Entre altos e baixos de uma economia jovem e promissora, o respeito aos consumidores vai por água abaixo quando empresas conseguem emplacar o discurso irresponsável de que o brasileiro é um povo reclamão, que leva todo e qualquer prejuízo ao Judiciário. Nos tribunais, é cada vez mais frequente ouvir que o número de ações judiciais movidas por consumidores é tão grande que a atual estrutura do Poder Judiciário já não atenderia sua função: decidir o que é certo ou errado.
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Os números no noticiário apresentam somas aparentemente extraordinárias de liminares contra bancos, companhias aéreas e planos de saúde (os três setores mais demandados), embora sem detalharem quais seriam tais reclamações. Essa campanha, de tão sofisticada, ganhou até um solgan, de “litigância predatória”. Nela, os advogados especializados em defender consumidores contra abusos de maus fornecedores seriam predadores da Justiça pelo volume de trabalho que geram.
De mãos dadas, bancos, companhias aéreas e planos de saúde têm visitado insistentemente as Cortes brasileiras para estimular juízes a deixarem de julgar o mérito dessas milhares de ações, simplesmente pelo rótulo de serem demandas iguais e artificiosas. A cidadania não se engana com todo esse movimento que tenta calar o cidadão e criminalizar o trabalho de uma advocacia honrada que luta diariamente pelos direitos de quem paga preço de ouro para consumir desrespeito.
Essa estratégia é velha e conhecida cortina de fumaça. Para esconder suas falhas na prestação de serviço e o quanto lucram com elas, essas empresas ateiam fogo sobre o trabalho dos advogados e dos consumidores.
A situação isolada de menos de uma dezena de acusados em fraudes, segundo apurações da própria OAB, fica desvirtuada como se fosse o padrão de conduta dos demais advogados, que passaram a ter seus trabalhos questionados.
Enquanto se discute o número de ações tramitando, sob a fumaça perfeita, o brasileiro assiste aos bancos cobrarem os juros de varejo mais caros do planeta, sufocando os devedores em empréstimos impagáveis, no que resultam dezenas de milhões com nomes sujos no Serasa. Fraudes no PIX ou consignados, cobranças indevidas e ofertas malucas pelo telefone, quem nunca as viu que atire a primeira pedra.
É mais barato voar para a “gringa” do que visitar um parente no Estado vizinho, sem contar as incompreensíveis remarcações-relâmpagos, atrasos-cancelamentos injustificados e taxas caríssimas de surpresa no balcão. Quem vive no norte do País, vive essa realidade piorada.
Planos de saúde vendem contratos como água no deserto (com propagandas até em postes de rua), embora seja na porta dos hospitais que conheçamos a verdadeira angústia da indústria de rejeições cancelamentos arbitrários de tratamentos médicos, agora uma regra nos atendimentos e aplicativos.
Diante desse cenário, um grupo de juízes apresentou um estudo avaliando que o trabalho repetido que eles têm custa aos cofres púbicos R$ 25 bilhões, investidos para avaliar reclamações numerosas apresentadas por consumidores na Justiça. Mas, ao invés de resolver tais processos, sugere-se o arquivamento sumário desses casos, a partir de exigências burocráticas não previstas em lei (procurações especiais, documentos que o cidadão normalmente não recebeu, etc).
A cortina dos numerais impressiona, vende notícias, mas não desencoraja os advogados de seguirem trabalhando por cidadãos mais respeitados. Vamos olhar para além da nuvem criada!
Sozinhos, os maiores monopolizadores de cada setor preferem desrespeitar o Código do Consumidor porque faturam R$ 75 bilhões por mês, incluindo, obviamente, as conhecidas práticas que abarrotam a Justiça sem solução definitiva ou com condenações irrisórias.
É certo deixar de enfrentar as armadilhas feitas, minuto a minuto, contra correntistas fraudados, passageiros esquecidos e doentes sem atendimento? É um movimento errado do Estado se deixar levar pelos verdadeiros predadores e assumirem um pré-julgamento de que seríamos uma nação de chorões insatisfeitos, aliados a advogados que pretensamente queiram arrancar dinheiro fácil de empresas agora santificadas.
Vamos nos ligar na realidade de que só seremos respeitados para valer, como acontece com as empresas sérias dos States, quando a Justiça e os reguladores fizerem algo realmente efetivo pelos fracos. Lá fora, quem desrespeita cidadão é fechado ou paga multas bilionárias, aqui, não.
Na fila dos descasos diários que passamos com bancos, atendimentos médicos e transporte desordenado, está para nascer uma solução enérgica, concreta e à altura do número de insatisfeitos e prejudicados. Até pouco tempo atrás, era na Justiça que encontrávamos Justiça.
Se juízes estão sobrecarregados de trabalho repetido, por que não apresentaram soluções coletivizadas, ou mesmo exigirem algum resultado de outros reguladores como o Banco Central, ANAC e ANVISA? As agências, aliás, que se tornaram leões desdentados, de tão inertes.
Até lá, a advocacia dos consumidores não será calada e se manterá na luta para que, ao consumidor, seja mantido o respeito. A voz do cidadão ecoa melhor em um Estado Democrático sem névoas esfumaçadas que, ao invés de criticá-la, deveria ouvi-la, afinal, sustentamos o público e o privado.
O brasileiro luta, trabalha e paga suas contas. Entre dar trela a tubarões, melhor acreditar nos pleitos do cidadão comum e seus advogados, cada qual com uma biografia que “daria um livro por dia, sobre arte, honestidade e sacrifício. Arte, honestidade e sacrifício” (como diz o poeta).