A juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, substituta da Justiça Federal de Ponte Nova (Minas), absolveu a Vale, a Samarco e a BHP das acusações de crimes ambientais na tragédia de Mariana - a qual deixou 19 mortos e lançou 13 mil piscinas olímpicas de lama tóxica no Rio Doce em 2015. A magistrada livrou as empresas de imputações de destruição de bem protegido, poluição qualificada, omissão, obstrução de fiscalização e falsidadade de documento.
Ao Estadão, o advogado Alberto Zacharias Toron, que representa a BHP, afirmou que a decisão é “longa, minuciosa e mais do que acertada”. O advogado indicou ainda que a sentença “não elide a eventual responsabilidade civil das empresas, que está sendo objeto de um grande acordo”.
A decisão foi proferida em meio a uma sequência de eventos ligados à tragédia de Mariana: a homologação, pelo STF, do acordo de R$ 170 bilhões para reparação dos danos da tragédia; e o início de julgamento, em Londres, sobre possível indenização aos atingidos pelo tsunami de dejetos, no bojo de um processo ambiental coletivo que é considerado maiores do mundo.
O escritório Pogust Goodhead, que representa na Corte de Londres cerca de 620 mil atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, frisou que o processo em tramitação em Londres vai julgar a responsabilidade civil, não criminal, com a devida reparação às vítimas em caso de condenação da BHP. A banca frisa que a questão penal é uma “prerrogativa da justiça brasileira”.
“O julgamento na Inglaterra segue e é a oportunidade existente para, de maneira inédita, condenar na esfera civil a BHP e mostrar ao mundo como a irresponsabilidade corporativa custa vidas, traz danos irreparáveis ao meio ambiente e deve ser devidamente punida”.
Na sentença de 191 páginas assinada na madrugada desta quinta, 14, após oito anos de tramitação do processo na Justiça de Minas, a juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho sustenta que não há prova suficiente para condenação, que as empresas não teriam concorrido para as infrações e ainda cita “atipicidade da conduta” - quando determinada conduta não é prevista como crime.
“Após uma longa instrução, os documentos, laudos e testemunhas ouvidas para a elucidação dos fatos não responderam quais as condutas individuais contribuíram de forma direta e determinante para o rompimento da barragem de Fundão. E, no âmbito do processo penal, a dúvida – que ressoa a partir da prova analisada no corpo desta sentença – só pode ser resolvida em favor dos réus”, anotou a magistrada.
A absolvição também atingiu: Ricardo Aragão, ex-presidente da Samarco (2012-2015); Kleber Luiz de Mendonça Terra, ex-diretor de Operações (2012-2015); Wagner Milagres Alves, Gerente Geral de Operação de Mina (2014-2015); Germano Silva Lopes, Geral de Projetos Estruturantes (2014-2015); e Daviély Rodrigues Silva, gerente de geotecnia (2008-2015).
A juíza juntou uma espécie de preâmbulo à sentença, anotando que tomou “a única decisão possível diante da prova produzida, convicta de que o exercício do poder punitivo em um Estado Democrático de Direito é subsidiário, fragmentário e não pode ser convertido em um instrumento de escape para a ineficácia das demais formas de controle social”.
Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho cita o acordo de R$ 170 bilhões para reparação da tragédia e diz esperar que todos os atingidos pela catástrofe “justa e efetivamente reparados, consciente de que mesmo a mais vultuosa das indenizações já pagas será incapaz de compensar o que lhes foi tomado”.
Segundo a magistrada, nem uma “sentença penal condenatória proferida em uma miríade de incertezas poderia honrar a memória daqueles que perderam a vida” no desastre.
Falta de provas sobre relação entre omissão e desastre
Ao analisar a responsabilidade penal da Samarco ante ao rompimento da barragem de Fundão, a magistrada entendeu que, apesar do reconhecimento de omissões de funcionários e da empresa do caso, a falta de prova sobre a relação de causa e feito entre tais omissões e a tragédia levou à absolvição de pessoas e, por consequência, da empresa.
O Ministério Público Federal ainda atribuia à empresa a adoção de política de redução de custos com a segurança de barragens e mau gerenciamento da governança de barragens.
Na avaliação de Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, as análises realizadas no curso do processo, pela Procuradoria e pela Polícia Federal, nãom era conclusivas e indicavam “apenas a sugestão de que a política de redução de custos, adotada pela nos anos que antecederam o rompimento da barragem de Fundão, pode ter impactado no fator segurança”
“A prova dos autos não indica um problema grave na gestão executiva da Samarco que explique o rompimento da barragem de Fundão”, anotou a magistrada.
Deficiência na comunicação poderia levar a condenação “hipotética” por autorresponsabilidade
De outro lado, Patrícia reconheceu que não havia uma “comunicação devidamente orquestrada” na Samarco. Segundo ela, a deficiência na comunicação ficou evidenciada “em uma situação que pode ter importado para o rompimento da barragem, mas o nexo causal não foi provado no curso da ação”.
A situação em questão remete a um relatório de 2014 com “impressões técnicas relevantíssimas” que não foi compartilhado com a empresa contratada para elaborar o laudo de estabilidade da barragem de Fundão.
“Não se pode afirmar o que teria acontecido se o dito relatório tivesse maior publicidade. [...] Talvez a realização completa do estudo, seguido da construção de uma berma mais robusta, como sugerido pelo consultor, não tivesse impedido ou mesmo retardado o rompimento abrupto da barragem de Fundão. Ou talvez tivesse, e então a barragem não teria se rompido”, anotou a juíza.
“Impossível determinar sem uma prova técnica (ou quesito) dirigido a este esclarecimento. E como já fundamentado, não há nos autos qualquer prova que aclare esse nexo causal”, seguiu.
Patrícia ponderou que este último ponto poderia levar a uma “hipotética” condenação da Samarco se a legislação brasileira “tivesse evoluído a ponto de admitir a responsabilização criminal da pessoa jurídica fundada em sua autorresponsabilidade”.
A juíza ainda refletiu sobre aplicar ao caso - em tal sentido de autorresponsabilidade - um precedente do Supremo Tribunal Federal, mas entendeu que seria necessário que o MPF provasse os “aspectos pertinentes aos critérios de imputação da pessoa jurídica, o que definitivamente não foi feito”.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO ALBERTO ZACHARIAS TORON, QUE REPRESENTA A BHP
“A sentença da juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho é longa, minuciosa e mais do que acertada. Uma primeira observação que se deve fazer neste caso é que, a despeito de toda dor causada pelas mortes, a despeito de todo mal ambiental causado pelo acidente, a juíza apreciando os fatos, a partir dos relatos que constam no processo e de todas as perícias realizadas, chega a conclusão de que não houve imprudência, imperícia e menos ainda qualquer dolo, mesmo na vontade, mesmo na modalidade eventual, que tivesse dado causa a esse triste acidente - ao contrário. As perícias demonstram que a obra representada pela barragem estava de acordo com a arte desse tipo de edificação. Em outras palavras: a obra se apresentava edificada de forma correta. E ela vai além. Não houve nenhum incremento em termos de atividade de risco que tivesse dado causa ao rompimento da barragem. Aliás, é expressivo o fato de que a principal testemunha acusação, o professor Pimenta Ávila, foi expresso na audiência, na frente do Ministério Público, dos juízes, de todos os advogados quando disse que nem Deus poderia prever o rompimento da barragem. Ou seja, no estado em que ela se encontrava era imprevisível o acontecimento. Então, isso não pode ser debitado de maneira nenhuma à Samarco, a BHP, à Vale e aos engenheiros que trabalhavam na obra. Portanto é uma sentença que merece aplauso. É bom ressalvar que isso não elide a eventual responsabilidade civil das empresas, que obviamente como foi amplamente noticiado está sendo objeto de um grande acordo. Acho que se fez justiça e essa decisão merece aplausos efusivos, porque a Justiça dá a exata dimensão do que é ser juiz penal especialmente num caso como esse que causou tanta dor e tanto clamor também”.