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Opinião|Invisibilidades


Por Ricardo Prado Pires de Campos*
Ricardo Prado Pires de Campos Foto: MPD/Divulgação

O tema da redação do ENEM, deste ano, trouxe à baila a questão da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres no Brasil. E isso é uma realidade.

As mulheres sempre foram chamadas a dar sua contribuição para a vida em sociedade cuidando das pessoas. Crianças, idosos e enfermos constituem públicos que sempre dependeram do trabalho feminino. E esse trabalho não era remunerado, muita vez, sequer reconhecido de outras formas.

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Hoje, essa situação vive momento de mudança. Com as mulheres saindo de seus lares para trabalhar em empresas públicas ou privadas, seu trabalho começa a ser visto, reconhecido e remunerado.

Todavia, isso não é a realidade em todo o país, somente em parte do território nacional. Em muitas localidades, o serviço familiar de cuidado continua invisível.

No entanto, não é apenas a mulher que sofre com essa invisibilidade e ausência de reconhecimento e remuneração. O próprio Estado, em diversos segmentos ou serviços que presta, também, sofre do fenômeno da invisibilidade por ausência de remuneração.

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Os serviços de cuidado prestados pelo SUS, vacinação, consultas e atendimentos, não são considerados no Orçamento Público; aparecem nas despesas, mas são invisíveis nas Receitas.

No mundo contemporâneo e capitalista, a ausência de remuneração implica em invisibilidade. O dinheiro se transformou na medida de valor. Não é a melhor delas, mas tem sido a preponderante, talvez, por sua eficácia.

As escolas públicas padecem do mesmo problema. O salário dos professores, especialmente no ensino fundamental, são muito baixos, pois, a escola não cobra mensalidade ou anuidade. Nas escolas privadas, os professores percebem melhores salários e são mais valorizados, afinal, a receita advém da qualidade do corpo técnico, notadamente dos docentes.

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A gratuidade do ensino público implica em sua desvalorização.

As pessoas não dão valor ao que ganham gratuitamente. Muitos alunos de escolas públicas relaxam nos estudos, na frequência as aulas, apenas e tão somente porque não estão pagando. Nas universidades, isso é nítido. Se repetir, faz de novo. Nenhum custo, pelo contrário, mais um ano convivendo em ambiente amigável e festivo. Afinal, quando se formar, vai ter de trabalhar.

Cobrar os serviços públicos implicaria num ônus gigantesco para as classes de baixos salários, para compensar teriam de receber bolsas, empréstimos ou subsídio do governo. Os defensores da gratuidade dizem que o Estado já cobra impostos e, por isso, deve prestar os serviços gratuitamente. Possuem parte de razão.

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Todavia, se o Estado tiver outras fontes de renda pode reduzir os impostos. E, seguramente, o público consumidor iria valorizar mais os serviços públicos prestados mediante remuneração. Os servidores poderiam obter melhores salários, e o orçamento público se tornaria mais real, contabilizando nas receitas os serviços efetivamente prestados pelo Poder Público.

Quando o Estado receber por todos os serviços que presta, talvez, não precise mais de impostos.

Os Estados atuais são grandes empresas. Produzem inúmeros serviços e produtos. Basta olhar para a Petrobras, a maior empresa pública do país. Gera bilhões de receita, paga ótimos salários e recolhe uma fortuna de impostos. Contribui com os investimentos e o crescimento nacional. O Estado brasileiro não é apenas a Petrobras.

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Muito foi privatizado nos últimos anos, sob a falsa alegação de que a empresa privada possui melhor gestão. Quem decide se uma empresa, pública ou privada, será bem gerida é a competência dos administradores, dos órgãos de direção e sua mão de obra.

A USP é a melhor universidade do país e várias outras universidades estaduais e federais vêm em seguida. Orçamento decente, pessoal técnico qualificado e regras modernas de gestão permitem resultado de qualidade, por vezes, de excelência. E estamos falando de serviço público.

As carreiras do Ministério Público e da Magistratura possuem pessoal técnico de qualidade, se o serviço não é melhor é por adotarem sistema de gestão antiquado em razão de interferência política nos órgãos de cúpula.

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Cerca de 70 a 80% da população usa os serviços de saúde públicos, apenas 20 a 30% possuem planos de saúde privado. O grande problema da saúde pública é a falta de médicos e outros profissionais, a falta de mão de obra para atender uma demanda gigantesca. Isso se deve a falta de verbas, falta de renda, ausência de pagamento pelos serviços prestados.

Assim, a saúde pública aparece no orçamento público apenas como despesa. Os serviços de saúde prestados em prol da população não são contabilizados pelo seu valor, pois, não são pagos. Geram zero de receita.

Consequência: serviço desprezado, salvo raros momentos de necessidade (pandemia, campanhas de vacinação), e mal remunerado.

Em geral, a reclamação contra os serviços públicos não é a falta de qualidade, mas principalmente a demora no atendimento por falta de mão de obra.

A invisibilidade, a que certos setores estão condenados, gera prejuízos para o país, esconde muito valor gerado pela sociedade e pelo Estado, e ainda causa danos aos profissionais desses setores reduzindo suas rendas e desprestigiando suas funções.

É preciso jogar luzes sobre os trabalhos de cuidado, eles são importantíssimos para a sociedade e, prioritariamente, realizado pelas mulheres. Mas, também, é preciso dar visibilidade a determinados setores que estão subavaliados pela população e pelo governo devido a suas gratuidades.

Provavelmente, as classes de baixa renda ainda não consigam arcar com mais esse custo nesse momento da história, mas com o aumento de renda da população, e ele vem ocorrendo, será preciso pensar em formas de tirar esses setores, serviços e trabalhadores da invisibilidade.

*Ricardo Prado Pires de Campos é professor de Direito, exerce a vice-presidência do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático. Foi promotor e procurador de Justiça

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

Ricardo Prado Pires de Campos Foto: MPD/Divulgação

O tema da redação do ENEM, deste ano, trouxe à baila a questão da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres no Brasil. E isso é uma realidade.

As mulheres sempre foram chamadas a dar sua contribuição para a vida em sociedade cuidando das pessoas. Crianças, idosos e enfermos constituem públicos que sempre dependeram do trabalho feminino. E esse trabalho não era remunerado, muita vez, sequer reconhecido de outras formas.

Hoje, essa situação vive momento de mudança. Com as mulheres saindo de seus lares para trabalhar em empresas públicas ou privadas, seu trabalho começa a ser visto, reconhecido e remunerado.

Todavia, isso não é a realidade em todo o país, somente em parte do território nacional. Em muitas localidades, o serviço familiar de cuidado continua invisível.

No entanto, não é apenas a mulher que sofre com essa invisibilidade e ausência de reconhecimento e remuneração. O próprio Estado, em diversos segmentos ou serviços que presta, também, sofre do fenômeno da invisibilidade por ausência de remuneração.

Os serviços de cuidado prestados pelo SUS, vacinação, consultas e atendimentos, não são considerados no Orçamento Público; aparecem nas despesas, mas são invisíveis nas Receitas.

No mundo contemporâneo e capitalista, a ausência de remuneração implica em invisibilidade. O dinheiro se transformou na medida de valor. Não é a melhor delas, mas tem sido a preponderante, talvez, por sua eficácia.

As escolas públicas padecem do mesmo problema. O salário dos professores, especialmente no ensino fundamental, são muito baixos, pois, a escola não cobra mensalidade ou anuidade. Nas escolas privadas, os professores percebem melhores salários e são mais valorizados, afinal, a receita advém da qualidade do corpo técnico, notadamente dos docentes.

A gratuidade do ensino público implica em sua desvalorização.

As pessoas não dão valor ao que ganham gratuitamente. Muitos alunos de escolas públicas relaxam nos estudos, na frequência as aulas, apenas e tão somente porque não estão pagando. Nas universidades, isso é nítido. Se repetir, faz de novo. Nenhum custo, pelo contrário, mais um ano convivendo em ambiente amigável e festivo. Afinal, quando se formar, vai ter de trabalhar.

Cobrar os serviços públicos implicaria num ônus gigantesco para as classes de baixos salários, para compensar teriam de receber bolsas, empréstimos ou subsídio do governo. Os defensores da gratuidade dizem que o Estado já cobra impostos e, por isso, deve prestar os serviços gratuitamente. Possuem parte de razão.

Todavia, se o Estado tiver outras fontes de renda pode reduzir os impostos. E, seguramente, o público consumidor iria valorizar mais os serviços públicos prestados mediante remuneração. Os servidores poderiam obter melhores salários, e o orçamento público se tornaria mais real, contabilizando nas receitas os serviços efetivamente prestados pelo Poder Público.

Quando o Estado receber por todos os serviços que presta, talvez, não precise mais de impostos.

Os Estados atuais são grandes empresas. Produzem inúmeros serviços e produtos. Basta olhar para a Petrobras, a maior empresa pública do país. Gera bilhões de receita, paga ótimos salários e recolhe uma fortuna de impostos. Contribui com os investimentos e o crescimento nacional. O Estado brasileiro não é apenas a Petrobras.

Muito foi privatizado nos últimos anos, sob a falsa alegação de que a empresa privada possui melhor gestão. Quem decide se uma empresa, pública ou privada, será bem gerida é a competência dos administradores, dos órgãos de direção e sua mão de obra.

A USP é a melhor universidade do país e várias outras universidades estaduais e federais vêm em seguida. Orçamento decente, pessoal técnico qualificado e regras modernas de gestão permitem resultado de qualidade, por vezes, de excelência. E estamos falando de serviço público.

As carreiras do Ministério Público e da Magistratura possuem pessoal técnico de qualidade, se o serviço não é melhor é por adotarem sistema de gestão antiquado em razão de interferência política nos órgãos de cúpula.

Cerca de 70 a 80% da população usa os serviços de saúde públicos, apenas 20 a 30% possuem planos de saúde privado. O grande problema da saúde pública é a falta de médicos e outros profissionais, a falta de mão de obra para atender uma demanda gigantesca. Isso se deve a falta de verbas, falta de renda, ausência de pagamento pelos serviços prestados.

Assim, a saúde pública aparece no orçamento público apenas como despesa. Os serviços de saúde prestados em prol da população não são contabilizados pelo seu valor, pois, não são pagos. Geram zero de receita.

Consequência: serviço desprezado, salvo raros momentos de necessidade (pandemia, campanhas de vacinação), e mal remunerado.

Em geral, a reclamação contra os serviços públicos não é a falta de qualidade, mas principalmente a demora no atendimento por falta de mão de obra.

A invisibilidade, a que certos setores estão condenados, gera prejuízos para o país, esconde muito valor gerado pela sociedade e pelo Estado, e ainda causa danos aos profissionais desses setores reduzindo suas rendas e desprestigiando suas funções.

É preciso jogar luzes sobre os trabalhos de cuidado, eles são importantíssimos para a sociedade e, prioritariamente, realizado pelas mulheres. Mas, também, é preciso dar visibilidade a determinados setores que estão subavaliados pela população e pelo governo devido a suas gratuidades.

Provavelmente, as classes de baixa renda ainda não consigam arcar com mais esse custo nesse momento da história, mas com o aumento de renda da população, e ele vem ocorrendo, será preciso pensar em formas de tirar esses setores, serviços e trabalhadores da invisibilidade.

*Ricardo Prado Pires de Campos é professor de Direito, exerce a vice-presidência do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático. Foi promotor e procurador de Justiça

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

Ricardo Prado Pires de Campos Foto: MPD/Divulgação

O tema da redação do ENEM, deste ano, trouxe à baila a questão da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres no Brasil. E isso é uma realidade.

As mulheres sempre foram chamadas a dar sua contribuição para a vida em sociedade cuidando das pessoas. Crianças, idosos e enfermos constituem públicos que sempre dependeram do trabalho feminino. E esse trabalho não era remunerado, muita vez, sequer reconhecido de outras formas.

Hoje, essa situação vive momento de mudança. Com as mulheres saindo de seus lares para trabalhar em empresas públicas ou privadas, seu trabalho começa a ser visto, reconhecido e remunerado.

Todavia, isso não é a realidade em todo o país, somente em parte do território nacional. Em muitas localidades, o serviço familiar de cuidado continua invisível.

No entanto, não é apenas a mulher que sofre com essa invisibilidade e ausência de reconhecimento e remuneração. O próprio Estado, em diversos segmentos ou serviços que presta, também, sofre do fenômeno da invisibilidade por ausência de remuneração.

Os serviços de cuidado prestados pelo SUS, vacinação, consultas e atendimentos, não são considerados no Orçamento Público; aparecem nas despesas, mas são invisíveis nas Receitas.

No mundo contemporâneo e capitalista, a ausência de remuneração implica em invisibilidade. O dinheiro se transformou na medida de valor. Não é a melhor delas, mas tem sido a preponderante, talvez, por sua eficácia.

As escolas públicas padecem do mesmo problema. O salário dos professores, especialmente no ensino fundamental, são muito baixos, pois, a escola não cobra mensalidade ou anuidade. Nas escolas privadas, os professores percebem melhores salários e são mais valorizados, afinal, a receita advém da qualidade do corpo técnico, notadamente dos docentes.

A gratuidade do ensino público implica em sua desvalorização.

As pessoas não dão valor ao que ganham gratuitamente. Muitos alunos de escolas públicas relaxam nos estudos, na frequência as aulas, apenas e tão somente porque não estão pagando. Nas universidades, isso é nítido. Se repetir, faz de novo. Nenhum custo, pelo contrário, mais um ano convivendo em ambiente amigável e festivo. Afinal, quando se formar, vai ter de trabalhar.

Cobrar os serviços públicos implicaria num ônus gigantesco para as classes de baixos salários, para compensar teriam de receber bolsas, empréstimos ou subsídio do governo. Os defensores da gratuidade dizem que o Estado já cobra impostos e, por isso, deve prestar os serviços gratuitamente. Possuem parte de razão.

Todavia, se o Estado tiver outras fontes de renda pode reduzir os impostos. E, seguramente, o público consumidor iria valorizar mais os serviços públicos prestados mediante remuneração. Os servidores poderiam obter melhores salários, e o orçamento público se tornaria mais real, contabilizando nas receitas os serviços efetivamente prestados pelo Poder Público.

Quando o Estado receber por todos os serviços que presta, talvez, não precise mais de impostos.

Os Estados atuais são grandes empresas. Produzem inúmeros serviços e produtos. Basta olhar para a Petrobras, a maior empresa pública do país. Gera bilhões de receita, paga ótimos salários e recolhe uma fortuna de impostos. Contribui com os investimentos e o crescimento nacional. O Estado brasileiro não é apenas a Petrobras.

Muito foi privatizado nos últimos anos, sob a falsa alegação de que a empresa privada possui melhor gestão. Quem decide se uma empresa, pública ou privada, será bem gerida é a competência dos administradores, dos órgãos de direção e sua mão de obra.

A USP é a melhor universidade do país e várias outras universidades estaduais e federais vêm em seguida. Orçamento decente, pessoal técnico qualificado e regras modernas de gestão permitem resultado de qualidade, por vezes, de excelência. E estamos falando de serviço público.

As carreiras do Ministério Público e da Magistratura possuem pessoal técnico de qualidade, se o serviço não é melhor é por adotarem sistema de gestão antiquado em razão de interferência política nos órgãos de cúpula.

Cerca de 70 a 80% da população usa os serviços de saúde públicos, apenas 20 a 30% possuem planos de saúde privado. O grande problema da saúde pública é a falta de médicos e outros profissionais, a falta de mão de obra para atender uma demanda gigantesca. Isso se deve a falta de verbas, falta de renda, ausência de pagamento pelos serviços prestados.

Assim, a saúde pública aparece no orçamento público apenas como despesa. Os serviços de saúde prestados em prol da população não são contabilizados pelo seu valor, pois, não são pagos. Geram zero de receita.

Consequência: serviço desprezado, salvo raros momentos de necessidade (pandemia, campanhas de vacinação), e mal remunerado.

Em geral, a reclamação contra os serviços públicos não é a falta de qualidade, mas principalmente a demora no atendimento por falta de mão de obra.

A invisibilidade, a que certos setores estão condenados, gera prejuízos para o país, esconde muito valor gerado pela sociedade e pelo Estado, e ainda causa danos aos profissionais desses setores reduzindo suas rendas e desprestigiando suas funções.

É preciso jogar luzes sobre os trabalhos de cuidado, eles são importantíssimos para a sociedade e, prioritariamente, realizado pelas mulheres. Mas, também, é preciso dar visibilidade a determinados setores que estão subavaliados pela população e pelo governo devido a suas gratuidades.

Provavelmente, as classes de baixa renda ainda não consigam arcar com mais esse custo nesse momento da história, mas com o aumento de renda da população, e ele vem ocorrendo, será preciso pensar em formas de tirar esses setores, serviços e trabalhadores da invisibilidade.

*Ricardo Prado Pires de Campos é professor de Direito, exerce a vice-presidência do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático. Foi promotor e procurador de Justiça

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

Ricardo Prado Pires de Campos Foto: MPD/Divulgação

O tema da redação do ENEM, deste ano, trouxe à baila a questão da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres no Brasil. E isso é uma realidade.

As mulheres sempre foram chamadas a dar sua contribuição para a vida em sociedade cuidando das pessoas. Crianças, idosos e enfermos constituem públicos que sempre dependeram do trabalho feminino. E esse trabalho não era remunerado, muita vez, sequer reconhecido de outras formas.

Hoje, essa situação vive momento de mudança. Com as mulheres saindo de seus lares para trabalhar em empresas públicas ou privadas, seu trabalho começa a ser visto, reconhecido e remunerado.

Todavia, isso não é a realidade em todo o país, somente em parte do território nacional. Em muitas localidades, o serviço familiar de cuidado continua invisível.

No entanto, não é apenas a mulher que sofre com essa invisibilidade e ausência de reconhecimento e remuneração. O próprio Estado, em diversos segmentos ou serviços que presta, também, sofre do fenômeno da invisibilidade por ausência de remuneração.

Os serviços de cuidado prestados pelo SUS, vacinação, consultas e atendimentos, não são considerados no Orçamento Público; aparecem nas despesas, mas são invisíveis nas Receitas.

No mundo contemporâneo e capitalista, a ausência de remuneração implica em invisibilidade. O dinheiro se transformou na medida de valor. Não é a melhor delas, mas tem sido a preponderante, talvez, por sua eficácia.

As escolas públicas padecem do mesmo problema. O salário dos professores, especialmente no ensino fundamental, são muito baixos, pois, a escola não cobra mensalidade ou anuidade. Nas escolas privadas, os professores percebem melhores salários e são mais valorizados, afinal, a receita advém da qualidade do corpo técnico, notadamente dos docentes.

A gratuidade do ensino público implica em sua desvalorização.

As pessoas não dão valor ao que ganham gratuitamente. Muitos alunos de escolas públicas relaxam nos estudos, na frequência as aulas, apenas e tão somente porque não estão pagando. Nas universidades, isso é nítido. Se repetir, faz de novo. Nenhum custo, pelo contrário, mais um ano convivendo em ambiente amigável e festivo. Afinal, quando se formar, vai ter de trabalhar.

Cobrar os serviços públicos implicaria num ônus gigantesco para as classes de baixos salários, para compensar teriam de receber bolsas, empréstimos ou subsídio do governo. Os defensores da gratuidade dizem que o Estado já cobra impostos e, por isso, deve prestar os serviços gratuitamente. Possuem parte de razão.

Todavia, se o Estado tiver outras fontes de renda pode reduzir os impostos. E, seguramente, o público consumidor iria valorizar mais os serviços públicos prestados mediante remuneração. Os servidores poderiam obter melhores salários, e o orçamento público se tornaria mais real, contabilizando nas receitas os serviços efetivamente prestados pelo Poder Público.

Quando o Estado receber por todos os serviços que presta, talvez, não precise mais de impostos.

Os Estados atuais são grandes empresas. Produzem inúmeros serviços e produtos. Basta olhar para a Petrobras, a maior empresa pública do país. Gera bilhões de receita, paga ótimos salários e recolhe uma fortuna de impostos. Contribui com os investimentos e o crescimento nacional. O Estado brasileiro não é apenas a Petrobras.

Muito foi privatizado nos últimos anos, sob a falsa alegação de que a empresa privada possui melhor gestão. Quem decide se uma empresa, pública ou privada, será bem gerida é a competência dos administradores, dos órgãos de direção e sua mão de obra.

A USP é a melhor universidade do país e várias outras universidades estaduais e federais vêm em seguida. Orçamento decente, pessoal técnico qualificado e regras modernas de gestão permitem resultado de qualidade, por vezes, de excelência. E estamos falando de serviço público.

As carreiras do Ministério Público e da Magistratura possuem pessoal técnico de qualidade, se o serviço não é melhor é por adotarem sistema de gestão antiquado em razão de interferência política nos órgãos de cúpula.

Cerca de 70 a 80% da população usa os serviços de saúde públicos, apenas 20 a 30% possuem planos de saúde privado. O grande problema da saúde pública é a falta de médicos e outros profissionais, a falta de mão de obra para atender uma demanda gigantesca. Isso se deve a falta de verbas, falta de renda, ausência de pagamento pelos serviços prestados.

Assim, a saúde pública aparece no orçamento público apenas como despesa. Os serviços de saúde prestados em prol da população não são contabilizados pelo seu valor, pois, não são pagos. Geram zero de receita.

Consequência: serviço desprezado, salvo raros momentos de necessidade (pandemia, campanhas de vacinação), e mal remunerado.

Em geral, a reclamação contra os serviços públicos não é a falta de qualidade, mas principalmente a demora no atendimento por falta de mão de obra.

A invisibilidade, a que certos setores estão condenados, gera prejuízos para o país, esconde muito valor gerado pela sociedade e pelo Estado, e ainda causa danos aos profissionais desses setores reduzindo suas rendas e desprestigiando suas funções.

É preciso jogar luzes sobre os trabalhos de cuidado, eles são importantíssimos para a sociedade e, prioritariamente, realizado pelas mulheres. Mas, também, é preciso dar visibilidade a determinados setores que estão subavaliados pela população e pelo governo devido a suas gratuidades.

Provavelmente, as classes de baixa renda ainda não consigam arcar com mais esse custo nesse momento da história, mas com o aumento de renda da população, e ele vem ocorrendo, será preciso pensar em formas de tirar esses setores, serviços e trabalhadores da invisibilidade.

*Ricardo Prado Pires de Campos é professor de Direito, exerce a vice-presidência do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático. Foi promotor e procurador de Justiça

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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