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Lições da 'Tese do Século'


Por Thales Stucky
Thales Stucky. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Passadas duas décadas, o Supremo Tribunal Federal finalmente encerrou a disputa envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS ou, como ficou conhecida, da "Tese do Século". O tema mobilizou os meios jurídico, empresarial e político desde março de 2017, quando o STF decidiu ser indevida a inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições.

A partir de então, houve grande pressão por parte da União no sentido de obter uma decisão "esclarecedora" a fim de limitar os efeitos da resolução. Utilizando-se de subterfúgios como o alegado impacto negativo de quase 300 bilhões de reais que a decisão traria aos cofres públicos, não apenas a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mas também membros do alto escalão do Ministério da Economia trataram abertamente sobre o tema na imprensa, assim como em diversas audiências nos gabinetes do STF, em uma verdadeira força-tarefa para mitigar os supostos prejuízos ao Tesouro.

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No julgamento recentemente encerrado, ao analisar os embargos de declaração opostos pela PGFN, o órgão concluiu que o valor do ICMS a excluir da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado nas notas fiscais de vendas de mercadorias e que os contribuintes que ingressaram com ações sobre o tema até o dia 15 de março de 2017 estariam aptos a recuperar valores de desses tributos recolhidos indevidamente anteriores àquela data. Quem ingressasse após, teria ela como marco inicial para fins de recuperação dos valores pagos a maior.

Na prática, temos o seguinte: ao contribuinte "A", que ajuizou ação sobre o tema até 15 de março de 2017, foi assegurado o direito recuperar os valores de PIS/COFINS pagos a maior desde março de 2012, assim como aqueles valores recolhidos indevidamente da data do ajuizamento em diante. Já o contribuinte "B", que eventualmente tenha ingressado com a mesma ação após essa data, somente poderá recuperar o que pagou a maior a partir dela, não lhe sendo assegurado a restituição dos valores pagos nos cinco anos anteriores, apesar do próprio STF reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança.

Esses resultados díspares em relação a contribuintes em situações equivalentes são consequências da técnica de "modulação" prevista na Lei nº 9.868/99, e que veio a assegurar a possibilidade de o STF, "por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social", restringir os efeitos de decisão que declara a inconstitucionalidade de determinada norma.

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A técnica de modulação deve ser aplicada de forma "excepcional", como prevista em lei. No entanto, tem sido cada vez mais utilizada pelo Supremo como forma de mitigar os efeitos de decisões contrárias ao Fisco. Vale comentar que além da decisão aqui discutida, recentemente, a modulação também foi aplicada às decisões envolvendo as cobranças do Difal e do ITCMD em relação a bens no exterior com a mesma premissa.

Assim, quais conclusões podemos extrair deste padrão adotado pelo STF? A primeira, o "consequencialismo". A consideração dos efeitos patrimoniais, especialmente quando contrários ao Tesouro, tem sido uma baliza importante nos julgamentos da corte. No entanto, essa prática não se amolda às regras da modulação, pois a técnica foi criada para garantir segurança jurídica, não a segurança orçamentária, como bem alertado pelo professor de direito Humberto Ávila e lembrado pela ministra Rosa Weber em seu voto no julgamento da "Tese do Século".

Outra pode referir à litigiosidade, já que proliferação de decisões com modulação de efeitos resulta em prejuízo aos contribuintes mais conservadores e confiantes na presunção de constitucionalidade das leis se comparados com aqueles contribuintes que, desde sempre, decidem por questionar o cumprimento de leis tributárias. De acordo com o resultado, a solução dada pelo STF leva à conclusão de que o melhor é sempre questionar a lei.

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Por fim, tal decisão também é um estímulo às leis inconstitucionais. Se o STF adotar como regra a modulação, cada vez mais os fiscos serão estimulados a criar normas inconstitucionais. Ora, se "potencial dano" ao Tesouro é justificativa para não se devolver tributos indevidos, nada mais oportuno para os fiscos cobrarem de forma indevida, pois a devolução nunca será na mesma proporção daquilo que foi cobrado. No caso da Tese do Século, por exemplo, a cobrança indevida vem ocorrendo há mais de 30 anos.

Incoerente, portanto, declarar a inconstitucionalidade de determinada cobrança, mas limitar o direito à devolução. Ao aplicar a modulação, mesmo que veladamente, para "ajudar" o orçamento público, o STF faz valer aquele velho ditado de que o "direito não socorre aos que dormem". "Espertos" os contribuintes que têm condições e buscam o Judiciário para evitar o pagamento de tributos, enquanto os "dorminhocos" devem sofrer as consequências negativas por confiarem na presunção de constitucionalidade das leis, ou por confiarem de boa-fé que eventual decisão do Supremo não seja um óbice à devolução daquilo pago a maior.

*Thales Stucky, sócio do Trench Rossi Watanabe Advogados

Thales Stucky. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Passadas duas décadas, o Supremo Tribunal Federal finalmente encerrou a disputa envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS ou, como ficou conhecida, da "Tese do Século". O tema mobilizou os meios jurídico, empresarial e político desde março de 2017, quando o STF decidiu ser indevida a inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições.

A partir de então, houve grande pressão por parte da União no sentido de obter uma decisão "esclarecedora" a fim de limitar os efeitos da resolução. Utilizando-se de subterfúgios como o alegado impacto negativo de quase 300 bilhões de reais que a decisão traria aos cofres públicos, não apenas a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mas também membros do alto escalão do Ministério da Economia trataram abertamente sobre o tema na imprensa, assim como em diversas audiências nos gabinetes do STF, em uma verdadeira força-tarefa para mitigar os supostos prejuízos ao Tesouro.

No julgamento recentemente encerrado, ao analisar os embargos de declaração opostos pela PGFN, o órgão concluiu que o valor do ICMS a excluir da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado nas notas fiscais de vendas de mercadorias e que os contribuintes que ingressaram com ações sobre o tema até o dia 15 de março de 2017 estariam aptos a recuperar valores de desses tributos recolhidos indevidamente anteriores àquela data. Quem ingressasse após, teria ela como marco inicial para fins de recuperação dos valores pagos a maior.

Na prática, temos o seguinte: ao contribuinte "A", que ajuizou ação sobre o tema até 15 de março de 2017, foi assegurado o direito recuperar os valores de PIS/COFINS pagos a maior desde março de 2012, assim como aqueles valores recolhidos indevidamente da data do ajuizamento em diante. Já o contribuinte "B", que eventualmente tenha ingressado com a mesma ação após essa data, somente poderá recuperar o que pagou a maior a partir dela, não lhe sendo assegurado a restituição dos valores pagos nos cinco anos anteriores, apesar do próprio STF reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança.

Esses resultados díspares em relação a contribuintes em situações equivalentes são consequências da técnica de "modulação" prevista na Lei nº 9.868/99, e que veio a assegurar a possibilidade de o STF, "por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social", restringir os efeitos de decisão que declara a inconstitucionalidade de determinada norma.

A técnica de modulação deve ser aplicada de forma "excepcional", como prevista em lei. No entanto, tem sido cada vez mais utilizada pelo Supremo como forma de mitigar os efeitos de decisões contrárias ao Fisco. Vale comentar que além da decisão aqui discutida, recentemente, a modulação também foi aplicada às decisões envolvendo as cobranças do Difal e do ITCMD em relação a bens no exterior com a mesma premissa.

Assim, quais conclusões podemos extrair deste padrão adotado pelo STF? A primeira, o "consequencialismo". A consideração dos efeitos patrimoniais, especialmente quando contrários ao Tesouro, tem sido uma baliza importante nos julgamentos da corte. No entanto, essa prática não se amolda às regras da modulação, pois a técnica foi criada para garantir segurança jurídica, não a segurança orçamentária, como bem alertado pelo professor de direito Humberto Ávila e lembrado pela ministra Rosa Weber em seu voto no julgamento da "Tese do Século".

Outra pode referir à litigiosidade, já que proliferação de decisões com modulação de efeitos resulta em prejuízo aos contribuintes mais conservadores e confiantes na presunção de constitucionalidade das leis se comparados com aqueles contribuintes que, desde sempre, decidem por questionar o cumprimento de leis tributárias. De acordo com o resultado, a solução dada pelo STF leva à conclusão de que o melhor é sempre questionar a lei.

Por fim, tal decisão também é um estímulo às leis inconstitucionais. Se o STF adotar como regra a modulação, cada vez mais os fiscos serão estimulados a criar normas inconstitucionais. Ora, se "potencial dano" ao Tesouro é justificativa para não se devolver tributos indevidos, nada mais oportuno para os fiscos cobrarem de forma indevida, pois a devolução nunca será na mesma proporção daquilo que foi cobrado. No caso da Tese do Século, por exemplo, a cobrança indevida vem ocorrendo há mais de 30 anos.

Incoerente, portanto, declarar a inconstitucionalidade de determinada cobrança, mas limitar o direito à devolução. Ao aplicar a modulação, mesmo que veladamente, para "ajudar" o orçamento público, o STF faz valer aquele velho ditado de que o "direito não socorre aos que dormem". "Espertos" os contribuintes que têm condições e buscam o Judiciário para evitar o pagamento de tributos, enquanto os "dorminhocos" devem sofrer as consequências negativas por confiarem na presunção de constitucionalidade das leis, ou por confiarem de boa-fé que eventual decisão do Supremo não seja um óbice à devolução daquilo pago a maior.

*Thales Stucky, sócio do Trench Rossi Watanabe Advogados

Thales Stucky. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Passadas duas décadas, o Supremo Tribunal Federal finalmente encerrou a disputa envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS ou, como ficou conhecida, da "Tese do Século". O tema mobilizou os meios jurídico, empresarial e político desde março de 2017, quando o STF decidiu ser indevida a inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições.

A partir de então, houve grande pressão por parte da União no sentido de obter uma decisão "esclarecedora" a fim de limitar os efeitos da resolução. Utilizando-se de subterfúgios como o alegado impacto negativo de quase 300 bilhões de reais que a decisão traria aos cofres públicos, não apenas a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mas também membros do alto escalão do Ministério da Economia trataram abertamente sobre o tema na imprensa, assim como em diversas audiências nos gabinetes do STF, em uma verdadeira força-tarefa para mitigar os supostos prejuízos ao Tesouro.

No julgamento recentemente encerrado, ao analisar os embargos de declaração opostos pela PGFN, o órgão concluiu que o valor do ICMS a excluir da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado nas notas fiscais de vendas de mercadorias e que os contribuintes que ingressaram com ações sobre o tema até o dia 15 de março de 2017 estariam aptos a recuperar valores de desses tributos recolhidos indevidamente anteriores àquela data. Quem ingressasse após, teria ela como marco inicial para fins de recuperação dos valores pagos a maior.

Na prática, temos o seguinte: ao contribuinte "A", que ajuizou ação sobre o tema até 15 de março de 2017, foi assegurado o direito recuperar os valores de PIS/COFINS pagos a maior desde março de 2012, assim como aqueles valores recolhidos indevidamente da data do ajuizamento em diante. Já o contribuinte "B", que eventualmente tenha ingressado com a mesma ação após essa data, somente poderá recuperar o que pagou a maior a partir dela, não lhe sendo assegurado a restituição dos valores pagos nos cinco anos anteriores, apesar do próprio STF reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança.

Esses resultados díspares em relação a contribuintes em situações equivalentes são consequências da técnica de "modulação" prevista na Lei nº 9.868/99, e que veio a assegurar a possibilidade de o STF, "por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social", restringir os efeitos de decisão que declara a inconstitucionalidade de determinada norma.

A técnica de modulação deve ser aplicada de forma "excepcional", como prevista em lei. No entanto, tem sido cada vez mais utilizada pelo Supremo como forma de mitigar os efeitos de decisões contrárias ao Fisco. Vale comentar que além da decisão aqui discutida, recentemente, a modulação também foi aplicada às decisões envolvendo as cobranças do Difal e do ITCMD em relação a bens no exterior com a mesma premissa.

Assim, quais conclusões podemos extrair deste padrão adotado pelo STF? A primeira, o "consequencialismo". A consideração dos efeitos patrimoniais, especialmente quando contrários ao Tesouro, tem sido uma baliza importante nos julgamentos da corte. No entanto, essa prática não se amolda às regras da modulação, pois a técnica foi criada para garantir segurança jurídica, não a segurança orçamentária, como bem alertado pelo professor de direito Humberto Ávila e lembrado pela ministra Rosa Weber em seu voto no julgamento da "Tese do Século".

Outra pode referir à litigiosidade, já que proliferação de decisões com modulação de efeitos resulta em prejuízo aos contribuintes mais conservadores e confiantes na presunção de constitucionalidade das leis se comparados com aqueles contribuintes que, desde sempre, decidem por questionar o cumprimento de leis tributárias. De acordo com o resultado, a solução dada pelo STF leva à conclusão de que o melhor é sempre questionar a lei.

Por fim, tal decisão também é um estímulo às leis inconstitucionais. Se o STF adotar como regra a modulação, cada vez mais os fiscos serão estimulados a criar normas inconstitucionais. Ora, se "potencial dano" ao Tesouro é justificativa para não se devolver tributos indevidos, nada mais oportuno para os fiscos cobrarem de forma indevida, pois a devolução nunca será na mesma proporção daquilo que foi cobrado. No caso da Tese do Século, por exemplo, a cobrança indevida vem ocorrendo há mais de 30 anos.

Incoerente, portanto, declarar a inconstitucionalidade de determinada cobrança, mas limitar o direito à devolução. Ao aplicar a modulação, mesmo que veladamente, para "ajudar" o orçamento público, o STF faz valer aquele velho ditado de que o "direito não socorre aos que dormem". "Espertos" os contribuintes que têm condições e buscam o Judiciário para evitar o pagamento de tributos, enquanto os "dorminhocos" devem sofrer as consequências negativas por confiarem na presunção de constitucionalidade das leis, ou por confiarem de boa-fé que eventual decisão do Supremo não seja um óbice à devolução daquilo pago a maior.

*Thales Stucky, sócio do Trench Rossi Watanabe Advogados

Thales Stucky. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Passadas duas décadas, o Supremo Tribunal Federal finalmente encerrou a disputa envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS ou, como ficou conhecida, da "Tese do Século". O tema mobilizou os meios jurídico, empresarial e político desde março de 2017, quando o STF decidiu ser indevida a inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições.

A partir de então, houve grande pressão por parte da União no sentido de obter uma decisão "esclarecedora" a fim de limitar os efeitos da resolução. Utilizando-se de subterfúgios como o alegado impacto negativo de quase 300 bilhões de reais que a decisão traria aos cofres públicos, não apenas a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mas também membros do alto escalão do Ministério da Economia trataram abertamente sobre o tema na imprensa, assim como em diversas audiências nos gabinetes do STF, em uma verdadeira força-tarefa para mitigar os supostos prejuízos ao Tesouro.

No julgamento recentemente encerrado, ao analisar os embargos de declaração opostos pela PGFN, o órgão concluiu que o valor do ICMS a excluir da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado nas notas fiscais de vendas de mercadorias e que os contribuintes que ingressaram com ações sobre o tema até o dia 15 de março de 2017 estariam aptos a recuperar valores de desses tributos recolhidos indevidamente anteriores àquela data. Quem ingressasse após, teria ela como marco inicial para fins de recuperação dos valores pagos a maior.

Na prática, temos o seguinte: ao contribuinte "A", que ajuizou ação sobre o tema até 15 de março de 2017, foi assegurado o direito recuperar os valores de PIS/COFINS pagos a maior desde março de 2012, assim como aqueles valores recolhidos indevidamente da data do ajuizamento em diante. Já o contribuinte "B", que eventualmente tenha ingressado com a mesma ação após essa data, somente poderá recuperar o que pagou a maior a partir dela, não lhe sendo assegurado a restituição dos valores pagos nos cinco anos anteriores, apesar do próprio STF reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança.

Esses resultados díspares em relação a contribuintes em situações equivalentes são consequências da técnica de "modulação" prevista na Lei nº 9.868/99, e que veio a assegurar a possibilidade de o STF, "por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social", restringir os efeitos de decisão que declara a inconstitucionalidade de determinada norma.

A técnica de modulação deve ser aplicada de forma "excepcional", como prevista em lei. No entanto, tem sido cada vez mais utilizada pelo Supremo como forma de mitigar os efeitos de decisões contrárias ao Fisco. Vale comentar que além da decisão aqui discutida, recentemente, a modulação também foi aplicada às decisões envolvendo as cobranças do Difal e do ITCMD em relação a bens no exterior com a mesma premissa.

Assim, quais conclusões podemos extrair deste padrão adotado pelo STF? A primeira, o "consequencialismo". A consideração dos efeitos patrimoniais, especialmente quando contrários ao Tesouro, tem sido uma baliza importante nos julgamentos da corte. No entanto, essa prática não se amolda às regras da modulação, pois a técnica foi criada para garantir segurança jurídica, não a segurança orçamentária, como bem alertado pelo professor de direito Humberto Ávila e lembrado pela ministra Rosa Weber em seu voto no julgamento da "Tese do Século".

Outra pode referir à litigiosidade, já que proliferação de decisões com modulação de efeitos resulta em prejuízo aos contribuintes mais conservadores e confiantes na presunção de constitucionalidade das leis se comparados com aqueles contribuintes que, desde sempre, decidem por questionar o cumprimento de leis tributárias. De acordo com o resultado, a solução dada pelo STF leva à conclusão de que o melhor é sempre questionar a lei.

Por fim, tal decisão também é um estímulo às leis inconstitucionais. Se o STF adotar como regra a modulação, cada vez mais os fiscos serão estimulados a criar normas inconstitucionais. Ora, se "potencial dano" ao Tesouro é justificativa para não se devolver tributos indevidos, nada mais oportuno para os fiscos cobrarem de forma indevida, pois a devolução nunca será na mesma proporção daquilo que foi cobrado. No caso da Tese do Século, por exemplo, a cobrança indevida vem ocorrendo há mais de 30 anos.

Incoerente, portanto, declarar a inconstitucionalidade de determinada cobrança, mas limitar o direito à devolução. Ao aplicar a modulação, mesmo que veladamente, para "ajudar" o orçamento público, o STF faz valer aquele velho ditado de que o "direito não socorre aos que dormem". "Espertos" os contribuintes que têm condições e buscam o Judiciário para evitar o pagamento de tributos, enquanto os "dorminhocos" devem sofrer as consequências negativas por confiarem na presunção de constitucionalidade das leis, ou por confiarem de boa-fé que eventual decisão do Supremo não seja um óbice à devolução daquilo pago a maior.

*Thales Stucky, sócio do Trench Rossi Watanabe Advogados

Thales Stucky. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Passadas duas décadas, o Supremo Tribunal Federal finalmente encerrou a disputa envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS ou, como ficou conhecida, da "Tese do Século". O tema mobilizou os meios jurídico, empresarial e político desde março de 2017, quando o STF decidiu ser indevida a inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições.

A partir de então, houve grande pressão por parte da União no sentido de obter uma decisão "esclarecedora" a fim de limitar os efeitos da resolução. Utilizando-se de subterfúgios como o alegado impacto negativo de quase 300 bilhões de reais que a decisão traria aos cofres públicos, não apenas a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mas também membros do alto escalão do Ministério da Economia trataram abertamente sobre o tema na imprensa, assim como em diversas audiências nos gabinetes do STF, em uma verdadeira força-tarefa para mitigar os supostos prejuízos ao Tesouro.

No julgamento recentemente encerrado, ao analisar os embargos de declaração opostos pela PGFN, o órgão concluiu que o valor do ICMS a excluir da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado nas notas fiscais de vendas de mercadorias e que os contribuintes que ingressaram com ações sobre o tema até o dia 15 de março de 2017 estariam aptos a recuperar valores de desses tributos recolhidos indevidamente anteriores àquela data. Quem ingressasse após, teria ela como marco inicial para fins de recuperação dos valores pagos a maior.

Na prática, temos o seguinte: ao contribuinte "A", que ajuizou ação sobre o tema até 15 de março de 2017, foi assegurado o direito recuperar os valores de PIS/COFINS pagos a maior desde março de 2012, assim como aqueles valores recolhidos indevidamente da data do ajuizamento em diante. Já o contribuinte "B", que eventualmente tenha ingressado com a mesma ação após essa data, somente poderá recuperar o que pagou a maior a partir dela, não lhe sendo assegurado a restituição dos valores pagos nos cinco anos anteriores, apesar do próprio STF reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança.

Esses resultados díspares em relação a contribuintes em situações equivalentes são consequências da técnica de "modulação" prevista na Lei nº 9.868/99, e que veio a assegurar a possibilidade de o STF, "por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social", restringir os efeitos de decisão que declara a inconstitucionalidade de determinada norma.

A técnica de modulação deve ser aplicada de forma "excepcional", como prevista em lei. No entanto, tem sido cada vez mais utilizada pelo Supremo como forma de mitigar os efeitos de decisões contrárias ao Fisco. Vale comentar que além da decisão aqui discutida, recentemente, a modulação também foi aplicada às decisões envolvendo as cobranças do Difal e do ITCMD em relação a bens no exterior com a mesma premissa.

Assim, quais conclusões podemos extrair deste padrão adotado pelo STF? A primeira, o "consequencialismo". A consideração dos efeitos patrimoniais, especialmente quando contrários ao Tesouro, tem sido uma baliza importante nos julgamentos da corte. No entanto, essa prática não se amolda às regras da modulação, pois a técnica foi criada para garantir segurança jurídica, não a segurança orçamentária, como bem alertado pelo professor de direito Humberto Ávila e lembrado pela ministra Rosa Weber em seu voto no julgamento da "Tese do Século".

Outra pode referir à litigiosidade, já que proliferação de decisões com modulação de efeitos resulta em prejuízo aos contribuintes mais conservadores e confiantes na presunção de constitucionalidade das leis se comparados com aqueles contribuintes que, desde sempre, decidem por questionar o cumprimento de leis tributárias. De acordo com o resultado, a solução dada pelo STF leva à conclusão de que o melhor é sempre questionar a lei.

Por fim, tal decisão também é um estímulo às leis inconstitucionais. Se o STF adotar como regra a modulação, cada vez mais os fiscos serão estimulados a criar normas inconstitucionais. Ora, se "potencial dano" ao Tesouro é justificativa para não se devolver tributos indevidos, nada mais oportuno para os fiscos cobrarem de forma indevida, pois a devolução nunca será na mesma proporção daquilo que foi cobrado. No caso da Tese do Século, por exemplo, a cobrança indevida vem ocorrendo há mais de 30 anos.

Incoerente, portanto, declarar a inconstitucionalidade de determinada cobrança, mas limitar o direito à devolução. Ao aplicar a modulação, mesmo que veladamente, para "ajudar" o orçamento público, o STF faz valer aquele velho ditado de que o "direito não socorre aos que dormem". "Espertos" os contribuintes que têm condições e buscam o Judiciário para evitar o pagamento de tributos, enquanto os "dorminhocos" devem sofrer as consequências negativas por confiarem na presunção de constitucionalidade das leis, ou por confiarem de boa-fé que eventual decisão do Supremo não seja um óbice à devolução daquilo pago a maior.

*Thales Stucky, sócio do Trench Rossi Watanabe Advogados

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