O empresário Marcelo Odebrecht confirmou nesta segunda-feira, 7, o acerto de propinas ao PT em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, relacionados ao financiamento pelo BNDES de exportação de serviços do grupo em Angola, na África. Ouvido como delator pelo juiz federal Vallisney Oliveira, da 10.ª Vara Federal de Brasília, disse que manteve o teor de suas delações e voltou a apontar contradições nos depoimentos do pai, Emílio Odebrecht.
O caso dos negócios da Odeberecht em Angola tem Lula como réu em dois processos penais abertos na Justiça Federal, em Brasília, resultado da Operação Janus - deflagrada em 2016 em desdobramento às descobertas da Lava Jato. O principal, que trata do suposto acerto de US$ 40 milhões de propinas ao PT pela liberação dos aumento da linha de crédito do BNDES, em 2010, que tem como alvos Lula e o ex-ministro Paulo Bernardo. O outro, é o que apura corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência contra o ex-presidente e Taiguara Rodrigues dos Santos, conhecido como "sobrinho de Lula", em que foi ouvido nesta segunda, 7.
Marcelo ainda disse que 'o Instituto Lula era romaria de empresários'.
"Naquela época, eu tinha uma conta corrente que eu e Palocci administrávamos, e que pertencia ao PT, Lula e que, na verdade, era fruto de um combinado de Lula com meu pai. Quando havia pedidos de valores para ajudar o PT, saia dessa conta corrente." A conta corrente está registrada na "Planilha Italiano", que a Lava Jato apreendeu. Era a contabilidade informal do crédito de R$ 300 milhões que os Odebrecht reservaram para pagamentos ao PT.
Odebrecht afirma que na "Planilha Italiano" havia duas "contrapartidas" - que seriam os negócios em que houve cobrança condicional de propinas -, o caso do chamado "rebate" no negócio em Angola e BNDES e o do Refis da Crise. "Esses dois foram de fato contrapartidas solicitadas, e que geraram créditos." Ele confirmou o envolvimento do ex-ministro Paulo Bernardo. "A Planilha Italiano era a conta corrente onde havia créditos que eram colocados em função de pedidos, que eram feitos, principalmente através de Palocci. Basicamente por Palocci e, no caso do rebate, por Paulo Bernardo."
Acusa o pai. Em quase uma hora e meia de depoimento ao juiz da 10.ª Vara Federal, Odebrecht confirmou o que sabia sobre o caso e acusou o pai e o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar de "contradições" ao falarem à Justiça sobre a participação do ex-presidente e o acerto de valores.
"Como a relação de Lula pertencia ao meu pai, eu tinha que referendar esses valores com ele, buscar a autorização dele. Só que agora ele está dizendo em depoimento que nunca conversou com Lula sobre valores."
Na sexta, 4, Odebrecht já havia prestado depoimento ao juiz, no processo em que Lula e Paulo Bernardo são réus. Nos dois termos, explicou que não teve participação direta nos supostos acertos com o ex-presidente, mas que tanto o pai, como Palocci e outros executivos relataram os pedidos narrados na colaboração - homologada em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Após depoimento de sexta, no processo principal, defesas dos réus viram "recuo" do empresário. Ele classificou como injusta uma condenação de Lula, diante das contradições a serem explicadas pelo pai e por Palocci, sobre o caso. Nesta segunda, voltou a falar que o que "sabia, era via Alexandrino e o pai". "E os dois têm várias contradições nos depoimentos deles em relação ao que me contaram à época."
"O grande ponto da questão é que tem alguns itens, que eu tinha obtido através de meu pai informação de que ou ele tinha falado com Lula, ou ia falar com Lula e eu autorizava. Mas que basicamente nesse momento, ou ele esqueceu, e está no direito dele, ou ele falava uma coisa comigo e falava com Lula outra. Então isso que precisava esclarecer."
"Sempre deixei bem claro, em todas minhas colaborações, em todos meus depoimentos, sempre, não só o da sexta passada na ação penal do rebate (de Angola), em todas as ações penais em que eu tive, que nunca tive relação nem responsabilidade pelas tratativas com presidente Lula." Mas explicou que "referendava valores" com Emílio. Odebrecht foi diretor-presidente do grupo de 2009 até 2015, quando foi preso pela Lava Jato - cumpriu dois anos de prisão e agora está em regime domiciliar, monitorado por tornozeleira eletrônica.
"Só que agora ele (Emílio) está dizendo em depoimento que nunca conversou com Lula sobre valores." Desde a delação, pai e filho romperam relações. "Respondo pela minha colaboração e pelo o que eu falei. Se pessoas acertaram propinas e disseram que não acertaram, eles é que têm que responder. Posso responder pela minha colaboração."
Sobrinho. No processo em que Odebrecht foi ouvido nesta segunda, as acusações são relacionadas aos supostos pagamentos feitos para Lula e para o "sobrinho", no negócio de Angola. O delator explicou que não teve envolvimento direto com o caso.
"Não tive nenhuma relação com esse assunto da contratação do sobrinho, e o que eu soube, soube depois. Como também não era responsável pela relação com o presidente Lula, nem constava nos meus anexos. Quando veio a denuncia (do MPF, em 2016) eu ainda não tinha fechado o acordo de colaboração, eu apenas citeu em um dos meus anexos o que eu sabia dos fatos", explicou Odebrecht, ao juiz.
O delator voltou a contar que um executivo o comunicou sobre o pedido de "apoio" a Santos. "O que eu soube foi que por volta de 2011, que o Ernesto Bayard me alertou, que houve pedido de Lula, não sei se a meu pai ou Alexandrino para que nós pudéssemos subcontratar o sobrinho dele em Angola."
Disse ainda que, tempos depois Alexandrino Alencar também relatou novo pedido para ajuda ao "sobrinho". "Não tinha falado nada, porque não tinha me envolvido." A empresa Exergia, que pertence a Souza, teve contratos milionários com a Odebrecht. Marcelo foi questionado se confirmava a denúncia do MPF - que é de 2016 - inicial do processo, que vinculava o empresário à negociação com Lula para pagamento de R$ 20 milhões por meio da contratação do "sobrinho". Ele negou, mas deu sua versão sobre o fato.
Odebrecht disse que a denúncia gerou uma situação "injusta" contra ele, que o coloca como espécie de co-réu do caso, mas ela foi feita antes dos acordos de colaboração. "Ocorreu quando não tínhamos fechado a colaboração. Portanto, foi o que o Ministério Público conseguiu angariar sem a nossa colaboração." Ele disse que tentou alertar a Procuradoria sobre o fato dele não estar envolvido.
"Não sei em relação a todos os fatos, mas o meu envolvimento não houve. E a gente, ao meu modo de ver, corroborou isso com vários depoimentos de outras pessoas. Mas o Ministério Público manteve a denuncia e meu envolvimento, o que criou uma situação ao meu modo de ver injusta."
Defesa. O advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse na última sexta que os depoimentos de Marcelo e de Emílio, somados, deixam claro que "o ex-presidente não praticou nenhum ato ilícito que foi imputado a ele nessa ação."
"Não há como sustentar vínculo com o ex-presidente. Se ocorreu algum fato ilícito, não tem qualquer participação de Lula", disse Zanin.