O art. 37, § 16, da Constituição de 1988, estabelece que os órgãos e entidades da Administração Pública, individual ou conjuntamente, devem realizar a avaliação das políticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados alcançados, na forma da lei.
Nesse contexto, a avaliação de políticas públicas deve ser realizada em dois momentos distintos:
1) Ex ante ou em momento anterior à sua implementação, visando direcionar a política pública para um resultado ótimo em favor da sociedade, atentando para a limitação de recursos e para as alternativas existentes, aferindo, sempre que possível, seus custos e benefícios.
2) Ex post ou em momento posterior à sua implementação, visando a análise dos resultados alcançados, de modo a melhorar a alocação de recursos, em consonância com os parâmetros de economicidade, eficiência, eficácia e efetividade.
Contudo, em não sendo alcançados os resultados esperados por uma política pública, o STF fixou, no Tema 698,[1] dois parâmetros gerais visando nortear as decisões judiciais:
1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes.
2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado. Trata-se, em verdade, de consagração dos processos que adotam medidas estruturais, pautados na discussão sobre uma “situação de desconformidade estruturada” - ou seja, ausência de adequada atuação de uma estrutura burocrática -, com o intuito de promoverem uma transição para uma “situação de atuação ideal”.[2]
Contudo, durante a avaliação de uma determinada política pública, pode se deparar o gestor com a prática de ilegalidades ou, até mesmo, atos de improbidade administrativa.
Na órbita da probidade administrativa, o art. 17-D da Lei nº 8.429/92 estabelece que é vedado o ajuizamento da ação por improbidade administrativa para o controle de legalidade de políticas públicas.
A intenção do legislador, com a modificação empreendida pela Lei nº 14.230/21, parece ser afastar o uso da ação de improbidade como meio de controle da gestão de políticas públicas, conduta a ser investigada por meio de ação civil pública regulamentada pela Lei nº 7.347/1985, no que “andou bem o legislador e impedir a desvirtuação do uso da ação de improbidade administrativa para o controle de políticas públicas.”[3]
Contudo, a vedação ao controle de legalidade das políticas públicas por meio de demandas de improbidade não pode incidir de modo absoluto.
A vedação absoluta afronta o artigo 37, caput e § 4º, da Constituição de 1988, não apenas sob a ótica dos princípios da vedação ao retrocesso social e da proibição da proteção insuficiente, mas também em atenção ao postulado da máxima efetividade das normas constitucionais e pelo fato de que a ação de improbidade administrativa não se destina, exclusivamente, a aplicar sanções, mas também ao ressarcimento ao erário (art. 12, caput, da Lei nº 8.429/92, que não é sanção, mas consequência obrigacional da prática ilícita).
Assim, o dispositivo deve receber interpretação conforme à constituição, visto que:
1) “[D]eve-se entender que as políticas públicas de Estado, via de regra, não podem ser controladas pela ação de improbidade, salvo àquelas em que se verifique a possibilidade de impacto direto na integridade do patrimônio público.”[4] Nesse sentido, inclusive, o artigo 1°, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, estabelece que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa deve assegurar a integridade do patrimônio público.
2) Afigura-se possível discutir a legalidade de determinada política pública na demanda de improbidade nas hipóteses em que haja conexão com ato de improbidade. Isso porque “A ação de improbidade administrava não pode deixar de conter conteúdo punitivo; logo, só poderá conter conteúdo não punitivo quando conexo com ele, ou seja, desde que decorra do ato de improbidade administrativa que se objetiva punir.”[5]
Não há, portanto, vedação absoluta ao controle de legalidade das políticas públicas por meio de demandas de improbidade, visto que o art. 17-D da Lei de Improbidade Administrativa define apenas qual o diploma normativo rege os diferentes aspectos que permeiam a proteção da probidade administrativa: a) a parte punitiva será regulada pela Lei nº 8.429/92; e b) as demais pretensões serão disciplinadas pela Lei nº 7.347/85. Em outras palavras,
O presente ensaio não pretende apresentar uma resposta definitiva para o problema, em especial diante de sua ampla envergadura. Contudo, as modificações empreendidas pela Lei 14.230/21 devem ser interpretadas no sentido de buscar a prevenção e o combate aos atos de improbidade, em verdadeiro esforço permanente pela honestidade na concretização de políticas públicas.
[1] STF, RE 684.612/RJ – Tema 698.
[2] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nº 75, p. 101-136, jan./mar. 2020. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/servicos/revista-do-mp/revista-75/artigo-das-pags-101-136.
[3] GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/1992, com as alterações da lei 14.320/2021 [livro eletrônico]. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022
[4] ZIESEMER, Henrique da Rosa; PINHEIRO, Igor Pereira. Nova lei de improbidade administrativa comentada. Leme: Mizuno, 2022, p. 157.
[5] SIMÃO, Calil. Improbidade administrativa: teoria e prática. 6. ed. Leme: Mizuno, 2022, p. 356.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica