipos infracionais e das penas consequentes.

De outro lado, estabelece tipos com uma formulação bastante aberta e deixa ampla margem de apreciação política aos deputados e senadores quanto à verificação da efetiva prática de atos típicos.

Ao falar-se em “tipos”, quanto mais quando se está tratando de “crimes” de responsabilidade, é importante a breve ressalva – ainda que sobre dado notório – de que “crimes de responsabilidade” não têm natureza penal. A palavra “crime” é usada em um sentido menos preciso, remetendo a “ilícito”. E a própria Constituição o confirma ao dar tratamento distinto para a apuração de crimes propriamente ditos, praticados pelo presidente da República.

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Os tipos previstos na Constituição (art. 85), com efeito, possuem fórmulas muito genéricas:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

E a simples enunciação do tipo geral, no caput – atentar contra a Constituição – já é claramente indicativo da margem política deixada à apreciação dos julgadores.

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Ademais, a mesma Constituição, no parágrafo único do artigo 85, determina que a lei ordinária definirá esses “crimes”, estabelecendo também normas de processo e julgamento.

Tal lei vem a ser a Lei n. 1.079/50, que desdobra os sete tipos genéricos da Constituição, em alguns casos, dando formulações mais delimitadas – p. ex.: os casos que envolvem matéria fiscal ou orçamentária, tratados nos artigos 9° e 10 (da Lei) –, mas, em outros, mantendo fórmulas mais abertas, o que inevitavelmente propicia mais margem ao julgador para verificar a ocorrência, ou não, de suficientes elementos de materialidade do fato típico no caso concreto – p. ex.: “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”; “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”; “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Tome-se esse último exemplo: julgar o presidente por “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” é algo, de fato, razoavelmente próximo (em substância) do que se passa, nos regimes parlamentaristas, com a perda de confiança do governo.

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Porém, não se confunde com esse outro instituto.

Com efeito, no caso do impeachment, tal como previsto na Constituição Brasileira e na Lei n. 1.079/50 – diferentemente do caso da moção de confiança/desconfiança dos parlamentarismos – existe a necessidade de um processo judiciariforme, que se inicia por uma denúncia que deve minimamente lastrear-se em aspectos de materialidade do delito.

Isso implica um ônus argumentativo por parte dos denunciantes, passível de censura político-democrática pela população.

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Dito de outro modo: a denúncia não pode simplesmente significar o desejo da troca do presidente da República antes de vencido seu mandato. Deve a denúncia apontar fatos que correspondam à tipificação prevista pela Lei n. 1.079/50, a partir da base constitucional.

No entanto, ao lado da maior margem política – diga-se: discricionariedade – do julgador ao aceitar e processar a denúncia, o ponto mais relevante a caracterizar a natureza política do impeachment está na deliberação: o ato de vontade em que consiste norma jurídica individual e concreta que condena ou absolve o presidente da República tem a sua validade aferível por certos critérios de legalidade – forma procedimental e objeto, como se disse mais acima –, dentre os quais não figura a verificação dos motivos da decisão.

O assunto terá continuidade em mais um artigo.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

No texto anterior, da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, havia parado as reflexões no ponto de sugerir que, no sistema brasileiro, as decisões que marcam o processo de impeachment são eminentemente políticas. Retomo o ponto a partir daí.

Por decisão política, quer-se dizer uma decisão baseada em um critério que prescinda de motivação, de modo a não ser possível o controle da validade jurídica dos motivos em sua correlação com a finalidade.

Dito de outro modo, a decisão, proferida por autoridade investida de um poder político para fazê-lo, valida-se pela própria investidura de quem a profere; e não pelo cotejamento de seus motivos e sua finalidade com algum parâmetro jurídico-normativo superior (ou seja, não pelo controle jurídico).

Insiste-se aqui quanto ao aspecto dos motivos e da finalidade da decisão. Isso porque, diferentemente, quanto ao objeto e a forma da decisão, mesmo sendo ela política, são passíveis de controle jurídico, isto é, um controle que se dá por referência a um padrão normativo superior. Por exemplo: ao afirmar-se que a decisão do impeachment é política, não se admite que essa decisão possa ter desrespeitado formas processuais (ex.: julgamento por maioria simples, quando a Constituição exige maioria qualificada) ou tenha objeto estranho aos parâmetros constitucionais (ex.: condenar o presidente da República à prisão).

De um lado, é certo que a Constituição Brasileira estabelece um mínimo de regramento jurídico em matéria de impeachment: normas de processo, definição de tipos infracionais e das penas consequentes.

De outro lado, estabelece tipos com uma formulação bastante aberta e deixa ampla margem de apreciação política aos deputados e senadores quanto à verificação da efetiva prática de atos típicos.

Ao falar-se em “tipos”, quanto mais quando se está tratando de “crimes” de responsabilidade, é importante a breve ressalva – ainda que sobre dado notório – de que “crimes de responsabilidade” não têm natureza penal. A palavra “crime” é usada em um sentido menos preciso, remetendo a “ilícito”. E a própria Constituição o confirma ao dar tratamento distinto para a apuração de crimes propriamente ditos, praticados pelo presidente da República.

Os tipos previstos na Constituição (art. 85), com efeito, possuem fórmulas muito genéricas:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

E a simples enunciação do tipo geral, no caput – atentar contra a Constituição – já é claramente indicativo da margem política deixada à apreciação dos julgadores.

Ademais, a mesma Constituição, no parágrafo único do artigo 85, determina que a lei ordinária definirá esses “crimes”, estabelecendo também normas de processo e julgamento.

Tal lei vem a ser a Lei n. 1.079/50, que desdobra os sete tipos genéricos da Constituição, em alguns casos, dando formulações mais delimitadas – p. ex.: os casos que envolvem matéria fiscal ou orçamentária, tratados nos artigos 9° e 10 (da Lei) –, mas, em outros, mantendo fórmulas mais abertas, o que inevitavelmente propicia mais margem ao julgador para verificar a ocorrência, ou não, de suficientes elementos de materialidade do fato típico no caso concreto – p. ex.: “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”; “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”; “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Tome-se esse último exemplo: julgar o presidente por “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” é algo, de fato, razoavelmente próximo (em substância) do que se passa, nos regimes parlamentaristas, com a perda de confiança do governo.

Porém, não se confunde com esse outro instituto.

Com efeito, no caso do impeachment, tal como previsto na Constituição Brasileira e na Lei n. 1.079/50 – diferentemente do caso da moção de confiança/desconfiança dos parlamentarismos – existe a necessidade de um processo judiciariforme, que se inicia por uma denúncia que deve minimamente lastrear-se em aspectos de materialidade do delito.

Isso implica um ônus argumentativo por parte dos denunciantes, passível de censura político-democrática pela população.

Dito de outro modo: a denúncia não pode simplesmente significar o desejo da troca do presidente da República antes de vencido seu mandato. Deve a denúncia apontar fatos que correspondam à tipificação prevista pela Lei n. 1.079/50, a partir da base constitucional.

No entanto, ao lado da maior margem política – diga-se: discricionariedade – do julgador ao aceitar e processar a denúncia, o ponto mais relevante a caracterizar a natureza política do impeachment está na deliberação: o ato de vontade em que consiste norma jurídica individual e concreta que condena ou absolve o presidente da República tem a sua validade aferível por certos critérios de legalidade – forma procedimental e objeto, como se disse mais acima –, dentre os quais não figura a verificação dos motivos da decisão.

O assunto terá continuidade em mais um artigo.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

No texto anterior, da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, havia parado as reflexões no ponto de sugerir que, no sistema brasileiro, as decisões que marcam o processo de impeachment são eminentemente políticas. Retomo o ponto a partir daí.

Por decisão política, quer-se dizer uma decisão baseada em um critério que prescinda de motivação, de modo a não ser possível o controle da validade jurídica dos motivos em sua correlação com a finalidade.

Dito de outro modo, a decisão, proferida por autoridade investida de um poder político para fazê-lo, valida-se pela própria investidura de quem a profere; e não pelo cotejamento de seus motivos e sua finalidade com algum parâmetro jurídico-normativo superior (ou seja, não pelo controle jurídico).

Insiste-se aqui quanto ao aspecto dos motivos e da finalidade da decisão. Isso porque, diferentemente, quanto ao objeto e a forma da decisão, mesmo sendo ela política, são passíveis de controle jurídico, isto é, um controle que se dá por referência a um padrão normativo superior. Por exemplo: ao afirmar-se que a decisão do impeachment é política, não se admite que essa decisão possa ter desrespeitado formas processuais (ex.: julgamento por maioria simples, quando a Constituição exige maioria qualificada) ou tenha objeto estranho aos parâmetros constitucionais (ex.: condenar o presidente da República à prisão).

De um lado, é certo que a Constituição Brasileira estabelece um mínimo de regramento jurídico em matéria de impeachment: normas de processo, definição de tipos infracionais e das penas consequentes.

De outro lado, estabelece tipos com uma formulação bastante aberta e deixa ampla margem de apreciação política aos deputados e senadores quanto à verificação da efetiva prática de atos típicos.

Ao falar-se em “tipos”, quanto mais quando se está tratando de “crimes” de responsabilidade, é importante a breve ressalva – ainda que sobre dado notório – de que “crimes de responsabilidade” não têm natureza penal. A palavra “crime” é usada em um sentido menos preciso, remetendo a “ilícito”. E a própria Constituição o confirma ao dar tratamento distinto para a apuração de crimes propriamente ditos, praticados pelo presidente da República.

Os tipos previstos na Constituição (art. 85), com efeito, possuem fórmulas muito genéricas:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

E a simples enunciação do tipo geral, no caput – atentar contra a Constituição – já é claramente indicativo da margem política deixada à apreciação dos julgadores.

Ademais, a mesma Constituição, no parágrafo único do artigo 85, determina que a lei ordinária definirá esses “crimes”, estabelecendo também normas de processo e julgamento.

Tal lei vem a ser a Lei n. 1.079/50, que desdobra os sete tipos genéricos da Constituição, em alguns casos, dando formulações mais delimitadas – p. ex.: os casos que envolvem matéria fiscal ou orçamentária, tratados nos artigos 9° e 10 (da Lei) –, mas, em outros, mantendo fórmulas mais abertas, o que inevitavelmente propicia mais margem ao julgador para verificar a ocorrência, ou não, de suficientes elementos de materialidade do fato típico no caso concreto – p. ex.: “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”; “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”; “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Tome-se esse último exemplo: julgar o presidente por “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” é algo, de fato, razoavelmente próximo (em substância) do que se passa, nos regimes parlamentaristas, com a perda de confiança do governo.

Porém, não se confunde com esse outro instituto.

Com efeito, no caso do impeachment, tal como previsto na Constituição Brasileira e na Lei n. 1.079/50 – diferentemente do caso da moção de confiança/desconfiança dos parlamentarismos – existe a necessidade de um processo judiciariforme, que se inicia por uma denúncia que deve minimamente lastrear-se em aspectos de materialidade do delito.

Isso implica um ônus argumentativo por parte dos denunciantes, passível de censura político-democrática pela população.

Dito de outro modo: a denúncia não pode simplesmente significar o desejo da troca do presidente da República antes de vencido seu mandato. Deve a denúncia apontar fatos que correspondam à tipificação prevista pela Lei n. 1.079/50, a partir da base constitucional.

No entanto, ao lado da maior margem política – diga-se: discricionariedade – do julgador ao aceitar e processar a denúncia, o ponto mais relevante a caracterizar a natureza política do impeachment está na deliberação: o ato de vontade em que consiste norma jurídica individual e concreta que condena ou absolve o presidente da República tem a sua validade aferível por certos critérios de legalidade – forma procedimental e objeto, como se disse mais acima –, dentre os quais não figura a verificação dos motivos da decisão.

O assunto terá continuidade em mais um artigo.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

No texto anterior, da presente sequência temática sobre “impeachment”, que publiquei recentemente neste espaço, havia parado as reflexões no ponto de sugerir que, no sistema brasileiro, as decisões que marcam o processo de impeachment são eminentemente políticas. Retomo o ponto a partir daí.

Por decisão política, quer-se dizer uma decisão baseada em um critério que prescinda de motivação, de modo a não ser possível o controle da validade jurídica dos motivos em sua correlação com a finalidade.

Dito de outro modo, a decisão, proferida por autoridade investida de um poder político para fazê-lo, valida-se pela própria investidura de quem a profere; e não pelo cotejamento de seus motivos e sua finalidade com algum parâmetro jurídico-normativo superior (ou seja, não pelo controle jurídico).

Insiste-se aqui quanto ao aspecto dos motivos e da finalidade da decisão. Isso porque, diferentemente, quanto ao objeto e a forma da decisão, mesmo sendo ela política, são passíveis de controle jurídico, isto é, um controle que se dá por referência a um padrão normativo superior. Por exemplo: ao afirmar-se que a decisão do impeachment é política, não se admite que essa decisão possa ter desrespeitado formas processuais (ex.: julgamento por maioria simples, quando a Constituição exige maioria qualificada) ou tenha objeto estranho aos parâmetros constitucionais (ex.: condenar o presidente da República à prisão).

De um lado, é certo que a Constituição Brasileira estabelece um mínimo de regramento jurídico em matéria de impeachment: normas de processo, definição de tipos infracionais e das penas consequentes.

De outro lado, estabelece tipos com uma formulação bastante aberta e deixa ampla margem de apreciação política aos deputados e senadores quanto à verificação da efetiva prática de atos típicos.

Ao falar-se em “tipos”, quanto mais quando se está tratando de “crimes” de responsabilidade, é importante a breve ressalva – ainda que sobre dado notório – de que “crimes de responsabilidade” não têm natureza penal. A palavra “crime” é usada em um sentido menos preciso, remetendo a “ilícito”. E a própria Constituição o confirma ao dar tratamento distinto para a apuração de crimes propriamente ditos, praticados pelo presidente da República.

Os tipos previstos na Constituição (art. 85), com efeito, possuem fórmulas muito genéricas:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

E a simples enunciação do tipo geral, no caput – atentar contra a Constituição – já é claramente indicativo da margem política deixada à apreciação dos julgadores.

Ademais, a mesma Constituição, no parágrafo único do artigo 85, determina que a lei ordinária definirá esses “crimes”, estabelecendo também normas de processo e julgamento.

Tal lei vem a ser a Lei n. 1.079/50, que desdobra os sete tipos genéricos da Constituição, em alguns casos, dando formulações mais delimitadas – p. ex.: os casos que envolvem matéria fiscal ou orçamentária, tratados nos artigos 9° e 10 (da Lei) –, mas, em outros, mantendo fórmulas mais abertas, o que inevitavelmente propicia mais margem ao julgador para verificar a ocorrência, ou não, de suficientes elementos de materialidade do fato típico no caso concreto – p. ex.: “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”; “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”; “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Tome-se esse último exemplo: julgar o presidente por “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” é algo, de fato, razoavelmente próximo (em substância) do que se passa, nos regimes parlamentaristas, com a perda de confiança do governo.

Porém, não se confunde com esse outro instituto.

Com efeito, no caso do impeachment, tal como previsto na Constituição Brasileira e na Lei n. 1.079/50 – diferentemente do caso da moção de confiança/desconfiança dos parlamentarismos – existe a necessidade de um processo judiciariforme, que se inicia por uma denúncia que deve minimamente lastrear-se em aspectos de materialidade do delito.

Isso implica um ônus argumentativo por parte dos denunciantes, passível de censura político-democrática pela população.

Dito de outro modo: a denúncia não pode simplesmente significar o desejo da troca do presidente da República antes de vencido seu mandato. Deve a denúncia apontar fatos que correspondam à tipificação prevista pela Lei n. 1.079/50, a partir da base constitucional.

No entanto, ao lado da maior margem política – diga-se: discricionariedade – do julgador ao aceitar e processar a denúncia, o ponto mais relevante a caracterizar a natureza política do impeachment está na deliberação: o ato de vontade em que consiste norma jurídica individual e concreta que condena ou absolve o presidente da República tem a sua validade aferível por certos critérios de legalidade – forma procedimental e objeto, como se disse mais acima –, dentre os quais não figura a verificação dos motivos da decisão.

O assunto terá continuidade em mais um artigo.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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