Além do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao menos outros 25 antigos alvos da Operação Lava Jato disputam as eleições deste ano. A grande maioria (19 candidatos) busca se eleger como deputado federal, dois tentam o Senado e apenas um almeja uma cadeira na Assembleia Legislativa do seu Estado. Outros três nomes se candidataram ao cargo de governador. Depois de passar um ano e sete meses na prisão após ser condenado na Operação Lava Jato a cumprir pena de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do triplex do Guarujá, Lula recuperou os direitos políticos e agora tenta voltar ao Palácio do Planalto.
A Lava Jato foi deflagrada em março de 2014, por ordem do então juiz federal Sérgio Moro, candidato ao Senado pelo Podemos no Paraná. Até ser extinta, em 2021, a operação viveu 80 fases e levou para o banco dos réus empreiteiros, doleiros, lobistas e políticos.
Entre os 26 políticos que agora registraram suas candidaturas na Justiça Eleitoral, alguns foram acusados criminalmente pela força-tarefa de Curitiba ou pela Procuradoria-Geral da República (PGR) - nos casos de detentores de prerrogativa de foro no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, em vários desses casos, as denúncias foram rejeitadas judicialmente, por inépcia ou insuficiência de provas, e os acusados nem réus se tornaram.
A prisão do ex-presidente petista marcou o auge da operação, que começou a declinar com a decisão de Moro de deixar a magistratura e virar ministro da Justiça e da Segurança Pública do presidente Jair Bolsonaro, eleito em 2018 no rastro do discurso de combate à corrupção.
SALDO. Refletido também na disputa eleitoral deste ano, o saldo da Lava Jato é uma oposição entre críticos e defensores contundentes da operação. Entre os algozes, a avaliação é de que, em nome do enfrentamento da corrupção, a Lava Jato permitiu e autorizou todos os meios disponíveis, inclusive os ilegais durante as investigações e processos. Seus defensores, protagonizados pelo ex-coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e o próprio Moro - que também são candidatos a cadeiras no Congresso Nacional -, afirmam que a operação foi alvo de um movimento orquestrado de desmonte, que livrou acusados que agora tentam voltar à cena política.
A complexidade da operação resultou numa disputa pelo "espólio" da Lava Jato, tanto pelos agentes dos mecanismos de controle, quanto pelos que foram investigados e presos, destaca Clodomiro Bannwart, advogado e pós-doutor em Filosofia pela Unicamp. Ele avalia que, neste cenário de discursos que flertam com o rompimento institucional, "a corrupção parece engalfinhada nas entranhas do estado de direito, maculando e pervertendo as instituições por dentro".
'ATESTADO'. Como aponta Silvana Batini, professora da FGV do Rio de Janeiro e doutora em direito público pela PUC, embora a participação de ex-alvos da Lava Jato nas eleições "faça parte do jogo", "a lei não dá um atestado de idoneidade". Pela legislação eleitoral vigente, ficam impedidos de concorrer apenas os candidatos que possuam condenação transitada em julgado (sem possibilidade de recurso) por alguns crimes. "A pessoa pode estar respondendo a vários inquéritos, pode estar até condenada numa primeira instância, e ela continua elegível", afirma Battini.
Na avaliação da professora, uma possibilidade para a formação do voto nestas eleições, é que "o eleitor construa os seus próprios critérios políticos de elegibilidade".
Em alguns casos, políticos precisam enfrentar batalhas nos tribunais para garantir a candidatura. Na semana passada, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha teve seu registro de candidatura autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) por quatro votos favoráveis e dois contrários. Após ficar preso de 2016 a 2021 no âmbito da Lava Jato, ele tenta voltar ao Legislativo federal pelo PTB. O caso deverá parar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"A Lava Jato expôs ao Brasil um esquema de corrupção sem precedentes, tanto em relação ao montante roubado dos cofres públicos quanto ao número de autoridades envolvidas", disse Dallagnol, que atuou como coordenador da extinta força-tarefa em Curitiba e também busca na política um novo caminho. Ele é candidato a uma cadeira na Câmara pelo Podemos.
Coordenador jurídico da campanha de Lula, o advogado Cristiano Zanin se tornou um dos críticos mais ácidos da Lava Jato e da atuação de Moro e "determinados" ex-procuradores nos processos que condenaram o ex-presidente. "Vencemos 26 procedimentos jurídicos que foram indevidamente abertos contra Lula na Justiça brasileira e também o comunicado que fizemos ao Comitê de Direitos Humanos em 2016."
Sobre os candidatos investigados na operação, Dallagnol é enfático: "Acredito que essas pessoas não tenham idoneidade nem reputação ilibada". Confira a seguir a lista com 26 candidatos que foram mencionados, indiciados, processados ou condenados na operação. A reportagem fez contato com cada um, por meio de seus advogados e assessores. Contudo, até a conclusão da reportagem, nem todos responderam aos questionamentos realizados.
Retorno às urnas de alvos da operação
Lula (PT)
Em abril do ano passado, o Supremo Tribunal Federal derrubou as condenações impostas pela Lava Jato a Lula. Em junho, a Corte concluiu que o então juiz Sérgio Moro foi parcial quando condenou o ex-presidente na ação do triplex do Guarujá, o que abriu caminho para Lula disputar a eleição presidencial de outubro.
Eduardo Cunha (PTB-SP)
Preso e condenado na Lava Jato, o ex-presidente da Câmara teve o mandato cassado em 2016, o que o deixou inelegível por oito anos. Em agosto, no entanto, ele foi beneficiado por uma decisão provisória da Justiça Federal em Brasília que suspendeu os efeitos da cassação, o que permitiu sua candidatura a deputado federal.
Aécio Neves (PSDB-MG)
O então senador foi denunciado em 2017 por corrupção e obstrução da Justiça com base na delação dos empresários do Grupo J&F - Aécio foi acusado pelo recebimento de R$ 2 milhões em propina. Em março deste ano, a Justiça Federal em São Paulo absolveu o hoje deputado, que este ano disputa a reeleição.
Arthur Lira (PP-AL)
Investigado no "quadrilhão do PP", por suspeita de arrecadar e receber propina repassada ao partido, o presidente da Câmara foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva. A denúncia foi rejeitada em fevereiro deste ano pelo STF. Lira busca a reeleição.
Beto Richa (PSDB-PR)
Ex-governador do Paraná, o tucano foi preso na Operação Integração, desdobramento da Lava Jato que mirou propinas de concessionárias de pedágios. Candidato a deputado federal, Richa foi denunciado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Romero Jucá (MDB-RR)
Candidato a senador em outubro, o emedebista foi denunciado sob acusação de integrar o "quadrilhão do PMDB", que, segundo a Procuradoria, recebeu R$ 864 milhões em propinas do esquema de corrupção instalado na Petrobras.
Affonso Monnerat (PP-RJ)
Denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa, quando foi secretário de governo do ex-governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão (MDB), Monnerat foi condenado por supostamente ter participado de uma organização criminosa estruturada anteriormente por Sérgio Cabral.
Ao Estadão, o candidato afirma sua inocência: "Consegui uma vitória importante: o desmembramento do meu processo, para ter mais celeridade no julgamento do meu recurso, já que nenhum empresário ou colaborador tenha falado que participei de qualquer ato ilícito".
Afonso Hamm (PP-RS)
O candidato foi citado por Alberto Youssef em um depoimento, contudo, a Procuradoria-geral da República arquivou o inquérito por falta de provas em setembro de 2017.
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB)
Em 2017 o candidato foi investigado por supostamente participar de uma organização criminosa junto de outros parlamentares do PP. Contudo, em 2021, o STF arquivou o inquérito.
Aline Corrêa (União Brasil-PE)
Denunciada por peculato, a candidata afirma que "toda pessoa que atua na vida pública está sujeita a denúncias, na maioria das vezes por motivações políticas. No meu caso foi exatamente o que aconteceu, a ponto de o Ministério Público Federal pedir 'o arquivamento do caso da Deputada Aline Corrêa pela inexistência de linha investigatória potencialmente idônea'. E o Poder Judiciário confirmou este arquivamento. Portanto, sempre fui e sempre continuarei sendo uma Deputada ficha limpa".
Cacá Leão (PP-BA)
Não chegou a ser denunciado.
Delcídio do Amaral (PTB-MS)
Denunciado pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, o candidato afirma através de sua assessoria que seus direitos políticos foram restabelecidos "após a Justiça Federal declarar que foi vítima de uma armação". A votação do TRF-1 foi unânime a favor do candidato.
Fernando Collor (PTB-AL)
O ex-presidente foi denunciado pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e comando de organização criminosa.
Fernando Pimentel (PT-MG)
Pimentel chegou a ser investigado por uma suposta interferência nas investigações da Lava Jato. Contudo, o STJ arquivou o inquérito por falta de provas em agosto de 2017. Em nota, através de sua assessoria, o candidato afirma que "jamais teve qualquer relação com a operação Lava Jato e, por isso, nunca foi alvo de nenhuma das operações realizadas no RJ, SP e PR. Nas investigações da operação Acrônimo, em que esteve injustamente envolvido, foi absolvido em todas, sem exceção".
Gladson Cameli (PP-AC)
Não chegou a ser denunciado.
João Leão (PP-BA)
Não foi denunciado.
Lindbergh Farias (PT-RJ)
Não há denúncia contra o candidato.
Luis Carlos Heinze (PP-RS)
Não chegou a ser denunciado.
Luiz Fernando Faria (PSD-MG)
Denunciado por corrupção passiva qualificada.
Mário Negromonte Junior (PP-BA)
Em nota enviada pelo seu advogado, Carlos Fauaze, o candidato denunciado por lavagem de dinheiro afirma que "a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal foi rejeitada por unanimidade. Tecnicamente isso significa dizer que o Deputado Mário Negromonte Júnior sequer foi processado no âmbito da referida operação, eis que os elementos levantados contra si durante as investigações foram considerados insuficientes para permitir o início do processo".
Missionário José Olímpio (PL-SP)
Não há denúncia contra o candidato.
Renato Delmar Molling (PP-RS)
Não foi denunciado.
Roseana Sarney (MDB-MA)
Em nota, a assessoria da candidata afirma que ela "nada tem a comentar", pois a PGR arquivou a investigação por falta de provas.
Sandes Júnior (PP-GO)
Ao Estadão, o candidato afirma que "vários parlamentares do meu partido foram investigados. Eu tive o meu processo arquivado por absoluta falta de provas e de consistência pelo ministro Fachin".
Vander Loubet (PT-MS)
Denunciado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Waldir Maranhão (PDT-MA)
Não foi denunciado.
Duas perguntas para Carlos Velloso, ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)
Pelo menos 26 candidatos nestas eleições foram alvo da Lava Jato. Muitos deles beneficiados pela anulação de processos e pela mudança de entendimento do STF a respeito da execução da pena e da competência. Como vê isso?
Na maioria dos casos, parece-me, teria ocorrido a modificação da jurisprudência do Supremo pela ocorrência de Caixa 2 em campanha eleitoral. Entendeu-se, então, pela competência da Justiça Eleitoral, para onde os processos foram remetidos. Outros casos foram beneficiados com a mudança da jurisprudência do STF a respeito do início da execução da pena. O meu entendimento pessoal é outro, conforme já escrevi a respeito. Mas decisão da Justiça não se discute.
Como avalia a volta à política de candidatos com pendências judiciais?
Ora, se são elegíveis, segundo a legislação eleitoral, não cabe deixar de ser registrada a candidatura, cabendo ao eleitor acolher ou desacolher os nomes dos candidatos com pendência judicial.
COLABOROU LUIZ VASSALO