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Opinião|In dubio pro societate: breves considerações


Daí porque soa intolerável, data vênia, submeter qualquer cidadão a um processo de natureza criminal escorado numa situação de dúvida, sem que a acusação esteja, como de rigor, fundada em elementos sólidos de materialidade e razoável probabilidade de autoria

Por Rodrigo Curado Fleury

No cotidiano do foro criminal, não é incomum o recebimento de denúncias sem fundamentação idônea e, muitas vezes escorada apenas na simples invocação do brocardo in dubio pro societate, o qual também embasa, aqui e acolá, sentença de pronúncia em processos da competência do Tribunal do Júri.

Entretanto, é preciso bem mais para submeter validamente qualquer cidadão a um processo criminal, que, como se sabe, vem acompanhado de imensuráveis adversidades na vida pessoal do envolvido.

Nunca é demais relembrar, nesse passo, que constituímos Estado Democrático de Direito, que dentre seus valores fundamentais estruturantes se destacam o intransigente respeito à dignidade da pessoa humana, à cidadania e aos direitos humanos.

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E dentre as garantias individuais, a observância cogente do devido processo legal, tanto no seu conteúdo formal, quanto material, da ampla defesa e do contraditório e, especialmente, do princípio da presunção de não culpabilidade.

Para além disso, recai sobre a acusação, com exclusividade, o ônus de comprovar, de modo inequívoco e, portanto, para além de qualquer dúvida razoável, a materialidade e autoria, como de resto os demais elementos do tipo penal imputado a alguém, pelo que é inadmissível exigir, em qualquer momento do processo, que o acusado prove a sua inocência, proceder, aliás, próprio dos regimes autocráticos.

Esse o cenário, avulta, como verdadeiro princípio estruturante do processo penal, que o estado de dúvida no exercício da jurisdição penal deverá, sempre, e em qualquer fase, beneficiar o investigado, acusado ou réu.

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E nessa linha de compreensão, com o máximo respeito aos entendimentos em sentido contrário, inexiste espaço para aplicação do aforismo in dubio pro societate, máxime, como sói acontecer, a título de fundamento autônomo para alicerçar o recebimento da denúncia no processo criminal comum, e com muito maior razão, a pronúncia do acusado no procedimento penal do Júri.

Nesta última hipótese, aliás, a oportuna disciplina do artigo 413 do Código de Processo Penal é clara ao assentar que o acusado somente deve ser pronunciado quando o Juiz estiver convencido da materialidade do fato e da existência de suficientes indícios de autoria ou de participação.

E esse convencimento deve ser, necessária e validamente motivado, tanto quanto à certeza da existência material do crime doloso contra a vida, quanto, essencialmente, à existência de elementos probatórios válidos que autorizem a prolação de um juízo fundamentado de probabilidade de autoria ou participação.

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Não se exige nessa fase, é certo, convicção de certeza quanto a autoria, standard probatório próprio de eventual sentença condenatória, mas é imprescindível que exista uma fundada plausibilidade de sua ocorrência, com a preponderância de provas e ou indícios incriminatórios.

Daí porque soa intolerável, data vênia, submeter qualquer cidadão a um processo de natureza criminal escorado numa situação de dúvida, sem que a acusação esteja, como de rigor, fundada em elementos sólidos de materialidade e razoável probabilidade de autoria.

Situação da espécie importa, ao fim e ao cabo, convalidação da ultrapassada ideia de que, em pretenso benefício da sociedade, todos os investigados seriam culpados até prova em contrário, algo verdadeiramente sem sentido no âmbito de uma sociedade democrática, com bases fincadas no estado de direito.

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É preciso considerar, nesse ponto, que o só fato de alguém responder a um processo penal, qualquer que seja a magnitude da imputação, traduz algo dramaticamente tormentoso, que gera danosas sensações no indivíduo, como incerteza, insegurança, ansiedade, medo e sobressalto.

Atinge, por outro lado, sua imagem perante a sociedade, muitas vezes de forma irreversível, marcando permanentemente a vida privada e as relações familiares. O desgaste de responder a um processo criminal é enorme, e mesmo inimaginável para aquele que se sabe inocente.

Portanto, a válida abertura de uma ação penal exige que a acusação seja crível, de modo que efetivamente venha fundada em elementos concretos de materialidade e potencial autoria ou participação, sob o risco de transgressão manifesta ao postulado da dignidade da pessoa humana.

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Nas sempre abalizadas lições do Ministro Celso de Mello, a regra “in dubio pro societate” – repelida pelo modelo constitucional que consagra o processo penal de perfil democrático – revela-se incompatível com a presunção de inocência, que, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, tem prevalecido no contexto das sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, não há, ou não deveria haver, espaço algum para a dúvida, seja no recebimento da denúncia, seja na pronúncia do acusado nos processos da competência do Tribunal do Júri.

Em realidade, eventual constatação desse estado de ambiguidade deverá resultar, sob a ótica própria e adequada do princípio da presunção de inocência, rejeição da denúncia, ou impronúncia, conforme o caso.

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Nessa mesma linha, e em boa hora, o Superior Tribunal de Justiça vem de assentar que o “in dubio pro societate” não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias”, e estando presente a dúvida deve “ser aplicado o in dubio pro reo”.

Desse modo, a dúvida não autoriza a inauguração da ação penal, sequer sob um pretenso interesse social. Antes, é imprescindível que a acusação ofereça elementos consistentes de materialidade e autoria, que convençam que o crime ocorreu e que aquele cidadão acusado possui fundada probabilidade de ser o seu autor ou de ter dele participado.

Sem isso, a rejeição é medida impositiva, sob o risco de transformar a ação penal em instrumento investigatório impróprio, em manifesto confronto com o processo legal devido.

A aplicação do brocardo “in dubio pro societate”, além de não encontrar base constitucional ou legal de sustentação, não pode, com o devido respeito, embasar decisões judiciais de recebimento de denúncia e, menos ainda, sentenças de pronúncia, estando suas balizas conceituais em manifesto confronto com os fundamentos estruturantes da República Federativa do Brasil.

Os provimentos judiciais instauradores da ação penal não podem traduzir qualquer espécie de dúvida em relação à conduta da pessoa investigada, mas antes, pelo contrário, hão de estar, obrigatoriamente, fundamentados em bases probatórias válidas e consistentes, sendo juridicamente inidônea a simples invocação do aforismo jurídico “in dubio pro societate”.

No cotidiano do foro criminal, não é incomum o recebimento de denúncias sem fundamentação idônea e, muitas vezes escorada apenas na simples invocação do brocardo in dubio pro societate, o qual também embasa, aqui e acolá, sentença de pronúncia em processos da competência do Tribunal do Júri.

Entretanto, é preciso bem mais para submeter validamente qualquer cidadão a um processo criminal, que, como se sabe, vem acompanhado de imensuráveis adversidades na vida pessoal do envolvido.

Nunca é demais relembrar, nesse passo, que constituímos Estado Democrático de Direito, que dentre seus valores fundamentais estruturantes se destacam o intransigente respeito à dignidade da pessoa humana, à cidadania e aos direitos humanos.

E dentre as garantias individuais, a observância cogente do devido processo legal, tanto no seu conteúdo formal, quanto material, da ampla defesa e do contraditório e, especialmente, do princípio da presunção de não culpabilidade.

Para além disso, recai sobre a acusação, com exclusividade, o ônus de comprovar, de modo inequívoco e, portanto, para além de qualquer dúvida razoável, a materialidade e autoria, como de resto os demais elementos do tipo penal imputado a alguém, pelo que é inadmissível exigir, em qualquer momento do processo, que o acusado prove a sua inocência, proceder, aliás, próprio dos regimes autocráticos.

Esse o cenário, avulta, como verdadeiro princípio estruturante do processo penal, que o estado de dúvida no exercício da jurisdição penal deverá, sempre, e em qualquer fase, beneficiar o investigado, acusado ou réu.

E nessa linha de compreensão, com o máximo respeito aos entendimentos em sentido contrário, inexiste espaço para aplicação do aforismo in dubio pro societate, máxime, como sói acontecer, a título de fundamento autônomo para alicerçar o recebimento da denúncia no processo criminal comum, e com muito maior razão, a pronúncia do acusado no procedimento penal do Júri.

Nesta última hipótese, aliás, a oportuna disciplina do artigo 413 do Código de Processo Penal é clara ao assentar que o acusado somente deve ser pronunciado quando o Juiz estiver convencido da materialidade do fato e da existência de suficientes indícios de autoria ou de participação.

E esse convencimento deve ser, necessária e validamente motivado, tanto quanto à certeza da existência material do crime doloso contra a vida, quanto, essencialmente, à existência de elementos probatórios válidos que autorizem a prolação de um juízo fundamentado de probabilidade de autoria ou participação.

Não se exige nessa fase, é certo, convicção de certeza quanto a autoria, standard probatório próprio de eventual sentença condenatória, mas é imprescindível que exista uma fundada plausibilidade de sua ocorrência, com a preponderância de provas e ou indícios incriminatórios.

Daí porque soa intolerável, data vênia, submeter qualquer cidadão a um processo de natureza criminal escorado numa situação de dúvida, sem que a acusação esteja, como de rigor, fundada em elementos sólidos de materialidade e razoável probabilidade de autoria.

Situação da espécie importa, ao fim e ao cabo, convalidação da ultrapassada ideia de que, em pretenso benefício da sociedade, todos os investigados seriam culpados até prova em contrário, algo verdadeiramente sem sentido no âmbito de uma sociedade democrática, com bases fincadas no estado de direito.

É preciso considerar, nesse ponto, que o só fato de alguém responder a um processo penal, qualquer que seja a magnitude da imputação, traduz algo dramaticamente tormentoso, que gera danosas sensações no indivíduo, como incerteza, insegurança, ansiedade, medo e sobressalto.

Atinge, por outro lado, sua imagem perante a sociedade, muitas vezes de forma irreversível, marcando permanentemente a vida privada e as relações familiares. O desgaste de responder a um processo criminal é enorme, e mesmo inimaginável para aquele que se sabe inocente.

Portanto, a válida abertura de uma ação penal exige que a acusação seja crível, de modo que efetivamente venha fundada em elementos concretos de materialidade e potencial autoria ou participação, sob o risco de transgressão manifesta ao postulado da dignidade da pessoa humana.

Nas sempre abalizadas lições do Ministro Celso de Mello, a regra “in dubio pro societate” – repelida pelo modelo constitucional que consagra o processo penal de perfil democrático – revela-se incompatível com a presunção de inocência, que, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, tem prevalecido no contexto das sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, não há, ou não deveria haver, espaço algum para a dúvida, seja no recebimento da denúncia, seja na pronúncia do acusado nos processos da competência do Tribunal do Júri.

Em realidade, eventual constatação desse estado de ambiguidade deverá resultar, sob a ótica própria e adequada do princípio da presunção de inocência, rejeição da denúncia, ou impronúncia, conforme o caso.

Nessa mesma linha, e em boa hora, o Superior Tribunal de Justiça vem de assentar que o “in dubio pro societate” não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias”, e estando presente a dúvida deve “ser aplicado o in dubio pro reo”.

Desse modo, a dúvida não autoriza a inauguração da ação penal, sequer sob um pretenso interesse social. Antes, é imprescindível que a acusação ofereça elementos consistentes de materialidade e autoria, que convençam que o crime ocorreu e que aquele cidadão acusado possui fundada probabilidade de ser o seu autor ou de ter dele participado.

Sem isso, a rejeição é medida impositiva, sob o risco de transformar a ação penal em instrumento investigatório impróprio, em manifesto confronto com o processo legal devido.

A aplicação do brocardo “in dubio pro societate”, além de não encontrar base constitucional ou legal de sustentação, não pode, com o devido respeito, embasar decisões judiciais de recebimento de denúncia e, menos ainda, sentenças de pronúncia, estando suas balizas conceituais em manifesto confronto com os fundamentos estruturantes da República Federativa do Brasil.

Os provimentos judiciais instauradores da ação penal não podem traduzir qualquer espécie de dúvida em relação à conduta da pessoa investigada, mas antes, pelo contrário, hão de estar, obrigatoriamente, fundamentados em bases probatórias válidas e consistentes, sendo juridicamente inidônea a simples invocação do aforismo jurídico “in dubio pro societate”.

No cotidiano do foro criminal, não é incomum o recebimento de denúncias sem fundamentação idônea e, muitas vezes escorada apenas na simples invocação do brocardo in dubio pro societate, o qual também embasa, aqui e acolá, sentença de pronúncia em processos da competência do Tribunal do Júri.

Entretanto, é preciso bem mais para submeter validamente qualquer cidadão a um processo criminal, que, como se sabe, vem acompanhado de imensuráveis adversidades na vida pessoal do envolvido.

Nunca é demais relembrar, nesse passo, que constituímos Estado Democrático de Direito, que dentre seus valores fundamentais estruturantes se destacam o intransigente respeito à dignidade da pessoa humana, à cidadania e aos direitos humanos.

E dentre as garantias individuais, a observância cogente do devido processo legal, tanto no seu conteúdo formal, quanto material, da ampla defesa e do contraditório e, especialmente, do princípio da presunção de não culpabilidade.

Para além disso, recai sobre a acusação, com exclusividade, o ônus de comprovar, de modo inequívoco e, portanto, para além de qualquer dúvida razoável, a materialidade e autoria, como de resto os demais elementos do tipo penal imputado a alguém, pelo que é inadmissível exigir, em qualquer momento do processo, que o acusado prove a sua inocência, proceder, aliás, próprio dos regimes autocráticos.

Esse o cenário, avulta, como verdadeiro princípio estruturante do processo penal, que o estado de dúvida no exercício da jurisdição penal deverá, sempre, e em qualquer fase, beneficiar o investigado, acusado ou réu.

E nessa linha de compreensão, com o máximo respeito aos entendimentos em sentido contrário, inexiste espaço para aplicação do aforismo in dubio pro societate, máxime, como sói acontecer, a título de fundamento autônomo para alicerçar o recebimento da denúncia no processo criminal comum, e com muito maior razão, a pronúncia do acusado no procedimento penal do Júri.

Nesta última hipótese, aliás, a oportuna disciplina do artigo 413 do Código de Processo Penal é clara ao assentar que o acusado somente deve ser pronunciado quando o Juiz estiver convencido da materialidade do fato e da existência de suficientes indícios de autoria ou de participação.

E esse convencimento deve ser, necessária e validamente motivado, tanto quanto à certeza da existência material do crime doloso contra a vida, quanto, essencialmente, à existência de elementos probatórios válidos que autorizem a prolação de um juízo fundamentado de probabilidade de autoria ou participação.

Não se exige nessa fase, é certo, convicção de certeza quanto a autoria, standard probatório próprio de eventual sentença condenatória, mas é imprescindível que exista uma fundada plausibilidade de sua ocorrência, com a preponderância de provas e ou indícios incriminatórios.

Daí porque soa intolerável, data vênia, submeter qualquer cidadão a um processo de natureza criminal escorado numa situação de dúvida, sem que a acusação esteja, como de rigor, fundada em elementos sólidos de materialidade e razoável probabilidade de autoria.

Situação da espécie importa, ao fim e ao cabo, convalidação da ultrapassada ideia de que, em pretenso benefício da sociedade, todos os investigados seriam culpados até prova em contrário, algo verdadeiramente sem sentido no âmbito de uma sociedade democrática, com bases fincadas no estado de direito.

É preciso considerar, nesse ponto, que o só fato de alguém responder a um processo penal, qualquer que seja a magnitude da imputação, traduz algo dramaticamente tormentoso, que gera danosas sensações no indivíduo, como incerteza, insegurança, ansiedade, medo e sobressalto.

Atinge, por outro lado, sua imagem perante a sociedade, muitas vezes de forma irreversível, marcando permanentemente a vida privada e as relações familiares. O desgaste de responder a um processo criminal é enorme, e mesmo inimaginável para aquele que se sabe inocente.

Portanto, a válida abertura de uma ação penal exige que a acusação seja crível, de modo que efetivamente venha fundada em elementos concretos de materialidade e potencial autoria ou participação, sob o risco de transgressão manifesta ao postulado da dignidade da pessoa humana.

Nas sempre abalizadas lições do Ministro Celso de Mello, a regra “in dubio pro societate” – repelida pelo modelo constitucional que consagra o processo penal de perfil democrático – revela-se incompatível com a presunção de inocência, que, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, tem prevalecido no contexto das sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, não há, ou não deveria haver, espaço algum para a dúvida, seja no recebimento da denúncia, seja na pronúncia do acusado nos processos da competência do Tribunal do Júri.

Em realidade, eventual constatação desse estado de ambiguidade deverá resultar, sob a ótica própria e adequada do princípio da presunção de inocência, rejeição da denúncia, ou impronúncia, conforme o caso.

Nessa mesma linha, e em boa hora, o Superior Tribunal de Justiça vem de assentar que o “in dubio pro societate” não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias”, e estando presente a dúvida deve “ser aplicado o in dubio pro reo”.

Desse modo, a dúvida não autoriza a inauguração da ação penal, sequer sob um pretenso interesse social. Antes, é imprescindível que a acusação ofereça elementos consistentes de materialidade e autoria, que convençam que o crime ocorreu e que aquele cidadão acusado possui fundada probabilidade de ser o seu autor ou de ter dele participado.

Sem isso, a rejeição é medida impositiva, sob o risco de transformar a ação penal em instrumento investigatório impróprio, em manifesto confronto com o processo legal devido.

A aplicação do brocardo “in dubio pro societate”, além de não encontrar base constitucional ou legal de sustentação, não pode, com o devido respeito, embasar decisões judiciais de recebimento de denúncia e, menos ainda, sentenças de pronúncia, estando suas balizas conceituais em manifesto confronto com os fundamentos estruturantes da República Federativa do Brasil.

Os provimentos judiciais instauradores da ação penal não podem traduzir qualquer espécie de dúvida em relação à conduta da pessoa investigada, mas antes, pelo contrário, hão de estar, obrigatoriamente, fundamentados em bases probatórias válidas e consistentes, sendo juridicamente inidônea a simples invocação do aforismo jurídico “in dubio pro societate”.

No cotidiano do foro criminal, não é incomum o recebimento de denúncias sem fundamentação idônea e, muitas vezes escorada apenas na simples invocação do brocardo in dubio pro societate, o qual também embasa, aqui e acolá, sentença de pronúncia em processos da competência do Tribunal do Júri.

Entretanto, é preciso bem mais para submeter validamente qualquer cidadão a um processo criminal, que, como se sabe, vem acompanhado de imensuráveis adversidades na vida pessoal do envolvido.

Nunca é demais relembrar, nesse passo, que constituímos Estado Democrático de Direito, que dentre seus valores fundamentais estruturantes se destacam o intransigente respeito à dignidade da pessoa humana, à cidadania e aos direitos humanos.

E dentre as garantias individuais, a observância cogente do devido processo legal, tanto no seu conteúdo formal, quanto material, da ampla defesa e do contraditório e, especialmente, do princípio da presunção de não culpabilidade.

Para além disso, recai sobre a acusação, com exclusividade, o ônus de comprovar, de modo inequívoco e, portanto, para além de qualquer dúvida razoável, a materialidade e autoria, como de resto os demais elementos do tipo penal imputado a alguém, pelo que é inadmissível exigir, em qualquer momento do processo, que o acusado prove a sua inocência, proceder, aliás, próprio dos regimes autocráticos.

Esse o cenário, avulta, como verdadeiro princípio estruturante do processo penal, que o estado de dúvida no exercício da jurisdição penal deverá, sempre, e em qualquer fase, beneficiar o investigado, acusado ou réu.

E nessa linha de compreensão, com o máximo respeito aos entendimentos em sentido contrário, inexiste espaço para aplicação do aforismo in dubio pro societate, máxime, como sói acontecer, a título de fundamento autônomo para alicerçar o recebimento da denúncia no processo criminal comum, e com muito maior razão, a pronúncia do acusado no procedimento penal do Júri.

Nesta última hipótese, aliás, a oportuna disciplina do artigo 413 do Código de Processo Penal é clara ao assentar que o acusado somente deve ser pronunciado quando o Juiz estiver convencido da materialidade do fato e da existência de suficientes indícios de autoria ou de participação.

E esse convencimento deve ser, necessária e validamente motivado, tanto quanto à certeza da existência material do crime doloso contra a vida, quanto, essencialmente, à existência de elementos probatórios válidos que autorizem a prolação de um juízo fundamentado de probabilidade de autoria ou participação.

Não se exige nessa fase, é certo, convicção de certeza quanto a autoria, standard probatório próprio de eventual sentença condenatória, mas é imprescindível que exista uma fundada plausibilidade de sua ocorrência, com a preponderância de provas e ou indícios incriminatórios.

Daí porque soa intolerável, data vênia, submeter qualquer cidadão a um processo de natureza criminal escorado numa situação de dúvida, sem que a acusação esteja, como de rigor, fundada em elementos sólidos de materialidade e razoável probabilidade de autoria.

Situação da espécie importa, ao fim e ao cabo, convalidação da ultrapassada ideia de que, em pretenso benefício da sociedade, todos os investigados seriam culpados até prova em contrário, algo verdadeiramente sem sentido no âmbito de uma sociedade democrática, com bases fincadas no estado de direito.

É preciso considerar, nesse ponto, que o só fato de alguém responder a um processo penal, qualquer que seja a magnitude da imputação, traduz algo dramaticamente tormentoso, que gera danosas sensações no indivíduo, como incerteza, insegurança, ansiedade, medo e sobressalto.

Atinge, por outro lado, sua imagem perante a sociedade, muitas vezes de forma irreversível, marcando permanentemente a vida privada e as relações familiares. O desgaste de responder a um processo criminal é enorme, e mesmo inimaginável para aquele que se sabe inocente.

Portanto, a válida abertura de uma ação penal exige que a acusação seja crível, de modo que efetivamente venha fundada em elementos concretos de materialidade e potencial autoria ou participação, sob o risco de transgressão manifesta ao postulado da dignidade da pessoa humana.

Nas sempre abalizadas lições do Ministro Celso de Mello, a regra “in dubio pro societate” – repelida pelo modelo constitucional que consagra o processo penal de perfil democrático – revela-se incompatível com a presunção de inocência, que, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, tem prevalecido no contexto das sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, não há, ou não deveria haver, espaço algum para a dúvida, seja no recebimento da denúncia, seja na pronúncia do acusado nos processos da competência do Tribunal do Júri.

Em realidade, eventual constatação desse estado de ambiguidade deverá resultar, sob a ótica própria e adequada do princípio da presunção de inocência, rejeição da denúncia, ou impronúncia, conforme o caso.

Nessa mesma linha, e em boa hora, o Superior Tribunal de Justiça vem de assentar que o “in dubio pro societate” não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias”, e estando presente a dúvida deve “ser aplicado o in dubio pro reo”.

Desse modo, a dúvida não autoriza a inauguração da ação penal, sequer sob um pretenso interesse social. Antes, é imprescindível que a acusação ofereça elementos consistentes de materialidade e autoria, que convençam que o crime ocorreu e que aquele cidadão acusado possui fundada probabilidade de ser o seu autor ou de ter dele participado.

Sem isso, a rejeição é medida impositiva, sob o risco de transformar a ação penal em instrumento investigatório impróprio, em manifesto confronto com o processo legal devido.

A aplicação do brocardo “in dubio pro societate”, além de não encontrar base constitucional ou legal de sustentação, não pode, com o devido respeito, embasar decisões judiciais de recebimento de denúncia e, menos ainda, sentenças de pronúncia, estando suas balizas conceituais em manifesto confronto com os fundamentos estruturantes da República Federativa do Brasil.

Os provimentos judiciais instauradores da ação penal não podem traduzir qualquer espécie de dúvida em relação à conduta da pessoa investigada, mas antes, pelo contrário, hão de estar, obrigatoriamente, fundamentados em bases probatórias válidas e consistentes, sendo juridicamente inidônea a simples invocação do aforismo jurídico “in dubio pro societate”.

Opinião por Rodrigo Curado Fleury

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