O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Carlão Pignatari, como governador em exercício, vetou o Projeto de Lei 300/2020, que pretendia acabar com o direito à meia-entrada estudantil através do artifício de sua extensão a todas as pessoas entre 0 e 99 anos, indistintamente.
Não é de hoje que a Lei confere a estudantes o direito a educação, cultura, esporte e lazer - a Constituição de 1988 é bastante extensa nestas garantias. É neste contexto que se insere a meia-entrada, em vigência há décadas, e atualmente lastreada na lei federal 12.933/13. Ela regulamenta não só o benefício, mas também as formas pelas quais a condição de estudante é comprovada, a tecnologia para verificação de cada documento e a sua certificação digital.
Mas, pelo jeito, há quem pense que a atividade legislativa e a formação dos estudantes sejam brincadeira, como se nota pelo conteúdo da proposta do debochado deputado Arthur do Val. O projeto foi construído para "driblar" a regra federal, contrariando, de forma leviana, a Constituição Federal. A justificativa apresentada baseia-se na afirmação: "se todos tiverem o direito à meia-entrada - se o direito for "universal" - basta que os empresários do setor de espetáculo dobrem o preço de todos os ingressos."
Ou seja: ficaria instituído o direito universal à meia-entrada, para que esta não mais existisse. Uma lei que, confessadamente, criaria um direito com o claro propósito de fazer com que este jamais viesse a se concretizar. Uma grande mentira, promovida pela própria lei!
Desnecessário arrolar os princípios e disposições constitucionais que impedem a aprovação de normas que promovam mentiras ou falsidades - sobretudo quando assumidas como fundamentos delas. Diante disso, o PL sempre foi flagrantemente inconstitucional, assim como seria uma eventual sanção.
Ao invés de pacificar a questão da meia-entrada e permitir ao setor a aplicação do "preço ideal" da "metade do dobro", a proposição geraria imensa insegurança jurídica. Isso porque uma lei estadual não teria o condão de revogar lei federal - razão pela qual a Lei 12.933/13 continuaria vigente, garantindo ao estudante o "pagamento da metade do preço do ingresso efetivamente cobrado do público em geral".
Ora, se o falacioso projeto de lei passasse a vigorar, caberia a pergunta: qual o preço efetivamente cobrado do público em geral?
Neste caso, a Lei Federal exigiria que o valor a ser cobrado do estudante fosse a metade do valor real, e não do fictício. Afinal, a lei foi redigida para impedir arbitrariedade de preços e promoções que servissem de obstáculo à consecução de seus objetivos.
Levada adiante, a questão seria judicializada. Qualquer que fosse a decisão final de tribunais, ela não seria tomada antes da ocorrência de uma infinidade de processos, reclamações de consumidores e um grande prejuízo para todos os envolvidos: estudantes, promotores de eventos e a sociedade em geral. Felizmente não foi preciso.
Ao fim e ao cabo, fica a lição: direitos não são brincadeira, merecem ser tratados com respeito e seriedade. Leis não podem ser veículos para mentiras e falácias. Não estava em jogo apenas o direito à meia-entrada de estudantes, mas toda a credibilidade e segurança que um sistema jurídico proporciona.
*Letícia Chagas, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto (Direito USP)
*Luã Prado Tiozzi, presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto (Direito PUC-SP)
*Murilo Nunes dos Santos, diretor do Centro Acadêmico João Mendes Junior (Direito Mackenzie)
*Rodrigo Siqueira Junior, presidente da Federação Nacional dos Estudantes de Direito (Fened)
*Marcio Ortiz Meinberg, advogado, doutorando em direito constitucional (PUC-SP), ex-presidente da APG (PUC-SP)