O afastamento do juiz Eduardo Appio da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, berço da polêmica Operação Lava Jato, pode desaguar no Conselho Nacional de Justiça, colegiado que detém o controle da atuação e do cumprimento de deveres funcionais da toga. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam a competência do CNJ para analisar a legalidade do alijamento de Appio das ações remanescentes da Lava Jato - medida adotada na segunda-feira, 22, pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), sediado em Porto Alegre e com jurisdição na 13ª Vara de Curitiba.
Por outro lado, os juristas avaliam que a reversão do afastamento é improvável, considerando a 'conduta preventiva' que tem sido seguida pelo colegiado em casos que possam representar uma 'ameaça' à imagem do Judiciário.
A ponderação nessa linha é do advogado Gabriel Bartolomeu Felício, especialista em Tribunais Superiores, CNJ e processos correcionais. Ele destaca que o Conselho Nacional de Justiça tem adotado uma posição dura com relação a casos como o de Appio, considerando a repercussão e o impacto dos casos na magistratura.
Até ser abatido na 13.ª Vara de Curitiba, Appio exumou personagens da Lava Jato, revisitou ações remotas e tirou o sossego do senador e ex-juiz Sérgio Moro e do deputado cassado Deltan Dallagnol, artífices da operação. A conduta de Appio inquieta os integrantes da antiga força-tarefa da Lava Jato.
A decisão que tirou Appio, provisoriamente, da 13ª Vara Federal de Curitiba, foi fundamentada em indícios de que o magistrado teria feito uma ligação telefônica com 'ameaça' ao advogado João Malucelli - sócio de Moro em um escritório baseado em Curitiba e filho do desembargador Marcelo Malucelli, ex-relator da Lava Jato no TRF-4.
O próprio desembargador Marcelo Malucelli é alvo de apuração no CNJ em razão de um despacho que gerou impasse no caso do advogado Rodrigo Tacla Duran - alvo da Lava Jato que fez acusações a Moro e a Deltan.
O filho do de Malucelli, pivô do afastamento de Appio, também é peça central na apuração conduzida pelo CNJ sobre a conduta de seu pai, o desembargador do TRF-4.
Como o afastamento de Appio poderia chegar ao CNJ?
O afastamento de Appio foi determinado pela Corte Especial Administrativa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na segunda-feira, 22. A decisão foi tomada no bojo de um expediente disciplinar, uma espécie de apuração preliminar sobre a conduta de um magistrado aberta pela Corregedoria da Corte Regional.
O TRF-4 deu 15 dias para que Appio apresente sua defesa prévia no processo, inclusive apresentando provas que contestem o entendimento dos desembargadores. Nesse período, também se manifestará sobre o caso o Ministério Público.
Só então a Corte Administrativa vai decidir se abre, ou não, um processo administrativo disciplinar contra Appio.
Segundo o advogado Gabriel Bartolomeu Felício, o TRF-4 pode até voltar a avaliar o afastamento do magistrado em tal sessão.
De outro lado, o juiz tem a possibilidade de recorrer ao CNJ para rever seu afastamento. De acordo com Felício, o caso pode chegar ao Conselho por meio de um procedimento de controle administrativo, previsto no regimento interno do CNJ. Em tal procedimento, o Conselho poderia avaliar a legalidade do afastamento de Appio.
O advogado Anderson Medeiros Bonfim, sócio do Warde Advogados e mestre em Direito Administrativo, explica que, segundo a Constituição , compete ao CNJ o controle da atuação administrativa do Judiciário. Nessa linha, em seu entendimento, 'tendo o magistrado sofrido os efeitos, ainda que cautelares, da atuação disciplinar do tribunal local, o CNJ pode promover o controle da decisão local, revendo ou não o afastamento'.
"O CNJ pode, inclusive, avocar, dando continuidade à apuração da infração disciplinar", pondera Bonfim. Nesse cenário, toda a investigação sobre Appio poderia sair do âmbito do TRF-4.
O advogado Lenio Streck, pós-doutor em Direito, também vê competência do Conselho Nacional de Justiça. Ele citou o fato de o desembargador Marcelo Malucelli já ser alvo de apuração na Corregedoria Nacional.
Ademais, Streck vê um 'problema de constitucionalidade' das normas que regem o afastamento de juízes. Segundo ele, um juiz vitalício 'não pode ser tirado da jurisdição sem ser ouvido e sem que seja ouvido o Ministério Público'.
"Se a lei permite esse afastamento abrupto, deve ser feita nela uma interpretação conforme a Constituição - a exemplo do que foi feito na condução coercitiva", defende.
Um outro caminho para a reversão do afastamento, segundo Felício, seria o do mandado de segurança contra a decisão do TRF-4. Tal recurso, no caso de Appio, seria dirigido em um primeiro momento, à própria Corte Federal regional, o TRF-4.
Caso houvesse uma movimentação em tal sentido, o recurso seria analisado pela Corte Especial do Tribunal - o que significaria um obstáculo para Appio, uma vez que o grupo é composto pelos mesmos magistrados que o afastaram.
Depois, o caso poderia seguir para o Supremo Tribunal Federal, instância máxima do Judiciário.