O ITCMD é um tributo cobrado sobre a transmissão “causa mortis” ou por doação de quaisquer bens ou direitos. Para viabilizar a cobrança do imposto sobre uma doação efetuada por um doador residente no exterior, ou mesmo sobre bens herdados por um brasileiro no exterior, a Constituição Federal estabeleceu que seria necessária a edição de uma lei complementar trazendo as principais diretrizes; especialmente para evitar conflitos de competência – não apenas entre os estados e o Distrito Federal, mas também com as jurisdições internacionais.
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Essa lei nunca foi aprovada. Isso não impediu os estados de incorporarem em suas legislações a exigência do ITCMD atrelado a essas situações, mas o Poder Judiciário sempre zelou por impedir a cobrança – com decisões do próprio STF, inclusive (Tema 825 da repercussão geral). No estado de São Paulo, especificamente, o Tribunal de Justiça reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança em 2011.
A Emenda Constitucional nº 132, promulgada no final de 2023, alterou essa dinâmica, criando um regime de exceção: como uma das contrapartidas negociadas pelos estados para a aprovação da reforma tributária, ficou estabelecido que, até que a aludida lei complementar seja editada pelo Congresso Nacional, nas situações que envolvam doadores ou bens herdados no exterior, o ITCMD competiria ao estado onde tiver domicílio o donatário ou sucessor. A definição do estado competente para a cobrança era um dos vácuos que precisava ser regulamentado pela lei complementar.
Apesar de ser uma clara manobra para viabilizar a cobrança do ITCMD, não foi afastada a necessidade da edição da lei complementar. Não houve alteração na redação do art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal. O que houve, na verdade, foi apenas a “flexibilização” da exigência constitucional, estabelecendo-se uma regra de transição que autoriza, em caráter de exceção, o exercício da competência tributária pelos estados, até que a aludida lei complementar seja editada.
Em nossa avaliação, no entanto, os estados que tiveram suas legislações locais declaradas inconstitucionais têm mais um obstáculo: o ITCMD não pode passar a ser cobrado sem que a legislação seja renovada pelas assembleias legislativas. E mesmo quando o fizerem, a cobrança somente poderá ser levada a efeito a partir de 90 dias, respeitando o princípio da anterioridade. Além de São Paulo, diversos outros estados tiveram suas leis invalidadas pelos tribunais locais ou pelo próprio STF, tais como: Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul e Rondônia [1].
O Tribunal de Justiça de São Paulo concorda com esse argumento. Em decisões recentes, em primeira e segunda instâncias, já houve sinalizações positivas, mantendo a proibição de cobrança do ITCMD sobre doações realizadas por doadores domiciliados no exterior [2]. Seguindo a mesma lógica, a vedação deve alcançar a transmissão “causa mortis” de bens ou direitos no exterior.
Em termos práticos, portanto, mesmo as doações e falecimentos posteriores ao início da vigência das alterações promovidas pela EC 132 podem estar desobrigadas ao pagamento do ITCMD, recomendando a avaliação por especialistas, assim como a adoção de providências judiciais para evitar o pagamento do imposto.
NOTAS:
[1] Lista exemplificativa estabelecida a partir das decisões em ADIs julgadas pelo STF entre 2021 e 2022.
[2] Exemplo: acórdão da 7ª Câmara de Direito Público no julgamento do recurso de apelação no processo nº 1075766-77.2023.8.26.0053 (DJe 27/06/2024).