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Lava Jato corrompeu sistema de Justiça e teve acertos ‘irrisórios’, diz advogado aliado de Lula


Marco Aurélio de Carvalho diz que Moro e Deltan Dallagnol são os grandes responsáveis pelo fim da operação, e reage ao procurador Carlos Fernando, que defendeu prisão do hoje presidente da República

Por Julia Affonso e Rayssa Motta
Atualização:
Entrevista comMarco Aurélio de CarvalhoAdvogado e fundador do Grupo Prerrogativas

Fundador do grupo Prerrogativas e aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o advogado Marco Aurélio de Carvalho afirma que a Operação Lava Jato corrompeu o sistema de Justiça e teve acertos “irrisórios”. Em 2014, a Petrobras incluiu um prejuízo de R$ 6 bilhões com as irregularidades identificadas pela investigação. Carvalho era o favorito do PT para ser ministro da Justiça - vaga que ficou com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski.

Em entrevista ao Estadão, o advogado, que é filiado ao partido há 30 anos, aponta que os êxitos da operação “caberiam amplamente no chamado Princípio da Insignificância ou da Bagatela”. Isso porque, segundo ele, os prejuízos foram maiores. Carvalho se baseia em uma pesquisa de autoria da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

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Na avaliação do advogado, o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol são alguns dos responsáveis pelo fim da Lava Jato. “Os grandes responsáveis por esse final trágico da Lava Jato são aqueles que corromperam o sistema de Justiça, a pretexto de combater a corrupção”, diz Carvalho.

“E a grande ironia: todos esses sujeitos que criminalizaram a política, depois abraçaram a política e agora estão sendo escorraçados pela política”, complementa em referência à cassação de Deltan e ao processo que também pode levar Moro a perder o mandato.

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Para o advogado, as mensagens trocadas pelos ex-integrantes da força-tarefa, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato, comprovam que a operação teve um direcionamento político.

“Se essas mensagens pudessem ser utilizadas para incriminar alguém, o Carlos Fernando, que teve a ousadia de dizer ao Estadão que acredita que o presidente Lula deveria estar preso, estaria preso. Ele é quem deveria estar preso e não o presidente Lula que foi perseguido por uma quadrilha.”

Nesta entrevista, o advogado afirma ainda que o Supremo “errou bastante” durante a operação, mas “reviu as suas posições e recuperou parte da credibilidade perdida pelo nosso sistema de Justiça”. “Infelizmente, em alguns momentos, alguns ministros acabam aceitando a forte pressão popular que determinados temas conseguem mobilizar”, declara.

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Um desses momentos, lembra Marco Aurélio, foi a mudança de posicionamento sobre a prisão após condenação em segunda instância, que abriu caminho para prender Lula no caso do triplex. “O Supremo tinha uma posição, voltou atrás, na minha humilde avaliação, com o objetivo específico de permitir a prisão criminosa do presidente Lula”, critica. “Infelizmente, isso custou 580 dias da liberdade do nosso presidente, que jamais poderá ser reparada.”

A Lava Jato completou 10 anos da deflagração da primeira fase em 17 de março. Na última década, a operação mexeu no xadrez político nacional ao prender ex-presidentes e autoridades do Congresso. A investigação caiu em descrédito a partir de 2018, quando o então juiz Sérgio Moro decidiu se tornar ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PL), e em 2019, quando mensagens trocadas entre ele e Dallagnol vieram à tona.

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Leia a seguir a entrevista com Marco Aurélio de Carvalho:

Ex-diretores da Petrobras fizeram delações premiadas, confessaram um esquema de propinas e devolveram R$ 279 milhões. Muitos críticos minimizam as irregularidades e questionam os métodos da operação, levantando suspeitas sobre o posicionamento político de Moro e Dallagnol. Houve corrupção na Petrobras?

Isso é uma falsa polêmica. A gente sempre foi a favor do combate à corrupção. Mas nós não podemos permitir que, a pretexto de combater a corrupção, o que é saudável e muito bem-vindo, se corrompa o sistema de Justiça. Não há a menor dúvida de que houve corrupção. Ela está sendo devidamente apurada. E agora, com a liderança dos ministros do (STF) Dias Toffoli e André Mendonça, as leniências estão sendo revistas. Eu acho que é uma oportunidade singular, depois de 10 anos, de a gente ratificar os poucos acertos da operação, que foram praticamente irrisórios. O que a gente costuma dizer no Direito é que eles caberiam amplamente no chamado Princípio da Insignificância ou da Bagatela.

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É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas. Infelizmente, o Brasil não soube fazer isso. Destruiu setores importantes da indústria nacional, notadamente a construção civil, petróleo e gás e a indústria naval.

A Lava Jato, nesses 10 anos, deixou um legado de destruição e de miséria. Dados do Dieese, que não foram confrontados pela força-tarefa, comprovam que o País perdeu quase 5 milhões de empregos, mais precisamente 4,4 milhões. Entre 2014 e 2017, a operação foi responsável pela redução do PIB brasileiro em 3,6%. A arrecadação das empreiteiras caiu 85%.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas

Marco Aurélio Carvalho

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A gente faz o reconhecimento que houve equívocos, que algumas pessoas foram responsáveis, de fato, por aquilo que foi apurado, devem ser evidentemente responsabilizadas na dimensão pessoal, como pessoas físicas. Não há a menor dúvida. Mas houve também um número enorme de excessos que precisam ser revistos. É uma operação que precisa ser registrada na história para não ser reproduzida, porque foi o maior escândalo do sistema de Justiça de uma democracia moderna.

A Petrobras registrou, em balanço, uma corrupção de R$ 6 bilhões. Em que medida isso é irrisório?

Na medida em que o País perdeu aproximadamente R$ 200 bilhões em investimentos e impostos. Para ser claro, R$ 172 bilhões deixaram de ser investidos no País entre 2014 e 2017. Mais de R$ 50 bilhões deixaram de ser arrecadados em impostos e poderiam reverter em políticas públicas para a erradicação da fome e da miséria, para a geração de empregos, oportunidade de distribuição de riqueza, distribuição mais igualitária de renda. Isso não justifica, evidentemente, qualquer malfeito. O que houve foi um comissionamento criminoso de alguns de seus diretores, que tem que ser apurado, valores que foram devolvidos. Mas não houve sobrepreço. A Petrobras precisa, inclusive, revisitar esses conceitos, seria importante. Acho que é pedagógico para o País a gente saber do que se trata. Foram pagas comissões indevidas, de fato houve corrupção, isso precisa ser reconhecido, e as pessoas foram responsabilizadas, sobretudo alguns diretores. Não há a menor dúvida quanto a isso.

Marco Aurélio Carvalho, aliado do presidente Lula, é bastante crítico em relação à operação Lava Jato Foto: Silvana Garzaro /ESTADAO

Esses números que o senhor cita são de um estudo de autoria da CUT e do Dieese?

O estudo do Dieese, na verdade. O estudo foi feito pelo Dieese e não foi confrontado pela força-tarefa. Nem o Deltan teve a ousadia de confrontar nem o próprio ex-juiz Sérgio Moro. Os dados são bem objetivos, tem metodologia científica, não é um estudo parcial. É um instituto extremamente sério, conceituado, que inclusive é utilizado por diversos jornais. Ninguém está dizendo que a corrupção não tem que ser combatida, mas nós temos que preservar a indústria nacional.

Os problemas econômicos do País são culpa da Lava Jato?

Os procuradores, de modo geral, agiram de forma absolutamente irresponsável, atendendo a interesses econômicos não nacionais. Existiam interesses norte-americanos que estavam guiando esses acordos. Os grandes responsáveis por esse final trágico da Lava Jato são aqueles que corromperam o sistema de Justiça, a pretexto de combater a corrupção. Se tivessem combatido a corrupção de forma saudável, dentro das 4 linhas, preservando a geração de empregos, preservando a indústria nacional e responsabilizando os gestores, na dimensão pessoal, evidentemente com multas pesadas também para cada uma dessas empresas, mas compatíveis com as suas arrecadações com os fatos que foram narrados, nós teríamos outra realidade no Brasil. Eles são, portanto, os responsáveis.

Em 2014, o governo Dilma enfrentava problemas na economia, havia aumento da inflação. As decisões econômicas do governo não contribuíram com o quadro que o senhor descreve?

Sem dúvida nenhuma, mas em outros setores. Isso já está pacificado. Independentemente de outros fatores, há uma grande responsabilidade dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato e do então juiz Sérgio Moro. Claro que existem outros fatores macroeconômicos, circunstâncias, inclusive, internacionais que afetaram o Brasil, mas a responsabilidade por esse problema gravíssimo pelo qual o País passou entre 2014 e 2017 e, seguramente até os dias de hoje, é da Lava Jato.

A Lava Jato acertou em algum ponto?

Identificar a ação criminosa de alguns diretores da Petrobras que atuaram à margem da lei. Isso a gente tem que reconhecer. Para além disso, num primeiro momento, a Lava Jato projetou na população, de maneira geral, a sensação de que não haveria qualquer tipo de intocabilidade de qualquer setor em relação à persecução penal estatal. Ela conseguiu, num primeiro momento, passar a impressão de que no Brasil ninguém estava blindado, ninguém estava acima da lei, ninguém tinha qualquer tipo de proteção. Isso foi importante, porque nós vivemos em um País onde o alvo preferencial da Justiça Penal é seletiva. É a população pobre, preta e periférica. Essa é a população que superlota os presídios. Infelizmente, pela ação messiânica com objetivos políticos e eleitorais dos procuradores da força-tarefa e também pela irresponsabilidade e ação criminosa e parcial do ex-juiz Sérgio Moro, a operação se perdeu.

Críticos da Lava Jato afirmavam que a operação prendia preventivamente para forçar os investigados a delatarem. O tenente-coronel Mauro Cid foi preso preventivamente e solto após fechar uma delação. O caso dele se assemelha ao dos empreiteiros da Lava Jato?

Coerência é um valor fundamental, do qual o grupo Prerrogativas e o campo progressista não abrem mão. Nós continuamos achando que a melhor forma de se fazer delação não é com réu preso. Eu discordo do método. Eu não acho que a delação premiada deva ser vulgarizada. Instrumento extremamente importante, mas deve ser utilizado com muita seriedade. A melhor forma de se obter uma delação é com o réu solto. Até porque, para (fazer) a delação, existe pressuposto fundamental que é a espontaneidade, a voluntariedade. O sujeito ser obrigado a fazer a delação, ser torturado como foi na Lava Jato, a maior parte dos réus, é algo absolutamente reprovável, questionável e se for reproduzido contra quem quer que seja, nós vamos combater.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas.

Marco Aurélio Carvalho

Nós vamos ser coerentes e dizer que está errado. A gente não quer uma aplicação seletiva do Direito Penal, que o Direito Penal seja mais brando com os nossos colegas e mais duro com os nossos adversários. A gente não defende a aplicação seletiva do Direito Penal. Portanto, sou contra a vulgarização do instituto da delação premiada, que é importante, mas foi muito mal utilizado. Se hoje está sendo utilizado dessa forma, é porque foi no passado pela turma de Curitiba. É mais um legado perverso que essa organização política com objetivos eleitorais deixou para o País.

Os delatores da Odebrecht nunca denunciaram assédio, por exemplo. Os registros dos depoimentos mostram depoentes à vontade, inclusive sorridentes. Em que momento houve tortura na Lava Jato?

Na verdade, esse é o ato final (com depoimentos registrados em vídeo). Se a gente comparar com uma peça de teatro, ou coisa do gênero, é o ato final da peça, o último capítulo da novela. Uma imagem fala muito pouco. A operação foi um filme. Ela tem uma sequência de imagens. Essa imagem por si só não é suficiente para comprovar a tese de que não houve pressão. Muito pelo contrário. As empresas, para vocês terem ideia, assumiram compromissos que não poderiam honrar, acordos bilionários que não representam a sua capacidade.

O STF foi importante avalista da Lava Jato no início da operação. O tribunal contribuiu, por exemplo, para a prisão de Lula, e por isso foi muito criticado por apoiadores do presidente. Anos depois, foi fundamental para a derrocada da Lava Jato. Como avalia a mudança de posicionamento do tribunal em relação à operação em um intervalo curto de tempo? Concorda com as críticas de que a Corte tem causado insegurança jurídica?

Há uma responsabilidade compartilhada de diversas instâncias do nosso sistema de Justiça, pela 13.ª Vara de Curitiba, pelo TRF da 4ª Região e também pelo Supremo Tribunal Federal, que em um primeiro momento validou a maior parte das decisões da Operação Lava Jato. Mas a gente costuma dizer no Direito, é um jargão largamente utilizado, que o Supremo tem o direito de errar por último. E o Supremo reviu as suas próprias posições, declarou a parcialidade escandalosa do ex-juiz Sérgio Moro, presente inclusive em um aspecto que é determinante, na tentativa de forçar a competência da Justiça Federal de Curitiba. Ele (Moro) criou uma espécie de juízo universal do combate à corrupção em Curitiba, tentou puxar para si a condução de todo e qualquer processo que tivesse relação com a Lava Jato. Então, o Supremo tem o direito de errar por último, mas dessa vez não errou por último. Errou bastante, errou junto com a 13.ª Vara de Curitiba e com os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, mas ainda bem reviu as suas posições e recuperou parte da credibilidade perdida pelo nosso sistema de justiça por uma ação instrumentalizada de parte dos procuradores da força-tarefa e do ex-juiz Sérgio Moro. Eles instrumentalizaram a Justiça a serviço de interesses políticos e eleitorais.

O Grupo Prerrogativas trabalhou junto ao STF para, por exemplo, a revisão do posicionamento do tribunal sobre a prisão em segunda instância. Por que o Supremo mudou de posição?

Infelizmente, em alguns momentos, alguns ministros acabam aceitando a forte pressão popular que determinados temas conseguem mobilizar. Não foi diferente no caso da presunção de inocência. O Supremo tinha uma posição, voltou atrás, na minha humilde avaliação, com o objetivo específico de permitir a prisão criminosa do presidente Lula e, depois, teve a oportunidade de rever essa decisão absolutamente equivocada e voltou atrás mais uma vez. Mas, como eu disse, o Supremo tem o direito, no nosso ordenamento jurídico, de errar por último, e dessa vez acertou. Infelizmente, isso custou 580 dias da liberdade do nosso presidente, que jamais poderá ser reparada. Nada podia justificar a prisão dele. O objetivo da operação, desde o início, era tirar o presidente Lula das eleições de 2018, pelas quais ele era franco favorito. A história do País teria sido outra se a Lava Jato não tivesse atuado da forma que atuou. Eu costumo dizer que o lavajatismo pariu o bolsonarismo. O bolsonarismo é filho de pai e mãe do lavajatismo. Eles precisam fazer uma autocrítica, já passou da hora.

Se não tivesse havido a Lava Jato, não teria havido o bolsonarismo?

Não tenho a menor dúvida. A Lava Jato elegeu um inimigo público número um, o presidente Lula, um partido político para criminalizar, o PT, e com isso abriu espaço para que aparecesse no cenário nacional um aventureiro que representa a antipolítica. O lavajatismo pariu o bolsonarismo. Se não houvesse lavajatismo no País, talvez o País ainda vivesse uma polarização saudável e bem-vinda como já teve em momentos históricos da sua democracia jovem, entre PT e PSDB.

A eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro foi um efeito colateral da Lava Jato com o qual os ministros do STF não contavam? Isso também contribuiu para que eles revissem o posicionamento em relação à operação?

É por isso que eu falo em responsabilidade compartilhada e falo isso com todo respeito. Tanto a 13.ª Vara quanto o TRF-4 e o próprio Supremo tiveram responsabilidade direta pela confirmação de decisões equivocadas, que sempre tiveram objetivos políticos e eleitorais. Se, eventualmente, o surgimento do bolsonarismo tiver sido um dos fatores determinantes para o Supremo rever as suas posições, eu me permito dizer que isso talvez não seja muito saudável, muito bem-vindo. O Supremo tem o papel importantíssimo de ser contramajoritário e, seguramente, não pode se guiar por qualquer sentimento de qualquer natureza que não seja a boa e correta aplicação da lei. Então, corrigir um equívoco a que eles próprios, de alguma forma, deram origem não me parece ser de responsabilidade do Supremo. O que se espera, agora que a Lava Jato faz dez anos, é que o Judiciário e os demais Poderes possam voltar para suas caixinhas. É o momento de reinstitucionalizar o País. Nós precisamos criar um ambiente para que os Poderes possam conviver com independência e harmonia. Isso é saudável em uma democracia.

Policiais carregam material apreendido durante a Operação Lava Jato; para Marco Aurélio Carvalho a operação poderia ter tido êxito sem tanto impacto nas empresas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O senhor defendeu a decisão do ministro Dias Toffoli que suspendeu o pagamento das parcelas do acordo de leniência da Odebrecht. Era causa para decisão cautelar e monocrática? E essa suspensão foi autorizada enquanto a construtora analisa mensagens da Operação Spoofing. Essas provas têm validade jurídica?

Havia urgência. Parte dessas empresas não tem condições de honrar com esses compromissos que foram assumidos acima das suas capacidades contributivas e, inclusive, com vícios de vontade. Os acordos, por exemplo, com o MPF são ilegais. Os acordos com a CGU e a AGU estão sendo repactuados com a direção do ministro André Mendonça. São decisões provisórias. Esse tema será melhor enfrentado pelo plenário da Corte, com a presença dos 11 ministros. As mensagens podem ser utilizadas para inocentar determinados réus. Elas devem ser usadas para isso. O que a jurisprudência não permite é que esse tipo de mensagem, que foi obtida de forma criminosa, por hackeamentos, seja utilizada para incriminar alguém. Se, eventualmente, a jurisprudência mudasse, parte desses procuradores estaria presa. O ex-juiz Sérgio Moro estaria preso. Se essas mensagens pudessem ser utilizadas para incriminar alguém, o Carlos Fernando, que teve a ousadia de dizer ao Estadão que acredita que o presidente Lula deveria estar preso, estaria preso. Ele é quem deveria estar preso e não o presidente Lula que foi perseguido por uma quadrilha.

O presidente Lula é inocente ou foi inocentado?

É e sempre foi inocente. Foi a maior vítima de uma perseguição política com objetivos eleitorais que instrumentalizou o nosso sistema de justiça e que nos faz, até hoje, ter uma imensa vergonha. Ele foi inocentado, mas ele é e sempre foi inocente, continua sendo. Não há um único fato, uma única prova que tenha permanecido em pé. Há uma falsa polêmica em relação a isso. O presidente Lula não cometeu nenhum crime. As investigações comprovaram isso. Não eram fatos típicos, não havia nenhuma conduta que pudesse ser tipificada como delituosa.

A parcialidade escandalosa do ex-juiz Sérgio Moro impediu que determinados fatos fossem examinados com mais profundidade, o que não tira do presidente a condição que ele sempre teve e continua tendo, de inocente. Ele foi perseguido por gente que, infelizmente, mercantilizou a fé pública. Parte dessas pessoas hoje está ganhando dinheiro com a fama que conseguiu.

Veja o Carlos Fernando, por exemplo, que quebrou as empresas e hoje está oferecendo às empresas serviços de compliance. E a grande ironia: todos esses sujeitos que criminalizaram a política, depois abraçaram a política e agora estão sendo escorraçados pela política. Deltan já foi cassado e é o que vai acontecer com Sérgio Moro em breve.

Vê margem para responsabilizar os agentes públicos que atuaram na Lava Jato?

O caminho natural seria a responsabilização. Isso é pedagógico. O objetivo, evidentemente, não é de vingança, de punitivismo ou coisa do gênero. Sendo punida, determinada conduta deixa de ser estimulada. Eu acho que eles têm que ser responsabilizados. Nós estamos buscando essa responsabilização em relação ao ex-juiz Sérgio Moro em ação popular. Tem um número enorme de expedientes envolvendo os procuradores no âmbito do CNMP. Praticamente todos eles respondem a algum tipo de procedimento. Alguns, para fugir desses procedimentos, anteciparam as suas aposentadorias, saíram da atividade.

O Deltan, por exemplo, só não foi punido à altura porque saiu do Ministério Público exatamente para evitar qualquer tipo de responsabilização e aí o CNMP perdeu jurisdição, as ações perderam objeto porque ele não era mais procurador. É curiosa a forma como ele fugiu da aplicação da lei, não deixa de ser irônico. Mas o caminho natural, saudável, bem-vindo seria o da responsabilização.

Fundador do grupo Prerrogativas e aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o advogado Marco Aurélio de Carvalho afirma que a Operação Lava Jato corrompeu o sistema de Justiça e teve acertos “irrisórios”. Em 2014, a Petrobras incluiu um prejuízo de R$ 6 bilhões com as irregularidades identificadas pela investigação. Carvalho era o favorito do PT para ser ministro da Justiça - vaga que ficou com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski.

Em entrevista ao Estadão, o advogado, que é filiado ao partido há 30 anos, aponta que os êxitos da operação “caberiam amplamente no chamado Princípio da Insignificância ou da Bagatela”. Isso porque, segundo ele, os prejuízos foram maiores. Carvalho se baseia em uma pesquisa de autoria da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Na avaliação do advogado, o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol são alguns dos responsáveis pelo fim da Lava Jato. “Os grandes responsáveis por esse final trágico da Lava Jato são aqueles que corromperam o sistema de Justiça, a pretexto de combater a corrupção”, diz Carvalho.

“E a grande ironia: todos esses sujeitos que criminalizaram a política, depois abraçaram a política e agora estão sendo escorraçados pela política”, complementa em referência à cassação de Deltan e ao processo que também pode levar Moro a perder o mandato.

Para o advogado, as mensagens trocadas pelos ex-integrantes da força-tarefa, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato, comprovam que a operação teve um direcionamento político.

“Se essas mensagens pudessem ser utilizadas para incriminar alguém, o Carlos Fernando, que teve a ousadia de dizer ao Estadão que acredita que o presidente Lula deveria estar preso, estaria preso. Ele é quem deveria estar preso e não o presidente Lula que foi perseguido por uma quadrilha.”

Nesta entrevista, o advogado afirma ainda que o Supremo “errou bastante” durante a operação, mas “reviu as suas posições e recuperou parte da credibilidade perdida pelo nosso sistema de Justiça”. “Infelizmente, em alguns momentos, alguns ministros acabam aceitando a forte pressão popular que determinados temas conseguem mobilizar”, declara.

Um desses momentos, lembra Marco Aurélio, foi a mudança de posicionamento sobre a prisão após condenação em segunda instância, que abriu caminho para prender Lula no caso do triplex. “O Supremo tinha uma posição, voltou atrás, na minha humilde avaliação, com o objetivo específico de permitir a prisão criminosa do presidente Lula”, critica. “Infelizmente, isso custou 580 dias da liberdade do nosso presidente, que jamais poderá ser reparada.”

A Lava Jato completou 10 anos da deflagração da primeira fase em 17 de março. Na última década, a operação mexeu no xadrez político nacional ao prender ex-presidentes e autoridades do Congresso. A investigação caiu em descrédito a partir de 2018, quando o então juiz Sérgio Moro decidiu se tornar ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PL), e em 2019, quando mensagens trocadas entre ele e Dallagnol vieram à tona.

Leia a seguir a entrevista com Marco Aurélio de Carvalho:

Ex-diretores da Petrobras fizeram delações premiadas, confessaram um esquema de propinas e devolveram R$ 279 milhões. Muitos críticos minimizam as irregularidades e questionam os métodos da operação, levantando suspeitas sobre o posicionamento político de Moro e Dallagnol. Houve corrupção na Petrobras?

Isso é uma falsa polêmica. A gente sempre foi a favor do combate à corrupção. Mas nós não podemos permitir que, a pretexto de combater a corrupção, o que é saudável e muito bem-vindo, se corrompa o sistema de Justiça. Não há a menor dúvida de que houve corrupção. Ela está sendo devidamente apurada. E agora, com a liderança dos ministros do (STF) Dias Toffoli e André Mendonça, as leniências estão sendo revistas. Eu acho que é uma oportunidade singular, depois de 10 anos, de a gente ratificar os poucos acertos da operação, que foram praticamente irrisórios. O que a gente costuma dizer no Direito é que eles caberiam amplamente no chamado Princípio da Insignificância ou da Bagatela.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas. Infelizmente, o Brasil não soube fazer isso. Destruiu setores importantes da indústria nacional, notadamente a construção civil, petróleo e gás e a indústria naval.

A Lava Jato, nesses 10 anos, deixou um legado de destruição e de miséria. Dados do Dieese, que não foram confrontados pela força-tarefa, comprovam que o País perdeu quase 5 milhões de empregos, mais precisamente 4,4 milhões. Entre 2014 e 2017, a operação foi responsável pela redução do PIB brasileiro em 3,6%. A arrecadação das empreiteiras caiu 85%.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas

Marco Aurélio Carvalho

A gente faz o reconhecimento que houve equívocos, que algumas pessoas foram responsáveis, de fato, por aquilo que foi apurado, devem ser evidentemente responsabilizadas na dimensão pessoal, como pessoas físicas. Não há a menor dúvida. Mas houve também um número enorme de excessos que precisam ser revistos. É uma operação que precisa ser registrada na história para não ser reproduzida, porque foi o maior escândalo do sistema de Justiça de uma democracia moderna.

A Petrobras registrou, em balanço, uma corrupção de R$ 6 bilhões. Em que medida isso é irrisório?

Na medida em que o País perdeu aproximadamente R$ 200 bilhões em investimentos e impostos. Para ser claro, R$ 172 bilhões deixaram de ser investidos no País entre 2014 e 2017. Mais de R$ 50 bilhões deixaram de ser arrecadados em impostos e poderiam reverter em políticas públicas para a erradicação da fome e da miséria, para a geração de empregos, oportunidade de distribuição de riqueza, distribuição mais igualitária de renda. Isso não justifica, evidentemente, qualquer malfeito. O que houve foi um comissionamento criminoso de alguns de seus diretores, que tem que ser apurado, valores que foram devolvidos. Mas não houve sobrepreço. A Petrobras precisa, inclusive, revisitar esses conceitos, seria importante. Acho que é pedagógico para o País a gente saber do que se trata. Foram pagas comissões indevidas, de fato houve corrupção, isso precisa ser reconhecido, e as pessoas foram responsabilizadas, sobretudo alguns diretores. Não há a menor dúvida quanto a isso.

Marco Aurélio Carvalho, aliado do presidente Lula, é bastante crítico em relação à operação Lava Jato Foto: Silvana Garzaro /ESTADAO

Esses números que o senhor cita são de um estudo de autoria da CUT e do Dieese?

O estudo do Dieese, na verdade. O estudo foi feito pelo Dieese e não foi confrontado pela força-tarefa. Nem o Deltan teve a ousadia de confrontar nem o próprio ex-juiz Sérgio Moro. Os dados são bem objetivos, tem metodologia científica, não é um estudo parcial. É um instituto extremamente sério, conceituado, que inclusive é utilizado por diversos jornais. Ninguém está dizendo que a corrupção não tem que ser combatida, mas nós temos que preservar a indústria nacional.

Os problemas econômicos do País são culpa da Lava Jato?

Os procuradores, de modo geral, agiram de forma absolutamente irresponsável, atendendo a interesses econômicos não nacionais. Existiam interesses norte-americanos que estavam guiando esses acordos. Os grandes responsáveis por esse final trágico da Lava Jato são aqueles que corromperam o sistema de Justiça, a pretexto de combater a corrupção. Se tivessem combatido a corrupção de forma saudável, dentro das 4 linhas, preservando a geração de empregos, preservando a indústria nacional e responsabilizando os gestores, na dimensão pessoal, evidentemente com multas pesadas também para cada uma dessas empresas, mas compatíveis com as suas arrecadações com os fatos que foram narrados, nós teríamos outra realidade no Brasil. Eles são, portanto, os responsáveis.

Em 2014, o governo Dilma enfrentava problemas na economia, havia aumento da inflação. As decisões econômicas do governo não contribuíram com o quadro que o senhor descreve?

Sem dúvida nenhuma, mas em outros setores. Isso já está pacificado. Independentemente de outros fatores, há uma grande responsabilidade dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato e do então juiz Sérgio Moro. Claro que existem outros fatores macroeconômicos, circunstâncias, inclusive, internacionais que afetaram o Brasil, mas a responsabilidade por esse problema gravíssimo pelo qual o País passou entre 2014 e 2017 e, seguramente até os dias de hoje, é da Lava Jato.

A Lava Jato acertou em algum ponto?

Identificar a ação criminosa de alguns diretores da Petrobras que atuaram à margem da lei. Isso a gente tem que reconhecer. Para além disso, num primeiro momento, a Lava Jato projetou na população, de maneira geral, a sensação de que não haveria qualquer tipo de intocabilidade de qualquer setor em relação à persecução penal estatal. Ela conseguiu, num primeiro momento, passar a impressão de que no Brasil ninguém estava blindado, ninguém estava acima da lei, ninguém tinha qualquer tipo de proteção. Isso foi importante, porque nós vivemos em um País onde o alvo preferencial da Justiça Penal é seletiva. É a população pobre, preta e periférica. Essa é a população que superlota os presídios. Infelizmente, pela ação messiânica com objetivos políticos e eleitorais dos procuradores da força-tarefa e também pela irresponsabilidade e ação criminosa e parcial do ex-juiz Sérgio Moro, a operação se perdeu.

Críticos da Lava Jato afirmavam que a operação prendia preventivamente para forçar os investigados a delatarem. O tenente-coronel Mauro Cid foi preso preventivamente e solto após fechar uma delação. O caso dele se assemelha ao dos empreiteiros da Lava Jato?

Coerência é um valor fundamental, do qual o grupo Prerrogativas e o campo progressista não abrem mão. Nós continuamos achando que a melhor forma de se fazer delação não é com réu preso. Eu discordo do método. Eu não acho que a delação premiada deva ser vulgarizada. Instrumento extremamente importante, mas deve ser utilizado com muita seriedade. A melhor forma de se obter uma delação é com o réu solto. Até porque, para (fazer) a delação, existe pressuposto fundamental que é a espontaneidade, a voluntariedade. O sujeito ser obrigado a fazer a delação, ser torturado como foi na Lava Jato, a maior parte dos réus, é algo absolutamente reprovável, questionável e se for reproduzido contra quem quer que seja, nós vamos combater.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas.

Marco Aurélio Carvalho

Nós vamos ser coerentes e dizer que está errado. A gente não quer uma aplicação seletiva do Direito Penal, que o Direito Penal seja mais brando com os nossos colegas e mais duro com os nossos adversários. A gente não defende a aplicação seletiva do Direito Penal. Portanto, sou contra a vulgarização do instituto da delação premiada, que é importante, mas foi muito mal utilizado. Se hoje está sendo utilizado dessa forma, é porque foi no passado pela turma de Curitiba. É mais um legado perverso que essa organização política com objetivos eleitorais deixou para o País.

Os delatores da Odebrecht nunca denunciaram assédio, por exemplo. Os registros dos depoimentos mostram depoentes à vontade, inclusive sorridentes. Em que momento houve tortura na Lava Jato?

Na verdade, esse é o ato final (com depoimentos registrados em vídeo). Se a gente comparar com uma peça de teatro, ou coisa do gênero, é o ato final da peça, o último capítulo da novela. Uma imagem fala muito pouco. A operação foi um filme. Ela tem uma sequência de imagens. Essa imagem por si só não é suficiente para comprovar a tese de que não houve pressão. Muito pelo contrário. As empresas, para vocês terem ideia, assumiram compromissos que não poderiam honrar, acordos bilionários que não representam a sua capacidade.

O STF foi importante avalista da Lava Jato no início da operação. O tribunal contribuiu, por exemplo, para a prisão de Lula, e por isso foi muito criticado por apoiadores do presidente. Anos depois, foi fundamental para a derrocada da Lava Jato. Como avalia a mudança de posicionamento do tribunal em relação à operação em um intervalo curto de tempo? Concorda com as críticas de que a Corte tem causado insegurança jurídica?

Há uma responsabilidade compartilhada de diversas instâncias do nosso sistema de Justiça, pela 13.ª Vara de Curitiba, pelo TRF da 4ª Região e também pelo Supremo Tribunal Federal, que em um primeiro momento validou a maior parte das decisões da Operação Lava Jato. Mas a gente costuma dizer no Direito, é um jargão largamente utilizado, que o Supremo tem o direito de errar por último. E o Supremo reviu as suas próprias posições, declarou a parcialidade escandalosa do ex-juiz Sérgio Moro, presente inclusive em um aspecto que é determinante, na tentativa de forçar a competência da Justiça Federal de Curitiba. Ele (Moro) criou uma espécie de juízo universal do combate à corrupção em Curitiba, tentou puxar para si a condução de todo e qualquer processo que tivesse relação com a Lava Jato. Então, o Supremo tem o direito de errar por último, mas dessa vez não errou por último. Errou bastante, errou junto com a 13.ª Vara de Curitiba e com os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, mas ainda bem reviu as suas posições e recuperou parte da credibilidade perdida pelo nosso sistema de justiça por uma ação instrumentalizada de parte dos procuradores da força-tarefa e do ex-juiz Sérgio Moro. Eles instrumentalizaram a Justiça a serviço de interesses políticos e eleitorais.

O Grupo Prerrogativas trabalhou junto ao STF para, por exemplo, a revisão do posicionamento do tribunal sobre a prisão em segunda instância. Por que o Supremo mudou de posição?

Infelizmente, em alguns momentos, alguns ministros acabam aceitando a forte pressão popular que determinados temas conseguem mobilizar. Não foi diferente no caso da presunção de inocência. O Supremo tinha uma posição, voltou atrás, na minha humilde avaliação, com o objetivo específico de permitir a prisão criminosa do presidente Lula e, depois, teve a oportunidade de rever essa decisão absolutamente equivocada e voltou atrás mais uma vez. Mas, como eu disse, o Supremo tem o direito, no nosso ordenamento jurídico, de errar por último, e dessa vez acertou. Infelizmente, isso custou 580 dias da liberdade do nosso presidente, que jamais poderá ser reparada. Nada podia justificar a prisão dele. O objetivo da operação, desde o início, era tirar o presidente Lula das eleições de 2018, pelas quais ele era franco favorito. A história do País teria sido outra se a Lava Jato não tivesse atuado da forma que atuou. Eu costumo dizer que o lavajatismo pariu o bolsonarismo. O bolsonarismo é filho de pai e mãe do lavajatismo. Eles precisam fazer uma autocrítica, já passou da hora.

Se não tivesse havido a Lava Jato, não teria havido o bolsonarismo?

Não tenho a menor dúvida. A Lava Jato elegeu um inimigo público número um, o presidente Lula, um partido político para criminalizar, o PT, e com isso abriu espaço para que aparecesse no cenário nacional um aventureiro que representa a antipolítica. O lavajatismo pariu o bolsonarismo. Se não houvesse lavajatismo no País, talvez o País ainda vivesse uma polarização saudável e bem-vinda como já teve em momentos históricos da sua democracia jovem, entre PT e PSDB.

A eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro foi um efeito colateral da Lava Jato com o qual os ministros do STF não contavam? Isso também contribuiu para que eles revissem o posicionamento em relação à operação?

É por isso que eu falo em responsabilidade compartilhada e falo isso com todo respeito. Tanto a 13.ª Vara quanto o TRF-4 e o próprio Supremo tiveram responsabilidade direta pela confirmação de decisões equivocadas, que sempre tiveram objetivos políticos e eleitorais. Se, eventualmente, o surgimento do bolsonarismo tiver sido um dos fatores determinantes para o Supremo rever as suas posições, eu me permito dizer que isso talvez não seja muito saudável, muito bem-vindo. O Supremo tem o papel importantíssimo de ser contramajoritário e, seguramente, não pode se guiar por qualquer sentimento de qualquer natureza que não seja a boa e correta aplicação da lei. Então, corrigir um equívoco a que eles próprios, de alguma forma, deram origem não me parece ser de responsabilidade do Supremo. O que se espera, agora que a Lava Jato faz dez anos, é que o Judiciário e os demais Poderes possam voltar para suas caixinhas. É o momento de reinstitucionalizar o País. Nós precisamos criar um ambiente para que os Poderes possam conviver com independência e harmonia. Isso é saudável em uma democracia.

Policiais carregam material apreendido durante a Operação Lava Jato; para Marco Aurélio Carvalho a operação poderia ter tido êxito sem tanto impacto nas empresas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O senhor defendeu a decisão do ministro Dias Toffoli que suspendeu o pagamento das parcelas do acordo de leniência da Odebrecht. Era causa para decisão cautelar e monocrática? E essa suspensão foi autorizada enquanto a construtora analisa mensagens da Operação Spoofing. Essas provas têm validade jurídica?

Havia urgência. Parte dessas empresas não tem condições de honrar com esses compromissos que foram assumidos acima das suas capacidades contributivas e, inclusive, com vícios de vontade. Os acordos, por exemplo, com o MPF são ilegais. Os acordos com a CGU e a AGU estão sendo repactuados com a direção do ministro André Mendonça. São decisões provisórias. Esse tema será melhor enfrentado pelo plenário da Corte, com a presença dos 11 ministros. As mensagens podem ser utilizadas para inocentar determinados réus. Elas devem ser usadas para isso. O que a jurisprudência não permite é que esse tipo de mensagem, que foi obtida de forma criminosa, por hackeamentos, seja utilizada para incriminar alguém. Se, eventualmente, a jurisprudência mudasse, parte desses procuradores estaria presa. O ex-juiz Sérgio Moro estaria preso. Se essas mensagens pudessem ser utilizadas para incriminar alguém, o Carlos Fernando, que teve a ousadia de dizer ao Estadão que acredita que o presidente Lula deveria estar preso, estaria preso. Ele é quem deveria estar preso e não o presidente Lula que foi perseguido por uma quadrilha.

O presidente Lula é inocente ou foi inocentado?

É e sempre foi inocente. Foi a maior vítima de uma perseguição política com objetivos eleitorais que instrumentalizou o nosso sistema de justiça e que nos faz, até hoje, ter uma imensa vergonha. Ele foi inocentado, mas ele é e sempre foi inocente, continua sendo. Não há um único fato, uma única prova que tenha permanecido em pé. Há uma falsa polêmica em relação a isso. O presidente Lula não cometeu nenhum crime. As investigações comprovaram isso. Não eram fatos típicos, não havia nenhuma conduta que pudesse ser tipificada como delituosa.

A parcialidade escandalosa do ex-juiz Sérgio Moro impediu que determinados fatos fossem examinados com mais profundidade, o que não tira do presidente a condição que ele sempre teve e continua tendo, de inocente. Ele foi perseguido por gente que, infelizmente, mercantilizou a fé pública. Parte dessas pessoas hoje está ganhando dinheiro com a fama que conseguiu.

Veja o Carlos Fernando, por exemplo, que quebrou as empresas e hoje está oferecendo às empresas serviços de compliance. E a grande ironia: todos esses sujeitos que criminalizaram a política, depois abraçaram a política e agora estão sendo escorraçados pela política. Deltan já foi cassado e é o que vai acontecer com Sérgio Moro em breve.

Vê margem para responsabilizar os agentes públicos que atuaram na Lava Jato?

O caminho natural seria a responsabilização. Isso é pedagógico. O objetivo, evidentemente, não é de vingança, de punitivismo ou coisa do gênero. Sendo punida, determinada conduta deixa de ser estimulada. Eu acho que eles têm que ser responsabilizados. Nós estamos buscando essa responsabilização em relação ao ex-juiz Sérgio Moro em ação popular. Tem um número enorme de expedientes envolvendo os procuradores no âmbito do CNMP. Praticamente todos eles respondem a algum tipo de procedimento. Alguns, para fugir desses procedimentos, anteciparam as suas aposentadorias, saíram da atividade.

O Deltan, por exemplo, só não foi punido à altura porque saiu do Ministério Público exatamente para evitar qualquer tipo de responsabilização e aí o CNMP perdeu jurisdição, as ações perderam objeto porque ele não era mais procurador. É curiosa a forma como ele fugiu da aplicação da lei, não deixa de ser irônico. Mas o caminho natural, saudável, bem-vindo seria o da responsabilização.

Fundador do grupo Prerrogativas e aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o advogado Marco Aurélio de Carvalho afirma que a Operação Lava Jato corrompeu o sistema de Justiça e teve acertos “irrisórios”. Em 2014, a Petrobras incluiu um prejuízo de R$ 6 bilhões com as irregularidades identificadas pela investigação. Carvalho era o favorito do PT para ser ministro da Justiça - vaga que ficou com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski.

Em entrevista ao Estadão, o advogado, que é filiado ao partido há 30 anos, aponta que os êxitos da operação “caberiam amplamente no chamado Princípio da Insignificância ou da Bagatela”. Isso porque, segundo ele, os prejuízos foram maiores. Carvalho se baseia em uma pesquisa de autoria da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Na avaliação do advogado, o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol são alguns dos responsáveis pelo fim da Lava Jato. “Os grandes responsáveis por esse final trágico da Lava Jato são aqueles que corromperam o sistema de Justiça, a pretexto de combater a corrupção”, diz Carvalho.

“E a grande ironia: todos esses sujeitos que criminalizaram a política, depois abraçaram a política e agora estão sendo escorraçados pela política”, complementa em referência à cassação de Deltan e ao processo que também pode levar Moro a perder o mandato.

Para o advogado, as mensagens trocadas pelos ex-integrantes da força-tarefa, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato, comprovam que a operação teve um direcionamento político.

“Se essas mensagens pudessem ser utilizadas para incriminar alguém, o Carlos Fernando, que teve a ousadia de dizer ao Estadão que acredita que o presidente Lula deveria estar preso, estaria preso. Ele é quem deveria estar preso e não o presidente Lula que foi perseguido por uma quadrilha.”

Nesta entrevista, o advogado afirma ainda que o Supremo “errou bastante” durante a operação, mas “reviu as suas posições e recuperou parte da credibilidade perdida pelo nosso sistema de Justiça”. “Infelizmente, em alguns momentos, alguns ministros acabam aceitando a forte pressão popular que determinados temas conseguem mobilizar”, declara.

Um desses momentos, lembra Marco Aurélio, foi a mudança de posicionamento sobre a prisão após condenação em segunda instância, que abriu caminho para prender Lula no caso do triplex. “O Supremo tinha uma posição, voltou atrás, na minha humilde avaliação, com o objetivo específico de permitir a prisão criminosa do presidente Lula”, critica. “Infelizmente, isso custou 580 dias da liberdade do nosso presidente, que jamais poderá ser reparada.”

A Lava Jato completou 10 anos da deflagração da primeira fase em 17 de março. Na última década, a operação mexeu no xadrez político nacional ao prender ex-presidentes e autoridades do Congresso. A investigação caiu em descrédito a partir de 2018, quando o então juiz Sérgio Moro decidiu se tornar ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PL), e em 2019, quando mensagens trocadas entre ele e Dallagnol vieram à tona.

Leia a seguir a entrevista com Marco Aurélio de Carvalho:

Ex-diretores da Petrobras fizeram delações premiadas, confessaram um esquema de propinas e devolveram R$ 279 milhões. Muitos críticos minimizam as irregularidades e questionam os métodos da operação, levantando suspeitas sobre o posicionamento político de Moro e Dallagnol. Houve corrupção na Petrobras?

Isso é uma falsa polêmica. A gente sempre foi a favor do combate à corrupção. Mas nós não podemos permitir que, a pretexto de combater a corrupção, o que é saudável e muito bem-vindo, se corrompa o sistema de Justiça. Não há a menor dúvida de que houve corrupção. Ela está sendo devidamente apurada. E agora, com a liderança dos ministros do (STF) Dias Toffoli e André Mendonça, as leniências estão sendo revistas. Eu acho que é uma oportunidade singular, depois de 10 anos, de a gente ratificar os poucos acertos da operação, que foram praticamente irrisórios. O que a gente costuma dizer no Direito é que eles caberiam amplamente no chamado Princípio da Insignificância ou da Bagatela.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas. Infelizmente, o Brasil não soube fazer isso. Destruiu setores importantes da indústria nacional, notadamente a construção civil, petróleo e gás e a indústria naval.

A Lava Jato, nesses 10 anos, deixou um legado de destruição e de miséria. Dados do Dieese, que não foram confrontados pela força-tarefa, comprovam que o País perdeu quase 5 milhões de empregos, mais precisamente 4,4 milhões. Entre 2014 e 2017, a operação foi responsável pela redução do PIB brasileiro em 3,6%. A arrecadação das empreiteiras caiu 85%.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas

Marco Aurélio Carvalho

A gente faz o reconhecimento que houve equívocos, que algumas pessoas foram responsáveis, de fato, por aquilo que foi apurado, devem ser evidentemente responsabilizadas na dimensão pessoal, como pessoas físicas. Não há a menor dúvida. Mas houve também um número enorme de excessos que precisam ser revistos. É uma operação que precisa ser registrada na história para não ser reproduzida, porque foi o maior escândalo do sistema de Justiça de uma democracia moderna.

A Petrobras registrou, em balanço, uma corrupção de R$ 6 bilhões. Em que medida isso é irrisório?

Na medida em que o País perdeu aproximadamente R$ 200 bilhões em investimentos e impostos. Para ser claro, R$ 172 bilhões deixaram de ser investidos no País entre 2014 e 2017. Mais de R$ 50 bilhões deixaram de ser arrecadados em impostos e poderiam reverter em políticas públicas para a erradicação da fome e da miséria, para a geração de empregos, oportunidade de distribuição de riqueza, distribuição mais igualitária de renda. Isso não justifica, evidentemente, qualquer malfeito. O que houve foi um comissionamento criminoso de alguns de seus diretores, que tem que ser apurado, valores que foram devolvidos. Mas não houve sobrepreço. A Petrobras precisa, inclusive, revisitar esses conceitos, seria importante. Acho que é pedagógico para o País a gente saber do que se trata. Foram pagas comissões indevidas, de fato houve corrupção, isso precisa ser reconhecido, e as pessoas foram responsabilizadas, sobretudo alguns diretores. Não há a menor dúvida quanto a isso.

Marco Aurélio Carvalho, aliado do presidente Lula, é bastante crítico em relação à operação Lava Jato Foto: Silvana Garzaro /ESTADAO

Esses números que o senhor cita são de um estudo de autoria da CUT e do Dieese?

O estudo do Dieese, na verdade. O estudo foi feito pelo Dieese e não foi confrontado pela força-tarefa. Nem o Deltan teve a ousadia de confrontar nem o próprio ex-juiz Sérgio Moro. Os dados são bem objetivos, tem metodologia científica, não é um estudo parcial. É um instituto extremamente sério, conceituado, que inclusive é utilizado por diversos jornais. Ninguém está dizendo que a corrupção não tem que ser combatida, mas nós temos que preservar a indústria nacional.

Os problemas econômicos do País são culpa da Lava Jato?

Os procuradores, de modo geral, agiram de forma absolutamente irresponsável, atendendo a interesses econômicos não nacionais. Existiam interesses norte-americanos que estavam guiando esses acordos. Os grandes responsáveis por esse final trágico da Lava Jato são aqueles que corromperam o sistema de Justiça, a pretexto de combater a corrupção. Se tivessem combatido a corrupção de forma saudável, dentro das 4 linhas, preservando a geração de empregos, preservando a indústria nacional e responsabilizando os gestores, na dimensão pessoal, evidentemente com multas pesadas também para cada uma dessas empresas, mas compatíveis com as suas arrecadações com os fatos que foram narrados, nós teríamos outra realidade no Brasil. Eles são, portanto, os responsáveis.

Em 2014, o governo Dilma enfrentava problemas na economia, havia aumento da inflação. As decisões econômicas do governo não contribuíram com o quadro que o senhor descreve?

Sem dúvida nenhuma, mas em outros setores. Isso já está pacificado. Independentemente de outros fatores, há uma grande responsabilidade dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato e do então juiz Sérgio Moro. Claro que existem outros fatores macroeconômicos, circunstâncias, inclusive, internacionais que afetaram o Brasil, mas a responsabilidade por esse problema gravíssimo pelo qual o País passou entre 2014 e 2017 e, seguramente até os dias de hoje, é da Lava Jato.

A Lava Jato acertou em algum ponto?

Identificar a ação criminosa de alguns diretores da Petrobras que atuaram à margem da lei. Isso a gente tem que reconhecer. Para além disso, num primeiro momento, a Lava Jato projetou na população, de maneira geral, a sensação de que não haveria qualquer tipo de intocabilidade de qualquer setor em relação à persecução penal estatal. Ela conseguiu, num primeiro momento, passar a impressão de que no Brasil ninguém estava blindado, ninguém estava acima da lei, ninguém tinha qualquer tipo de proteção. Isso foi importante, porque nós vivemos em um País onde o alvo preferencial da Justiça Penal é seletiva. É a população pobre, preta e periférica. Essa é a população que superlota os presídios. Infelizmente, pela ação messiânica com objetivos políticos e eleitorais dos procuradores da força-tarefa e também pela irresponsabilidade e ação criminosa e parcial do ex-juiz Sérgio Moro, a operação se perdeu.

Críticos da Lava Jato afirmavam que a operação prendia preventivamente para forçar os investigados a delatarem. O tenente-coronel Mauro Cid foi preso preventivamente e solto após fechar uma delação. O caso dele se assemelha ao dos empreiteiros da Lava Jato?

Coerência é um valor fundamental, do qual o grupo Prerrogativas e o campo progressista não abrem mão. Nós continuamos achando que a melhor forma de se fazer delação não é com réu preso. Eu discordo do método. Eu não acho que a delação premiada deva ser vulgarizada. Instrumento extremamente importante, mas deve ser utilizado com muita seriedade. A melhor forma de se obter uma delação é com o réu solto. Até porque, para (fazer) a delação, existe pressuposto fundamental que é a espontaneidade, a voluntariedade. O sujeito ser obrigado a fazer a delação, ser torturado como foi na Lava Jato, a maior parte dos réus, é algo absolutamente reprovável, questionável e se for reproduzido contra quem quer que seja, nós vamos combater.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas.

Marco Aurélio Carvalho

Nós vamos ser coerentes e dizer que está errado. A gente não quer uma aplicação seletiva do Direito Penal, que o Direito Penal seja mais brando com os nossos colegas e mais duro com os nossos adversários. A gente não defende a aplicação seletiva do Direito Penal. Portanto, sou contra a vulgarização do instituto da delação premiada, que é importante, mas foi muito mal utilizado. Se hoje está sendo utilizado dessa forma, é porque foi no passado pela turma de Curitiba. É mais um legado perverso que essa organização política com objetivos eleitorais deixou para o País.

Os delatores da Odebrecht nunca denunciaram assédio, por exemplo. Os registros dos depoimentos mostram depoentes à vontade, inclusive sorridentes. Em que momento houve tortura na Lava Jato?

Na verdade, esse é o ato final (com depoimentos registrados em vídeo). Se a gente comparar com uma peça de teatro, ou coisa do gênero, é o ato final da peça, o último capítulo da novela. Uma imagem fala muito pouco. A operação foi um filme. Ela tem uma sequência de imagens. Essa imagem por si só não é suficiente para comprovar a tese de que não houve pressão. Muito pelo contrário. As empresas, para vocês terem ideia, assumiram compromissos que não poderiam honrar, acordos bilionários que não representam a sua capacidade.

O STF foi importante avalista da Lava Jato no início da operação. O tribunal contribuiu, por exemplo, para a prisão de Lula, e por isso foi muito criticado por apoiadores do presidente. Anos depois, foi fundamental para a derrocada da Lava Jato. Como avalia a mudança de posicionamento do tribunal em relação à operação em um intervalo curto de tempo? Concorda com as críticas de que a Corte tem causado insegurança jurídica?

Há uma responsabilidade compartilhada de diversas instâncias do nosso sistema de Justiça, pela 13.ª Vara de Curitiba, pelo TRF da 4ª Região e também pelo Supremo Tribunal Federal, que em um primeiro momento validou a maior parte das decisões da Operação Lava Jato. Mas a gente costuma dizer no Direito, é um jargão largamente utilizado, que o Supremo tem o direito de errar por último. E o Supremo reviu as suas próprias posições, declarou a parcialidade escandalosa do ex-juiz Sérgio Moro, presente inclusive em um aspecto que é determinante, na tentativa de forçar a competência da Justiça Federal de Curitiba. Ele (Moro) criou uma espécie de juízo universal do combate à corrupção em Curitiba, tentou puxar para si a condução de todo e qualquer processo que tivesse relação com a Lava Jato. Então, o Supremo tem o direito de errar por último, mas dessa vez não errou por último. Errou bastante, errou junto com a 13.ª Vara de Curitiba e com os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, mas ainda bem reviu as suas posições e recuperou parte da credibilidade perdida pelo nosso sistema de justiça por uma ação instrumentalizada de parte dos procuradores da força-tarefa e do ex-juiz Sérgio Moro. Eles instrumentalizaram a Justiça a serviço de interesses políticos e eleitorais.

O Grupo Prerrogativas trabalhou junto ao STF para, por exemplo, a revisão do posicionamento do tribunal sobre a prisão em segunda instância. Por que o Supremo mudou de posição?

Infelizmente, em alguns momentos, alguns ministros acabam aceitando a forte pressão popular que determinados temas conseguem mobilizar. Não foi diferente no caso da presunção de inocência. O Supremo tinha uma posição, voltou atrás, na minha humilde avaliação, com o objetivo específico de permitir a prisão criminosa do presidente Lula e, depois, teve a oportunidade de rever essa decisão absolutamente equivocada e voltou atrás mais uma vez. Mas, como eu disse, o Supremo tem o direito, no nosso ordenamento jurídico, de errar por último, e dessa vez acertou. Infelizmente, isso custou 580 dias da liberdade do nosso presidente, que jamais poderá ser reparada. Nada podia justificar a prisão dele. O objetivo da operação, desde o início, era tirar o presidente Lula das eleições de 2018, pelas quais ele era franco favorito. A história do País teria sido outra se a Lava Jato não tivesse atuado da forma que atuou. Eu costumo dizer que o lavajatismo pariu o bolsonarismo. O bolsonarismo é filho de pai e mãe do lavajatismo. Eles precisam fazer uma autocrítica, já passou da hora.

Se não tivesse havido a Lava Jato, não teria havido o bolsonarismo?

Não tenho a menor dúvida. A Lava Jato elegeu um inimigo público número um, o presidente Lula, um partido político para criminalizar, o PT, e com isso abriu espaço para que aparecesse no cenário nacional um aventureiro que representa a antipolítica. O lavajatismo pariu o bolsonarismo. Se não houvesse lavajatismo no País, talvez o País ainda vivesse uma polarização saudável e bem-vinda como já teve em momentos históricos da sua democracia jovem, entre PT e PSDB.

A eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro foi um efeito colateral da Lava Jato com o qual os ministros do STF não contavam? Isso também contribuiu para que eles revissem o posicionamento em relação à operação?

É por isso que eu falo em responsabilidade compartilhada e falo isso com todo respeito. Tanto a 13.ª Vara quanto o TRF-4 e o próprio Supremo tiveram responsabilidade direta pela confirmação de decisões equivocadas, que sempre tiveram objetivos políticos e eleitorais. Se, eventualmente, o surgimento do bolsonarismo tiver sido um dos fatores determinantes para o Supremo rever as suas posições, eu me permito dizer que isso talvez não seja muito saudável, muito bem-vindo. O Supremo tem o papel importantíssimo de ser contramajoritário e, seguramente, não pode se guiar por qualquer sentimento de qualquer natureza que não seja a boa e correta aplicação da lei. Então, corrigir um equívoco a que eles próprios, de alguma forma, deram origem não me parece ser de responsabilidade do Supremo. O que se espera, agora que a Lava Jato faz dez anos, é que o Judiciário e os demais Poderes possam voltar para suas caixinhas. É o momento de reinstitucionalizar o País. Nós precisamos criar um ambiente para que os Poderes possam conviver com independência e harmonia. Isso é saudável em uma democracia.

Policiais carregam material apreendido durante a Operação Lava Jato; para Marco Aurélio Carvalho a operação poderia ter tido êxito sem tanto impacto nas empresas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O senhor defendeu a decisão do ministro Dias Toffoli que suspendeu o pagamento das parcelas do acordo de leniência da Odebrecht. Era causa para decisão cautelar e monocrática? E essa suspensão foi autorizada enquanto a construtora analisa mensagens da Operação Spoofing. Essas provas têm validade jurídica?

Havia urgência. Parte dessas empresas não tem condições de honrar com esses compromissos que foram assumidos acima das suas capacidades contributivas e, inclusive, com vícios de vontade. Os acordos, por exemplo, com o MPF são ilegais. Os acordos com a CGU e a AGU estão sendo repactuados com a direção do ministro André Mendonça. São decisões provisórias. Esse tema será melhor enfrentado pelo plenário da Corte, com a presença dos 11 ministros. As mensagens podem ser utilizadas para inocentar determinados réus. Elas devem ser usadas para isso. O que a jurisprudência não permite é que esse tipo de mensagem, que foi obtida de forma criminosa, por hackeamentos, seja utilizada para incriminar alguém. Se, eventualmente, a jurisprudência mudasse, parte desses procuradores estaria presa. O ex-juiz Sérgio Moro estaria preso. Se essas mensagens pudessem ser utilizadas para incriminar alguém, o Carlos Fernando, que teve a ousadia de dizer ao Estadão que acredita que o presidente Lula deveria estar preso, estaria preso. Ele é quem deveria estar preso e não o presidente Lula que foi perseguido por uma quadrilha.

O presidente Lula é inocente ou foi inocentado?

É e sempre foi inocente. Foi a maior vítima de uma perseguição política com objetivos eleitorais que instrumentalizou o nosso sistema de justiça e que nos faz, até hoje, ter uma imensa vergonha. Ele foi inocentado, mas ele é e sempre foi inocente, continua sendo. Não há um único fato, uma única prova que tenha permanecido em pé. Há uma falsa polêmica em relação a isso. O presidente Lula não cometeu nenhum crime. As investigações comprovaram isso. Não eram fatos típicos, não havia nenhuma conduta que pudesse ser tipificada como delituosa.

A parcialidade escandalosa do ex-juiz Sérgio Moro impediu que determinados fatos fossem examinados com mais profundidade, o que não tira do presidente a condição que ele sempre teve e continua tendo, de inocente. Ele foi perseguido por gente que, infelizmente, mercantilizou a fé pública. Parte dessas pessoas hoje está ganhando dinheiro com a fama que conseguiu.

Veja o Carlos Fernando, por exemplo, que quebrou as empresas e hoje está oferecendo às empresas serviços de compliance. E a grande ironia: todos esses sujeitos que criminalizaram a política, depois abraçaram a política e agora estão sendo escorraçados pela política. Deltan já foi cassado e é o que vai acontecer com Sérgio Moro em breve.

Vê margem para responsabilizar os agentes públicos que atuaram na Lava Jato?

O caminho natural seria a responsabilização. Isso é pedagógico. O objetivo, evidentemente, não é de vingança, de punitivismo ou coisa do gênero. Sendo punida, determinada conduta deixa de ser estimulada. Eu acho que eles têm que ser responsabilizados. Nós estamos buscando essa responsabilização em relação ao ex-juiz Sérgio Moro em ação popular. Tem um número enorme de expedientes envolvendo os procuradores no âmbito do CNMP. Praticamente todos eles respondem a algum tipo de procedimento. Alguns, para fugir desses procedimentos, anteciparam as suas aposentadorias, saíram da atividade.

O Deltan, por exemplo, só não foi punido à altura porque saiu do Ministério Público exatamente para evitar qualquer tipo de responsabilização e aí o CNMP perdeu jurisdição, as ações perderam objeto porque ele não era mais procurador. É curiosa a forma como ele fugiu da aplicação da lei, não deixa de ser irônico. Mas o caminho natural, saudável, bem-vindo seria o da responsabilização.

Fundador do grupo Prerrogativas e aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o advogado Marco Aurélio de Carvalho afirma que a Operação Lava Jato corrompeu o sistema de Justiça e teve acertos “irrisórios”. Em 2014, a Petrobras incluiu um prejuízo de R$ 6 bilhões com as irregularidades identificadas pela investigação. Carvalho era o favorito do PT para ser ministro da Justiça - vaga que ficou com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski.

Em entrevista ao Estadão, o advogado, que é filiado ao partido há 30 anos, aponta que os êxitos da operação “caberiam amplamente no chamado Princípio da Insignificância ou da Bagatela”. Isso porque, segundo ele, os prejuízos foram maiores. Carvalho se baseia em uma pesquisa de autoria da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Na avaliação do advogado, o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol são alguns dos responsáveis pelo fim da Lava Jato. “Os grandes responsáveis por esse final trágico da Lava Jato são aqueles que corromperam o sistema de Justiça, a pretexto de combater a corrupção”, diz Carvalho.

“E a grande ironia: todos esses sujeitos que criminalizaram a política, depois abraçaram a política e agora estão sendo escorraçados pela política”, complementa em referência à cassação de Deltan e ao processo que também pode levar Moro a perder o mandato.

Para o advogado, as mensagens trocadas pelos ex-integrantes da força-tarefa, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato, comprovam que a operação teve um direcionamento político.

“Se essas mensagens pudessem ser utilizadas para incriminar alguém, o Carlos Fernando, que teve a ousadia de dizer ao Estadão que acredita que o presidente Lula deveria estar preso, estaria preso. Ele é quem deveria estar preso e não o presidente Lula que foi perseguido por uma quadrilha.”

Nesta entrevista, o advogado afirma ainda que o Supremo “errou bastante” durante a operação, mas “reviu as suas posições e recuperou parte da credibilidade perdida pelo nosso sistema de Justiça”. “Infelizmente, em alguns momentos, alguns ministros acabam aceitando a forte pressão popular que determinados temas conseguem mobilizar”, declara.

Um desses momentos, lembra Marco Aurélio, foi a mudança de posicionamento sobre a prisão após condenação em segunda instância, que abriu caminho para prender Lula no caso do triplex. “O Supremo tinha uma posição, voltou atrás, na minha humilde avaliação, com o objetivo específico de permitir a prisão criminosa do presidente Lula”, critica. “Infelizmente, isso custou 580 dias da liberdade do nosso presidente, que jamais poderá ser reparada.”

A Lava Jato completou 10 anos da deflagração da primeira fase em 17 de março. Na última década, a operação mexeu no xadrez político nacional ao prender ex-presidentes e autoridades do Congresso. A investigação caiu em descrédito a partir de 2018, quando o então juiz Sérgio Moro decidiu se tornar ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PL), e em 2019, quando mensagens trocadas entre ele e Dallagnol vieram à tona.

Leia a seguir a entrevista com Marco Aurélio de Carvalho:

Ex-diretores da Petrobras fizeram delações premiadas, confessaram um esquema de propinas e devolveram R$ 279 milhões. Muitos críticos minimizam as irregularidades e questionam os métodos da operação, levantando suspeitas sobre o posicionamento político de Moro e Dallagnol. Houve corrupção na Petrobras?

Isso é uma falsa polêmica. A gente sempre foi a favor do combate à corrupção. Mas nós não podemos permitir que, a pretexto de combater a corrupção, o que é saudável e muito bem-vindo, se corrompa o sistema de Justiça. Não há a menor dúvida de que houve corrupção. Ela está sendo devidamente apurada. E agora, com a liderança dos ministros do (STF) Dias Toffoli e André Mendonça, as leniências estão sendo revistas. Eu acho que é uma oportunidade singular, depois de 10 anos, de a gente ratificar os poucos acertos da operação, que foram praticamente irrisórios. O que a gente costuma dizer no Direito é que eles caberiam amplamente no chamado Princípio da Insignificância ou da Bagatela.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas. Infelizmente, o Brasil não soube fazer isso. Destruiu setores importantes da indústria nacional, notadamente a construção civil, petróleo e gás e a indústria naval.

A Lava Jato, nesses 10 anos, deixou um legado de destruição e de miséria. Dados do Dieese, que não foram confrontados pela força-tarefa, comprovam que o País perdeu quase 5 milhões de empregos, mais precisamente 4,4 milhões. Entre 2014 e 2017, a operação foi responsável pela redução do PIB brasileiro em 3,6%. A arrecadação das empreiteiras caiu 85%.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas

Marco Aurélio Carvalho

A gente faz o reconhecimento que houve equívocos, que algumas pessoas foram responsáveis, de fato, por aquilo que foi apurado, devem ser evidentemente responsabilizadas na dimensão pessoal, como pessoas físicas. Não há a menor dúvida. Mas houve também um número enorme de excessos que precisam ser revistos. É uma operação que precisa ser registrada na história para não ser reproduzida, porque foi o maior escândalo do sistema de Justiça de uma democracia moderna.

A Petrobras registrou, em balanço, uma corrupção de R$ 6 bilhões. Em que medida isso é irrisório?

Na medida em que o País perdeu aproximadamente R$ 200 bilhões em investimentos e impostos. Para ser claro, R$ 172 bilhões deixaram de ser investidos no País entre 2014 e 2017. Mais de R$ 50 bilhões deixaram de ser arrecadados em impostos e poderiam reverter em políticas públicas para a erradicação da fome e da miséria, para a geração de empregos, oportunidade de distribuição de riqueza, distribuição mais igualitária de renda. Isso não justifica, evidentemente, qualquer malfeito. O que houve foi um comissionamento criminoso de alguns de seus diretores, que tem que ser apurado, valores que foram devolvidos. Mas não houve sobrepreço. A Petrobras precisa, inclusive, revisitar esses conceitos, seria importante. Acho que é pedagógico para o País a gente saber do que se trata. Foram pagas comissões indevidas, de fato houve corrupção, isso precisa ser reconhecido, e as pessoas foram responsabilizadas, sobretudo alguns diretores. Não há a menor dúvida quanto a isso.

Marco Aurélio Carvalho, aliado do presidente Lula, é bastante crítico em relação à operação Lava Jato Foto: Silvana Garzaro /ESTADAO

Esses números que o senhor cita são de um estudo de autoria da CUT e do Dieese?

O estudo do Dieese, na verdade. O estudo foi feito pelo Dieese e não foi confrontado pela força-tarefa. Nem o Deltan teve a ousadia de confrontar nem o próprio ex-juiz Sérgio Moro. Os dados são bem objetivos, tem metodologia científica, não é um estudo parcial. É um instituto extremamente sério, conceituado, que inclusive é utilizado por diversos jornais. Ninguém está dizendo que a corrupção não tem que ser combatida, mas nós temos que preservar a indústria nacional.

Os problemas econômicos do País são culpa da Lava Jato?

Os procuradores, de modo geral, agiram de forma absolutamente irresponsável, atendendo a interesses econômicos não nacionais. Existiam interesses norte-americanos que estavam guiando esses acordos. Os grandes responsáveis por esse final trágico da Lava Jato são aqueles que corromperam o sistema de Justiça, a pretexto de combater a corrupção. Se tivessem combatido a corrupção de forma saudável, dentro das 4 linhas, preservando a geração de empregos, preservando a indústria nacional e responsabilizando os gestores, na dimensão pessoal, evidentemente com multas pesadas também para cada uma dessas empresas, mas compatíveis com as suas arrecadações com os fatos que foram narrados, nós teríamos outra realidade no Brasil. Eles são, portanto, os responsáveis.

Em 2014, o governo Dilma enfrentava problemas na economia, havia aumento da inflação. As decisões econômicas do governo não contribuíram com o quadro que o senhor descreve?

Sem dúvida nenhuma, mas em outros setores. Isso já está pacificado. Independentemente de outros fatores, há uma grande responsabilidade dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato e do então juiz Sérgio Moro. Claro que existem outros fatores macroeconômicos, circunstâncias, inclusive, internacionais que afetaram o Brasil, mas a responsabilidade por esse problema gravíssimo pelo qual o País passou entre 2014 e 2017 e, seguramente até os dias de hoje, é da Lava Jato.

A Lava Jato acertou em algum ponto?

Identificar a ação criminosa de alguns diretores da Petrobras que atuaram à margem da lei. Isso a gente tem que reconhecer. Para além disso, num primeiro momento, a Lava Jato projetou na população, de maneira geral, a sensação de que não haveria qualquer tipo de intocabilidade de qualquer setor em relação à persecução penal estatal. Ela conseguiu, num primeiro momento, passar a impressão de que no Brasil ninguém estava blindado, ninguém estava acima da lei, ninguém tinha qualquer tipo de proteção. Isso foi importante, porque nós vivemos em um País onde o alvo preferencial da Justiça Penal é seletiva. É a população pobre, preta e periférica. Essa é a população que superlota os presídios. Infelizmente, pela ação messiânica com objetivos políticos e eleitorais dos procuradores da força-tarefa e também pela irresponsabilidade e ação criminosa e parcial do ex-juiz Sérgio Moro, a operação se perdeu.

Críticos da Lava Jato afirmavam que a operação prendia preventivamente para forçar os investigados a delatarem. O tenente-coronel Mauro Cid foi preso preventivamente e solto após fechar uma delação. O caso dele se assemelha ao dos empreiteiros da Lava Jato?

Coerência é um valor fundamental, do qual o grupo Prerrogativas e o campo progressista não abrem mão. Nós continuamos achando que a melhor forma de se fazer delação não é com réu preso. Eu discordo do método. Eu não acho que a delação premiada deva ser vulgarizada. Instrumento extremamente importante, mas deve ser utilizado com muita seriedade. A melhor forma de se obter uma delação é com o réu solto. Até porque, para (fazer) a delação, existe pressuposto fundamental que é a espontaneidade, a voluntariedade. O sujeito ser obrigado a fazer a delação, ser torturado como foi na Lava Jato, a maior parte dos réus, é algo absolutamente reprovável, questionável e se for reproduzido contra quem quer que seja, nós vamos combater.

É o momento de reconhecer esses poucos acertos e de retificar os inúmeros equívocos. O mundo mostrou para o Brasil e para vários países, sobretudo os europeus, que é possível combater a corrupção sem comprometer a geração de empregos e a distribuição de oportunidades e de riquezas.

Marco Aurélio Carvalho

Nós vamos ser coerentes e dizer que está errado. A gente não quer uma aplicação seletiva do Direito Penal, que o Direito Penal seja mais brando com os nossos colegas e mais duro com os nossos adversários. A gente não defende a aplicação seletiva do Direito Penal. Portanto, sou contra a vulgarização do instituto da delação premiada, que é importante, mas foi muito mal utilizado. Se hoje está sendo utilizado dessa forma, é porque foi no passado pela turma de Curitiba. É mais um legado perverso que essa organização política com objetivos eleitorais deixou para o País.

Os delatores da Odebrecht nunca denunciaram assédio, por exemplo. Os registros dos depoimentos mostram depoentes à vontade, inclusive sorridentes. Em que momento houve tortura na Lava Jato?

Na verdade, esse é o ato final (com depoimentos registrados em vídeo). Se a gente comparar com uma peça de teatro, ou coisa do gênero, é o ato final da peça, o último capítulo da novela. Uma imagem fala muito pouco. A operação foi um filme. Ela tem uma sequência de imagens. Essa imagem por si só não é suficiente para comprovar a tese de que não houve pressão. Muito pelo contrário. As empresas, para vocês terem ideia, assumiram compromissos que não poderiam honrar, acordos bilionários que não representam a sua capacidade.

O STF foi importante avalista da Lava Jato no início da operação. O tribunal contribuiu, por exemplo, para a prisão de Lula, e por isso foi muito criticado por apoiadores do presidente. Anos depois, foi fundamental para a derrocada da Lava Jato. Como avalia a mudança de posicionamento do tribunal em relação à operação em um intervalo curto de tempo? Concorda com as críticas de que a Corte tem causado insegurança jurídica?

Há uma responsabilidade compartilhada de diversas instâncias do nosso sistema de Justiça, pela 13.ª Vara de Curitiba, pelo TRF da 4ª Região e também pelo Supremo Tribunal Federal, que em um primeiro momento validou a maior parte das decisões da Operação Lava Jato. Mas a gente costuma dizer no Direito, é um jargão largamente utilizado, que o Supremo tem o direito de errar por último. E o Supremo reviu as suas próprias posições, declarou a parcialidade escandalosa do ex-juiz Sérgio Moro, presente inclusive em um aspecto que é determinante, na tentativa de forçar a competência da Justiça Federal de Curitiba. Ele (Moro) criou uma espécie de juízo universal do combate à corrupção em Curitiba, tentou puxar para si a condução de todo e qualquer processo que tivesse relação com a Lava Jato. Então, o Supremo tem o direito de errar por último, mas dessa vez não errou por último. Errou bastante, errou junto com a 13.ª Vara de Curitiba e com os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, mas ainda bem reviu as suas posições e recuperou parte da credibilidade perdida pelo nosso sistema de justiça por uma ação instrumentalizada de parte dos procuradores da força-tarefa e do ex-juiz Sérgio Moro. Eles instrumentalizaram a Justiça a serviço de interesses políticos e eleitorais.

O Grupo Prerrogativas trabalhou junto ao STF para, por exemplo, a revisão do posicionamento do tribunal sobre a prisão em segunda instância. Por que o Supremo mudou de posição?

Infelizmente, em alguns momentos, alguns ministros acabam aceitando a forte pressão popular que determinados temas conseguem mobilizar. Não foi diferente no caso da presunção de inocência. O Supremo tinha uma posição, voltou atrás, na minha humilde avaliação, com o objetivo específico de permitir a prisão criminosa do presidente Lula e, depois, teve a oportunidade de rever essa decisão absolutamente equivocada e voltou atrás mais uma vez. Mas, como eu disse, o Supremo tem o direito, no nosso ordenamento jurídico, de errar por último, e dessa vez acertou. Infelizmente, isso custou 580 dias da liberdade do nosso presidente, que jamais poderá ser reparada. Nada podia justificar a prisão dele. O objetivo da operação, desde o início, era tirar o presidente Lula das eleições de 2018, pelas quais ele era franco favorito. A história do País teria sido outra se a Lava Jato não tivesse atuado da forma que atuou. Eu costumo dizer que o lavajatismo pariu o bolsonarismo. O bolsonarismo é filho de pai e mãe do lavajatismo. Eles precisam fazer uma autocrítica, já passou da hora.

Se não tivesse havido a Lava Jato, não teria havido o bolsonarismo?

Não tenho a menor dúvida. A Lava Jato elegeu um inimigo público número um, o presidente Lula, um partido político para criminalizar, o PT, e com isso abriu espaço para que aparecesse no cenário nacional um aventureiro que representa a antipolítica. O lavajatismo pariu o bolsonarismo. Se não houvesse lavajatismo no País, talvez o País ainda vivesse uma polarização saudável e bem-vinda como já teve em momentos históricos da sua democracia jovem, entre PT e PSDB.

A eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro foi um efeito colateral da Lava Jato com o qual os ministros do STF não contavam? Isso também contribuiu para que eles revissem o posicionamento em relação à operação?

É por isso que eu falo em responsabilidade compartilhada e falo isso com todo respeito. Tanto a 13.ª Vara quanto o TRF-4 e o próprio Supremo tiveram responsabilidade direta pela confirmação de decisões equivocadas, que sempre tiveram objetivos políticos e eleitorais. Se, eventualmente, o surgimento do bolsonarismo tiver sido um dos fatores determinantes para o Supremo rever as suas posições, eu me permito dizer que isso talvez não seja muito saudável, muito bem-vindo. O Supremo tem o papel importantíssimo de ser contramajoritário e, seguramente, não pode se guiar por qualquer sentimento de qualquer natureza que não seja a boa e correta aplicação da lei. Então, corrigir um equívoco a que eles próprios, de alguma forma, deram origem não me parece ser de responsabilidade do Supremo. O que se espera, agora que a Lava Jato faz dez anos, é que o Judiciário e os demais Poderes possam voltar para suas caixinhas. É o momento de reinstitucionalizar o País. Nós precisamos criar um ambiente para que os Poderes possam conviver com independência e harmonia. Isso é saudável em uma democracia.

Policiais carregam material apreendido durante a Operação Lava Jato; para Marco Aurélio Carvalho a operação poderia ter tido êxito sem tanto impacto nas empresas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O senhor defendeu a decisão do ministro Dias Toffoli que suspendeu o pagamento das parcelas do acordo de leniência da Odebrecht. Era causa para decisão cautelar e monocrática? E essa suspensão foi autorizada enquanto a construtora analisa mensagens da Operação Spoofing. Essas provas têm validade jurídica?

Havia urgência. Parte dessas empresas não tem condições de honrar com esses compromissos que foram assumidos acima das suas capacidades contributivas e, inclusive, com vícios de vontade. Os acordos, por exemplo, com o MPF são ilegais. Os acordos com a CGU e a AGU estão sendo repactuados com a direção do ministro André Mendonça. São decisões provisórias. Esse tema será melhor enfrentado pelo plenário da Corte, com a presença dos 11 ministros. As mensagens podem ser utilizadas para inocentar determinados réus. Elas devem ser usadas para isso. O que a jurisprudência não permite é que esse tipo de mensagem, que foi obtida de forma criminosa, por hackeamentos, seja utilizada para incriminar alguém. Se, eventualmente, a jurisprudência mudasse, parte desses procuradores estaria presa. O ex-juiz Sérgio Moro estaria preso. Se essas mensagens pudessem ser utilizadas para incriminar alguém, o Carlos Fernando, que teve a ousadia de dizer ao Estadão que acredita que o presidente Lula deveria estar preso, estaria preso. Ele é quem deveria estar preso e não o presidente Lula que foi perseguido por uma quadrilha.

O presidente Lula é inocente ou foi inocentado?

É e sempre foi inocente. Foi a maior vítima de uma perseguição política com objetivos eleitorais que instrumentalizou o nosso sistema de justiça e que nos faz, até hoje, ter uma imensa vergonha. Ele foi inocentado, mas ele é e sempre foi inocente, continua sendo. Não há um único fato, uma única prova que tenha permanecido em pé. Há uma falsa polêmica em relação a isso. O presidente Lula não cometeu nenhum crime. As investigações comprovaram isso. Não eram fatos típicos, não havia nenhuma conduta que pudesse ser tipificada como delituosa.

A parcialidade escandalosa do ex-juiz Sérgio Moro impediu que determinados fatos fossem examinados com mais profundidade, o que não tira do presidente a condição que ele sempre teve e continua tendo, de inocente. Ele foi perseguido por gente que, infelizmente, mercantilizou a fé pública. Parte dessas pessoas hoje está ganhando dinheiro com a fama que conseguiu.

Veja o Carlos Fernando, por exemplo, que quebrou as empresas e hoje está oferecendo às empresas serviços de compliance. E a grande ironia: todos esses sujeitos que criminalizaram a política, depois abraçaram a política e agora estão sendo escorraçados pela política. Deltan já foi cassado e é o que vai acontecer com Sérgio Moro em breve.

Vê margem para responsabilizar os agentes públicos que atuaram na Lava Jato?

O caminho natural seria a responsabilização. Isso é pedagógico. O objetivo, evidentemente, não é de vingança, de punitivismo ou coisa do gênero. Sendo punida, determinada conduta deixa de ser estimulada. Eu acho que eles têm que ser responsabilizados. Nós estamos buscando essa responsabilização em relação ao ex-juiz Sérgio Moro em ação popular. Tem um número enorme de expedientes envolvendo os procuradores no âmbito do CNMP. Praticamente todos eles respondem a algum tipo de procedimento. Alguns, para fugir desses procedimentos, anteciparam as suas aposentadorias, saíram da atividade.

O Deltan, por exemplo, só não foi punido à altura porque saiu do Ministério Público exatamente para evitar qualquer tipo de responsabilização e aí o CNMP perdeu jurisdição, as ações perderam objeto porque ele não era mais procurador. É curiosa a forma como ele fugiu da aplicação da lei, não deixa de ser irônico. Mas o caminho natural, saudável, bem-vindo seria o da responsabilização.

Entrevista por Julia Affonso
Rayssa Motta

Repórter do 'Estadão' em São Paulo. Cobre Judiciário e Política. É jornalista formada pela Uerj e mestranda em Ciência Política na USP.

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