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Opinião|Instrução Normativa 2219/2024: desafios à justiça social, proteção de dados e direitos fundamentais


É imprescindível relembrar que os dados bancários estão acobertados pelo sigilo bancário e pelo sigilo fiscal, sendo inconteste a necessidade de pedido fundamentado na esfera judicial com a conseguinte concessão de ordem autorizando a quebra dos quaisquer dos sigilos por tempo determinado e em período determinado

Por Gustavo Polido, Luiz de Araújo Luna Neto, Andressa Knapp Polido e Letícia Brolezze

A análise das implicações da Instrução Normativa 2219/2024[1] revela um cenário complexo, onde o entrelaçamento de normas e direitos fundamentais suscita uma série de reflexões sobre a proteção das prerrogativas individuais, desigualdade social e a salvaguarda dos dados pessoais dos cidadãos.

A nova disposição normativa estabelece que as instituições financeiras, operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento reportem à Receita Federal todas as operações e movimentações que realizarem respeitando determinados critérios quantitativos[2][3], tanto das pessoas que enviam valores, quanto as que recebem os valores via PIX.

Aplicável a partir de 1º de janeiro de 2025, a Instrução Normativa prevê que as operações em nome de pessoas físicas, em contas individuais ou conjuntas, acima de R$ 5.000,00, deverão ser informadas semestralmente, bem como as operações realizadas por pessoas jurídicas, independentemente, que ultrapassarem R$ 15.000,00 no referido período[4][5].

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Sem dúvida, essa medida possui finalidade positiva: reforçar os mecanismos de controle e promover mais transparência nas transações financeiras, visando combater a sonegação fiscal que afeta diretamente a arrecadação de impostos e, por consequência, prejudica o financiamento de políticas públicas.

Fato é que apesar de ser bem-intencionada, essa norma regulamentadora está em completo desacordo com a realidade no que diz respeito aos direitos básicos e à justiça social e, por isso, é imprescindível estabelecer um equilíbrio entre o controle financeiro e a salvaguarda da liberdade para garantir que as ações governamentais não coloquem em risco os direitos básicos consagrados na Constituição Federal.

É preciso destacar que os valores estipulados para a declaração de transações financeiras refletem uma enorme discrepância com a economia real que permeia o país. O limite atual, que para uma pessoa física é de R$ 5.000,00 e para pessoas jurídicas é de R$ 15.000,00, valores não se mostram relevantes em comparação às voluptuosas quantias transacionadas por grandes empresários e as fortunas envolvidas em esquemas sofisticados de sonegação fiscal.

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Portanto, essa ênfase desproporcional direciona a atenção das autoridades fiscais para indivíduos com transações de menor valor, impondo um ônus adicional à população de classe média e baixa[6], que já enfrenta uma carga tributária desproporcional em relação às classes mais abastadas[7]. Muitas vezes, essas pessoas possuem recursos limitados para evitar ou mitigar os efeitos das exigências fiscais e, como resultado, a desigualdade social tende a se agravar, uma vez que aqueles com acesso a assessoria jurídica e contábil especializada têm maiores chances de contornar a lei de forma eficaz. Além, é claro, de sobrecarregar os sistemas fiscalizatórios com movimentações irrisórias perante o sistema arrecadatório existente.

Como se não bastasse, a Instrução também entra em evidente contradição com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)[8], isso porque a coleta de dados financeiros de forma indiscriminada e ilimitada ignora os riscos à privacidade, protegida pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, bem como levanta dúvidas sobre a capacidade do Estado de assumir, de forma eficaz e segura, a responsabilidade pela proteção e o processamento dessas informações sensíveis. Muito embora, de acordo com a Instrução Normativa, não constarão nas informações que serão enviadas ao Fisco, qualquer elemento que permita identificar a origem ou o destino dos recursos utilizados nas operações financeiras.

No mesmo sentido, dispõe o Marco Civil da internet (Lei nº 12.965/2014) em seu art.10º, que dados como, por exemplo, pedidos, dados de cartões, localização em GPS e outros, prescindem, necessariamente, de ordem judicial para que sejam fornecidos, sob pena de nulidade, justamente por todos estarem incluídos no rol de dados que se encontram protegidos pela Garantia Constitucional à privacidade.

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Para além disso, é imprescindível relembrar que os dados bancários estão acobertados pelo sigilo bancário e pelo sigilo fiscal, sendo inconteste a necessidade de pedido fundamentado na esfera judicial com a conseguinte concessão de ordem autorizando a quebra dos quaisquer dos sigilos por tempo determinado e em período determinado.

Isso somado a conhecida fragilidade histórica de algumas estruturas estatais no Brasil, aliada a casos rotineiros de vazamento de dados em órgãos públicos[9], levantam sérias dúvidas sobre a eficiência e segurança do procedimento de cruzamento de dados.

A Instrução Normativa, como já mencionado, tem “boas intenções” e é reflexo de uma política de Prevenção à Sonegação Fiscal e a Lavagem de Capitais adota mundialmente e “coordenada” pelas diretrizes adotadas pelo Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI[10].

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Um exemplo disso é a Recomendação nº29 do GAFI que exige, dos países signatários, a implementação de regramentos que autorizem as Unidades de Inteligência Financeira (COAF no Brasil) a ter acesso a informações de atividades financeiras para identificar atividades suspeitas.

Essa tendência já podia ser verificada no texto da Resolução nº 343 do Banco Central do Brasil, publicada no final de 2023 com a finalidade de estabelecer medidas necessárias para a execução do compartilhamento de dados e informações sobre “indícios de fraudes”, atendendo a uma exigência da Resolução Conjunta nº 6 de 23 de maio de 2023.

Na mencionada resolução, já se exigia de instituição financeiras e de empresas de tecnologia que fosse compartilhado dados suspeitos a serem verificados em abertura de contas, manutenção de contas e até mesmo através de contratação de operações de crédito.

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Nesse ponto, comparando normas internacionais na matéria em apreço, é possível reforçar a conclusão que a Normativa internada da Receita Federal busca, de fato, uma equivalência internacional, novamente uma situação positiva para a retomada de credibilidade do Brasil perante os ordenamentos jurídicos e financeiros internacionais.

Em primeiro lugar, podemos citar o Common Reporting Standard – CRS criado pela OCDE com o intuito de estabelecer um padrão global de cruzamento de informações financeiras entre os países signatários.

O sistema autoriza o compartilhamento automático de dados, entre autoridades fiscais, sobre contas, operações financeiras e de crédito, dentro outros mecanismos que possam auxiliar no combate à sonegação fiscal e a lavagem de capitais.

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Analisando a IN nº 2219/2024, foi implementado o e-Financeira, ferramenta que essencialmente visa a coleta e troca automática desses dados financeiros. No entanto, a ferramenta não é novidade, isso porque a Instrução Normativa em comento apenas reforça um sistema, que apesar de não possuir, à época, este nome, já se encontrava implementado desde 2018 no Brasil.

Outro exemplo a ser citado é o Foreign Account Tax Compliance – FATCA, Lei Norte Americana que determina que instituições financeiras, de países que possuam acordos intergovernamentais com os Estados Unidos, forneçam ao chamado Internal Revenue Service – IRS informações e dados coletados de contas bancárias de cidadãos americanos.

A mencionada Lei, é considerada, mundialmente, uma das legislações mais rígidas de combate à evasão fiscal internacional.

A importância dessa legislação para a formal implementação da IN nº 2219/2024 é que o Brasil é signatário do mencionado acordo com os Estados Unidos e, portanto, possui a obrigação de implementar sistemas que cumpram as diretrizes estabelecidas pela FACTA.

Por fim, ainda podemos citar a declaração de transparência assinada pelo Brasil junto ao G20, que visa a criação de mecanismos, entre os países componentes, de medidas de prevenção e combate contra os chamados “fluxos financeiros ilícitos”, sendo uma dessas medidas a implantação de procedimento para cruzamento de dados entre os países.

Essa agenda do G20, assim como nos exemplos de legislação/tratados retro, tem a finalidade de construir um sistema financeiro mais íntegro, com diretrizes de compliance conexas com o “padrão global” e, assim, exercer um combate mais eficaz contra evasão de divisas, sonegação fiscal e a lavagem de capitais.

Nesse cenário, é possível concluir que a adoção desse tipo de conduta fiscalizatória pode trazer mais credibilidade ao país, no sentido de mostrar que o Brasil é um Estado Nacional comprometido com as agendas internacionais de prevenção aos crimes econômicos, assim como na criação de um sistema financeiro transparente e íntegro.

Além disso, a adoção dessas medidas permite que o Brasil fortaleça suas alianças internacionais, gerando um poder de fiscalização de nível global o que, por conseguinte, fortalece internamente o combate ao crime transnacional como, por exemplo, o tráfico, a lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, evasão de divisas, corrupção, terrorismo e outras modalidades.

Entretanto, apesar das inúmeras vantagens, não é possível deixar de analisar os diversos impactos negativos, principalmente quando estamos falando sobre dados acobertados pelo sigilo/privacidade, bem como o desestímulo a uma grande fatia de mercado que representa importante papel na economia, como consequência direta.

Como se sabe, os dados em questão estão preservados em respeito à Garantia Constitucional à Privacidade, estampada no Art. 5º, incisos X e XII da CF/88. Em outras palavras, estão acobertados pelo sigilo.

Para que esta regra seja relativizada, é preciso que se adeque as hipóteses legais aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ora, a obrigatoriedade de informar operações financeiras, dentro dos patamares de movimentação financeira sugeridos pela Instrução Normativa, sem que haja uma prévia decisão judicial autorizando, demonstra-se uma medida, com a devida vênia, açodada, que generaliza a quebra do sigilo, viola cabalmente uma Cláusula Pétrea da Constituição Federal e, por conseguinte, enfraquece o Estado Democrático de Direito.

Não à toa, o Superior Tribunal de Justiça, tem anulado provas que denominam de “obtidas por encomenda” fruto de cruzamento de dados entre órgãos públicos, fundamentando o posicionamento nas balizas constitucionais já expostas e na violação das legislações federais.

Sobre o tema em debate, especificamente, o Supremo Tribunal Federal admitiu, nos autos da ADI 2390, que é possível a transferência de informações bancárias para a Receita Federal do Brasil sem que haja ordem judicial autorizando, porém, consignando que a hipótese é restrita as situações justificadas e desde que os indícios de fraude sejam evidentes.

Portanto, a coleta de dados generalizada e desacompanhada de justificativa legítima, excede os limites e viola, por consequência, as Garantias da privacidade e do sigilo.

De mais a mais, embora a Instrução Normativa nº2219/2024 da Receita Federal tenha o condão de fortalecer medidas de fiscalização e de combate a sonegação fiscal e a lavagem de capitais, alinhando-se às diretrizes internacionais, nos parece que o debate deverá ser levado, mais cedo ou mais tarde, ao Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que sua implementação esbarra na violação de direitos e garantias fundamentais, como o sigilo bancário, a privacidade, a proteção de dados.

[1] BRASIL. Receita Federal. Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1, de 12 de janeiro de 2012. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=140539. Acesso em: 07 jan. 2025.

[2] NAKAMURADA, João. Pix e cartão de crédito: entenda as novas regras de fiscalização da Receita. CNN Brasil, São Paulo, 07 jan. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/financas/pix-e-cartao-de-credito-entenda-as-novas-regras-de-fiscalizacao-da-receita/. Acesso em: 07 jan. 2025.

[3] FINsiders Brasil. Receita Federal irá monitorar dados de cartão de crédito e PIX. Finsiders Brasil, 19 dez. 2023. Disponível em: https://finsidersbrasil.com.br/noticias-sobre-fintechs/receita-federal-ira-monitorar-dados-de-cartao-de-credito-e-pix/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[4] O OBSERVADOR. Bancos devem comunicar obrigatoriamente à Receita operações via PIX ou outros métodos de pagamento acima de R$ 5 mil para PF e R$ 15 mil para PJ. O Observador, 2025. Disponível em: https://www.oobservador.com/2025/01/bancos-deve-comunicar-obrigatoriamente.html. Acesso em: 7 jan. 2025.

[5] BALBINOT, Rogério Luiz. Pix na mira da Receita Federal: saiba como a IN 2219/24 vai monitorar suas movimentações a partir de 2025. RSData, 2024. Disponível em: https://www.rsdata.com.br/pix-na-mira-da-receita-federal-saiba-como-a-in-2219-24-vai-monitorar-suas-movimentacoes-a-partir-de-2025/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[6] GASPARIN, Gabriela. Veja diferenças entre definições de classes sociais no Brasil: associação de pesquisa de mercado lançou novo conceito; critério tem diferenças em relação ao adotado pelo governo. G1, São Paulo, 20 ago. 2013. Atualizado em: 11 nov. 2014. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2013/08/veja-diferencas-entre-conceitos-que-definem-classes-sociais-no-brasil.html. Acesso em: 07 jan. 2025.

[7] YANO, Célio. Como os impostos avançam sobre a classe média e os mais pobres. Gazeta do Povo, 20 jul. 2022. Atualizado em: 20 jul. 2022. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/como-os-impostos-avancam-sobre-a-classe-media-e-os-mais-pobres/. Acesso em: 07 jan. 2025.

[8] SECRETARIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO – SC. Política de privacidade e proteção de dados pessoais. Sejuri, 2022. Disponível em: https://www.sejuri.sc.gov.br/politica-de-privacidade-e-protecao-de-dados-pessoais/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[9] COELHO, Alexander. A ameaça dos dados pessoais no setor público: como a negligência governamental expõe dados sensíveis no Brasil. Migalhas, 3 jul. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/410506/a-ameaca-dos-dados-pessoais-no-setor-publico. Acesso em: 7 jan. 2025.

[10] O GAFI é uma Organização Governamental Internacional, criada por Tratado Internacional do qual o Brasil é signatário, cujo a principal atribuição é definir padrões e promover a efetiva implementação de medidas legais, regulatórias e até operacionais de combate à lavagem de capitais e demais ameaças ao sistema financeiro internacional.

A análise das implicações da Instrução Normativa 2219/2024[1] revela um cenário complexo, onde o entrelaçamento de normas e direitos fundamentais suscita uma série de reflexões sobre a proteção das prerrogativas individuais, desigualdade social e a salvaguarda dos dados pessoais dos cidadãos.

A nova disposição normativa estabelece que as instituições financeiras, operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento reportem à Receita Federal todas as operações e movimentações que realizarem respeitando determinados critérios quantitativos[2][3], tanto das pessoas que enviam valores, quanto as que recebem os valores via PIX.

Aplicável a partir de 1º de janeiro de 2025, a Instrução Normativa prevê que as operações em nome de pessoas físicas, em contas individuais ou conjuntas, acima de R$ 5.000,00, deverão ser informadas semestralmente, bem como as operações realizadas por pessoas jurídicas, independentemente, que ultrapassarem R$ 15.000,00 no referido período[4][5].

Sem dúvida, essa medida possui finalidade positiva: reforçar os mecanismos de controle e promover mais transparência nas transações financeiras, visando combater a sonegação fiscal que afeta diretamente a arrecadação de impostos e, por consequência, prejudica o financiamento de políticas públicas.

Fato é que apesar de ser bem-intencionada, essa norma regulamentadora está em completo desacordo com a realidade no que diz respeito aos direitos básicos e à justiça social e, por isso, é imprescindível estabelecer um equilíbrio entre o controle financeiro e a salvaguarda da liberdade para garantir que as ações governamentais não coloquem em risco os direitos básicos consagrados na Constituição Federal.

É preciso destacar que os valores estipulados para a declaração de transações financeiras refletem uma enorme discrepância com a economia real que permeia o país. O limite atual, que para uma pessoa física é de R$ 5.000,00 e para pessoas jurídicas é de R$ 15.000,00, valores não se mostram relevantes em comparação às voluptuosas quantias transacionadas por grandes empresários e as fortunas envolvidas em esquemas sofisticados de sonegação fiscal.

Portanto, essa ênfase desproporcional direciona a atenção das autoridades fiscais para indivíduos com transações de menor valor, impondo um ônus adicional à população de classe média e baixa[6], que já enfrenta uma carga tributária desproporcional em relação às classes mais abastadas[7]. Muitas vezes, essas pessoas possuem recursos limitados para evitar ou mitigar os efeitos das exigências fiscais e, como resultado, a desigualdade social tende a se agravar, uma vez que aqueles com acesso a assessoria jurídica e contábil especializada têm maiores chances de contornar a lei de forma eficaz. Além, é claro, de sobrecarregar os sistemas fiscalizatórios com movimentações irrisórias perante o sistema arrecadatório existente.

Como se não bastasse, a Instrução também entra em evidente contradição com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)[8], isso porque a coleta de dados financeiros de forma indiscriminada e ilimitada ignora os riscos à privacidade, protegida pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, bem como levanta dúvidas sobre a capacidade do Estado de assumir, de forma eficaz e segura, a responsabilidade pela proteção e o processamento dessas informações sensíveis. Muito embora, de acordo com a Instrução Normativa, não constarão nas informações que serão enviadas ao Fisco, qualquer elemento que permita identificar a origem ou o destino dos recursos utilizados nas operações financeiras.

No mesmo sentido, dispõe o Marco Civil da internet (Lei nº 12.965/2014) em seu art.10º, que dados como, por exemplo, pedidos, dados de cartões, localização em GPS e outros, prescindem, necessariamente, de ordem judicial para que sejam fornecidos, sob pena de nulidade, justamente por todos estarem incluídos no rol de dados que se encontram protegidos pela Garantia Constitucional à privacidade.

Para além disso, é imprescindível relembrar que os dados bancários estão acobertados pelo sigilo bancário e pelo sigilo fiscal, sendo inconteste a necessidade de pedido fundamentado na esfera judicial com a conseguinte concessão de ordem autorizando a quebra dos quaisquer dos sigilos por tempo determinado e em período determinado.

Isso somado a conhecida fragilidade histórica de algumas estruturas estatais no Brasil, aliada a casos rotineiros de vazamento de dados em órgãos públicos[9], levantam sérias dúvidas sobre a eficiência e segurança do procedimento de cruzamento de dados.

A Instrução Normativa, como já mencionado, tem “boas intenções” e é reflexo de uma política de Prevenção à Sonegação Fiscal e a Lavagem de Capitais adota mundialmente e “coordenada” pelas diretrizes adotadas pelo Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI[10].

Um exemplo disso é a Recomendação nº29 do GAFI que exige, dos países signatários, a implementação de regramentos que autorizem as Unidades de Inteligência Financeira (COAF no Brasil) a ter acesso a informações de atividades financeiras para identificar atividades suspeitas.

Essa tendência já podia ser verificada no texto da Resolução nº 343 do Banco Central do Brasil, publicada no final de 2023 com a finalidade de estabelecer medidas necessárias para a execução do compartilhamento de dados e informações sobre “indícios de fraudes”, atendendo a uma exigência da Resolução Conjunta nº 6 de 23 de maio de 2023.

Na mencionada resolução, já se exigia de instituição financeiras e de empresas de tecnologia que fosse compartilhado dados suspeitos a serem verificados em abertura de contas, manutenção de contas e até mesmo através de contratação de operações de crédito.

Nesse ponto, comparando normas internacionais na matéria em apreço, é possível reforçar a conclusão que a Normativa internada da Receita Federal busca, de fato, uma equivalência internacional, novamente uma situação positiva para a retomada de credibilidade do Brasil perante os ordenamentos jurídicos e financeiros internacionais.

Em primeiro lugar, podemos citar o Common Reporting Standard – CRS criado pela OCDE com o intuito de estabelecer um padrão global de cruzamento de informações financeiras entre os países signatários.

O sistema autoriza o compartilhamento automático de dados, entre autoridades fiscais, sobre contas, operações financeiras e de crédito, dentro outros mecanismos que possam auxiliar no combate à sonegação fiscal e a lavagem de capitais.

Analisando a IN nº 2219/2024, foi implementado o e-Financeira, ferramenta que essencialmente visa a coleta e troca automática desses dados financeiros. No entanto, a ferramenta não é novidade, isso porque a Instrução Normativa em comento apenas reforça um sistema, que apesar de não possuir, à época, este nome, já se encontrava implementado desde 2018 no Brasil.

Outro exemplo a ser citado é o Foreign Account Tax Compliance – FATCA, Lei Norte Americana que determina que instituições financeiras, de países que possuam acordos intergovernamentais com os Estados Unidos, forneçam ao chamado Internal Revenue Service – IRS informações e dados coletados de contas bancárias de cidadãos americanos.

A mencionada Lei, é considerada, mundialmente, uma das legislações mais rígidas de combate à evasão fiscal internacional.

A importância dessa legislação para a formal implementação da IN nº 2219/2024 é que o Brasil é signatário do mencionado acordo com os Estados Unidos e, portanto, possui a obrigação de implementar sistemas que cumpram as diretrizes estabelecidas pela FACTA.

Por fim, ainda podemos citar a declaração de transparência assinada pelo Brasil junto ao G20, que visa a criação de mecanismos, entre os países componentes, de medidas de prevenção e combate contra os chamados “fluxos financeiros ilícitos”, sendo uma dessas medidas a implantação de procedimento para cruzamento de dados entre os países.

Essa agenda do G20, assim como nos exemplos de legislação/tratados retro, tem a finalidade de construir um sistema financeiro mais íntegro, com diretrizes de compliance conexas com o “padrão global” e, assim, exercer um combate mais eficaz contra evasão de divisas, sonegação fiscal e a lavagem de capitais.

Nesse cenário, é possível concluir que a adoção desse tipo de conduta fiscalizatória pode trazer mais credibilidade ao país, no sentido de mostrar que o Brasil é um Estado Nacional comprometido com as agendas internacionais de prevenção aos crimes econômicos, assim como na criação de um sistema financeiro transparente e íntegro.

Além disso, a adoção dessas medidas permite que o Brasil fortaleça suas alianças internacionais, gerando um poder de fiscalização de nível global o que, por conseguinte, fortalece internamente o combate ao crime transnacional como, por exemplo, o tráfico, a lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, evasão de divisas, corrupção, terrorismo e outras modalidades.

Entretanto, apesar das inúmeras vantagens, não é possível deixar de analisar os diversos impactos negativos, principalmente quando estamos falando sobre dados acobertados pelo sigilo/privacidade, bem como o desestímulo a uma grande fatia de mercado que representa importante papel na economia, como consequência direta.

Como se sabe, os dados em questão estão preservados em respeito à Garantia Constitucional à Privacidade, estampada no Art. 5º, incisos X e XII da CF/88. Em outras palavras, estão acobertados pelo sigilo.

Para que esta regra seja relativizada, é preciso que se adeque as hipóteses legais aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ora, a obrigatoriedade de informar operações financeiras, dentro dos patamares de movimentação financeira sugeridos pela Instrução Normativa, sem que haja uma prévia decisão judicial autorizando, demonstra-se uma medida, com a devida vênia, açodada, que generaliza a quebra do sigilo, viola cabalmente uma Cláusula Pétrea da Constituição Federal e, por conseguinte, enfraquece o Estado Democrático de Direito.

Não à toa, o Superior Tribunal de Justiça, tem anulado provas que denominam de “obtidas por encomenda” fruto de cruzamento de dados entre órgãos públicos, fundamentando o posicionamento nas balizas constitucionais já expostas e na violação das legislações federais.

Sobre o tema em debate, especificamente, o Supremo Tribunal Federal admitiu, nos autos da ADI 2390, que é possível a transferência de informações bancárias para a Receita Federal do Brasil sem que haja ordem judicial autorizando, porém, consignando que a hipótese é restrita as situações justificadas e desde que os indícios de fraude sejam evidentes.

Portanto, a coleta de dados generalizada e desacompanhada de justificativa legítima, excede os limites e viola, por consequência, as Garantias da privacidade e do sigilo.

De mais a mais, embora a Instrução Normativa nº2219/2024 da Receita Federal tenha o condão de fortalecer medidas de fiscalização e de combate a sonegação fiscal e a lavagem de capitais, alinhando-se às diretrizes internacionais, nos parece que o debate deverá ser levado, mais cedo ou mais tarde, ao Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que sua implementação esbarra na violação de direitos e garantias fundamentais, como o sigilo bancário, a privacidade, a proteção de dados.

[1] BRASIL. Receita Federal. Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1, de 12 de janeiro de 2012. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=140539. Acesso em: 07 jan. 2025.

[2] NAKAMURADA, João. Pix e cartão de crédito: entenda as novas regras de fiscalização da Receita. CNN Brasil, São Paulo, 07 jan. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/financas/pix-e-cartao-de-credito-entenda-as-novas-regras-de-fiscalizacao-da-receita/. Acesso em: 07 jan. 2025.

[3] FINsiders Brasil. Receita Federal irá monitorar dados de cartão de crédito e PIX. Finsiders Brasil, 19 dez. 2023. Disponível em: https://finsidersbrasil.com.br/noticias-sobre-fintechs/receita-federal-ira-monitorar-dados-de-cartao-de-credito-e-pix/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[4] O OBSERVADOR. Bancos devem comunicar obrigatoriamente à Receita operações via PIX ou outros métodos de pagamento acima de R$ 5 mil para PF e R$ 15 mil para PJ. O Observador, 2025. Disponível em: https://www.oobservador.com/2025/01/bancos-deve-comunicar-obrigatoriamente.html. Acesso em: 7 jan. 2025.

[5] BALBINOT, Rogério Luiz. Pix na mira da Receita Federal: saiba como a IN 2219/24 vai monitorar suas movimentações a partir de 2025. RSData, 2024. Disponível em: https://www.rsdata.com.br/pix-na-mira-da-receita-federal-saiba-como-a-in-2219-24-vai-monitorar-suas-movimentacoes-a-partir-de-2025/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[6] GASPARIN, Gabriela. Veja diferenças entre definições de classes sociais no Brasil: associação de pesquisa de mercado lançou novo conceito; critério tem diferenças em relação ao adotado pelo governo. G1, São Paulo, 20 ago. 2013. Atualizado em: 11 nov. 2014. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2013/08/veja-diferencas-entre-conceitos-que-definem-classes-sociais-no-brasil.html. Acesso em: 07 jan. 2025.

[7] YANO, Célio. Como os impostos avançam sobre a classe média e os mais pobres. Gazeta do Povo, 20 jul. 2022. Atualizado em: 20 jul. 2022. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/como-os-impostos-avancam-sobre-a-classe-media-e-os-mais-pobres/. Acesso em: 07 jan. 2025.

[8] SECRETARIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO – SC. Política de privacidade e proteção de dados pessoais. Sejuri, 2022. Disponível em: https://www.sejuri.sc.gov.br/politica-de-privacidade-e-protecao-de-dados-pessoais/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[9] COELHO, Alexander. A ameaça dos dados pessoais no setor público: como a negligência governamental expõe dados sensíveis no Brasil. Migalhas, 3 jul. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/410506/a-ameaca-dos-dados-pessoais-no-setor-publico. Acesso em: 7 jan. 2025.

[10] O GAFI é uma Organização Governamental Internacional, criada por Tratado Internacional do qual o Brasil é signatário, cujo a principal atribuição é definir padrões e promover a efetiva implementação de medidas legais, regulatórias e até operacionais de combate à lavagem de capitais e demais ameaças ao sistema financeiro internacional.

A análise das implicações da Instrução Normativa 2219/2024[1] revela um cenário complexo, onde o entrelaçamento de normas e direitos fundamentais suscita uma série de reflexões sobre a proteção das prerrogativas individuais, desigualdade social e a salvaguarda dos dados pessoais dos cidadãos.

A nova disposição normativa estabelece que as instituições financeiras, operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento reportem à Receita Federal todas as operações e movimentações que realizarem respeitando determinados critérios quantitativos[2][3], tanto das pessoas que enviam valores, quanto as que recebem os valores via PIX.

Aplicável a partir de 1º de janeiro de 2025, a Instrução Normativa prevê que as operações em nome de pessoas físicas, em contas individuais ou conjuntas, acima de R$ 5.000,00, deverão ser informadas semestralmente, bem como as operações realizadas por pessoas jurídicas, independentemente, que ultrapassarem R$ 15.000,00 no referido período[4][5].

Sem dúvida, essa medida possui finalidade positiva: reforçar os mecanismos de controle e promover mais transparência nas transações financeiras, visando combater a sonegação fiscal que afeta diretamente a arrecadação de impostos e, por consequência, prejudica o financiamento de políticas públicas.

Fato é que apesar de ser bem-intencionada, essa norma regulamentadora está em completo desacordo com a realidade no que diz respeito aos direitos básicos e à justiça social e, por isso, é imprescindível estabelecer um equilíbrio entre o controle financeiro e a salvaguarda da liberdade para garantir que as ações governamentais não coloquem em risco os direitos básicos consagrados na Constituição Federal.

É preciso destacar que os valores estipulados para a declaração de transações financeiras refletem uma enorme discrepância com a economia real que permeia o país. O limite atual, que para uma pessoa física é de R$ 5.000,00 e para pessoas jurídicas é de R$ 15.000,00, valores não se mostram relevantes em comparação às voluptuosas quantias transacionadas por grandes empresários e as fortunas envolvidas em esquemas sofisticados de sonegação fiscal.

Portanto, essa ênfase desproporcional direciona a atenção das autoridades fiscais para indivíduos com transações de menor valor, impondo um ônus adicional à população de classe média e baixa[6], que já enfrenta uma carga tributária desproporcional em relação às classes mais abastadas[7]. Muitas vezes, essas pessoas possuem recursos limitados para evitar ou mitigar os efeitos das exigências fiscais e, como resultado, a desigualdade social tende a se agravar, uma vez que aqueles com acesso a assessoria jurídica e contábil especializada têm maiores chances de contornar a lei de forma eficaz. Além, é claro, de sobrecarregar os sistemas fiscalizatórios com movimentações irrisórias perante o sistema arrecadatório existente.

Como se não bastasse, a Instrução também entra em evidente contradição com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)[8], isso porque a coleta de dados financeiros de forma indiscriminada e ilimitada ignora os riscos à privacidade, protegida pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, bem como levanta dúvidas sobre a capacidade do Estado de assumir, de forma eficaz e segura, a responsabilidade pela proteção e o processamento dessas informações sensíveis. Muito embora, de acordo com a Instrução Normativa, não constarão nas informações que serão enviadas ao Fisco, qualquer elemento que permita identificar a origem ou o destino dos recursos utilizados nas operações financeiras.

No mesmo sentido, dispõe o Marco Civil da internet (Lei nº 12.965/2014) em seu art.10º, que dados como, por exemplo, pedidos, dados de cartões, localização em GPS e outros, prescindem, necessariamente, de ordem judicial para que sejam fornecidos, sob pena de nulidade, justamente por todos estarem incluídos no rol de dados que se encontram protegidos pela Garantia Constitucional à privacidade.

Para além disso, é imprescindível relembrar que os dados bancários estão acobertados pelo sigilo bancário e pelo sigilo fiscal, sendo inconteste a necessidade de pedido fundamentado na esfera judicial com a conseguinte concessão de ordem autorizando a quebra dos quaisquer dos sigilos por tempo determinado e em período determinado.

Isso somado a conhecida fragilidade histórica de algumas estruturas estatais no Brasil, aliada a casos rotineiros de vazamento de dados em órgãos públicos[9], levantam sérias dúvidas sobre a eficiência e segurança do procedimento de cruzamento de dados.

A Instrução Normativa, como já mencionado, tem “boas intenções” e é reflexo de uma política de Prevenção à Sonegação Fiscal e a Lavagem de Capitais adota mundialmente e “coordenada” pelas diretrizes adotadas pelo Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI[10].

Um exemplo disso é a Recomendação nº29 do GAFI que exige, dos países signatários, a implementação de regramentos que autorizem as Unidades de Inteligência Financeira (COAF no Brasil) a ter acesso a informações de atividades financeiras para identificar atividades suspeitas.

Essa tendência já podia ser verificada no texto da Resolução nº 343 do Banco Central do Brasil, publicada no final de 2023 com a finalidade de estabelecer medidas necessárias para a execução do compartilhamento de dados e informações sobre “indícios de fraudes”, atendendo a uma exigência da Resolução Conjunta nº 6 de 23 de maio de 2023.

Na mencionada resolução, já se exigia de instituição financeiras e de empresas de tecnologia que fosse compartilhado dados suspeitos a serem verificados em abertura de contas, manutenção de contas e até mesmo através de contratação de operações de crédito.

Nesse ponto, comparando normas internacionais na matéria em apreço, é possível reforçar a conclusão que a Normativa internada da Receita Federal busca, de fato, uma equivalência internacional, novamente uma situação positiva para a retomada de credibilidade do Brasil perante os ordenamentos jurídicos e financeiros internacionais.

Em primeiro lugar, podemos citar o Common Reporting Standard – CRS criado pela OCDE com o intuito de estabelecer um padrão global de cruzamento de informações financeiras entre os países signatários.

O sistema autoriza o compartilhamento automático de dados, entre autoridades fiscais, sobre contas, operações financeiras e de crédito, dentro outros mecanismos que possam auxiliar no combate à sonegação fiscal e a lavagem de capitais.

Analisando a IN nº 2219/2024, foi implementado o e-Financeira, ferramenta que essencialmente visa a coleta e troca automática desses dados financeiros. No entanto, a ferramenta não é novidade, isso porque a Instrução Normativa em comento apenas reforça um sistema, que apesar de não possuir, à época, este nome, já se encontrava implementado desde 2018 no Brasil.

Outro exemplo a ser citado é o Foreign Account Tax Compliance – FATCA, Lei Norte Americana que determina que instituições financeiras, de países que possuam acordos intergovernamentais com os Estados Unidos, forneçam ao chamado Internal Revenue Service – IRS informações e dados coletados de contas bancárias de cidadãos americanos.

A mencionada Lei, é considerada, mundialmente, uma das legislações mais rígidas de combate à evasão fiscal internacional.

A importância dessa legislação para a formal implementação da IN nº 2219/2024 é que o Brasil é signatário do mencionado acordo com os Estados Unidos e, portanto, possui a obrigação de implementar sistemas que cumpram as diretrizes estabelecidas pela FACTA.

Por fim, ainda podemos citar a declaração de transparência assinada pelo Brasil junto ao G20, que visa a criação de mecanismos, entre os países componentes, de medidas de prevenção e combate contra os chamados “fluxos financeiros ilícitos”, sendo uma dessas medidas a implantação de procedimento para cruzamento de dados entre os países.

Essa agenda do G20, assim como nos exemplos de legislação/tratados retro, tem a finalidade de construir um sistema financeiro mais íntegro, com diretrizes de compliance conexas com o “padrão global” e, assim, exercer um combate mais eficaz contra evasão de divisas, sonegação fiscal e a lavagem de capitais.

Nesse cenário, é possível concluir que a adoção desse tipo de conduta fiscalizatória pode trazer mais credibilidade ao país, no sentido de mostrar que o Brasil é um Estado Nacional comprometido com as agendas internacionais de prevenção aos crimes econômicos, assim como na criação de um sistema financeiro transparente e íntegro.

Além disso, a adoção dessas medidas permite que o Brasil fortaleça suas alianças internacionais, gerando um poder de fiscalização de nível global o que, por conseguinte, fortalece internamente o combate ao crime transnacional como, por exemplo, o tráfico, a lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, evasão de divisas, corrupção, terrorismo e outras modalidades.

Entretanto, apesar das inúmeras vantagens, não é possível deixar de analisar os diversos impactos negativos, principalmente quando estamos falando sobre dados acobertados pelo sigilo/privacidade, bem como o desestímulo a uma grande fatia de mercado que representa importante papel na economia, como consequência direta.

Como se sabe, os dados em questão estão preservados em respeito à Garantia Constitucional à Privacidade, estampada no Art. 5º, incisos X e XII da CF/88. Em outras palavras, estão acobertados pelo sigilo.

Para que esta regra seja relativizada, é preciso que se adeque as hipóteses legais aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ora, a obrigatoriedade de informar operações financeiras, dentro dos patamares de movimentação financeira sugeridos pela Instrução Normativa, sem que haja uma prévia decisão judicial autorizando, demonstra-se uma medida, com a devida vênia, açodada, que generaliza a quebra do sigilo, viola cabalmente uma Cláusula Pétrea da Constituição Federal e, por conseguinte, enfraquece o Estado Democrático de Direito.

Não à toa, o Superior Tribunal de Justiça, tem anulado provas que denominam de “obtidas por encomenda” fruto de cruzamento de dados entre órgãos públicos, fundamentando o posicionamento nas balizas constitucionais já expostas e na violação das legislações federais.

Sobre o tema em debate, especificamente, o Supremo Tribunal Federal admitiu, nos autos da ADI 2390, que é possível a transferência de informações bancárias para a Receita Federal do Brasil sem que haja ordem judicial autorizando, porém, consignando que a hipótese é restrita as situações justificadas e desde que os indícios de fraude sejam evidentes.

Portanto, a coleta de dados generalizada e desacompanhada de justificativa legítima, excede os limites e viola, por consequência, as Garantias da privacidade e do sigilo.

De mais a mais, embora a Instrução Normativa nº2219/2024 da Receita Federal tenha o condão de fortalecer medidas de fiscalização e de combate a sonegação fiscal e a lavagem de capitais, alinhando-se às diretrizes internacionais, nos parece que o debate deverá ser levado, mais cedo ou mais tarde, ao Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que sua implementação esbarra na violação de direitos e garantias fundamentais, como o sigilo bancário, a privacidade, a proteção de dados.

[1] BRASIL. Receita Federal. Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1, de 12 de janeiro de 2012. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=140539. Acesso em: 07 jan. 2025.

[2] NAKAMURADA, João. Pix e cartão de crédito: entenda as novas regras de fiscalização da Receita. CNN Brasil, São Paulo, 07 jan. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/financas/pix-e-cartao-de-credito-entenda-as-novas-regras-de-fiscalizacao-da-receita/. Acesso em: 07 jan. 2025.

[3] FINsiders Brasil. Receita Federal irá monitorar dados de cartão de crédito e PIX. Finsiders Brasil, 19 dez. 2023. Disponível em: https://finsidersbrasil.com.br/noticias-sobre-fintechs/receita-federal-ira-monitorar-dados-de-cartao-de-credito-e-pix/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[4] O OBSERVADOR. Bancos devem comunicar obrigatoriamente à Receita operações via PIX ou outros métodos de pagamento acima de R$ 5 mil para PF e R$ 15 mil para PJ. O Observador, 2025. Disponível em: https://www.oobservador.com/2025/01/bancos-deve-comunicar-obrigatoriamente.html. Acesso em: 7 jan. 2025.

[5] BALBINOT, Rogério Luiz. Pix na mira da Receita Federal: saiba como a IN 2219/24 vai monitorar suas movimentações a partir de 2025. RSData, 2024. Disponível em: https://www.rsdata.com.br/pix-na-mira-da-receita-federal-saiba-como-a-in-2219-24-vai-monitorar-suas-movimentacoes-a-partir-de-2025/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[6] GASPARIN, Gabriela. Veja diferenças entre definições de classes sociais no Brasil: associação de pesquisa de mercado lançou novo conceito; critério tem diferenças em relação ao adotado pelo governo. G1, São Paulo, 20 ago. 2013. Atualizado em: 11 nov. 2014. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2013/08/veja-diferencas-entre-conceitos-que-definem-classes-sociais-no-brasil.html. Acesso em: 07 jan. 2025.

[7] YANO, Célio. Como os impostos avançam sobre a classe média e os mais pobres. Gazeta do Povo, 20 jul. 2022. Atualizado em: 20 jul. 2022. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/como-os-impostos-avancam-sobre-a-classe-media-e-os-mais-pobres/. Acesso em: 07 jan. 2025.

[8] SECRETARIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO – SC. Política de privacidade e proteção de dados pessoais. Sejuri, 2022. Disponível em: https://www.sejuri.sc.gov.br/politica-de-privacidade-e-protecao-de-dados-pessoais/. Acesso em: 7 jan. 2025.

[9] COELHO, Alexander. A ameaça dos dados pessoais no setor público: como a negligência governamental expõe dados sensíveis no Brasil. Migalhas, 3 jul. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/410506/a-ameaca-dos-dados-pessoais-no-setor-publico. Acesso em: 7 jan. 2025.

[10] O GAFI é uma Organização Governamental Internacional, criada por Tratado Internacional do qual o Brasil é signatário, cujo a principal atribuição é definir padrões e promover a efetiva implementação de medidas legais, regulatórias e até operacionais de combate à lavagem de capitais e demais ameaças ao sistema financeiro internacional.

Opinião por Gustavo Polido
Luiz de Araújo Luna Neto
Andressa Knapp Polido
Letícia Brolezze

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