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Lei para regulamentação dos criptoativos entra em vigor


Por André Rainho das Neves e Rafael Lutti
André Rainho das Neves e Rafael Lutti. Fotos: Divulgação  

Após quase seis meses desde sua publicação, entra em vigor hoje a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022 ("Lei de Ativos Virtuais"), que dispõe sobre as diretrizes e futura regulamentação a serem observadas com relação aos ativos virtuais, incluindo regras aplicáveis às prestadoras de serviços com ativos virtuais ("VASPs", do termo em inglês virtual assets service providers).

Resultado de um longo debate no Congresso Nacional iniciado com o Projeto de Lei nº 2.303 proposto em 2015, a Lei de Ativos Virtuais inaugura a legislação específica para regulamentação do mercado de criptoativos, abrindo espaço para o desenvolvimento da criptoeconomia agora sob regulamentação setorial.

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Em texto legal amplo, a Lei de Ativos Virtuais criou os conceitos estruturantes de ativos virtuais e VASPs (arts. 3º e 5º); definiu os princípios orientadores da regulamentação infralegal futura (art. 4º); e, mais importante, outorgou novas competências para regulamentação e supervisão do setor a um ou mais órgãos da Administração Pública Federal (arts. 6º e 7º), então indefinidos.

Em linha com essa outorga de competências "em branco", a Lei de Ativos Virtuais tem caráter essencialmente principiológico - dos seus 14 artigos, 9 apresentam eficácia limitada e dependem de regulamentação infralegal para produzirem efeitos.

Foi apenas semana passada, por meio da publicação do Decreto nº 11.563 de 14 de junho de 2023, que os primeiros avanços relativos ao arranjo institucional que regulará o mercado de ativos virtuais tomaram corpo: ao BCB foi delegada a competência de editar os normativos a respeito do tema, ainda que sem prejuízo da atuação de outros reguladores nas suas respectivas esferas de competência.

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Ativos virtuais x Criptomoedas

O art. 3º da lei prevê uma definição genérica de ativos virtuais, abrangendo qualquer "representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento", excetuando apenas alguns ativos específicos desse conceito amplo . Apesar de ser comumente referida como o "Marco Legal das Criptomoedas", a Lei de Ativos Virtuais apresenta um escopo muito maior; abrange não apenas as criptomoedas e os outros tipos de criptoativos negociados como forma de investimento através de exchanges, mas também várias outras possíveis aplicações econômicas da tecnologia de criptografia, as quais não se limitam ao sistema financeiro4 .

Nesses termos, para ser efetivo sem ser excessivo, o arcabouço normativo a ser criado pelo BCB precisará estar atento ao vasto universo de modelos de negócios que estão sendo desenvolvidos no âmbito da economia digital, e não apenas às criptomoedas e outros ativos financeiros atrelados a criptoativos.

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Além desses, a Lei de Ativos Virtuais também prevê dispositivos específicos destinados à prevenção de fraudes e crimes de lavagem de dinheiro que utilizem ativos virtuais ou envolvam VASPs, bem como referência expressa à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em operações de consumo no mercado de ativos virtuais.

Na mesma linha, no Brasil e internacionalmente, os criptoativos têm sido utilizados frequentemente como formas de estruturação de investimentos e não apenas (ou tão frequentemente) como meio de pagamento, o que pode também representar um desafio para o BCB na atividade de regulamentar, ainda que as indicações estejam sendo de que a regulamentação terá esse enfoque.

Apesar desse ser um argumento a favor do maior protagonismo da Comissão de Valores Mobiliários para regulamentação dos criptoativos, tanto a Lei de Ativos Virtuais quanto o Decreto nº 11.563 reiteram que as competências da CVM permanecem inalteradas e não afetam o regramento aplicável a valores mobiliários que estejam representados digitalmente na forma de tokens.

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Regulamentação das prestadoras de serviço de ativos virtuais - VASPs

A partir da delimitação do conceito de ativos virtuais, a lei traz um esboço do regramento que deverá ser observado por qualquer VASP que oferecer serviços com ativos virtuais.

Com a entrada em vigor da Lei de Ativos Virtuais, todas as VASPs estarão sujeitas às regras a serem editadas pelo BCB, sendo que essa regulamentação deverá prever normas de transição para que as empresas atualmente operando nesse mercado tenham um prazo de pelo menos 6 meses para se adequarem ao novo regramento . Pela amplitude da definição de ativos virtuais, e os vários tipos de serviços compreendidos pelo art. 4º da Lei de Ativos Virtuais , exchanges e marketplaces de criptoativos, assim como tokenizadoras e outros intermediários serão considerados VASPs e passarão a ser entidades reguladas, devendo observar a regulamentação do BCB aplicável.

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Em linha com as atribuições que detém para regulação das instituições financeiras e de pagamento, o BC poderá não só estabelecer regras de governança e processos que dependerão de sua autorização (por exemplo operações de M&A ou reorganizações societárias), mas também parâmetros mínimos para prestação de serviços com ativos virtuais, até tendo em mente os avanços do Real Digital, com lançamento previsto para o final de 2024 .

Diferentemente do previsto na Lei nº 12.865/2013 com relação às instituições de pagamento, a Lei de Ativos Virtuais prevê que as VASPs dependerão necessariamente de autorização prévia do BCB. Em tese, por conta dessa previsão, não será possível um regime em que as entidades devem obter a autorização apenas após atingimento de determinada volumetria, como é o caso hoje para as instituições de pagamento emissoras de instrumento de pagamento pós-pago e credenciadoras.

Mas afinal, o que muda a partir de hoje? A resposta é nada, pelo menos até que as primeiras resoluções sejam publicadas.

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De toda forma,acompanharemos os trabalhos na torcida de que o regulador continue o excelente trabalho que tem feito na regulamentação das fintechs e dos meios de pagamento e que consiga estabelecer as hipóteses sujeitas à sua aprovação e as regras de governança e de capital mínimo, por exemplo, sem limitar excessivamente a inovação inerente à criptoeconomia.

*André Rainho das Neves, sócio; e Rafael Lutti, advogado do BZCP - Bronstein Zilberberg Chueri & Potenza

André Rainho das Neves e Rafael Lutti. Fotos: Divulgação  

Após quase seis meses desde sua publicação, entra em vigor hoje a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022 ("Lei de Ativos Virtuais"), que dispõe sobre as diretrizes e futura regulamentação a serem observadas com relação aos ativos virtuais, incluindo regras aplicáveis às prestadoras de serviços com ativos virtuais ("VASPs", do termo em inglês virtual assets service providers).

Resultado de um longo debate no Congresso Nacional iniciado com o Projeto de Lei nº 2.303 proposto em 2015, a Lei de Ativos Virtuais inaugura a legislação específica para regulamentação do mercado de criptoativos, abrindo espaço para o desenvolvimento da criptoeconomia agora sob regulamentação setorial.

Em texto legal amplo, a Lei de Ativos Virtuais criou os conceitos estruturantes de ativos virtuais e VASPs (arts. 3º e 5º); definiu os princípios orientadores da regulamentação infralegal futura (art. 4º); e, mais importante, outorgou novas competências para regulamentação e supervisão do setor a um ou mais órgãos da Administração Pública Federal (arts. 6º e 7º), então indefinidos.

Em linha com essa outorga de competências "em branco", a Lei de Ativos Virtuais tem caráter essencialmente principiológico - dos seus 14 artigos, 9 apresentam eficácia limitada e dependem de regulamentação infralegal para produzirem efeitos.

Foi apenas semana passada, por meio da publicação do Decreto nº 11.563 de 14 de junho de 2023, que os primeiros avanços relativos ao arranjo institucional que regulará o mercado de ativos virtuais tomaram corpo: ao BCB foi delegada a competência de editar os normativos a respeito do tema, ainda que sem prejuízo da atuação de outros reguladores nas suas respectivas esferas de competência.

Ativos virtuais x Criptomoedas

O art. 3º da lei prevê uma definição genérica de ativos virtuais, abrangendo qualquer "representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento", excetuando apenas alguns ativos específicos desse conceito amplo . Apesar de ser comumente referida como o "Marco Legal das Criptomoedas", a Lei de Ativos Virtuais apresenta um escopo muito maior; abrange não apenas as criptomoedas e os outros tipos de criptoativos negociados como forma de investimento através de exchanges, mas também várias outras possíveis aplicações econômicas da tecnologia de criptografia, as quais não se limitam ao sistema financeiro4 .

Nesses termos, para ser efetivo sem ser excessivo, o arcabouço normativo a ser criado pelo BCB precisará estar atento ao vasto universo de modelos de negócios que estão sendo desenvolvidos no âmbito da economia digital, e não apenas às criptomoedas e outros ativos financeiros atrelados a criptoativos.

Além desses, a Lei de Ativos Virtuais também prevê dispositivos específicos destinados à prevenção de fraudes e crimes de lavagem de dinheiro que utilizem ativos virtuais ou envolvam VASPs, bem como referência expressa à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em operações de consumo no mercado de ativos virtuais.

Na mesma linha, no Brasil e internacionalmente, os criptoativos têm sido utilizados frequentemente como formas de estruturação de investimentos e não apenas (ou tão frequentemente) como meio de pagamento, o que pode também representar um desafio para o BCB na atividade de regulamentar, ainda que as indicações estejam sendo de que a regulamentação terá esse enfoque.

Apesar desse ser um argumento a favor do maior protagonismo da Comissão de Valores Mobiliários para regulamentação dos criptoativos, tanto a Lei de Ativos Virtuais quanto o Decreto nº 11.563 reiteram que as competências da CVM permanecem inalteradas e não afetam o regramento aplicável a valores mobiliários que estejam representados digitalmente na forma de tokens.

Regulamentação das prestadoras de serviço de ativos virtuais - VASPs

A partir da delimitação do conceito de ativos virtuais, a lei traz um esboço do regramento que deverá ser observado por qualquer VASP que oferecer serviços com ativos virtuais.

Com a entrada em vigor da Lei de Ativos Virtuais, todas as VASPs estarão sujeitas às regras a serem editadas pelo BCB, sendo que essa regulamentação deverá prever normas de transição para que as empresas atualmente operando nesse mercado tenham um prazo de pelo menos 6 meses para se adequarem ao novo regramento . Pela amplitude da definição de ativos virtuais, e os vários tipos de serviços compreendidos pelo art. 4º da Lei de Ativos Virtuais , exchanges e marketplaces de criptoativos, assim como tokenizadoras e outros intermediários serão considerados VASPs e passarão a ser entidades reguladas, devendo observar a regulamentação do BCB aplicável.

Em linha com as atribuições que detém para regulação das instituições financeiras e de pagamento, o BC poderá não só estabelecer regras de governança e processos que dependerão de sua autorização (por exemplo operações de M&A ou reorganizações societárias), mas também parâmetros mínimos para prestação de serviços com ativos virtuais, até tendo em mente os avanços do Real Digital, com lançamento previsto para o final de 2024 .

Diferentemente do previsto na Lei nº 12.865/2013 com relação às instituições de pagamento, a Lei de Ativos Virtuais prevê que as VASPs dependerão necessariamente de autorização prévia do BCB. Em tese, por conta dessa previsão, não será possível um regime em que as entidades devem obter a autorização apenas após atingimento de determinada volumetria, como é o caso hoje para as instituições de pagamento emissoras de instrumento de pagamento pós-pago e credenciadoras.

Mas afinal, o que muda a partir de hoje? A resposta é nada, pelo menos até que as primeiras resoluções sejam publicadas.

De toda forma,acompanharemos os trabalhos na torcida de que o regulador continue o excelente trabalho que tem feito na regulamentação das fintechs e dos meios de pagamento e que consiga estabelecer as hipóteses sujeitas à sua aprovação e as regras de governança e de capital mínimo, por exemplo, sem limitar excessivamente a inovação inerente à criptoeconomia.

*André Rainho das Neves, sócio; e Rafael Lutti, advogado do BZCP - Bronstein Zilberberg Chueri & Potenza

André Rainho das Neves e Rafael Lutti. Fotos: Divulgação  

Após quase seis meses desde sua publicação, entra em vigor hoje a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022 ("Lei de Ativos Virtuais"), que dispõe sobre as diretrizes e futura regulamentação a serem observadas com relação aos ativos virtuais, incluindo regras aplicáveis às prestadoras de serviços com ativos virtuais ("VASPs", do termo em inglês virtual assets service providers).

Resultado de um longo debate no Congresso Nacional iniciado com o Projeto de Lei nº 2.303 proposto em 2015, a Lei de Ativos Virtuais inaugura a legislação específica para regulamentação do mercado de criptoativos, abrindo espaço para o desenvolvimento da criptoeconomia agora sob regulamentação setorial.

Em texto legal amplo, a Lei de Ativos Virtuais criou os conceitos estruturantes de ativos virtuais e VASPs (arts. 3º e 5º); definiu os princípios orientadores da regulamentação infralegal futura (art. 4º); e, mais importante, outorgou novas competências para regulamentação e supervisão do setor a um ou mais órgãos da Administração Pública Federal (arts. 6º e 7º), então indefinidos.

Em linha com essa outorga de competências "em branco", a Lei de Ativos Virtuais tem caráter essencialmente principiológico - dos seus 14 artigos, 9 apresentam eficácia limitada e dependem de regulamentação infralegal para produzirem efeitos.

Foi apenas semana passada, por meio da publicação do Decreto nº 11.563 de 14 de junho de 2023, que os primeiros avanços relativos ao arranjo institucional que regulará o mercado de ativos virtuais tomaram corpo: ao BCB foi delegada a competência de editar os normativos a respeito do tema, ainda que sem prejuízo da atuação de outros reguladores nas suas respectivas esferas de competência.

Ativos virtuais x Criptomoedas

O art. 3º da lei prevê uma definição genérica de ativos virtuais, abrangendo qualquer "representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento", excetuando apenas alguns ativos específicos desse conceito amplo . Apesar de ser comumente referida como o "Marco Legal das Criptomoedas", a Lei de Ativos Virtuais apresenta um escopo muito maior; abrange não apenas as criptomoedas e os outros tipos de criptoativos negociados como forma de investimento através de exchanges, mas também várias outras possíveis aplicações econômicas da tecnologia de criptografia, as quais não se limitam ao sistema financeiro4 .

Nesses termos, para ser efetivo sem ser excessivo, o arcabouço normativo a ser criado pelo BCB precisará estar atento ao vasto universo de modelos de negócios que estão sendo desenvolvidos no âmbito da economia digital, e não apenas às criptomoedas e outros ativos financeiros atrelados a criptoativos.

Além desses, a Lei de Ativos Virtuais também prevê dispositivos específicos destinados à prevenção de fraudes e crimes de lavagem de dinheiro que utilizem ativos virtuais ou envolvam VASPs, bem como referência expressa à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em operações de consumo no mercado de ativos virtuais.

Na mesma linha, no Brasil e internacionalmente, os criptoativos têm sido utilizados frequentemente como formas de estruturação de investimentos e não apenas (ou tão frequentemente) como meio de pagamento, o que pode também representar um desafio para o BCB na atividade de regulamentar, ainda que as indicações estejam sendo de que a regulamentação terá esse enfoque.

Apesar desse ser um argumento a favor do maior protagonismo da Comissão de Valores Mobiliários para regulamentação dos criptoativos, tanto a Lei de Ativos Virtuais quanto o Decreto nº 11.563 reiteram que as competências da CVM permanecem inalteradas e não afetam o regramento aplicável a valores mobiliários que estejam representados digitalmente na forma de tokens.

Regulamentação das prestadoras de serviço de ativos virtuais - VASPs

A partir da delimitação do conceito de ativos virtuais, a lei traz um esboço do regramento que deverá ser observado por qualquer VASP que oferecer serviços com ativos virtuais.

Com a entrada em vigor da Lei de Ativos Virtuais, todas as VASPs estarão sujeitas às regras a serem editadas pelo BCB, sendo que essa regulamentação deverá prever normas de transição para que as empresas atualmente operando nesse mercado tenham um prazo de pelo menos 6 meses para se adequarem ao novo regramento . Pela amplitude da definição de ativos virtuais, e os vários tipos de serviços compreendidos pelo art. 4º da Lei de Ativos Virtuais , exchanges e marketplaces de criptoativos, assim como tokenizadoras e outros intermediários serão considerados VASPs e passarão a ser entidades reguladas, devendo observar a regulamentação do BCB aplicável.

Em linha com as atribuições que detém para regulação das instituições financeiras e de pagamento, o BC poderá não só estabelecer regras de governança e processos que dependerão de sua autorização (por exemplo operações de M&A ou reorganizações societárias), mas também parâmetros mínimos para prestação de serviços com ativos virtuais, até tendo em mente os avanços do Real Digital, com lançamento previsto para o final de 2024 .

Diferentemente do previsto na Lei nº 12.865/2013 com relação às instituições de pagamento, a Lei de Ativos Virtuais prevê que as VASPs dependerão necessariamente de autorização prévia do BCB. Em tese, por conta dessa previsão, não será possível um regime em que as entidades devem obter a autorização apenas após atingimento de determinada volumetria, como é o caso hoje para as instituições de pagamento emissoras de instrumento de pagamento pós-pago e credenciadoras.

Mas afinal, o que muda a partir de hoje? A resposta é nada, pelo menos até que as primeiras resoluções sejam publicadas.

De toda forma,acompanharemos os trabalhos na torcida de que o regulador continue o excelente trabalho que tem feito na regulamentação das fintechs e dos meios de pagamento e que consiga estabelecer as hipóteses sujeitas à sua aprovação e as regras de governança e de capital mínimo, por exemplo, sem limitar excessivamente a inovação inerente à criptoeconomia.

*André Rainho das Neves, sócio; e Rafael Lutti, advogado do BZCP - Bronstein Zilberberg Chueri & Potenza

André Rainho das Neves e Rafael Lutti. Fotos: Divulgação  

Após quase seis meses desde sua publicação, entra em vigor hoje a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022 ("Lei de Ativos Virtuais"), que dispõe sobre as diretrizes e futura regulamentação a serem observadas com relação aos ativos virtuais, incluindo regras aplicáveis às prestadoras de serviços com ativos virtuais ("VASPs", do termo em inglês virtual assets service providers).

Resultado de um longo debate no Congresso Nacional iniciado com o Projeto de Lei nº 2.303 proposto em 2015, a Lei de Ativos Virtuais inaugura a legislação específica para regulamentação do mercado de criptoativos, abrindo espaço para o desenvolvimento da criptoeconomia agora sob regulamentação setorial.

Em texto legal amplo, a Lei de Ativos Virtuais criou os conceitos estruturantes de ativos virtuais e VASPs (arts. 3º e 5º); definiu os princípios orientadores da regulamentação infralegal futura (art. 4º); e, mais importante, outorgou novas competências para regulamentação e supervisão do setor a um ou mais órgãos da Administração Pública Federal (arts. 6º e 7º), então indefinidos.

Em linha com essa outorga de competências "em branco", a Lei de Ativos Virtuais tem caráter essencialmente principiológico - dos seus 14 artigos, 9 apresentam eficácia limitada e dependem de regulamentação infralegal para produzirem efeitos.

Foi apenas semana passada, por meio da publicação do Decreto nº 11.563 de 14 de junho de 2023, que os primeiros avanços relativos ao arranjo institucional que regulará o mercado de ativos virtuais tomaram corpo: ao BCB foi delegada a competência de editar os normativos a respeito do tema, ainda que sem prejuízo da atuação de outros reguladores nas suas respectivas esferas de competência.

Ativos virtuais x Criptomoedas

O art. 3º da lei prevê uma definição genérica de ativos virtuais, abrangendo qualquer "representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento", excetuando apenas alguns ativos específicos desse conceito amplo . Apesar de ser comumente referida como o "Marco Legal das Criptomoedas", a Lei de Ativos Virtuais apresenta um escopo muito maior; abrange não apenas as criptomoedas e os outros tipos de criptoativos negociados como forma de investimento através de exchanges, mas também várias outras possíveis aplicações econômicas da tecnologia de criptografia, as quais não se limitam ao sistema financeiro4 .

Nesses termos, para ser efetivo sem ser excessivo, o arcabouço normativo a ser criado pelo BCB precisará estar atento ao vasto universo de modelos de negócios que estão sendo desenvolvidos no âmbito da economia digital, e não apenas às criptomoedas e outros ativos financeiros atrelados a criptoativos.

Além desses, a Lei de Ativos Virtuais também prevê dispositivos específicos destinados à prevenção de fraudes e crimes de lavagem de dinheiro que utilizem ativos virtuais ou envolvam VASPs, bem como referência expressa à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em operações de consumo no mercado de ativos virtuais.

Na mesma linha, no Brasil e internacionalmente, os criptoativos têm sido utilizados frequentemente como formas de estruturação de investimentos e não apenas (ou tão frequentemente) como meio de pagamento, o que pode também representar um desafio para o BCB na atividade de regulamentar, ainda que as indicações estejam sendo de que a regulamentação terá esse enfoque.

Apesar desse ser um argumento a favor do maior protagonismo da Comissão de Valores Mobiliários para regulamentação dos criptoativos, tanto a Lei de Ativos Virtuais quanto o Decreto nº 11.563 reiteram que as competências da CVM permanecem inalteradas e não afetam o regramento aplicável a valores mobiliários que estejam representados digitalmente na forma de tokens.

Regulamentação das prestadoras de serviço de ativos virtuais - VASPs

A partir da delimitação do conceito de ativos virtuais, a lei traz um esboço do regramento que deverá ser observado por qualquer VASP que oferecer serviços com ativos virtuais.

Com a entrada em vigor da Lei de Ativos Virtuais, todas as VASPs estarão sujeitas às regras a serem editadas pelo BCB, sendo que essa regulamentação deverá prever normas de transição para que as empresas atualmente operando nesse mercado tenham um prazo de pelo menos 6 meses para se adequarem ao novo regramento . Pela amplitude da definição de ativos virtuais, e os vários tipos de serviços compreendidos pelo art. 4º da Lei de Ativos Virtuais , exchanges e marketplaces de criptoativos, assim como tokenizadoras e outros intermediários serão considerados VASPs e passarão a ser entidades reguladas, devendo observar a regulamentação do BCB aplicável.

Em linha com as atribuições que detém para regulação das instituições financeiras e de pagamento, o BC poderá não só estabelecer regras de governança e processos que dependerão de sua autorização (por exemplo operações de M&A ou reorganizações societárias), mas também parâmetros mínimos para prestação de serviços com ativos virtuais, até tendo em mente os avanços do Real Digital, com lançamento previsto para o final de 2024 .

Diferentemente do previsto na Lei nº 12.865/2013 com relação às instituições de pagamento, a Lei de Ativos Virtuais prevê que as VASPs dependerão necessariamente de autorização prévia do BCB. Em tese, por conta dessa previsão, não será possível um regime em que as entidades devem obter a autorização apenas após atingimento de determinada volumetria, como é o caso hoje para as instituições de pagamento emissoras de instrumento de pagamento pós-pago e credenciadoras.

Mas afinal, o que muda a partir de hoje? A resposta é nada, pelo menos até que as primeiras resoluções sejam publicadas.

De toda forma,acompanharemos os trabalhos na torcida de que o regulador continue o excelente trabalho que tem feito na regulamentação das fintechs e dos meios de pagamento e que consiga estabelecer as hipóteses sujeitas à sua aprovação e as regras de governança e de capital mínimo, por exemplo, sem limitar excessivamente a inovação inerente à criptoeconomia.

*André Rainho das Neves, sócio; e Rafael Lutti, advogado do BZCP - Bronstein Zilberberg Chueri & Potenza

André Rainho das Neves e Rafael Lutti. Fotos: Divulgação  

Após quase seis meses desde sua publicação, entra em vigor hoje a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022 ("Lei de Ativos Virtuais"), que dispõe sobre as diretrizes e futura regulamentação a serem observadas com relação aos ativos virtuais, incluindo regras aplicáveis às prestadoras de serviços com ativos virtuais ("VASPs", do termo em inglês virtual assets service providers).

Resultado de um longo debate no Congresso Nacional iniciado com o Projeto de Lei nº 2.303 proposto em 2015, a Lei de Ativos Virtuais inaugura a legislação específica para regulamentação do mercado de criptoativos, abrindo espaço para o desenvolvimento da criptoeconomia agora sob regulamentação setorial.

Em texto legal amplo, a Lei de Ativos Virtuais criou os conceitos estruturantes de ativos virtuais e VASPs (arts. 3º e 5º); definiu os princípios orientadores da regulamentação infralegal futura (art. 4º); e, mais importante, outorgou novas competências para regulamentação e supervisão do setor a um ou mais órgãos da Administração Pública Federal (arts. 6º e 7º), então indefinidos.

Em linha com essa outorga de competências "em branco", a Lei de Ativos Virtuais tem caráter essencialmente principiológico - dos seus 14 artigos, 9 apresentam eficácia limitada e dependem de regulamentação infralegal para produzirem efeitos.

Foi apenas semana passada, por meio da publicação do Decreto nº 11.563 de 14 de junho de 2023, que os primeiros avanços relativos ao arranjo institucional que regulará o mercado de ativos virtuais tomaram corpo: ao BCB foi delegada a competência de editar os normativos a respeito do tema, ainda que sem prejuízo da atuação de outros reguladores nas suas respectivas esferas de competência.

Ativos virtuais x Criptomoedas

O art. 3º da lei prevê uma definição genérica de ativos virtuais, abrangendo qualquer "representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento", excetuando apenas alguns ativos específicos desse conceito amplo . Apesar de ser comumente referida como o "Marco Legal das Criptomoedas", a Lei de Ativos Virtuais apresenta um escopo muito maior; abrange não apenas as criptomoedas e os outros tipos de criptoativos negociados como forma de investimento através de exchanges, mas também várias outras possíveis aplicações econômicas da tecnologia de criptografia, as quais não se limitam ao sistema financeiro4 .

Nesses termos, para ser efetivo sem ser excessivo, o arcabouço normativo a ser criado pelo BCB precisará estar atento ao vasto universo de modelos de negócios que estão sendo desenvolvidos no âmbito da economia digital, e não apenas às criptomoedas e outros ativos financeiros atrelados a criptoativos.

Além desses, a Lei de Ativos Virtuais também prevê dispositivos específicos destinados à prevenção de fraudes e crimes de lavagem de dinheiro que utilizem ativos virtuais ou envolvam VASPs, bem como referência expressa à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em operações de consumo no mercado de ativos virtuais.

Na mesma linha, no Brasil e internacionalmente, os criptoativos têm sido utilizados frequentemente como formas de estruturação de investimentos e não apenas (ou tão frequentemente) como meio de pagamento, o que pode também representar um desafio para o BCB na atividade de regulamentar, ainda que as indicações estejam sendo de que a regulamentação terá esse enfoque.

Apesar desse ser um argumento a favor do maior protagonismo da Comissão de Valores Mobiliários para regulamentação dos criptoativos, tanto a Lei de Ativos Virtuais quanto o Decreto nº 11.563 reiteram que as competências da CVM permanecem inalteradas e não afetam o regramento aplicável a valores mobiliários que estejam representados digitalmente na forma de tokens.

Regulamentação das prestadoras de serviço de ativos virtuais - VASPs

A partir da delimitação do conceito de ativos virtuais, a lei traz um esboço do regramento que deverá ser observado por qualquer VASP que oferecer serviços com ativos virtuais.

Com a entrada em vigor da Lei de Ativos Virtuais, todas as VASPs estarão sujeitas às regras a serem editadas pelo BCB, sendo que essa regulamentação deverá prever normas de transição para que as empresas atualmente operando nesse mercado tenham um prazo de pelo menos 6 meses para se adequarem ao novo regramento . Pela amplitude da definição de ativos virtuais, e os vários tipos de serviços compreendidos pelo art. 4º da Lei de Ativos Virtuais , exchanges e marketplaces de criptoativos, assim como tokenizadoras e outros intermediários serão considerados VASPs e passarão a ser entidades reguladas, devendo observar a regulamentação do BCB aplicável.

Em linha com as atribuições que detém para regulação das instituições financeiras e de pagamento, o BC poderá não só estabelecer regras de governança e processos que dependerão de sua autorização (por exemplo operações de M&A ou reorganizações societárias), mas também parâmetros mínimos para prestação de serviços com ativos virtuais, até tendo em mente os avanços do Real Digital, com lançamento previsto para o final de 2024 .

Diferentemente do previsto na Lei nº 12.865/2013 com relação às instituições de pagamento, a Lei de Ativos Virtuais prevê que as VASPs dependerão necessariamente de autorização prévia do BCB. Em tese, por conta dessa previsão, não será possível um regime em que as entidades devem obter a autorização apenas após atingimento de determinada volumetria, como é o caso hoje para as instituições de pagamento emissoras de instrumento de pagamento pós-pago e credenciadoras.

Mas afinal, o que muda a partir de hoje? A resposta é nada, pelo menos até que as primeiras resoluções sejam publicadas.

De toda forma,acompanharemos os trabalhos na torcida de que o regulador continue o excelente trabalho que tem feito na regulamentação das fintechs e dos meios de pagamento e que consiga estabelecer as hipóteses sujeitas à sua aprovação e as regras de governança e de capital mínimo, por exemplo, sem limitar excessivamente a inovação inerente à criptoeconomia.

*André Rainho das Neves, sócio; e Rafael Lutti, advogado do BZCP - Bronstein Zilberberg Chueri & Potenza

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