Se a Justiça Eleitoral reconhecer como falso o laudo usado para atacar o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) nesta sexta-feira, 4, o candidato Pablo Marçal pode ser cassado e ficar inelegível por oito anos, além de pegar até três anos de prisão por crime contra a honra do rival à Prefeitura de São Paulo e pela eventual falsificação de documento. É o que apontam advogados especializados em direito eleitoral consultados pelo Estadão, que veem o possível enquadramento de Marçal em graves crimes eleitorais, além de delitos tipificados no Código Penal.
A maioria dos eleitoralistas consultados pela reportagem considera uma eventual prisão de Marçal às vésperas do primeiro turno improvável, mas há divergências. A Lei Eleitoral veda a prisão de qualquer candidato desde o dia 21 de setembro, a não ser em caso de flagrante delito. Assim, caberá à Justiça Eleitoral avaliar se a divulgação, nas redes socais, do laudo com indícios de falsificação configura o estado de flagrância.
A divulgação do documento com indícios de falsificação que atribui a Boulos suposta internação por uso de cocaína já é pivô de ações na Justiça Eleitoral. O candidato apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu à Justiça a derrubada das publicações sobre o laudo. Também ingressou com uma notícia-crime contra Marçal – processo ao qual foi imposto sigilo pelo juízo eleitoral, “por ser mais prudente em razão das medidas cautelatórias”, segundo a assessoria do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
Advogados veem espaço ainda para a impetração, por parte da campanha de Boulos, de uma Ação de Investigação Eleitoral sobre a conduta de Marçal. Os eleitoralistas acreditam que a conduta de Marçal pode ser enquadrada em delitos como: uso indevido dos meios de comunicação social; injúria, calúnia e difamação eleitoral; falsidade documental para fins eleitorais; divulgação de fato sabidamente inverídico; e até associação criminosa.
Esses delitos foram elencados pelo professor Fernando Neisser, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (Ipade).
Ele destaca a gravidade da publicação de um laudo com indícios de falsidade, às vésperas do pleito, ainda mais tratando de um tema polêmico e que foi objeto de análise durante toda a campanha.
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O advogado aponta a repercussão que Pablo Marçal tem em suas redes sociais – e que ele “sabe que tem” – e entende que o caso configura uso indevido dos meios de comunicação social. Segundo o especialista, os crimes que podem ser atribuídos a Marçal são graves e, “em estado de flagrância podem levar o candidato a ser preso mesmo às vésperas da eleição”.
Na mesma linha de Neisser, a advogada Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima, especialista em Direito eleitoral, vê ainda possibilidade de enquadramento de Marçal por abuso de poder político, considerando a suposta divulgação de informação fabricada, com a finalidade de prejudicar candidato.
O advogado Felipe da Costa, especialista em Direito Eleitoral e Administrativo, soma à lista de possíveis imputações a Marçal o crime de abuso de poder econômico. “A divulgação de laudo supostamente falso, se comprovada tal condição ilegal do documento - o que parece ser o caminho diante das informações conhecidas até agora - fatalmente será objeto de ação que pode culminar com a condenação de Pablo Marçal”, frisa.
A professora da FGV Direito do Rio Isabel Veloso também vê possibilidade de Marçal ser enquadrado por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, mas pondera que a sanção não é imediata e requer a instauração de um processo judicial.
“Sendo assim, embora a inelegibilidade de Marçal dependa da tramitação e julgamento dessas ações, o dano causado ao candidato Boulos nas vésperas da eleição pode ser irreversível, comprometendo sua imagem perante o eleitorado e influenciando o resultado das eleições, já que a correção de informações falsas, em geral, não tem o mesmo alcance ou efetividade”, avalia.
Rubens Bećak, professor associado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, destaca os reflexos do caso inclusive na esfera penal. Segundo ele, se ficar provada falsidade ideológica e que o boletim foi montado fica configurado crime contra a honra, punidos pelos Códigos Eleitoral e Penal com penas de prisão, multa e indenização.
Becak não considera plausível que haja uma manifestação sobre o caso até este domingo. 6, quando se realiza o primeiro turno das eleições. Ele também não considera provável um desfecho do caso até o segundo turno, sendo mais indicado se pensar nos reflexos do imbróglio pós-eleições. “Em um cenário hipotético, por hipótese, em que Marçal vença e, no curso de um inquérito, der numa ação penal em que se prove a adulteração, ele é passível de cassação. E pode haver ainda configuração de inelegibilidade”, pondera.
Precedentes Bolsonaro e Francischini
Os advogados consultados pelo Estadão veem alguns paralelos entre os processos que levaram à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) – inelegíveis por atacarem as urnas eletrônicas. Ambos foram condenados, entre outros crimes, por uso indevido dos meios de comunicação – tipificação que, segundo os advogados eleitorais, pode gerar o enquadramento de Marçal.
A avaliação geral é a de que os casos de Bolsonaro, Francischini e Marçal envolvem a divulgação de fake news de forma maciça pelas redes sociais.
Os especialistas dizem que o modo de agir verificado nos três casos é semelhante, com a divulgação de informações sabidamente falsas com o intuito de desequilibrar o pleito.
De outro lado, a advogada Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima destaca as diferenças entre os casos: “As decisões nos casos do ex-presidente Bolsonaro e de Franscischini tinham como fundo a disseminação de notícias falsas, mas voltadas à descredibilizar o processo eleitoral, não sendo um ataque direito a um opositor. De todo modo, há um ponto em comum: o debate envolve o fenômeno das fake news”
Já a professora da FGV Direito do Rio Isabel Veloso vê espaço para o precedente de Francischini ser eventualmente aplicado ao caso de Marçal, vez que no julgamento do ex-parlamentar, em 2021, o Tribunal Superior Eleitoral, considerou que a disseminação de desinformação em larga escala e com potencial de interferir no pleito compromete a lisura das eleições.
O advogado Marcelo Aith, criminalista. mestre em Direito Penal pela PUC-SP. avalia que ‘caso seja confirmado o que a imprensa, uníssona, tem apontado, Pablo Marçal cometeu crime previsto no artigo 304 do Código Penal brasileiro’ - ‘fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os artigos 297 a 302″, o que sujeita o autor às mesmas penas cominadas à falsificação ou alteração’.
“Isso significa que a penalidade para o uso de documento falso é equivalente àquela prevista para a falsificação do próprio documento, ou seja, pena de reclusão de um a cinco anos e multa”, assinala Aith.
Ele faz uma ressalva. “No entanto, para que haja a configuração do crime, é necessário que o agente tenha consciência de que o documento é falso e a vontade de utilizá-lo como se fosse verdadeiro. Tudo indica, considerando o histórico durante a campanha, que Marçal teria consciência da falsidade do laudo que apresentou.”
Marcelo Aith anota, ainda. “Um ponto importante a se destacar, em que pese o tipo penal, para a sua confrontação, se exije que o uso do documento cause efetivamente um prejuízo, é necessário que o autor tenha o dolo, ou seja, a intenção de obter alguma vantagem indevida ou de causar dano é um elemento que geralmente está presente.”