Muito se tem discutido sobre o uso das novas tecnologias para o progresso da sociedade. O que será objeto da inteligência artificial, quais as tarefas que a ela serão delegadas? E a escassez de empregos aos humanos? Como será a nossa vida com a presença maciça dos robôs?
As questões nos intrigam e demandam reflexões em conjunto com todos os segmentos da sociedade.
Para além da regulação dos sistemas de inteligência artificial e a atualização do arcabouço legal existentes, há de se pensar na gestão pública, tanto da maciça quantidade de dados, como na circulação das novas tecnologias digitais.
Ademais, a gestão pública do Big Data exigirá a governança com transparência, eficiência e responsabilidade.Ressalte-se que o Brasil conta com cerca de 80 milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário. A sociedade anseia uma gestão voltada para a eficiência, com resultados menos custosos diante da nova era digital que se abre para o cidadão em busca da prestação jurisdicional.
Se por um lado as novas tecnologias poderão propiciar o avanço da cultura de dados e de pesquisa (gestão da informação - com o BigData do Poder Judiciário), voltada para a solução de problemas com menos custos e mais celeridade, por outro há de se pensar na criação de uma nova cultura de gestão de dados. A criação de novos sistemas digitais acarretará grandes modificações na forma como nos relacionamos e nos serviços ao nosso alcance, com aspectos positivos e negativos.
Há de se pensar neste novo mindset da sociedade, transferindo-se a cultura do litígio - apenas 12% das decisões judiciais resultam em acordo de conciliação entre as partes - para o diálogo. Deve se intensificada a conciliação extrajudicial, inclusive por meio das plataformas digitais.
Há de se refletir, ainda, sobre a forma dos serviços a serem disponibilizados à sociedade digital, com o aproveitamento dos recursos digitais, sem se descurar da preservação do meio ambiente e de outros objetivos conquistados ou buscados com muito sacrifício e perseverança pela sociedade.
Luciano Floridi alerta para a "necessidade de unir políticas ambientais verdes (economia verde e economia compartilhada) com políticas digitais azuis (economia de serviços), em prol de uma economia de experiência, ou seja, centrada na qualidade dos relacionamentos e processos, e não tão muito do consumo, ou seja, não tanto centrado nas coisas e suas propriedades." Enfatiza que o advento da internet fez surgir uma nova era em que o compromisso político e o comunitário serão considerados. Preleciona ele:
"(...) É uma das grandes lições que o compromisso político aprender com o compromisso comunitário: o projeto humano para a era digital e para uma sociedade da informação madura deve incluir o 'mundo silencioso': os marginalizados, os desfavorecidos, os fracos, os oprimidos, as gerações passadas a serem respeitadas e as futuras a serem facilitadas, o meio ambiente (natural e artificial) e esse capital semântico formado pela cultura e pela memória. Em outras palavras, ele deve ser uma ética dos interesses de todos os nodos "pacientes" (aqueles que efeitos da ação política), e das várias redes que eles formam, e não apenas dos nodos "agentes" individuais, cujos interesses já são atendidos pelo componente de metaprojeto, que conhece suas solicitações porque elas são apresentadas explícita e constantemente. Terá que ouvir aqueles que não são ouvidos pelo metaprojeto.[1]
Luciano Floridi ressalta que o projeto humano da sociedade de informação deverá primeiro ser ético para depois ser político, discorrendo sobre a ideia de uma infra ética. Eis suas considerações. "(...) A ideia de uma infraética é simples, mas a seguinte 'nova equação' pode ajudar a esclarecê-lo ainda mais. Da mesma forma que os sistemas de negócios e administração, nas sociedades economicamente maduras, exigem cada vez mais infraestruturas físicas (transportes, comunicação, serviços etc.) para ter sucesso, assim como as interações humanas, em sociedades informacionalmente maduras, exigem cada vez mais uma infra ética para florescer. (...)."[2]
A inteligência artificial veio para ficar e certamente muitas de suas funcionalidades ainda serão descobertas e implementadas. Isso pode ser progresso ou retrocesso, tudo a depender da forma como serão elas utilizadas. Caso haja emprego de novas tecnologias com ética e precaução, com a preocupação da inclusão social e da solidariedade para com os semelhantes, de maneira a preservar a dignidade humana, a humanidade sairá ganhado e o mundo transformado para melhor.
[1] Floridi, Luciano (2022). O verde e o azul: uma nova ontologia política para uma sociedade da informação madura. In Luciano Floridi & Jörg Noller (eds.), The Green and the Blue: Digital Politics in Philosophical Discussion. Verlag Karl Alber. pp. 9-52.
[2] Ibidem.
*Adriana Barrea, juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nas Varas Cíveis de Campinas. Cursando especialização em Direito Digital pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM). Juíza Auxiliar no DIPO - Departamento de Inquéritos Policiais - SP - de julho 2020 até abril 2022. Graduada em Letras pela UNIP. Graduada em Direito pela Universidade Vale do Paraíba. Formação em Justiça Restaurativa pela Escola Paulista da Magistratura e pela ENFAM. Especialista em Serviço Social, Ética de Direitos Humanos pela Faculdade Unylea. Integrante do Convênio de Combate à Violência Doméstica contra a Mulher - UNIARAS e Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo - 2017-2019. Coordenadora do Grupo de Estudos de Justiça Restaurativa e Implementação do Polo Irradiador na Comarca de Leme - 2018 e 2019
*Ivan Carneiro Castanheiro, promotor de Justiça - MPSP (GAEMA PCJ-Piracicaba). Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor de Direito Ambiental e Urbanístico na ESMP-SP. Membro da Associação "Movimento do Ministério Público Democrático" (MPD). Professor Direito Ambiental, Administrativo e Constitucional, na UNIP/Limeira. Membro do Conselho Consultivo do Projeto "Conexão Água" (MPF). Coordenador do 17º Núcleo da ESMP (Piracicaba). Diretor de Publicações da ABRAMPA - Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público. Autor de capítulos de livros e artigos jurídicos na área ambiental e urbanística. Membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAM)
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