O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), vê indicativos de que o advogado Roberto Zampieri, apontado como o ‘lobista dos tribunais’, era responsável por uma “espécie de gestão financeira” do desembargador Sebastião de Moraes Filho. Afastado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso desde agosto por suspeita de envolvimento com esquema de venda de sentenças, Moraes Filho está usando tornozeleira eletrônica. Outro desembargador do TJ de Mato Grosso, João Ferreira Filho, também é investigado e está sob monitoramento.
Segundo a Polícia Federal, o lobista - assassinado a tiros em dezembro passado - teria contemplado o desembargador Moraes Filho com um contrato para seu filho, Mauro Thadeu Prado de Moraes, também advogado, como “tentativa de agrado” em contrapartida à “influência” que Zampieri tinha junto ao gabinete do magistrado.
A suspeita surgiu a partir da recuperação de uma mensagem de Zampieri ao desembargador via celular em que o advogado diz que tinha conseguido “um contrato muito bom p [sic] o Mauro”.
Os investigadores acreditam que o contrato beneficiaria Mauro e “seria uma tentativa de agrado em virtude do pedido relevante que Zampieri teria feito ao desembargador dois dias antes”.
O Estadão pediu manifestações do desembargador, via Tribunal de Justiça de Mato Grosso e Associação de Magistrados do Estado. Entrou em contato com o filho do magistrado via Linked-in. O espaço está aberto.
Ao CNJ, o desembargador negou ter dado decisões favoráveis ao advogado “barbaramente assassinado”. Sebastião alegou que Zampieri “chegava ao cúmulo de vender juízes e desembargadores para ambas as partes e devolvia, quando devolvia, ao que perdia a demanda, segundo comentários nos corredores do Tribunal de Justiça”
Valdoir Slapak, outro investigado, disse que aguarda o desfecho das investigações para se manifestar e indicou que “sempre atuou com a mais absoluta lisura e transparência”.
Os detalhes sobre as relações entre Zampieri e o desembargador Moraes Filho constam da decisão que autorizou a Operação Sisamnes no encalço de um outro suposto lobista, Andreson Gonçalves, aliado de Zampieri. Na terça, 26, Andreson foi preso preventivamente.
Segundo o despacho de Zanin, Andreson exercia o comando de um ‘ousado e verdadeiro comércio’ de sentenças em gabinetes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Andreson também é investigado por tratativas junto a gabinetes de magistrados dos Tribunais de Justiça de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Zampieri foi assassinado a tiros na frente de seu escritório em Cuiabá em dezembro passado, mas nem assim escapou da Operação Sisamnes - seu antigo escritório foi alvo de buscas na terça, 26.
Foi o celular ‘bomba’ de Zampieri, encontrado ao lado de seu corpo caído na rua Topázio, na noite do assassinato, que colocou a Polícia Federal no rastro de amplo esquema de venda de sentenças que chegou até o STJ.
A investigação conduzida por Zanin mira três assessores de ministros do STJ supostamente envolvidos no esquema: Márcio José Toledo Pinto, que foi assessor nos gabinetes das ministras Maria Isabel Gallotti e Fátima Nancy Andrighi; Daimler Alberto de Campos, chefe de gabinete de Gallotti; e Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade, chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.
O Supremo Tribunal Federal informou que, até o momento, não há “elementos sobre o envolvimento de magistrados de tribunais superiores no caso”. O Superior Tribunal de Justiça nega ligação de seus ministros com o caso e investiga quatro servidores.
Sobre a Operação Sisamnes, a Corte informou que “não irá se manifestar, pois se trata de uma investigação que tramita sob sigilo no Supremo Tribunal Federal”.
Ao dar aval para a abertura da Sisamnes, Zanin resumiu algumas suspeitas que recaem sobre o desembargador Sebastião de Moraes Filho.
Segundo o ministro, a participação do desembargador no esquema é “bastante delineada nos autos”. Como mostrou o Estadão, o magistrado mantinha contato frequente com Zampieri. Eles conversavam sobre processos judiciais e também de amenidades, futebol, viagens e pilates.
A conversa que levou os investigadores a apontarem “alguma espécie de gestão financeira de Zampieri a favor do desembargador” foi mantida em 15 de setembro de 2023:
Desembargador: “Bom dia! ???”.
Roberto Zampieri: “Boa tarde,
Desembargador: Tudo bem? O PIX está errado, extornou [sic] o valor. Tente mandar o PIX correto que faço agora”.
Desembargador: “Ok”
Ainda em setembro do ano passado, o advogado informou ao desembargador que o “pagto [sic] da sobrinha foi feito” - os investigadores localizaram um comprovante bancário de R$ 10 mil.
A Polícia Federal diz que ainda não é possível indicar a razão do pagamento, mas Zanin entendeu que é possível que a movimentação “tenha a serventia de demonstrar as evidentes imbricações financeiras entre Zampieri e o investigado Sebastião”.
“Há indícios, de fato, de que este (desembargador) estaria sendo beneficiado por algum favor nessa transferência bancária”, registrou o ministro.
Em outro diálogo, dois meses depois, Zampieri enviou ao desembargador uma foto do que seriam barras de ouro de 400 gramas. A mensagem foi citada como uma “circunstância fática a refletir a proximidade e as intercessões” entre o advogado e o desembargador.
Honorários de R$ 12 milhões e a influência sobre o desembargador
Outro processo sob investigação da PF tem relação com um caso pelo qual Zampieri receberia R$ 12 milhões em honorários.
Segundo os investigadores, nesta ação, “Zampieri apresentou memoriais ao desembargador Sebastião com a intenção deliberada de obter influência em eventual decisão judicial a ser por este proferida”.
O lobista comentou sobre um processo, relativo ao cliente ‘José Pupin’ - uma suposta referência ao empresário que já foi considerado o ‘rei do algodão’ de Mato Grosso - em diálogos mantidos com outro investigado, Valdoir Slapak.
Foi com Slapak que Zampieri falou sobre o relógio Patek Philippe com o qual pretendia presentear um outro desembargador, João Ferreira Filho, também alvo da Operação Sisamnes.
Roberto Zampieri: “Sebastião pediu vista. Contrataram o filho dele, mas vou desmanchar. O da Colombo e o outro da quebra do sigilo deu tudo certo.”
Valdoir: “Boa!!! E Pupin?”
Roberto Zampieri: “E o do Pupin acabei xe [sic] resolver agora, vai julgar na sessão do dia 28/9, e também resolvi com o Des Sebastião. Tive que acomodar o filho dele.”
Valdoir: “Só notícias boas”
Roberto Zampieri: “Tive que acomodar o filho dele. Entendeu essa parte?”.
Beneficiar o filho do desembargador para agradar o magistrado
O diálogo do caso de ‘Pupin’ também chamou a atenção da PF por citar o filho do desembargador. Os investigadores resgataram uma nova conversa de Zampieri, com outro interlocutor, no qual o advogado afirma. “O do Pupin vamos ter que acertar as honrarias do filho dele, s [sic] outra parte havia procurado ele.”
A hipótese criminal da PF, neste caso somente, é a de que, entre 11 e 13 de setembro do ano passado, “emergiu possível poderio de Zampieri nos atos do desembargador Sebastião de Moraes Filho, indicando-se, outrossim, potencial favorecimento a um de seus filhos como compensação a um êxito judicial alcançado pela parte que Roberto Zampieri representava no processo”.
Há um terceiro diálogo, entre Valdoir e Zampieri, que cita o filho do desembargador Sebastião. Essa conversa foi destacada pelos investigadores em razão da inferência de que um dos filhos do desembargador estaria pedindo pelo auxílio do pai em um processo, em favor de um advogado adversário de Zampieri na ação.
Valdoir: “Preciso acertar contigo nosso valor em aberto. Boa tarde. Peguei esses carros... veja se te interessa.”
Roberto Zampieri: “Boa tarde. Qual o valor desses carros?”.
Valdoir: “Peguei por 350″.
Roberto Zampieri: “Ok. Tá bom! O valor nosso é 600, isso? A diferença você consegue me pagar essa semana?.”
Valdoir: “600 ou 400?”.
Roberto Zampieri: “O saldo era 400, mas aí teve o filho do Velho que eu e você acertamos pagar 200 p [sic] ele, pois ele deixou de atender o filho que estava pedindo em favor do Allan (suposto advogado adversário de Zampieri no caso). Não sei se você recorda.”
Valdoir: “fato”.
Em um diálogo travado um mês depois da ação que colocou os interesses de Zampieri do lado contrário dos do filho de Sebastião, o advogado contou ao desembargador que tinha “conseguido “um contrato muito bom p [sic] o Mauro”. Segundo a PF, a pessoa citada por Zampieri seria Mauro Thadeu Prado de Moraes, advogado e filho do magistrado.
Os investigadores dizem que o suposto contrato beneficiaria Mauro e “seria uma tentativa de agrado em virtude do pedido relevante que Zampieri teria feito ao desembargador dois dias antes”. A decisão de Zanin não detalha qual teria sido o contrato arranjado por Zampieri e nem dá detalhes sobre seu teor.