O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT) exonerou, a pedido, o juiz Jamilson Haddad Campos, da 1.ª Zona Eleitoral de Cuiabá, em meio a um processo que pedia seu impedimento.
Fontes ligadas ao magistrado afirmam que ele solicitou afastamento para evitar desgastes. Em ofício enviado à desembargadora Maria Aparecida Ribeiro, presidente do TRE, no domingo, 16, Jamilson afirmou que estava pedindo o desligamento da função para evitar o “atraso na prestação jurisdicional”.
“Considerando a necessidade imperiosa de assegurar a tranquilidade e a transparência do pleito eleitoral vindouro, especialmente em face do início das propagandas eleitorais nesta data, torna-se imprescindível a celeridade nas decisões judiciais”, justificou o magistrado.
Procurado, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso não comentou o caso. O juiz Moacir Rogério Tortato assumiu a titularidade da 1.ª Zona Eleitoral de Cuiabá.
Pedido de impedimento e contrato
O juiz Jamilson Haddad Campos enfrentava um processo que poderia levar ao seu impedimento. O procedimento estava baseado em um contrato assinado por ele com a Associação Mato Grossense de Cultura, organização especializada em projetos culturais, para participação em uma campanha contra a violência doméstica e de conscientização sobre a igualdade de gênero.
Ocorre que o projeto foi vendido à Assembleia Legislativa de Mato Grosso, sob o aval do deputado estadual Eduardo Botelho (União Brasil), candidato à prefeitura de Cuiabá.
Jamilson atuava na Justiça Eleitoral desde fevereiro de 2023 e, neste ano, julgaria ações sobre as eleições municipais, incluindo processos envolvendo a candidatura de Eduardo Botelho, que contratou o projeto.
Procurado pelo Estadão, o juiz informou, via assessoria de imprensa, que foi contratado pela Associação Mato Grossense de Cultura, antes do período eleitoral e da assinatura do convênio com a Assembleia Legislativa, para exercer a função de coordenador acadêmico do projeto. Afirmou ainda que não participou das negociações do termo de fomento e que não tomou conhecimento de que seu nome seria citado na proposta enviada pela organização social ao legislativo.
A remuneração mensal do magistrado no projeto é de R$ 25 mil brutos, o que soma R$ 250 mil por dez meses de trabalho, sem os descontos. O valor líquido é de cerca de R$ 180 mil. Ele participa de palestras e vídeos.
O parecer técnico usado pela Assembleia Legislativa para justificar a contratação do projeto, sem concorrência, foi assinado pela advogada Jacqueline Cândido de Souza. Ela é assessora jurídica comissionada no gabinete do deputado Eduardo Botelho.
“A presente manifestação técnica é favorável a inexigibilidade da realização de chamamento público”, diz o documento. A assessora afirma que há “inviabilidade de competição” entre as organizações sociais e defende a “configuração da oportunidade e conveniência da administração em estabelecer a parceria”.
Em setembro do ano passado, o juiz Jamilson Haddad Campos foi homenageado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, a partir de uma proposição apresentada pelo deputado. O magistrado recebeu a Comenda Marechal Cândido Rondon.
O juiz tem mais de uma década de experiência na Vara de Violência Doméstica. Já recebeu prêmios e homenagens do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra o Poder Judiciário, e da seccional Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT). Recentemente, publicou o livro “Violência doméstica contra a mulher: um olhar restaurativo e fraterno”.
O pedido de impedimento do juiz foi apresentado pelo jornalista e advogado Rafael Costa Rocha, assessor de imprensa do deputado federal Abílio Brunini (PL), que também disputa a prefeitura.
A ofensiva contra o magistrado ocorreu após uma decisão provisória que mandou apreender panfletos editados pelo assessor de imprensa, com publicações contra Eduardo Botelho, por propaganda antecipada negativa. A decisão foi mantida pelo TRE e pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em sua defesa prévia no pedido de impedimento, o juiz escreveu: “Ressalto que ao longo de minha trajetória de 25 anos na magistratura, sempre privei pela imparcialidade, legalidade e ética em todas as minhas decisões. A presente acusação de impedimento é infundada e não encontra amparo na legislação processual. A tentativa de vincular minha atuação profissional a interesses pessoais ou políticos é uma afronta aos princípios da independência judicial e da boa-fé processual. Ademais, legislação processual estabelece critérios objetivos para a caracterização do impedimento, os quais não se encontram presentes neste caso.”